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Em entrevista à TV Justiça Narciso Orlandi Neto comenta as disposições do novo Código Civil que afetam o registro de imóveis.


Veja a entrevista concedida à TV Justiça, pelo desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Narciso Orlandi Neto, conselheiro jurídico do Irib. O programa Cartório, o parceiro amigo, da Anoreg-BR, foi exibido pela TV Justiça no dia 28/6/2003, às 11h00, e reapresentado nos dias 29/6, às 11h e 30/6, às 6h e 22h. 

1. A necessidade do Registro de Imóveis decorre das disposições do Código Civil. O senhor acha que o novo Código Civil manteve os institutos com a mesma finalidade?

Em princípio sim. O novo Código Civil manteve a finalidade precípua do Registro de Imóveis, que é de dar publicidade aos direitos reais imobiliários. E acrescentou, em relação ao antigo Código Civil, alguns direitos reais mobiliários. O Registro passa a ser constitutivo. Antes ele só dava publicidade a alguns direitos reais mobiliários, como o penhor rural, agrícola, pecuário. O Registro é constitutivo, muito embora o contrato constitua apenas direitos reais mobiliários, ou seja, o objeto do direito real é o gado, o trator, o registro é feito no Cartório Imobiliário com caráter constitutivo. Além de manter a constitutividade dos direitos reais imobiliários, o novo Código Civil acrescentou a constitutividade para alguns direitos reais mobiliários, aumentando a finalidade do Registro de Imóveis.

2. O Registro de Títulos e Documentos, por suas características, não seria o destinatário natural dos direitos pessoais e reais sobre as coisas móveis? Por que a opção pelo Registro de Imóveis?

Sim, o Registro de Títulos e Documentos, entre outras finalidades, destina-se aos direitos reais mobiliários, mas o legislador tem dado preferência ao Registro de Imóveis por causa da força de sua publicidade. O Registro de Imóveis possui característica que os outros não têm, que é a territoriedade. O Registro de Imóveis é a única repartição que disponibiliza informação sobre um determinado imóvel. Essa publicidade é mais efetiva do que a publicidade de várias repartições que têm competências concorrentes.

Em relação aos direitos reais mobiliários, como o penhor de uma máquina aplicada na indústria, por exemplo, o gerente do banco concede o financiamento e recebe como garantia a própria máquina. No Registro de Imóveis do local em que se situa a empresa é possível saber se aquela máquina já foi objeto de penhor. Tornando o registro do contrato obrigatório e encaminhando-o ao Registro Imobiliário, o legislador disponibiliza a informação. Daí a preferência pelo Registro de Imóveis.

3- O novo Código Civil manteve os mesmos princípios relativos ao sistema registrário existentes no Código de 1916?

Partindo da eficácia do Registro de Imóveis no Brasil, eu diria que sim. Manteve, principalmente, o princípio da presunção e até o reforçou. O princípio da presunção significa que o que consta do Registro de Imóveis tem uma presunção relativa, isto é, se o meu nome consta no Registro de Imóveis como proprietário de um determinado imóvel, existe uma presunção de que eu seja o proprietário. Essa presunção é relativa, ou seja, cede diante de prova em contrário. Se o nosso sistema tivesse adotado o sistema alemão, em que o princípio que vige é o da fé pública do Registro de Imóveis, decorreria uma presunção absoluta e não poderia ser contestado o direito ali inscrito. Já o nosso sistema pode ser contestado. O princípio da presunção foi reforçado porque o artigo 1247, parágrafo único, diz que “cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”. O direito real é daquele a quem, efetivamente, pertence o imóvel e não, necessariamente, daquele em cujo nome está registrado.

4- Por que o legislador no novo Código Civil, não evoluiu para o sistema alemão?

Não sei se seria evolução. Há alguns que defendem que o sistema perfeito é o sistema alemão. Eu não sei se ele é o ideal. Se eu for o proprietário do imóvel, cujo nome consta do Registro de Imóveis, vou preferir o sistema brasileiro porque tenho certeza absoluta de que não perderei meu direito se alguém falsificar minha assinatura no tabelionato e vender o imóvel. Sei que terei a oportunidade de obter a declaração de nulidade do negócio jurídico e cancelar o registro irregular, ou seja, meu direito de propriedade vai prevalecer. No sistema alemão, se alguém falsificar a assinatura do proprietário inscrito no Registro de Imóveis para vender seu imóvel ao adquirente de boa-fé, e se esse adquirente conseguir registrar a escritura, aquele proprietário cuja assinatura foi falsificada perde o imóvel. Mas, no momento de comprar um imóvel vou preferir o sistema alemão porque para a aquisição basta conferir o registro. No direito brasileiro é preciso investigar toda a linha filiatória para ver se não há alguma causa de anulação de negócio jurídico e aí, eventualmente, posso perder o registro. Daí aquela busca na antiga certidão vintenária, agora quinzenária, para a investigação de todas as pessoas que aparecem na corrente filiatória do título. Não acho que o sistema alemão seja o melhor, eu ficaria com o nosso sistema por causa da grandeza territorial do Brasil.

5- Havia muita polêmica sobre alguns dispositivos do novo Código Civil. O NCC eliminou as dúvidas na interpretação dos institutos?

