BE3227

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Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Seção de Direito Privado
29ª Câmara
Agravo de Instrumento nº 1.150.167-0-2


Comarca: 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto
Agravante(s): Rodobens Adm. de Consórcios Ltda
Agravado(a)(s): Ligia Maria de Freitas Oliveira

VOTO N° 13.815

Execução hipotecária. Execução por carta precatória. Penhora, praceamento e arrematação realizados no Juízo deprecado de Porto Alegre. Carta de Arrematação expedida em favor do credor hipotecário. Recusa do registrador em registrar a carta de arrematação, sob a alegação de existência de registro posterior ao registro da hipoteca, referente à promessa de venda do imóvel feita pela devedora hipotecária, sendo de rigor ordem judicial para o cancelamento do registro da promessa de venda.  A hipoteca, após o registro imobiliário, é direito real, exercitável erga omnes que confere ao credor o direito de seqüela. Alienado o imóvel hipotecado, o adquirente recebe o imóvel gravado com a hipoteca e, por isso, sujeita-se à execução e perda do bem hipotecado. Desnecessidade de cancelamento do registro da promessa de venda do imóvel hipotecado para ser admitido o registro da carta de arrematação. Competência do juízo deprecante, onde se processou a execução e os embargos do devedor, para determinar o registro da carta de arrematação, expedida pelo juízo deprecado. Agravo provido para determinar-se ao registrador da Comarca de Porto Alegre – 5ª Zona -, o registro da carta de arrematação, independentemente, do cancelamento do registro da promessa de compra e venda registrada após a inscrição da hipoteca.”

Registrada a hipoteca na tábua imobiliária anteriormente ao registro da alienação do bem hipotecado, lícito o registro da carta de arrematação expedida pelo juízo onde se processou a execução hipotecária, independentemente do prévio cancelamento do registro da alienação posterior, na correta interpretação do princípio da continuidade”.

Vistos.

1.
 Trata-se de agravo de instrumento interposto por RODOBENS ADM. DE CONSÓRCIOS LTDA nos autos da execução (busca e apreensão) que promove contra LIGIA MARIA DE FREITAS OLIVEIRA. Insurge-se contra a r. decisão (fls.93). Ressalta que, após inadimplemento da agravada, foi ajuizada a execução hipotecária do imóvel adquirido no consórcio tendo, a agravante, arrematado-o em 2ª praça. No entanto ressalva que, para vendê-lo e, com o dinheiro arrecadado, saldar a dívida do grupo, se faz necessário o registro da carta de arrematação o que, até o presente momento, não ocorreu pois o Registro de Imóveis de Porto Alegre negou-se à registrar referida carta condicionando-a à uma determinação judicial. Assevera que o juízo deprecante  deu-se por incompetente para apreciar o feito, sendo esta a razão do agravo que pretende o reconhecimento da competência para o registro da carta de arrematação, do Juiz onde corre a execução, razão pela qual, requer a concessão do efeito ativo a fim de que, reconhecida tal competência, seja feito o cancelamento do registro de compra e venda averbado na matrícula do imóvel até porque, a arrematação judicial do bem, deixa-o livre do ônus que o gravara anteriormente. Pelo exposto, requer a reforma da decisão para que se reconheça a competência do Juízo da 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto, requerendo o cancelamento da promessa de compra e venda registrada junto à matrícula do imóvel alienado a fim de que a agravante possa dar continuidade à execução, averbando a carta de arrematação na matrícula do imóvel. A final, pede o provimento do agravo.

Relatados.

2.
 Rodobens Administradora de Consórcios Ltda. é credora hipotecária do imóvel consistente no apartamento número 602 do Edifício San Siro, sob nº 669 da Rua Demétrio Ribeiro, com a área real global de 56,9708 m2, área real privativa de 41,3488 m2, área real de uso comum de 15,6220 m2, fração ideal nas dependências e coisas comuns do edifício e no terreno de 0,0322, localizado no quinto andar ou sexto pavimentos, de fundos, à esquerda de quem da rua olhar o edifício, nos termos de escritura pública com pacto adjeto de hipoteca, lavrada no 6º Tabelionato de Porto Alegre, devidamente registrada sob o nº 004/32.656. A hipoteca foi registrada na respectiva tábua imobiliária sob o nº 3/19.286, em 30 de novembro de 1999, no Ofício de Registro de Imóveis da 5ª. Zona da Comarca de Porto Alegre.

