Em 13/06/2017

“Como decíamos ayer” - Discurso de abertura do presidente do IRIB no XLIV Encontro Nacional, em Curitiba/PR


Sérgio Jacomino, em suas palavras, lembrou que o IRIB é e sempre foi a "casa do registrador de imóveis brasileiro"


Registradores, registradoras. Senhores e senhoras. Amigos e amigas.

Inicio estas breves palavras com a evocação do Frei Luís de León, uma das mais destacadas figuras da poesia renascentista espanhola, teólogo e catedrático, que viveu no século XVI e lecionou na célebre Universidade de Salamanca.

No cerne de uma dissensão política que dividia as ordens dominicana e agostiniana, desencadeada por divergências teológicas (no fundo alimentada por caprichos e vaidades), Frei Luís foi encarcerado em Valladolid, sob a acusação de preferir a versão hebraica da Bíblia à Vulgata e de ter traduzido o Cântico dos Cânticos à língua vulgar.

No cárcere da inquisição, padeceu cinco anos. Solto, retomou suas atividades catedráticas quando terá pronunciado estas palavras que se tornaram célebres: “como dizíamos ontem” - dicebamus hesterna die – como se o longo interregno jamais tivesse existido.

Como decíamos ayer...

No ano de 2001, ao assumir a primeira gestão à frente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, lançava este desafio:

"Seremos capazes de nos afirmar como profissionais do direito, exercendo essa atividade tão singular, tão própria, no cenário jurídico brasileiro? Seremos capazes da ultrapassagem de velhos paradigmas que imperaram, conformaram e deram sentido às nossas atividades ao longo dos últimos séculos? Seremos capazes de nos assumirmos como profissionais do Direito exercitando em plenitude essa necessária independência institucional e profissional? Enfim, seremos capazes de realizar nosso destino exatamente como de nós espera a sociedade brasileira? ”.

Depois de mais de uma década, vemo-nos diante do desafio de retomar o fio condutor do desenvolvimento do Registro de Imóveis brasileiro em suas múltiplas frentes – institucional, tecnológica, legal, corporativa e jurídica.

Hoje, enfrentamos imensos obstáculos e ameaças que se antepõem à jornada de desenvolvimento do Registro de Imóveis rumo ao seu futuro.

De um lado, temos o iminente perigo da administrativização do Registro de Imóveis brasileiro com a captura do sistema pela administração pública federal.

Testemunhamos, com grande consternação e perplexidade, a estruturação de um modelo que reduz os dados registrais a meros elementos cadastrais, atraindo, para o coração do Executivo Federal, elementos que formam e revelam a situação jurídica de todos os imóveis brasileiros e de todas as titularidades de direitos. Inaugura-se, com a iniciativa, um “cartório federal”, centralizado, com indicação de um número único de matrícula nacional. Essa base de dados será constituída, mantida e atualizada, a cada ato praticado, de modo compulsório, por cada registrador brasileiro. (Decretos 8.764, 8.777 e 8.789, todos de 2016)

Fomos confrontados com um modelo de organização do sistema registral que o subordina ao cadastro, reduzindo o Registro de Imóveis a mero layer, simples camada residual de um repositório administrativo complexo e multifinalitário.

Tudo isso representa um desvio da orientação multissecular de nosso sistema, que sempre apontou ao modelo de registro de direitos e que comporta a ideia de interconexão com os cadastros. O desvio reconverte o Registro de Imóveis em mero apêndice do cadastro técnico multifinalitário para fins de “gestão territorial”.

Por outro lado, assistimos à postergação de um modelo adequado de coordenação e interconexão de todo o sistema registral pátrio – representado pelo SREI, projeto comandado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – por sistemas atomizados e inorgânicos, muitas vezes reféns de empresas privadas.

Como decíamos ayer...

Não podemos parar o tempo, nem evitar os influxos de mudanças sociais e econômicas que se refletem no Registro de Imóveis. Tais demandas, que se diversificam, multiplicam e se transformam, estão a exigir de nós, registradores, soluções adequadas e consentâneas com os reclamos da sociedade brasileira.

O tempo não para!

É preciso lembrarmo-nos de que o prazo legal para instituição de um Registro de Imóveis em meios eletrônicos expirou em 2014, malgrado os esforços do Conselho Nacional de Justiça, que editou a Recomendação 14/2014, e de todos nós que trabalhamos arduamente na construção do Sistema de Registro de Imóveis eletrônico – SREI.

É necessário voltarmo-nos aos termos da equação posta aos registradores imobiliários: a instituição do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico a nós compete. As centrais estaduais são importantíssimas, mas são um ramal, um apêndice do SREI, como pudemos esclarecer na Carta do Presidente publicada pelo IRIB.

Há um novo mundo a ser desbravado. Universalização e ponto único de acesso, padrões uniformes de intercâmbio de informações, interoperabilidade, banco de dados referencial, repositório confiável de documentos natodigitais, livros eletrônicos, verificação de integridade, matrícula digital etc. É preciso acelerar o processo de modernização do sistema registral.

Na despedida da primeira gestão, em 2006, deixei consignado nos anais do Instituto o seguinte:

“Eu tive um sonho...

Um dia, há muito, tive um sonho. Um lindo sonho de realizações, um belo sonho de transformações.

Sonhei que o Registro de Imóveis despertava de um sono profundo, tranquilo e duradouro. Vi que o impulso de renovação despontava em tímidos movimentos. Logo ele se faria mais firme, mais rápido, intenso, seguro, certo. Um registro que atingindo afinal o termo de um longo ciclo agora agita-se em ondas de transformação.

Eu tive um sonho de mudanças. E era um sonho de renovação.

Estava em minhas mãos tocar este velho companheiro, impulsioná-lo tão suavemente quanto pudesse para ajudá-lo a realizar o seu grande destino”.

Como decíamos ayer...

Do Registro de Imóveis cuidam os registradores!

Esta Casa é o fórum próprio e adequado para acolher, ponderar, discutir e solver divergências. Devemos buscar diluir as controvérsias, dar à luz boas ideias, fomentar as discussões técnicas e acadêmicas, produzir conhecimento, congregar companheiros de profissão, tudo em paz e harmonia.

O IRIB é – sempre foi – a “casa do registrador imobiliário brasileiro”. E a lei agora o reconhece expressamente!

Vamos construir pontes. É necessário agregar, somar esforços, conjugar boas ideias, atrair homens e mulheres devotados ao engrandecimento de nossa instituição.

Como dizíamos ontem e hoje: algo acontece agora. O futuro bate à nossa porta. Você está preparado?

Que o futuro nos encontre preparados e dispostos a superar os desafios, vencer as controvérsias, buscar, em boa paz, o que só os registradores imobiliários podem oferecer para o engrandecimento do Registro de Imóveis brasileiro.

Declaro abertos os trabalhos do XLIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil. Muito obrigado!

Sérgio Jacomino

Presidente



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