Em 02/10/2018

Artigo - A alienação fiduciária de coisa imóvel e os leilões após a consolidação da propriedade imobiliária – Por Bruno José Berti Filho


A alienação fiduciária de coisa imóvel foi introduzida no Brasil pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, trazendo diversas inovações no Direito nacional, já que estabeleceu um procedimento extrajudicial para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário


1) INTRODUÇÃO
A alienação fiduciária de coisa imóvel foi introduzida no Brasil pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, trazendo diversas inovações no Direito nacional, já que estabeleceu um procedimento extrajudicial para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário.
O presente artigo analisará os leilões que devem ser feitos após a consolidação da propriedade imobiliária em nome do credor, passando por alguns aspectos da alienação fiduciária relativos à consolidação da propriedade e pelas alterações legislativas existentes.
 
2) A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
A alienação fiduciária foi admitida pelo Direito brasileiro através da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (lei que disciplinou o mercado de capitais e estabeleceu medidas para seu desenvolvimento), no artigo 66. Então limitada aos bens móveis, ela estabelecia o domínio da coisa ao credor (“caput” do citado artigo), continuando o devedor com a posse direta do bem em nome daquele, com as responsabilidades do depositário (§ 2º do mesmo artigo). A lei adotou uma definição singela da alienação fiduciária, estabelecendo que “nas obrigações garantidas por alienação fiduciária de bem móvel, o credor tem o domínio da coisa alienada, até a liquidação da dívida garantida” (“caput do artigo 66).
Contudo, tal lei não disciplinou o meio judicial que o credor deveria usar quando houvesse inadimplência do devedor e se recusasse a entregar o bem móvel.
 
A fim de sanar tal omissão, foi editado o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969 (que alterou a Lei nº 4.728/1965 e estabeleceu normas de processo sobre alienação fiduciária), cujo artigo 1º deu nova redação ao artigo 66 da Lei nº 4.728/1965, que passou a ser:
“Art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal.”
 
Além disso, a nova lei explicou como o proprietário fiduciário ou credor poderia fazer a venda da coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato (artigo 2º).
 
Referido Decreto-Lei foi adiante e solucionou a questão da via judicial adequada para a obtenção da posse direta da coisa, determinando o uso da ação de busca e apreensão, que seria deferida liminarmente com a comprovação da mora ou inadimplemento do devedor (artigo 3º).
A alienação fiduciária de coisa imóvel, como acima já constou, surgiu no Brasil com a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 (que dispôs sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel), cujo artigo 22 estabeleceu que “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
 
O artigo 23 desta Lei determinou que a propriedade fiduciária só se constituirá com o registro do contrato que lhe serve de título no competente Registro de Imóveis (“caput”). Após o registro do contrato, há o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel (parágrafo único).
 
Assim, ficou claro que a propriedade fiduciária depende do registro do contrato que a instituiu para que ela possa ser constituída, ou seja, o registro é “conditio sine qua non” para a existência da propriedade fiduciária (artigo 167, inciso I, item 35 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, chamada Lei de Registros Públicos). Por competente Registro de Imóveis deve-se entender o cartório de Registro de Imóveis no qual o imóvel alienado fiduciariamente está matriculado.
 
Houve expressa regulamentação dos requisitos do contrato (artigo 24) e regras sobre a resolução da propriedade fiduciária do imóvel (artigo 25 e seus parágrafos), cabendo ao fiduciário fornecer o termo de quitação ao fiduciante no prazo de trinta dias a contar da quitação da dívida, sob pena de multa em favor deste (§ 1º). Caberá ao fiduciante apresentar o termo de quitação ao Registro de Imóveis que efetuou o registro do contrato, a fim de que este promova o cancelamento da propriedade fiduciária (§ 2º), mediante averbação (artigo 167, inciso II, item 2, da Lei de Registros Públicos).
 
A Lei nº 9.514/1997 permitiu a cessão do crédito objeto da alienação fiduciária (art. 28), bem como dos direitos do fiduciante (art. 29). Admitiu-se a sub-rogação, de pleno direito, no crédito e na propriedade fiduciária em favor do fiador ou terceiro que pagar a dívida (art. 31).
A Lei nº 12.810, de 15 de maio de 2013, permitiu o refinanciamento da dívida de financiamento imobiliário, com transferência de credor, introduzindo um parágrafo único no artigo 31 e incluindo os artigos 33-A, 33-B, 33-C, 33-D, 33-E e 33-F na Lei nº 9.514/1997. Trata-se do instituto jurídico da portabilidade, que permite ao fiduciante negociar com outra instituição financeira, independentemente de anuência do fiduciário. Nisto a portabilidade se distingue da transmissão dos direitos de fiduciante, que depende de anuência do fiduciário (artigo 29 da Lei nº 9.514).
 