Em face do inadimplemento da dívida garantida pela hipoteca acima referida, foi ajuizada, na Comarca de São José do Rio Preto, por força da cláusula de foro de eleição avençada no contrato de participação em consórcio para aquisição de imóvel, ação de execução hipotecária. O Juízo da 5ª. Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto expediu carta precatória para o Juízo da Comarca de Porto Alegre, objetivando a citação, penhora e intimação (fls.36/37). Em 28 de junho de 2001 a devedora foi citada; em 5 de julho de 2001 foi lavrado o auto de penhora do apartamento hipotecado (fls.38); Laudo de avaliação do imóvel por avaliador de Porto Alegre em  20 de dezembro de 2002 (fls.40). Os embargos de devedor foram apresentados perante a 5ª. Vara de São José do Rio Preto e foram rejeitados pela r. sentença reproduzida às fls. 52/58, sendo determinado o prosseguimento da execução. A r. sentença transitou em julgado em 13 de março de 2002 (fls.61).

O Juízo da Vara das Precatórias Cíveis de Porto Alegre designou as praças, sendo a 1ª praça negativa (fls.67), sobrevindo a 2ª praça, sendo o imóvel arrematado pela própria exeqüente, pelo valor de R$ 29.800,00, mediante o crédito que a arrematante titulariza nos autos, quantia correspondente a 61,19% da avaliação atualizada do imóvel (fls.68). Auto de arrematação lavrado em 1º de abril de 2004 (fls.71).

Em seguida foi expedida a Carta de Arrematação pelo Juízo da Vara das Precatórias Cíveis de Porto Alegre (fls.71), regularmente assinada pela MM. Juíza de Direito Dra. Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzales, datada de 10 de maio de 2004.

Apresentada a Carta de Arrematação ao Registrador Titular do Registro de Imóveis da 5ª Zona de Porto Alegre, este, com fundamento no artigo 198 da Lei nº 6.015, de 1973, apresentou exigência, notificando sob o nº 10.624, que não procedeu ao registro do título judicial, porque “existe uma promessa de compra e venda registrada na matrícula do imóvel ora arrematado, a qual deverá ser cancelada por determinação judicial” (fls.73).

Diante disso, a agravante requereu ao Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto, pedindo providencias para a determinação do registro, sobrevindo decisão na qual o Magistrado Antônio Carlos Táfari ordenou que o incidente deveria ser superado perante o Juízo Deprecado (Porto Alegre), quiçá em sede de DÚVIDA a ser solucionada pela Corregedoria Permanente do Cartório que refutou o registro “Carta de Arrematação” expedida (fls.74).

Em face de tal situação, a agravante-arrematante, formulou requerimento perante o MM. Juízo de Direito da 10ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre (RS), postulando a expedição de ofício ao Registro Imobiliário da 5ª Zona daquela Capital, a fim de ser procedido o cancelamento do registro da promessa de compra e venda que, a teor do entendimento do Registrador, obstaculizaria o registro da Carta de Arrematação (fls.85/86).

O douto Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, nos autos nº 001/1.05.0149757, em que figura como ré a consorciada Ligia Maria de Freitas, proferiu a seguinte decisão:

O imóvel adquirido em hasta pública deve ser transmitido livre e desembaraçado de qualquer ônus a quem o arrematou, e pelo Juízo onde tramitou o processo de execução na qual arrematado o bem. Aqui, trata-se de ação de imissão de posse, na qual o objeto do litígio não atina com o desfazimento do contrato de compra e venda entre as partes celebrado, e arrematado pela credora hipotecária. Dai por que, equivocado direcionar a pretensão das fls. 219/20 a este Juízo e neste processo. A pretensão ao cancelamento da averbação da existência da promessa de compra e venda deve ser examinada pelo Juízo onde perfectibilizada a arrematação, e naqueles autos, precipuamente à vista da venda judicial lá realizada. Aqui, o litígio instaurado não alcança a credora hipotecária e tampouco a decisão proferida irradia o efeito declaratório buscado”.

Diante de tal decisão, a arrematante requereu ao Juízo da 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto, determinar a expedição de ofício ao Registro Imobiliário da 5ª Zona de Porto Alegre, com o escopo de determinar o registro da Carta de Arrematação na matrícula do imóvel nº 19.286.

O MM. Juiz – Lincoln Augusto Casconi -, da 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto, sob o entendimento de que a arrematação ocorreu no Juízo deprecado de Porto Alegre, indeferiu o pleito da arrematante, afirmando que a pretensão deverá ser formulada no referido Juízo.

