Em 16/02/2018

Artigo: União estável e a publicidade registral - Por Sérgio Jacomino


O r. acórdão do STJ que hoje destacamos para a série Kollemata trata de importante tema relacionado com a publicidade registral. O aresto confirma o bom rumo sistemático que o tribunal tem dado a matéria. O tema central do debate é este: deve-se privilegiar um direito estático (aqui representado pelo direito à meação do convivente) ou o direito de terceiros, aspecto dinâmico da publicidade registral?


UNIÃO ESTÁVEL - ALIENAÇÃO - OUTORGA CONVIVENCIAL. PUBLICIDADE REGISTRAL. 

O r. acórdão do STJ que hoje destacamos para a série Kollemata trata de importante tema relacionado com a publicidade registral. O aresto confirma o bom rumo sistemático que o tribunal tem dado a matéria.

O tema central do debate é este: deve-se privilegiar um direito estático (aqui representado pelo direito à meação do convivente) ou o direito de terceiros, aspecto dinâmico favorecido pela publicidade registral?

Situação de fato - efeitos jurídicos

A situação de fato é a seguinte: um casal conviveu por longos em união estável, ao cabo do qual adquiriu vários bens imóveis no interregno – fato cabalmente provado nos autos. Ao se separaram, o varão os alienou a terceiros, vindo a companheira a pleitear em juízo a anulação das escrituras e, fato reflexo, o cancelamento dos registros. Fundou o seu pedido no art. 5º da Lei 9.278/1996, buscando a aplicação da regra do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.647, I, e 1.725 do CC).

O STJ pôs em relevo a necessidade de se proteger a situação jurídica que decorre do condomínio advindo da união estável, tutelando os interesses do próprio convivente. Contudo, não ocorrendo a inscrição do contrato convivencial no registro de imóveis competente, deve-se buscar proteger os direitos daqueles que, de boa-fé, adquiram daquele que figura no registro como solteiro e em pleno gozo das faculdades de disposição do direito.

Publicidade registral - terceiros de boa-fé

Deve-se proteger o terceiro de boa-fé, eis que, “ao contrário do que ocorre no regime jurídico do casamento, em que se tem um ato formal (cartorário) e solene, o qual confere ampla publicidade acerca do estado civil dos contratantes, na união estável há preponderantemente uma informalidade no vínculo entre os conviventes, que não exige qualquer documento, caracterizando-se apenas pela convivência pública, contínua e duradoura”.

Portanto, não havendo a notícia no registro imobiliário da compropriedade decorrente da união estável -- nem, tampouco, prova de má-fé dos adquirentes dos bens --, impõe-se o reconhecimento da validade dos negócios jurídicos celebrados, a fim de proteger o terceiro de boa-fé.

Há de ser destacado, no v. aresto, o voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que promove excelente incursão histórica na tramitação aziaga do projeto que afinal se converteu na Lei 9.278/1996. Desde o seu advento, lembra o ministro, houve severas críticas dirigidas à rejeição e veto dos arts. 3º e 4º do projeto que tratava da eficácia, perante terceiros, do contrato de convivência previsto no art. 5º da dita norma. Os problemas que hoje o tribunal enfrenta foram antevistos claramente pela doutrina, como citado no corpo aresto que ora divulgamos. Eu mesmo, em longevo artigo, já apontava para esses problemas.

Outros dois aspectos foram muito bem apanhados pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. O primeiro deles é a incidência do parágrafo único do art. 54 da Lei 13.097/2015 ao caso concreto:

“Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel”.

Outro é o § 2º do art. 167, que trata da nulidade do negócio jurídico simulado, ressalvando-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Confira o acórdão: → REsp 1.592.072-PR, j. 21/11/2017, Dje 18/12/2017, rel. min. Marco Aurélio Bellizze.

Confira também

  1. JACOMINO. Sérgio. União civil de pessoas do mesmo sexo. Boletim Eletrônico do IRIB n. 313, de 11/5/2001 in Thesaurus, 2007.
  2. JACOMINO. Sérgio. União estável e a publicidade registral. In Observatório do Registro, 21.9.2015.
  3. REsp 1.424.275 – MT, j. 21/8/2014, DJ 16/12/2014, rel. min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO.


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