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Adjudicação pelo condomínio edilício: possibilidade e registro da carta
João Pedro Lamana Paiva*


Muito se discute sobre a possibilidade de reconhecimento da personalidade jurídica aos condomínios no âmbito da finalidade e de sua constituição. Alguns estudiosos e até mesmo a jurisprudência vêm defendendo a possibilidade de este ente adjudicar unidades autônomas dos condôminos inadimplentes, tendo em vista a realidade dos negócios jurídicos e a complexidade das relações civis, que impõem a admissão do condomínio como pessoa distinta dos condôminos. Em que pesem estas considerações, ao condomínio edilício já são assegurados alguns direitos, como o de, por exemplo, postular em juízo (capacidade postulatória).

Como as pessoas jurídicas de direito privado, os interesses do condomínio também entram em conflito com um ou alguns dos condôminos, requerendo que aquele entre em juízo pleiteando a cobrança e não raramente a execução da unidade autônoma para solver as obrigações condominiais. Assim, no caso de cobrança/execução de quotas condominiais, o condomínio tem legitimidade para propor a demanda judicial. Ao seu término, não havendo o pagamento, o imóvel poderá ser arrematado por terceiro, cuja carta será registrada no Registro de Imóveis.

Caso o condomínio queira adjudicar, o advogado deverá apresentar uma relação dos condôminos ao juízo para permitir a expedição da carta em nome dos proprietários. Veja a dificuldade imposta, sem considerarmos posteriormente o problema que surgirá para alienação do bem, em razão da provisoriedade da condição de condômino, em alguns casos.

Vale lembrar aqui que os estudiosos, que negam a existência de personalidade jurídica ao condomínio, prendem-se, quase que unicamente, pela ausência de vontade dos condôminos de constituir uma associação. Sustentam em apertadas linhas que, primeiramente, não há previsão legal nesse sentido. Em segundo lugar, que o rol das pessoas jurídicas é taxativo, não podendo o julgador estender a personalidade jurídica aos entes, se a lei não o fez.  Em terceiro lugar, e principalmente, na ausência da vontade de associar-se.

Contudo, tal entendimento não pode prosperar, pois a complexidade das relações jurídicas impõe uma conclusão distinta das visões tradicionais da natureza jurídica do condomínio. Atualmente, as pessoas buscam nos empreendimentos condominiais, segurança e diluição das despesas destinadas às áreas de lazer (piscina, playground, sala de ginástica). Isto é, encontramos nos condomínios os mesmos interesses constantes quando da criação de uma pessoa jurídica: conjugação de esforços para consecução de objetivos comuns e compartilhamento dos custos e da responsabilidade.

Ademais, a manifestação da vontade de associar-se está presente no contrato de compra e venda da unidade, pois ao adquirir unidade autônoma, o adquirente manifesta-se positivamente no sentido de pertencer ao quadro social deste ente. No caso, devemos lembrar que a associação sindical é compulsória, pertence àquele sindicato pelo simples fato de exercer aquele ofício na circunscrição de determinado sindicato e mesmo assim o sistema legal confere-lhe personalidade jurídica.

A falta de disciplina legal não é motivo de escusa para impossibilitar a adjudicação pelo condomínio, pois ao particular, pelo princípio da legalidade, tudo que não lhe é expressamente vedado por lei, pode ser exercido. Aliás, a interpretação restritiva nos institutos civilísticos deve constar da lei (caso de renúncia, etc.), não podendo os operadores do direito limitar aquilo que o legislador não limitou.

Discussão interessante se dá ao se pretender saber se o rol do artigo 44 do Código Civil é taxativo ou exemplificativo. A questão é palpitante: sendo exemplificativo, poder-se-ia considerar que os condomínios edilícios podem ser sujeitos de direitos e obrigações e, de conseqüência, titulares de personalidade jurídica própria. Até porque, a convenção condominial constitui o condomínio edilício (art. 1.333 do CC) e deve ser registrada no livro 3 – Registro Geral do RI, permitindo a afirmação de que a convenção registrada é o estatuto de uma associação condominial (ou será que não?).

Corrobora com esse entendimento, J. Nascimento Franco, citado pelo desembargador Marcelo Guimarães Rodrigues, do estado de Minas Gerais.

O instrumento de instituição e convenção, uma vez registrado, equipara o condomínio quando mais não seja, às sociedades irregulares, que praticam sentenças de atos no mundo dos negócios. Na realidade, o condomínio em edifício, distingue-se perfeitamente da pessoa de cada um dos condôminos. Conseqüentemente, nada mais razoável do que considerá-lo com personalidade jurídica para as aquisições de que necessite e autorizadas por sua assembléia geral.[1]

Ocorre que para a efetivação do direito nesse ponto específico, enquanto não houver uma norma concreta definindo o assunto, continuará a jurisprudência servindo de fonte para a resolução dos problemas criados. Entretanto, defender uma posição distinta é refutar a realidade.

O condomínio, hodiernamente, compra e vende bens móveis, contrata empregados, presta serviços, empresta, tem CNPJ, loca ou dá em locação, transige: tudo dentro do âmbito de sua atuação. O reconhecimento da personalidade jurídica está tão latente que Sílvio Salvo Venosa nos traz na sua obra jurídica a admissão de ser o condomínio uma pessoa jurídica, através da nomenclatura “Personificação Anômala”. Aliás, o enunciado 246, da III Jornada da Justiça Federal preconiza em seu artigo 1.331 que o “Condomínio Edilício tem personalidade jurídica”.