Como se constata com facilidade, a arrematação judicial do imóvel pela agravante, ocorrida em 30 de dezembro de 2003, com Carta de Arrematação expedida em 10 de maio de 2004, portanto, há mais de três anos, até hoje não foi registrada no Registro de Imóveis de Porto Alegre, por evidente equívoco praticado pelo digno Registrador Imobiliário da 5ª Zona de Porto Alegre, já que, evidentemente, não há necessidade do cancelamento da promessa de compra e venda registrada em 21 de dezembro de 2000, sob o nº 4/19.286, pela qual a promitente vendedora Lígia Maria de Freitas ( a executada) prometeu vender o imóvel arrematado pela agravante para o promitente comprador Artur Luiz Flores Lacerda, conforme se verifica pelo exame da cópia reprográfica da tábua do registro imobiliário.

Antiga lição do maior jurista brasileiro, PONTES DE MIRANDA, é suficiente para evidenciar o equívoco da exigência do cancelamento do registro da promessa de compra e venda para se permitir o registro da carta de arrematação do imóvel hipotecado. Diz o saudoso mestre:

No sistema jurídico moderno, especialmente no brasileiro, a hipoteca dá seqüela e a preferência, de modo que se pode vindicar e se prefere, no tocante à coisa, aos credores. O valor do imóvel é sujeito, precípuamente, à solução da dívida garantida. (Direito de seqüela, expressão de CORREIA TELES, é o direito de seguir a coisa por onde vá, e executá-la: quem executa, onde quer que se ache a coisa, segue-a. Disse muito bem LAFAIETE RODRIGUES PEREIRA, Direito das Coisas, II, 43, que a preferência não é corolário necessário do elemento real, mas plus que a lei confere à hipoteca, tanto que há direitos pessoais que são preferentes.) Na hipoteca, o bem gravado não passa à posse do titular do direito de hipoteca, nem esse tem direito eventual à posse. Ao direito real de hipoteca basta que exista contra os adquirentes do imóvel e, na destinação do valor que se extraia, tenha preferência em relação aos outros credores. A expressão “credores” está, aqui, em sentido de sujeitos ativos de direitos que se podem executar sobre valores, e não só de titulares de créditos (pessoais). O dono (ou enfiteuta) do bem hipotecado ou o possuidor próprio não é o devedor da hipoteca, salvo como o são todos. A seqüela é mais do que a executabilidade, porque qualquer credor pode executar os bens que se achem no patrimônio de quem deve. A seqüela permite penhorar-se o bem que está no patrimônio de quem não deve. O titular do direito e hipoteca tem a pretensão de executar o bem de que se trata, onde quer que se ache e ainda que nada deva o proprietário (ou enfiteuta) ou possuidor próprio”. (Tratado de Direito Privado, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1962, vol.20, pág.56/57).

É importante ressaltar que, conforme lição do pranteado PONTES DE MIRANDA, o devedor, que deu garantia hipotecária, pode alienar o prédio, ou seja, é livre para dispor do imóvel hipotecado. No entanto, “a hipoteca, direito real, segue a gravar o imóvel, independentemente de quem seja, no momento, o dono do prédio”. Diz mais: “A hipoteca é indiferente a quaisquer atos de alienação do domínio e a quaisquer atos que venham a causar aquisição do domínio por outrem. Nela, há garantia contra os atos de alienação; e garantia de prelação ou preferência, em qualquer circunstância de concurso de credores. Gravado está o valor, porque gravado está o bem. A garantia que a hipoteca produz é a garantia real. Tal garantia existe à parte ou preexiste à pretensão à execução, que toque ao crédito garantido (...) No direito brasileiro, o terceiro adquirente responde pelos danos causados ao direito de hipoteca, inclusive, pois, ao valor do bem gravado, como o constituinte da hipoteca. (...) Quando o titular do direito de hipoteca pede a tutela jurídica e se inicia a ação executiva, não é o crédito que ele executa; é a hipoteca” (mesma obra, pág. 59/61).

Ainda se socorre da ensinança de PONTES DE MIRANDA: “A hipoteca somente existe, como direito real, a partir da inscrição. Antes, apenas há acordo de constituição, e pode dar-se que apenas haja promessa de acordo de constituição. Lê-se no Código Civil, art. 831: “Todas as hipotecas serão inscritas no registro do lugar do imóvel, ou no de cada um deles, se o título se referir a mais de um” (correspondente ao artigo 1.492 do Código Civil de 2002). (obra citada, pág.82).

Nesta linha de entendimento vem a calhar a lição do pranteado CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, que com base nos ensinos de LAFAYETTE, DE PAGE e os irmãos MAZEAUD, enfatiza que, inscrita a hipoteca, ela erige-se em direito real, oponível erga omnes, dotada de seqüela, gerando para o credor o poder de excutir o bem hipotecado, para se pagar preferencialmente com a sua venda em hasta pública. E mais, “Direito real que é opõe-se aos credores quirografários do devedor, comoaos terceiros adquirentes (grifei); opõe-se, ainda, a outro credor, dito hipotecário, que não haja registrado o título, e bem assim a quem tenha adquirido sobre o bem gravado um outro direito real” (Instituições de Direito Civil, Direitos Reais, vol. IV, Ed. Forense, 19ª edição, pág.369/383).

