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Jürgen Philips e Andréa Carneiro falam à TV Justiça sobre cadastro e registro, explicando conceitos, diferenças e atribuições de cada um. Conceito de parcela. Proposta de saída para o cadastro: uma parcela de imóveis que são posses e outra de áreas tituladas.


A convite do Irib, o doutor Jürgen Philips, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e especialista em Cadastro e a doutora Andréa Carneiro, professora da Universidade Federal de Pernambuco e líder do Grupo de Pesquisa em Posicionamento Geodésico e Cadastro Imobiliário da UFPE, ambos representantes do Irib no grupo de trabalho criado pelo Incra para a regulamentação da lei 10.267/2001, concederam entrevista à TV Justiça, no programa Cartório, o parceiro amigo, da Anoreg-BR, exibido no dia 26/4/2003, às 11h00.

Tema da entrevista

O tema abordado no programa foi O Cadastro e o Registro Imobiliário, destacando a distinção entre as duas instituições, tendo em vista a lei 10.267/01 e sua aplicação na área de Cadastro de Imóveis Rurais. Confira, a seguir, a íntegra da entrevista, com pequenas retificações autorizadas pelos entrevistados.

1. O que é, especificamente, um cadastro?

J. Philips –
A palavra cadastro, em português, tem um significado diferente em relação a outros países ocidentais, onde são entendidos como cadastro imobiliário. Nos países de língua portuguesa, a palavra cadastro é genericamente entendida como um banco que cadastra seus clientes, por exemplo. No nosso caso, estamos falando do cadastro de imóveis. O cadastro imobiliário é o registro oficial de todos os imóveis de um município, estado ou país.

2. O cadastro é exclusivamente de imóveis?

A. Carneiro –
Sim. No entendimento internacional existe uma unidade de cadastro conhecida como parcela. No Brasil, nós não temos esse entendimento de parcela. Aqui o cadastro versa sobre o imóvel, é o que nós julgamos mais próximo da unidade de cadastro. Não existe apenas um cadastro, nós temos o cadastro rural administrado em nível federal pelo Incra, os cadastros urbanos, existentes na maioria das prefeituras, o que foge a esse entendimento internacional.

3. Quer dizer que esses cadastros não estão afeiçoados com os modelos utilizados em outros países?

J. Philips –
De certo modo sim. A grande maioria dos países ocidentais segue o modelo do cadastro napoleônico, criado em 1805 e que era baseado em um levantamento sistemático. Todo território é levantado por medições, esse é um dos critérios. O segundo é que a unidade traçada não é o lote e nem a gleba, mas sim, a parcela, levando-se em conta o conceito parcelar. O terceiro critério é que todas as medições são amarradas a uma rede única geodésica.

4. Tem se falado muito, principalmente depois da lei 10.267/2001, em cadastro multifinalitário. O que vem a ser esse cadastro?

A. Carneiro –
No Brasil se difundiu muito a idéia de que cadastro multifinalitário seria aquele que conteria o máximo de informações possíveis dirigidas a diferentes usuários. Não é esse o entendimento correto de cadastro multifinalitário, do ponto de vista internacional. Esse cadastro seria aquele que contivesse um conteúdo mínimo de informações que pudessem servir a um contingente maior de usuários, aos quais seriam ligadas essas informações específicas de cada usuário.

5. O cadastro a ser constituído no Incra responde a esse modelo de cadastro? O cadastro representado pelo CNIR pode ser considerado multifinalitário?

A. Carneiro –
O CNIR se encontra em fase de estruturação. Neste momento, um grupo técnico constituído pelo Incra para fazer as características do CNIR está com o papel de definir qual será esse conteúdo mínimo. Participando desse grupo, nós estamos tentando trazer a idéia de que esse conteúdo tem de ser mínimo.

6. Há uma confusão generalizada entre os conceitos de cadastro e registro, duas instituições que parecem distintas e com atribuições diferenciadas. Há quem pense que o registro devesse ser absorvido por um cadastro municipal. Existe uma diferença essencial e marcada entre cadastro físico e registro de segurança jurídica?

J. Philips –
Existe. Os dois registros, tanto o cadastro como o Registro de Imóveis, têm em comum apenas o objeto de registro, ou seja, a propriedade. O tema do registro é totalmente diferente. Enquanto o Registro de Imóveis cuida da parte de direitos dos imóveis, o cadastro se responsabiliza pela parte técnica. Na forma mais pura do núcleo desse cadastro, trata-se de uma instituição que se identifica tecnicamente, que assegura o contorno geográfico do imóvel, garantindo que ele jamais seja confundido com alguma outra parte da superfície do país.

7. A finalidade básica do cadastro físico é identificar o imóvel e atribuir a ele um número ou uma chave. A partir disso, essa mesma informação poderá ser acessada por diversos órgãos ou instituições, como o Registro de Imóveis, por exemplo. É isso, professora?

A. Carneiro –
É isso. Nós podemos dizer que não existe um modelo único e ideal de relacionamento entre cadastro e registro. Existem vários modelos, cada país se desenvolve de uma forma e o cadastro depende de como esse país se desenvolveu, como se deu a sua ocupação, como se dá a evolução da sua parte jurídica. Temos países que possuem uma coordenação mais próxima entre cadastro e registro, alguns até com os dois sendo um único organismo e países que têm um nível maior ou menor de coordenação. No caso do Brasil, acho uma temeridade pensar em uma fusão dos dois sistemas, uma vez que temos um Registro de Imóveis já consolidado, que tem uma doutrina e que traz segurança jurídica para os cidadãos, enquanto o cadastro ainda passa por muitas dificuldades, é um sistema ainda muito fraco no país, principalmente porque falta uma legislação de diretrizes nacionais.     