Também houve expressa previsão do uso da reintegração de posse, com concessão de liminar para desocupação em sessenta dias, em favor do fiduciário, seus cessionários ou sucessores, inclusive os adquirentes do imóvel por força de leilão público, desde que comprovada a consolidação da propriedade em seu nome (art. 30).
 
A Lei nº 13.465, de 2017, incluiu um parágrafo único no artigo 30 da Lei nº 9.514, para determinar que as ações judiciais que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou os requisitos procedimentais de cobrança e leilão, com exceção da exigência de notificação do devedor fiduciante, serão resolvidas em perdas e danos, e não obstarão a reintegração de posse acima referida. Tal regra se aplica também aos casos de financiamento concedidos no âmbito da Programa Minha Casa Minha Vida (instituído pela Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009) com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial – FAR.
 
3) O PROCEDIMENTO PARA A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE
Caso o fiduciante se torne inadimplente, a Lei nº 9.514 trouxe previsão legal do procedimento para intimação do devedor e da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, se não for purgada a mora.
 
Um dos requisitos do contrato que serve de título ao negócio fiducial é o prazo  e as condições de reposição do empréstimo ou crédito do fiduciário (artigo 24, inciso II, da Lei nº 9.514). Não há óbice para estipular pagamento único da dívida em data certa, apesar de ser mais comum o pagamento em parcelas mensais até a quitação total da dívida.
 
Por isso, a Lei determina que “vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário” (artigo 26, “caput”).
 
Ocorrendo a falta de pagamento da dívida, caberá ao fiduciário requerer ao Registro de Imóveis onde está registrada a propriedade fiduciária a abertura do procedimento de consolidação da propriedade, pedindo a intimação do fiduciante para que este satisfaça, no prazo de quinze dias, a prestação vencida (ou as prestações vencidas) e mais as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação (§ 1º), O § 2º do artigo 26, dispõe que “o contrato deve estipular o prazo de carência após o qual será expedida a intimação”. Isto significa que o contrato deve prever um número mínimo de parcelas sem pagamento para que o fiduciário possa requerer a abertura do procedimento de consolidação da propriedade. Em regra, os contratos estipulam três parcelas vencidas, mas não há óbice algum em fixar número menor ou maior de parcelas em atraso.
 
A Lei permite que o requerimento de consolidação da propriedade seja feito pelo fiduciário, por seu representante legal ou por procurador regularmente constituído (§ 1º do artigo 26).
 
Assim, apresentado o requerimento ao Registro de Imóveis, compete a este verificar; a) se a alienação fiduciária está registrada em imóvel matriculado na serventia; b) se foi requerido e assinado pelo fiduciário, seu representante legal ou procurador regularmente constituído, sendo que os documentos comprobatórios de tais qualidades devem acompanhar o requerimento; c) se há o endereço para a intimação do fiduciante ou de seu representante legal ou de seu procurador regularmente constituído; d) se veio o cálculo da prestação vencida com os acréscimos previstos na lei, com projeção de dias suficientes para a realização da intimação mais o prazo para purgação da mora.
 
Estando em ordem pedido, o Registro de Imóveis providenciará a intimação do fiduciante, observando a regra legal de que a intimação deve ser pessoal (§ 3º), mas esta pode ser feita ao representante legal (no caso de pessoa jurídica) ou ao procurador regularmente constituído pelo fiduciante (§ 3º). A intimação pode ser promovida pelo próprio Registro de Imóveis ou por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento (§ 3º).
 
Quando os fiduciantes são marido e mulher, é comum haver a cláusula-mandato no contrato, pela qual qualquer um deles pode receber a intimação pelo outro, bastando que apenas um deles seja intimado. Em outras palavras, serão expedidas duas intimações, uma para cada cônjuge. Contudo, bastará encontrar um dos cônjuges e a intimação deste servirá para a intimação do outro, em razão do mandato conferido a ele.
 
Diante da dificuldade de localizar as pessoas, a Lei nº 13.465/2017 introduziu os §§ 3º-A e 3º-B no artigo 26 da Lei nº 9.514, com o seguinte teor:
 
“§ 3o-A. Quando, por duas vezes, o oficial de registro de imóveis ou de registro de títulos e documentos ou o serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar, aplicando-se subsidiariamente o disposto nos arts. 252, 253 e 254 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
 
“§ 3o-B. Nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3o-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.”
 
Com estes novos dispositivos, passou a ser possível a intimação com hora certa pelo Registro de Imóveis ou pelo Registro de Títulos e Documentos nos procedimentos de alienação fiduciária (§ 3º-A), além de ter validade a intimação entregue ao responsável pelo recebimento de correspondência nos condomínios edilícios (verticais e horizontais) ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso (§ 3º-B), como é o caso dos loteamentos fechados.
 