CAIO MÁRIO também proclama que o devedor não está inibido de alienar o imóvel hipotecado, porque não perde o seu ius disponendi. “Ao adquirente, porém, transfere-se o ônus que o grava, não lhe valendo de escusa a alegação de ignorância, que não prevalece contra o registro, nem lhe socorrendo para libertá-lo qualquer cláusula de sua escritura, ou compromisso assumido pelo devedor hipotecário. A alienação transfere o domínio do imóvel; mas este passa ao adquirente com o ônus hipotecário – transit cum onere suo” (obra citada, p. 386).

LAFAYETE RODRIGUES PEREIRA, afirmou: “A hipoteca tem um caráter absoluto, vigora contra todos (adversus omnes), e, enquanto não extinta, acompanha a coisa pelas mutações por quem passa. Decorre daí o direito do credor de penhorar e excutir o imóvel em poder de quem quer que o detenha. Esse direito se denomina direito de seqüela (jus pignus persequendi)” (Direito das Coisas, Rio de Janeiro, 1922, p. 369).

AFRÂNIO DE CARVALHO, enfatiza: “Conquanto o proprietário possa deveras alienar o imóvel, o credor, armado de seqüela, pode, por sua vez, penhorá-lo e desapropriá-lo em poder do adquirente” (Registro de Imóveis, Forense, 1976, pág. 202).

LYSIPP GARCIA, em obra sobre o direito registrário, destaca: “É essa vantagem de que goza esse credor, o que constitui a preferência, cuja eficácia só se pode conseguir, concedendo ao credor a faculdade de excutir o bem gravado, mesmo quando já tenha saído do patrimônio do obrigado e se ache em poder de terceiro. É o que se denomina seqüela” ( O Registro de Imóveis, vol. II, a Inscrição, Livraria Francisco Alves, 1927, pág. 49).

Tratando da Hipoteca e do princípio da especialização, TUPINAMBÁ MIGUEL CASTRO DO NASCIMENTO, pontifica: “O direito de seqüela ou de inerência talvez seja, instrumentalmente, o mais importante dos direitos do credor hipotecário. Tal direito tem a compreensão de que a garantia do credor adere e se impregna de tal maneira ao bem, que o acompanha onde ele estiver e não interessando quem o detiver. É direito qualificante dos direitos reais, porque é reflexo de sua eficácia “erga omnes”. Entenda-se, entretanto: o direito de seqüela obstaculiza que, em caso de alienação, se desvincule o bem da dívida garantida. A especialização se mantém sem interessar onde o bem esteja ou quem seja seu atual titular” (Hipoteca, Aide Editora, 2ª edição, 1996, pág. 23).

O Desembargador NARCISO ORLANDI, que emprestou o brilho de sua inteligência a este Tribunal de Justiça de São Paulo e que é uma das maiores autoridades contemporâneas sobre direito registrário, afirma: “O princípio da continuidade e a execução hipotecária: “ Nos casos em que o imóvel hipotecado foi alienado pelo devedor, o registro da arrematação ou da adjudicação, em execução movida contra o alienante, aparentemente viola o princípio da continuidade. A arrematação é espécie de transmissão entre vivos, em que a vontade do transmitente é substituída pela tutela do juiz;o Poder Público assume a disponibilidade para tutelar o direito do credor hipotecário; aliena o imóvel para, com o produto da venda, pagar o credor. Se o imóvel está em nome de terceiro, o título da transmissão não poderia ser registrado sem violar a continuidade do registro. Mas é aí que entra o direito de seqüela do credor. Ao imóvel aderiu a garantia, que o acompanha. O imóvel responde pela dívida e não importa quem seja o novo dono. O registro da alienação posterior à constituição de garantia é irrelevante na excussão da hipoteca, no sentido de que não a impede. O título da arrematação ou da adjudicação entra no Registro de Imóveis apesar da alienação já registrada. Ao adquirir o imóvel hipotecado, o novo proprietário assume o risco. Tanto isso é verdade que a lei permite ao adquirente a remição da hipoteca. A continuidade não é princípio de direito material, mas de direito formal. Jamais poderia ser invocado para impedir o exercício do direito de seqüela. Tal seria se a alienação do imóvel hipotecado pudesse frustrar o direito do credor hipotecário! Por isso, o cancelamento do registro do título de alienação do imóvel hipotecado é absolutamente desnecessário para o registro da arrematação ou da adjudicação”.