Nesse ponto, importante referenciar os comentários do professor Fábio Milman[2], ao afirmar que não há lógica, e representa ofensa ao sistema brasileiro – material e processual –, admitir que o condomínio: a) seja credor de contribuições de condôminos; b) possa exigir judicialmente as contribuições em nome próprio; c) possa penhorar a própria unidade geradora do débito; contudo, não possa adjudicar o bem penhorado, à revelia da lei processual, que prevê no artigo 647 do CPC, a preferência desse ato sobre os demais, mesmo sobre alienação em hasta pública. Conclui o autor, afirmando que “se problemas para isto há, toca ao Estado resolvê-los.”

Nesse mesmo sentido, a jurisprudência tem manifestado favoravelmente ao registro, senão vejamos.

Em melhor e detida análise do presente caso, estou a firmar entendimento de que o condomínio possui personalidade jurídica para adquirir imóvel, desde que preenchidos alguns requisitos legais.[3]

CONDOMÍNIO. ADJUDICAÇÃO DE UNIDADE. LANÇAMENTO REGISTRAL. POSSIBILIDADE ATRAVÉS DA PESSOA DO SÍNDICO. Tendo o condomínio adjudicado uma unidade, em decorrência de ação de cobrança, fica o síndico, legitimado a efetuar o registro da propriedade em nome do condomínio adjudicante. APELO PROVIDO. Com relação a este aresto do Tribunal Gaúcho, que teve por fundamento a cobrança de quotas condominiais, isto é, não se aplicando o art. 63 da Lei nº 4.591/64, os julgadores reconheceram a existência de personalidade jurídica ao condomínio e aplicaram o Direito ao caso concreto, com fundamento na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do Direito, mas não na lei, atividade esta de jurisdição, que não compete ao Registrador.[4]

Interessante, também, é a questão suscitada pelo brilhante advogado Flor Edison da Silva Filho[5]:

Se o condomínio pode ter empregados, se o condomínio pode adquirir bens móveis em geral, se o condomínio tem inscrição no CNPJ da Receita federal, se o condomínio é titular de conta corrente bancária, se o condomínio recolhe tributos, se o condomínio pode litigar em busca de seus direitos e pode ser processado quando der causa a prejuízos, se o condomínio naturalmente tem vida autônoma em relação aos condôminos, por que o condomínio não poderia adquirir imóvel?

Como se pode perceber, admitir a personalidade jurídica do condomínio é a interpretação, que além de coadunar-se com a atividade dos condomínios atuais, facilita o ingresso da carta de adjudicação expedida em favor do condomínio no fólio real, dando efetiva publicidade e segurança jurídica aos negócios feitos sob o manto do poder Judiciário. O condomínio edilício nada mais é do que um tipo peculiar de associação, ou seja, “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”[6], tendo “legitimidade para adquirir bens imóveis em decorrência de execuções”[7].

Portanto, negar ao condomínio a possibilidade de adjudicar o imóvel torna inócua a capacidade postulatória e posterga a desocupação do bem pelo condômino inadimplente. É claro que a adjudicação deverá ocorrer mediante autorização da assembléia geral, especialmente convocada, com intuito de legitimar o condomínio a adquirir o bem imóvel.

Neste passo, adjudicado o bem pelo condomínio, este representado pela pessoa do síndico (nos termos do artigo 1.348, II, do Código Civil) deve requerer o registro do título judicial perante o Registro de Imóveis. Em caso de posterior alienação para terceiros, assinará o contrato, a pessoa que responde como síndico no momento da lavratura da escritura-pública, demonstrando sua legitimidade mediante apresentação da ata de eleição pela assembléia, juntamente com a ata de autorização da venda.

Assim, urge a aprovação do projeto de lei 874/07, de autoria do Deputado Ricardo Izar (PTB-SP) que veio em boa hora, a fim de regulamentar tão polêmico tema.

Finalmente, enquanto a matéria não for regulamentada e caso o registrador venha a qualificar negativamente o título, sugere-se ao Oficial do Registro de Imóveis solicitar ao próprio Juízo do feito, para que seja determinado o ato de registro da carta de adjudicação em nome do condomínio, nos termos em que fora expedida, ou então, por provocação da parte, suscitar dúvida.

Sapucaia do Sul, novembro/2007.

Notas

[1] FRANCO, J. Nascimento. Revista de Direito Imobiliário do IRIB. RODRIGUES, Marcelo Guimarães, Sentença da Vara de Registros Públicos, da comarca da capital do estado de Minas Gerais.

[2] MILMAN, Fábio. Observações proferidas no V Simpósio de Direito Imobiliário. Associação Gaúcha dos Advogados do Direito Imobiliário Empresarial (AGADIE), em outubro de 2007.

[3] Marcelo Guimarães, Sentença da Vara de Registros Públicos, da comarca da capital do estado de Minas Gerais.

[4] TJRS. Apelação Cível 70017684036, 17ª Câmara Cível.

[5] EDISON, Flor. Boletim Jurídico da AGADIE 63, p. 3 e 4:

[6] SALLES, Venício Antônio de Paula.  Decisão da 1ª Vara RPSP de São Paulo em 12/2/2004.

[7] SALLES, Venício Antônio de Paula.  Decisão da 1ª Vara RPSP de São Paulo em 12/2/2004.

*João Pedro Lamana Paiva é registrador, tabelião de protesto e vice-presidente do Irib-RS. Home page: www.lamanapaiva.com.br; e-mail: [email protected]



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