Se o fiduciante não for encontrado, deve ser feita sua intimação por edital, nos termos do § 4º, cuja redação foi modificada pela Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 e passou a ser a seguinte:
 
“§ 4o. Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital”.
 
A nova redação deste § 4º deixa claro que é necessário que o serventuário encarregado da intimação, seja ele do Registro de Imóveis, seja ele do Registro de Títulos e Documentos, deve certificar que o fiduciário está em local ignorado, incerto ou inacessível. Trata-se da mesma situação prevista para citação por edital no Código de Processo Civil (artigo 256, inciso II, da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015).
Além disso, verifica-se do texto da Lei que a intimação por edital somente pode ser feita pelo oficial de Registro de Imóveis, e não pelo oficial de Registro de Títulos e Documentos.
 
No caso de intimação pessoal, a lei não diz se a contagem do prazo para purgação da mora iniciará da intimação ou da juntada da intimação ao procedimento. Agora a redação do § 4º é clara quanto à contagem em caso de publicação de edital: inicia-se na data da última publicação do edital, ou seja, a partir da data da terceira publicação do edital. Se assim é, quando a intimação for pessoal, a contagem do prazo se dará da data da intimação, e não da juntada da intimação ao procedimento.
 
Purgada a mora, convalescerá o contrato de alienação fiduciária, segundo o § 5º do artigo 26 da Lei nº 9.514, o que significa dizer que o contrato continuará em vigor e o fiduciante continuará obrigado a pagar as prestações consecutivas, se existirem.
 
Não havendo o pagamento no prazo de quinze dias, o oficial do Registro de Imóveis deve certificar a ausência da purgação de mora e oficiará ao fiduciário para que este providencie o pagamento do imposto de transmissão “inter vivos” (ITBI) e, se for o caso, do laudêmio (§ 7º), Apresentada a prova de quitação do ITBI, o oficial averbará a consolidação da propriedade fiduciária em nome fiduciário.
 
Em se tratando de financiamento habitacional, o fiduciante ainda tem o direito de purgar a mora até a data da averbação de consolidação da propriedade fiduciária, conforme regra do § 2º do artigo 26-A, introduzido pela Lei nº 13.465/2017. Assim, se o fiduciante não purgar a mora no prazo de quinze dias contados da intimação ou da publicação do terceiro edital, ainda assim poderá purgar a mora antes de feita a averbação da consolidação da propriedade fiduciária. Tal regra é válida, repito, somente para os casos de financiamento habitacional, não se aplicando a quaisquer outras hipóteses de financiamento que gerou um contrato de alienação fiduciária.
 
4. PROCEDIMENTO POSTERIOR À CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA
Após a consolidação da propriedade fiduciária, a Lei nº 9.514/1997 determina o procedimento extrajudicial que o fiduciário deve adotar para encerrar a dívida que originou o regime fiduciário, como se pode ver no artigo 27 desta Lei.
 
O fiduciário deve promover o público leilão para a alienação do imóvel consolidado, tendo para tanto o prazo de trinta dias (artigo 27, “caput”). Não há previsão de sanção na lei para o caso de descumprimento desse prazo de trinta dias, não competindo ao oficial de Registro de Imóveis fiscalizá-lo, já que se trata obrigação contratual que não diz respeito à atividade registral.
 
É oportuna a observação de Melhim Namem Chalhub de que “… é dispensada a realização do leilão, entretanto, caso a propriedade tenha se consolidado por efeito de dação em pagamento (Lei 9.514/97, art. 26, § 8º)” (Negócio fiduciário. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 291-292).
 
Apesar da Lei conter a expressão “público leilão”, na verdade ela exige dois leilões, como se pode ver nos §§ 1º, 2º, 2º-A e 2º-B. Tal como ocorre nos procedimentos judiciais, no primeiro leilão não pode ser aceito lance inferior ao valor de avaliação do imóvel, devendo ser realizado outro nos quinze dias seguintes (§ 1º). Vale lembrar que um dos requisitos do contrato de alienação fiduciária é exatamente a indicação do valor do imóvel para efeito de venda em público leilão e dos critérios para a respectiva revisão (artigo 24, inciso VI, da Lei nº 9.514).
 
Quanto ao segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que este seja igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (§ 2º). Ou seja, enquanto no primeiro leilão o lance mínimo a ser aceito está vinculado ao valor da avaliação do imóvel, no segundo o lance fica sujeito ao valor da dívida e seus acréscimos legais.
 