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo já decidiu a questão ora sob exame, conforme se verifica da ementa a seguir transcrita:

Carta de adjudicação. Título judicial. Execução hipotecária. Débito. Responsabilidade. Seqüela. Ineficácia. Cancelamento de registro. Princípio da continuidade.

Registro de Imóveis. Dúvida. Título Judicial. Carta de adjudicação extraída de execução hipotecária. Imóvel alienado a terceiro. Ineficácia em relação ao credor hipotecário. Distinção entre débito e responsabilidade. Inteligência do direito de seqüela e do art. 592 do CPC. Sujeição dos bens de terceiros à execução e o princípio da continuidade. Registro viável. Recurso provido
” (Apelação Cível 035510-0/9, Jaú, DOJSP, 21.11.1996, rel. Des. Márcio Martins Bonilha).

Consta do corpo do v. aresto a seguinte assertiva: “Em caso semelhante ao ora em comento, deixou assentado este CSM ser inteiramente estranha à esfera de atribuições do registrador, ou do juízo administrativo da Corregedoria Permanente, a questão concernente a se saber se foi – ou não – devida a extensão dos efeitos da execução à pessoa que é mencionada no título. É-lhe, ademais, defesa essa indagação, sob pena de intromissão indevida na órbita soberana da atuação jurisdicional (ApCiv 12.807-0/6, de Limeira, Rel. Dês. Onei Raphael). Não se exige, em consonância com doutrina e jurisprudência majoritárias, o ajuizamento de ação específica para declaração de ineficácia da alienação ou extensão da responsabilidade a bens de terceiros, que podem, assim, ser reconhecidas no próprio processo de execução, ou mesmo em sede de embargos de terceiro” (RT 697/82, RJTJESP 88/283, 139/75).

A conclusão do v. aresto acima referido é taxativa: “Possível, ou melhor, lógico o registro da carta de adjudicação, sem necessidade de prévios cancelamentos ou averbações, porque preservado está o princípio da continuidade, em sua correta acepção”.

Diante de tais considerações, verifica-se que não há necessidade do prévio cancelamento do registro da promessa de compra e venda do imóvel hipotecado para ser possível o registro da carta de arrematação expedida pelo Juízo competente para a prática dos atos de execução, eis que a hipoteca foi registrada anteriormente à alienação do imóvel hipotecado.

Por fim, cumpre esclarecer que, na hipótese sub judice incide o artigo 747, do Código de Processo Civil, uma vez que a execução da hipoteca, por força do foro de eleição, foi promovida corretamente na Comarca de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, mas, também de forma escorreita, os embargos foram oferecidos no juízo deprecante, que era o competente para apreciá-los, haja vista que não versavam sobre vícios ou defeitos da penhora, avaliação ou alienação dos bens. Realizada a execução por carta precatória no Juízo de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, foi, a final, expedida a carta de arrematação em favor da arrematante, ora agravante. Apresentado o título judicial de aquisição da propriedade perante o registrador do Registro de Imóveis da 5ª. Zona de Porto Alegre, e, tendo ele apresentado exigência consistente no cancelamento da promessa de compra e venda registrada após o registro da hipoteca, a competência para se determinar o registro da carta de arrematação é do Juízo deprecante, como, aliás, corretamente, foi afirmado pelo Juízo da 10ª Vara Cível de Porto Alegre.

Por tais motivos, será dado provimento a este agravo de instrumento, para se determinar ao Titular do Registro de Imóveis da 5ª Zona da Comarca de Porto Alegre, que proceda ao registro da Carta de Arrematação expedida pelo Juízo da Vara das Precatórias Cíveis de Porto Alegre, datada de 10 de maio de 2004, assinada pela MM. Juíza Maria de Lourdes G. Braccini de Gonzales, independentemente do cancelamento do registro 4/19.286, de 21/11/2000, referente à promessa de compra venda registrada, dando cumprimento e eficácia ao direito real de garantia da hipoteca registrada sob o nº 3/19.286, de 30 de novembro de 1999.

Determina-se ao Juízo da 5ª Vara Cível de São José do Rio Preto para oficiar ao Titular do Registro de Imóveis da 5ª Zona da Comarca de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, encaminhando-se cópia deste acórdão, a fim de que seja cumprida a determinação judicial, sob as penas da lei. Caberá à agravante apresentar o ofício, cópia deste aresto e a carta de arrematação ao registrador.

3. Isto posto, dou provimento ao agravo.

DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
RELATOR



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