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Mercado brasileiro quer repelir baixa representatividade - Felipe Ossa
No Brasil, o segmento interno de securitização sempre foi o primo pobre de seus países vizinhos, um caso lastimável de potencial não desenvolvido. A camisa-de-força regulatória colocada nos estruturadores especializados, os pesados impostos e o baixo grau de padronização de ativos-chave têm prejudicado o crescimento. Tudo isso somado à concorrência implacável dos lucrativos fundos do tesouro nos últimos anos, não é para menos que os negócios não prosperaram. Mas mudanças positivas estão a caminho e, apesar de certa indicação de jeitinho brasileiro (gíria insolente que significa driblar leis e regras), certamente irão acordar o gigante inativo.
Base precária
Como em outros mercados, os ativos imobiliários têm sido o ponto focal das securitizadoras brasileiras. Mas infelizmente têm sido o único foco, já que a legislação proíbe que órgãos especialmente designados trabalhem com outros ativos.
Aprovada em 1997, a lei de truste brasileira copiou a do Chile, onde securitizadoras são criadas com a responsabilidade principal de definir veículos. No Chile o sistema tem apresentado bom funcionamento, com vários bancos criando derivações de securitização e surgimento de novos ativos no ano passado. Grande parte dessa força surgiu de modificações introduzidas em 1999. "As mudanças trouxeram flexibilidade para a estrutura, solucionando cerca de 80% das questões tributárias e ampliando os ativos passíveis de securitização" para englobar quase tudo, segundo Octavio Bofill, nosso parceiro na Grasty Quintana Majlis & Cia, no Chile.
Ao mesmo tempo, no Brasil, a legislação que confinava as securitizadoras aos ativos imobiliários nunca afrouxou, e o aperfeiçoamento ocorrido no Chile não conseguiu cruzar os Andes. "O Brasil nunca ampliou o escopo de seus órgãos", afirmou Frederico Porto, nosso colega estrangeiro na Andrews & Kurth.
Através do típico jeitinho brasileiro, os participantes ampliaram os limites da definição de propriedade imobiliária, a fim de incluir novos ativos, além de hipotecas, como receitas de locação.
Mas mesmo dentro do setor imobiliário, os desafios nem sempre se adaptam ao jeitinho brasileiro. Hipotecas são um caso em questão. O grande potencial de securitização encontra-se vacilante, com a Caixa Econômica Federal sozinha gerando entre US$ 80 a US$ 90 milhões ao mês. Todavia, as securitizações imobiliárias em circulação no Brasil, conhecidas como CRIs, somam valor desestimulado de R$ 550 milhões (US$ 189 milhões), onde a maioria delas não é RMBS.
"Recuperação é algo muito difícil no Brasil, onde o acesso à execução hipotecária é dificultado", disse Jayme Bartling, analista sênior da Fitch Atlantic Rating, ao citar dois obstáculos principais. Um sistema criado nos últimos anos, visando acelerar o processo, não alcançou sucesso absoluto, dizem as fontes. Taxas de juros reguladas também mantiveram o setor distante do mercado, e o precário nível de padronização também é outro problema. Esse último pode explicar o motivo pelo qual os negócios hipotecários de pessoas físicas no Brasil tende a ser mínimo, geralmente abaixo de US$ 10 milhões em moeda corrente.
No entanto, novo impulso pode surgir na forma das recém-lançadas Cédulas de Crédito Imobiliário (CCI) — conceito similar ao sistema eletrônico de hipotecas adotado nos Estados Unidos, o MERS. O sistema irá, efetivamente, centralizar o registro e transferência de hipotecas. A idéia é eliminar a necessidade de elaborar e registrar transferências ao negociar empréstimos. O exemplo dado pelos Estados Unidos é encorajador. Com as transferências simples e eficazes, os custos despencaram para cerca de US$ 3,5, dos US$ 50 quando o sistema ainda não estava on-line há alguns anos. "As CCIs trarão facilidade e redução de custos", afirmou Brigitte Posch, analista sênior da Moody's Investors Service.
Uma vantagem em particular, segundo fontes, é que as CCIs serão mais eficazes ao isolar riscos dos desenvolvedores. Esse cobiçado grupo de emprestadores também apresenta outro obstáculo para a securitização. A atuação independente prejudica a padronização. "As empresas construtoras não dispõem de contrato padronizado de empréstimo", disse Bartling. "Sem isso, como é possível criar um mercado líquido?" As CCIs representam um passo crucial em direção à definição de critérios unificadores, segundo fontes.