A lei não menciona quem pode ser o leiloeiro que conduzirá os leilões, mas se fala em público leilão, é óbvio que este deve ser conduzido por leiloeiro oficial. Nesse sentido é também o entendimento de Marcelo Terra (Alienação fiduciária de imóvel em garantia [Lei nº 9.514/97, primeiras linhas]. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 45).
 
O fiduciante deve ser comunicado dos horários dos leilões mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico (e-mail), como determina o § 2º-A do artigo citado, acrescentado pela Lei nº 13.465/2017.
 
Tal comunicação é necessária para que o fiduciante possa fazer uso do direito de preferência que ele possui, conforme dispõe o § 2º-B, também acrescentado pela Lei nº 13.465/2017, segundo o qual “após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos”.
 
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já havia assentado a necessidade de notificação do devedor quanto às datas dos leilões, como se pode ver nos seguintes julgados: AgInt no AREsp 1032835/SP (3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 21/08/2018, DJe 29/08/2018), AgInt nos EDcl no REsp 1378468/SP (3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 08/05/2018, DJe 21/05/2018), AgInt no AREsp 1109712/SP (4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 24/10/2017, DJe 06/11/2017), AgRg no REsp 1481211/SP, Rel. Min. Lázaro Guimarães, j. 19/10/2017, DJe 08/11/2017) e AgRg no REsp 1367704/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 04/08/2015, DJe 13/08/2015).
 
Com os novos dispositivos ficou clara a necessidade de comunicação pessoal ao fiduciante, bastando o envio tempestivo de correspondência física ou digital, única forma dele ter conhecimento dos leilões e, assim, poder exercer seu direito de preferência na aquisição do imóvel consolidado em nome do fiduciário.
 
Após a realização dos leilões, a dívida ficará extinta e o credor deverá fornecer termo de quitação da dívida (§§ 5º e 6º da Lei nº 9.514/1997), mesmo que no segundo leilão o maior lance seja inferior ao valor da dívida. Com a quitação da dívida, o credor tem a opção de vender como quiser o imóvel, seja mediante venda direta, seja pela realização de novos leilões, mas também está extinto o direito de preferência do devedor, que somente poderia ter sido exercido até a data do segundo leilão, como acima explicitado.
 
Julgado recente do colendo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo trouxe inovação importante na matéria, ao determinar que os leilões devem ser feitos no local da situação do imóvel, salvo se houver previsão em contrário no contrato, como se pode ver de sua ementa:
 
“Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Ausência de prova da publicação do edital dos leilões no local da situação do imóvel – Leilão realizado em local diverso daquela em que situado o imóvel, sem previsão legal ou contratual – Registro inviável – Recurso não provido” (Apelação nº 1007423-92.2017.6.26.0100, Rel. Des. Corregedor Geraldo Francisco Pinheiro Franco, j. 24/07/2018, DJe 14/08/2018).
O relator asseverou que se trata de medida protetiva do devedor, já que este tem direito à venda pelo maior valor possível, como forma de receber a quantia que sobejar depois do pagamento do débito e encargos.
 
Além disso, constou do julgado que o edital dos leilões a que se refere o artigo 27 da Lei nº 9.514 também deve ser publicado no local da situação do imóvel. É aplicação do que já defendia Melhim Nemem Chalhub (op. cit., p. 295-296)
 
É importante observar que não há dúvida de que os contratos de alienação fiduciária são abrangidos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), especialmente pelo que consta dos artigos 46 a 54.
 
Sobre o assunto, Humberto Theodoro Júnior leciona que “apenas se têm de observar que tudo o que o CDC estatuiu em defesa da parte considerada ‘vulnerável’ (ou ‘hipossuficiente’) é de entender-se como de ordem pública. Logo não pode ser afrontada por cláusula do contrato, sob pena de nulidade” (O Contrato Imobiliário e a Legislação Tutelar do Consumo. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 35).
 
Diante disso, o Registro de Imóveis tem que observar esses novos requisitos quanto aos leilões extrajudiciais, ou seja, se tanto a publicação de edital de leilão quanto os leilões em si foram feitos na situação do imóvel, salvo se houver disposição expressa em contrário no contrato, não podendo aferir eventual abusividade de cláusula fixando local diverso. Isto porque cabe somente ao Poder Judiciário dirimir os conflitos de interesses, sendo que o julgador é vedado, nos contratos bancários, de conhecer de ofício a abusividade das cláusulas (Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça). Ora se mesmo o juiz está impedido de conhecer a abusividade de cláusulas nos contratos bancários, maior razão há para que os oficiais de Registro de Imóveis também não adentrem à análise da abusividade de cláusula que fixe local diverso da situação de imóvel para a publicação de edital e para a realização dos leilões.
 
Fonte: Arisp
 


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