8. Na Alemanha o cadastro está junto com o registro ou são duas instituições diferentes?

J. Philips –
Na Alemanha, o cadastro está totalmente separado do registro, eles apenas se comunicam. Os dados dos registros entram automaticamente no cadastro e dados técnicos do cadastro fazem parte automaticamente do Registro de Imóveis. Há uma troca de informações entre os dois registros, forma que já funcionava na época em que não se conhecia o computador, quando eram feitas em forma de listas e fichas. Na Alemanha, temos o cadastro de tradição napoleônica, mas não na sua forma pura. Na França, mesmo o cadastro napoleônico quase tendo fracassado, eles cometeram um erro - aliás, erro repetido por outros países: eles sobrecarregavam o cadastro com informações que não eram as básicas à identificação do imóvel. Associavam ao cadastro informações socioeconômicas, ambientais, informações de direitos, criando com isso não um cadastro multifinalitário, mas um multicadastro, que não era mais gerenciável.

9. Existe uma proposta de se concentrar no cadastro atribuições de registro. Isso é um erro histórico, pois seria destruída uma estrutura já existente, concentrando e hiperfaturando essa figura com atribuições que não lhe são próprias.

J. Philips –
A aprendizagem que podemos fazer com o cadastro da França é que devemos ter um cadastro básico de informações só com a identificação do imóvel. A este cadastro básico pode ser agregado um número x de outros registros territoriais, de outros cadastros temáticos. Apenas um ou outro Registro de Imóveis utiliza o identificador para especializar o objeto de registro ou de cadastro. Nós sempre defendemos que cada cadastro temático fique naquela instituição que tem competência sobre ele. Não queremos, dentro do cadastro básico, informações ambientais, socioeconômicas, cadastros de infra-estrutura. O cadastro de infra-estrutura, por exemplo, é muito melhor gerenciado por engenheiros de companhias de água e esgoto do que por engenheiros cartográficos. 

10. Os registradores e a população, de modo geral, conhecem o imóvel como sendo terreno, prédio, lote, gleba, mas não estão acostumados com a expressão parcela. Também há grande confusão sobre o que seja um imóvel a ser cadastrado. Considerar o imóvel rural por destinação é uma das interpretações possíveis, mas considerar o imóvel rural pela localização é outra possibilidade. Afinal, cadastramos imóveis por destinação e localização ou cadastramos parcelas?

A. Carneiro –
Voltando à questão da estruturação da CNIR, a própria lei 10.267 não define a que imóvel rural se refere. Na etapa de regulamentação dessa lei, para dar a ela condições de ser aplicada, tentamos definir qual imóvel está sendo referido. Para o Incra o que interessa é o imóvel rural por destinação, já para a Receita Federal interessa o imóvel por localização. Uma saída para resolver o problema seria considerar a parcela a unidade territorial do imóvel, porque o imóvel rural poderia ser constituído de mais de uma parcela. Um exemplo prático: o Incra considera um imóvel como sendo uma porção contínua de terra possuída por um único proprietário e essa terra pode ter um trecho regularizado, ou seja, registrado, e outro trecho de posse. Para o Registro de Imóveis, essa unidade não é válida, uma vez que esse imóvel rural do Incra é composto de duas parcelas, uma titulada e outra de posse. No Registro de Imóveis iria constar apenas a área titulada, mas no Incra constariam as duas parcelas, são situações jurídicas diferentes.

11. Exatamente por saber que os cadastros contêm parte regular e irregular do imóvel, o registrador não confia no que o cadastro expressa. A proposta é que o próprio cadastro forneça uma saída, contendo uma parcela de imóveis que são posses e outra que são tituladas?

J. Philips –
Perfeitamente. Acho que os registradores estão certos em não confiar no conteúdo dos cadastros existentes no país. Não existe um único cadastro, o Brasil tem praticamente um cadastro por município, no que se refere à situação urbana e mais o cadastro do Incra, que registra imóveis rurais. A idéia de parcela também foi introduzida por Napoleão. Ela é definida como a menor unidade de cadastro. Dessa forma, podemos dividir a propriedade em unidades menores do que uma gleba e compor unidades de lotes e glebas com o conjunto de várias parcelas. Com isso, geramos maior flexibilidade, uma vez que juntamos um número x de parcelas para uma definição de imóvel e um número y de parcelas para outra definição. Isso traz uma flexibilidade muito maior de gerenciamento.

12. Em que medida o enfoque cadastral pode contribuir para a regularização fundiária?  

J. Philips –
Quando temos um cadastro que levante sistematicamente a área de um município, toda a superfície desse imóvel está registrada no cadastro, cada unidade está especificada e tem um número identificador. Essas unidades poderiam ser, no caminho da regularização, um nível inferior do nível da propriedade a ser regularizada. Ou seja, a unidade prevista para ser regularizada pode primeiro ser cadastrada, verificando-se se a delimitação está determinada por medições e se está registrada, inclusive com o cálculo da área. Depois que a unidade estiver determinada pode ser levada para regularização.

A. Carneiro – Uma dificuldade que temos no Brasil, por falta de um cadastro completo e atualizado, é exatamente essa questão da regularização fundiária. Um exemplo disso são as áreas urbanas. Um cadastro de área urbana administrada pela prefeitura é determinado, principalmente, para fins fiscais, por isso áreas de baixa renda não são cadastradas. Assim, cada vez que se pretende fazer um projeto de regularização fundiária, torna-se necessário fazer o levantamento do cadastramento daquela área específica.



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