Pesados Impostos
Nem todos os negócios de securitização no Brasil são realizados através de órgãos especializados. Intrépidos participantes já estruturam negócios que mais parecem trustes americanos, baseados em códigos comerciais, mas a falta de uma lei única e abrangente nesses casos torna o processo oneroso. De qualquer forma, os SPVs enfrentam impostos escorchantes. Acumulados, eles são talvez o maior entrave do setor. Uma gama de impostos soma cerca de 38% de um SPV normal, segundo fontes. Mais ainda, esse valor não inclui a CPMF, imposto sobre transações financeiras que pode incidir sobre várias etapas do negócio. Isso criou uma ótima oportunidade para fundos de investimento direto, um veículo relativamente novo que não tem falta de vencedores. Enquanto alguns argumentam que os FIDCs têm uma certa cara de jeitinho brasileiro — onde reguladores poderiam ter reestruturado todo o sistema em vez de criar um veículo para desviar de outros — muitos participantes acreditam em uma rara promessa de forte crescimento do setor.
Com características de fundos de investimento e SPEs tradicionais, os FIDCs são semelhantes aos veículos de financiamento adotados na França e em outros países europeus. Embora tenha sido necessário um certo tempo para que decolassem em virtude de sua complexa estrutura, a isenção de impostos de que gozam tem mantido os negociadores em atividade. "Na França foram criados para escapar da lei de falência, aqui para evitar todos esses impostos", segundo uma fonte.
Mesmo para acionistas de FIDCs abertos, que pagam impostos sobre ganhos de capital de seus haveres, a carga tributária é menor em comparação com os impostos sobre veículos normais.
Mesmo assim, os FIDCs estão longe de estarem livres de complicações. Os contratos de serviços, em suas minutas iniciais em negócios atualmente em circulação, são vagos, segundo fontes. "Documentos vão e voltam durante meses", disse uma fonte a par de todo o trâmite. Os serviços, de modo específico, são geralmente mal definidos nos documentos iniciais.
Além disso, enquanto não tiverem as rédeas que controlam as securitizadoras, os FIDCs também não terão o mesmo tratamento jurídico. Regidos por uma gama de leis do código comercial, os fundos não dissiparam inteiramente as dúvidas com relação à transferência de ativos, segundo fontes. Mesmo assim, apesar de tudo, os FIDCs parecem estar funcionando. Alguns já deslancharam. Como que zombando das securitizadoras de pouca visão, as primeiras três a entrar no mercado estão buscando novos segmentos de ativos, incluindo empréstimos pessoais, empréstimos a consumidores e valores a receber de produtos alimentícios da empresa Sadia. Outros ativos sob escrutínio são cartões de crédito de marcas privadas, hipotecas e recebíveis comerciais.
Há boatos de que um negócio bancado por anuidades escolares também está sendo visado pelo mercado privado. Em caso afirmativo, esse poderá ser o terceiro negócio relativo a anuidades já desenvolvido na América Latina, seguido da Universidade Diego Portales do Chile (veja ASR 5/19, p.21) e da Universidad de Concepcion (veja a p.18).
Outra transação FIDC sendo considerada no Brasil, espelhada em outro mercado latino, é a securitização de ativos de energia elétrica. Aparentemente, os participantes brasileiros estão estudando negócios bancados por contratos de compra de energia e contas de energia elétrica. Isso se assemelha a uma transação que a ING Barings fechou no mercado interno mexicano no final de abril.
Todavia, para esse setor específico brasileiro, o caminho à frente está repleto de obstáculos. "Em alguns casos, não seria possível fechar uma venda plena, pois a empresa detentora da concessão de energia elétrica não seria a proprietária real do ativo", disse uma fonte.
Mas mesmo à medida que o estruturado mercado financeiro brasileiro passe a gerar novos e atrativos produtos, os investidores permanecerão seduzidos pelos fundos do tesouro. Esse apelo somente diminuirá quando as taxas de juros baixarem significativamente, o que no Brasil significa várias centenas de pontos-base (ponto-base = 1/100 por cento).
Felizmente para o setor de securitização, o ciclo de arrocho, aparentemente interminável, parece ter chegado ao fim. Em 18 de junho próximo passado, o Banco Central cortou a taxa Selic de referência em 50 pontos-base, para o patamar de 26%. Caso a situação atual do país se mantenha, analistas acreditam que a taxa cairá ainda mais, talvez atingindo 20% até o final do ano. Ao reduzir os rendimentos dos fundos do tesouro, a abertura monetária finalmente poderá dar aos FIDCs, CRIs e assemelhados, uma oportunidade de competição.
Fonte: http://www.asreport.com - 23 de junho de 2003 – trad. Irib.
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