Em 24/02/2017

A consolidação do princípio da concentração na matrícula imobiliária


Artigo é de autoria do titular do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre/RS e ex-presidente do IRIB, João Pedro Lamana Paiva


Por Andrea Vieira

A Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, publicada no Diário Oficial da União do dia 20 de janeiro de 2015, está próxima de completar dois anos de vigência, o que significa que a partir de 19 de fevereiro de 2017 estar-se-á encerrando o prazo previsto no seu art. 61 (combinado com o art. 168, II, que estipulou regra especial relativa à vigência) para que sejam feitos, nas matrículas imobiliárias, em todo o país, os registros e averbações relativos a atos jurídicos celebrados anteriormente à vigência da referida lei, de modo a que tais atos procurem a devida adequação às disposições determinadas por essa nova legislação.

Para quem não está recordando sobre qual o assunto disciplinado por essa lei, lembramos que ela dispôs, entre outros temas importantes para os registros públicos, sobre a explicitação, no direito registral imobiliário brasileiro, acerca da aplicabilidade do princípio da concentração dos atos registrais na matrícula do imóvel, o que foi regulado, especialmente, em razão do disposto nos artigos 54 a 58 da referida Lei nº 13.097/2015.

Também decorre da implementação desse prazo de dois anos a desnecessidade de o adquirente de imóvel, por cautela, lançar mão de certidões de feitos ajuizados para a realização do negócio, já que a matrícula imobiliária, passou a ser, por derradeiro, o documento básico de referência para a comprovação da situação jurídica em que se encontra o imóvel, pois é ela que comprova a propriedade imobiliária sendo, também a partir dela, que o registrador imobiliário poderá certificar, com fé, sobre quais são os ônus reais incidentes sobre o imóvel.

Tanto é assim, vale lembrar, que a Lei nº 13.097/2015 também promoveu a alteração do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433/1985, que dispunha sobre os requisitos para elaboração de escrituras públicas, passando a simplificar a documentação exigível à lavratura desse ato notarial, nos negócios jurídicos inter vivos translativos da propriedade imobiliária, de modo a que, além da comprovação da tributação do imposto de transmissão respectivo, somente sejam exigíveis a certidão de propriedade do imóvel (matrícula imobiliária) e a certidão de ônus reais.

O principal objetivo dessa lei foi o de ampliar a segurança jurídica àquele que, de boa fé, adquire um imóvel no Brasil.

Assim, o veículo para a promoção dessa significativa mudança, no plano fático, foi simplificar a forma de obtenção de informações fidedignas sobre o imóvel, concentrando-as em uma fonte única – a matrícula imobiliária do Registro de Imóveis com circunscrição sobre o lugar onde situado o imóvel.

Em outras palavras, isso passou a significar a adoção de um princípio jurídico que valoriza especialmente que o registro imobiliário deve espelhar a realidade do imóvel dando credibilidade e confiança à prática dos atos de disposição sobre a propriedade imobiliária, evitando as “surpresas ocultas” do negócio, em prejuízo do adquirente de boa-fé, que restava fragilizado, já que militava contra ele a presunção de boa-fé frente a eventuais credores do vendedor do imóvel, ao mesmo tempo em que ele mesmo restava sem garantia de natureza real em relação ao vendedor, a partir do momento em que o imóvel era alienado.

Afinal, apesar de ainda persistirem algumas críticas, a lei oferece solução para todas as partes envolvidas no negócio, bastando, minimamente, ao adquirente do imóvel, a cautela necessária à verificação do conteúdo da matrícula (onde poderá contar com o princípio da fé pública registral que, assim como na Espanha e em outros países da Europa continental, foi agora albergado pelo Direito brasileiro, conforme anota nosso colega e grande registrador imobiliário Ivan Jacopetti do Lago[1], oficial do Registro de Imóveis de Paraguaçu Paulista-SP) e, ao credor, a diligência necessária para levar à matrícula os créditos existentes, para publicizá-los na forma de registros ou averbações, o que passou a constituir um procedimento capaz de objetivar a aferição da fé pública negocial.

Dessa forma, de acordo com o novo regime instituído pela Lei nº 13.097/2015, só podem ser opostos, ao adquirente de boa-fé, os atos jurídicos que tiverem averbação ou registro precedentes na matrícula imobiliária.

A partir da vigência da nova lei passou a estar presente a preocupação em fazer com que na matrícula imobiliária constem todas as situações jurídicas relevantes acerca da situação do imóvel, sob pena de não se poder postular a decretação da ineficácia do negócio jurídico que promoveu a alienação ou oneração do imóvel transacionado. Esse proceder é a plena concretização do princípio da concentração, ganhando relevo o que já manifestavam os jurisconsultos romanos: “dormentibus non succurrit jus” (o direito não socorre aos que dormem).

As únicas ressalvas estabelecidas pela própria Lei nº 13.097/2015 estão previstas no parágrafo único de seu art. 54, tais sejam: os casos de alienação que são ineficazes em relação à massa falida (artigos 129 e 130 da Lei nº 11.101/2005) e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro do título respectivo.

Anotam convenientemente, entretanto, Letícia Assumpção e Sílvia Xavier[2] que “embora não conste ressalva expressa na lei, a penhora do bem em execução fiscal, ainda que não averbada, também será oponível ao terceiro de boa-fé, caso a alienação ou oneração do imóvel se enquadre no disposto no art. 185 do CTN, à luz do entendimento exposto pelo E. STJ no recente julgamento do Recurso Especial n. 1.140.990/PR.”.

De tal forma, excetuadas essas hipóteses previstas pelo parágrafo único do art. 54 da Lei nº 13.097/2015 e pelo art. 185 do Código Tributário Nacional, com a redação alterada pela Lei Complementar nº 118/2005 (não ficando caracterizada a má-fé, nesse último caso, se forem reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita), os atos jurídicos que não estiverem registrados ou averbados na matrícula do imóvel não terão eficácia em relação ao terceiro de boa-fé que tenha adquirido ou recebido em garantia direitos reais sobre o imóvel.

Dessarte, no momento em que vemos a plena consolidação, no plano legal, do princípio da concentração dos atos na matrícula imobiliária e da fé pública registral, para maior garantia dos adquirentes e estabilidade das relações no mercado imobiliário e ainda que a matéria continue despertando, de um lado, polêmicas acerca do alcance e dos limites de aplicação das disposições trazida pela Lei nº 13.097/2015 e, de outro, rasgados elogios de setores das categorias jurídicas e econômicas, não podemos nos esquecer de consignar uma justa homenagem a Décio Antônio Erpen[3] como parceiro desde o ano de 2001 na vanguarda da construção doutrinária do princípio da concentração, pois, sem seus ingentes esforços como estudioso do tema, não teríamos esse instituto jurídico, hoje, como característica peculiar do Direito Registral Imobiliário brasileiro.

Fonte: Por João Pedro Lamana Paiva

Em 24.2.2017

 


[1] LAGO, Ivan Jacopetti do. A Lei nº 13.097/2015, a concentração e o reforço de eficácia do registro de imóveis brasileiro: algumas reflexões iniciais. Boletim IRIB em Revista, 35º Encontro Regional dos Oficiais do Registro de Imóveis – Goiânia, agosto de 2016, São Paulo, p. 38-39.

[2] ASSUMPÇÃO, Letícia F. M. e XAVIER, Sílvia P. F. Concentração de atos na matrícula do imóvel e as certidões de feitos ajuizados. Artigo disponível no site do CNB/CF (http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=NjE5NA), acessado em 23.1.2017.

[3] Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e advogado em Porto Alegre.

 



Compartilhe