Sim e não. Eu sempre tive esta dúvida: o que ocorreu sobre o registro das estradas de ferro? O Código de 1916 tinha um sistema que depois a Lei de Registros Públicos alterou quando mudou o sistema de transcrição para matrícula. O antigo Código Civil dizia que os registros das hipotecas das vias férreas seriam feitos na estação inicial da linha. A Lei de Registros Públicos estabeleceu que os registros relativos às vias férreas seriam feitos na estação inicial da linha, ou seja, o que se entendia é que qualquer registro de qualquer bem das vias férreas deveria ser feito na estação de Ourinhos. Eu nunca concordei com isso. Agora o novo Código Civil, voltando ao que dispunha o antigo Código, espantou qualquer dúvida, i.é, só se faz na estação inicial da linha o registro da hipoteca que envolva a linha férrea, toda a companhia da estrada de ferro.

Outra dúvida eliminada foi em relação à extinção da hipoteca na arrematação. A doutrina discutia muito se com a não-intimação do credor hipotecário numa execução que não fosse a do crédito hipotecário, se ainda assim a arrematação extinguiria a hipoteca. O novo Código Civil diz bem que a hipoteca não se extingue, embora arrematado o imóvel permanece vinculado à hipoteca.

Há dúvidas que foram mantidas, como o termo inicial da perempção da hipoteca. O antigo Código Civil dizia que o termo inicial era a data do contrato de hipoteca. O novo Código continua dizendo a mesma coisa. Parece-me que não é possível defender que a hipoteca se constitui pelo contrato. O novo Código Civil é claro ao dispor que o direito real de hipoteca se constitui com o registro. Quer dizer, a dúvida está exatamente aí, o prazo da perempção começa da data do contrato ou do registro?

Uma dúvida que não existia e que agora aparece é em relação ao usufruto do direito de família. Eu acho que o usufruto do pai em relação aos filhos menores continua isento de registro. O direito real, se é que é um direito real, existe independentemente do registro. O Código Civil de 1916 excluía expressamente o registro. Hoje, o Código Civil não faz referência ao usufruto do direito de família. Alguém poderia indagar se se registra ou não esse usufruto, porque o Código Civil só tira do registro o usufruto adquirido por usucapião.

Em relação à prioridade, o Código Civil repetiu o defeito. Tratou da prioridade apenas quando fala do registro da hipoteca. Mas a prioridade, que decorre do número da prenotação no livro no 1 de Registros, aplica-se a qualquer registro. E, também, o novo Código só faz menção ao procedimento de dúvida do registro quando trata da hipoteca. Essas duas disposições deveriam estar lá atrás, quando o Código Civil fala do registro e não da hipoteca. Esse é um defeito vistoso do novo Código Civil.

6- O senhor acha que a Lei de Registros Públicos necessita ser adaptada?

Eu creio que sim. A Lei de Registros Públicos precisa de algumas reformas na disciplina dos registros. E agora precisa ser adaptada ao novo Código Civil, não só no que diz respeito ao Registro de Imóveis, mas no tocante ao Registro de Títulos e Documentos, Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Especificamente no que se refere ao Registro de Imóveis há necessidade de serem excluídas as disposições relativas à enfiteuse, que desaparece como direito real, e de se introduzir modificações no tocante à prioridade, à prenotação e seus efeitos. Não são modificações profundas, mas necessárias à Lei de Registros Públicos.

7- O novo Código Civil reuniu os direitos reais imobiliários?

Na minha opinião, esse é o grande defeito do Código Civil. Ele manteve a legislação esparsa. Eu não vejo nenhuma vantagem na codificação se a legislação esparsa continua existindo e disciplinando institutos que deveriam estar no Código Civil. E, às vezes, disciplinando de forma diferente como, por exemplo, o direito de propriedade fiduciária, aquele constituído no contrato de alienação fiduciária. A propriedade fiduciária é um direito real de garantia importantíssimo e que substitui a hipoteca cada vez mais. A hipoteca tende a desaparecer, no nosso sistema, porque a garantia oferecida pela propriedade fiduciária é muito maior para o credor. Não obstante, a propriedade fiduciária continua disciplinada na lei 9.514, não foi trazida pelo novo Código. A propriedade fiduciária das coisas móveis sim, mas de imóveis não. O volume desses contratos está aumentando de modo impressionante e a disciplina está fora do Código Civil.

Outro defeito é o direito real de superfície. O Código Civil ressuscitou esse direito depois de mais de cem anos, mas quando o fez, fez diferente do que o legislador já havia disposto no Estatuto da Cidade, que é mais completo do que o direito real de superfície do Código Civil. Nós acabamos ficando com duas disciplinas. Não se sabe, por exemplo, se ao direito real de superfície de um imóvel situado na cidade se aplica o Estatuto da Cidade ou o Código Civil. Isso não me parece bom.

8- Um tema que está causando muita controvérsia no meio jurídico e registral diz respeito aos contratos de compromisso de compra e venda. O senhor acha que esse contrato deve ser registrado?

O registro de contrato de compra e venda é previsto desde o decreto-lei 58/37 e até 10/1/2003 continuava sendo disciplinado por ele. Agora, o Código Civil trouxe, para codificação, esse direito real, mas ficaram algumas questões que entram em choque com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, STJ. O Código Civil dá direito real ao promissário comprador com o contrato registrado desde que do contrato não conste cláusula de arrependimento. Só nessa hipótese é que se dá o direito real e a adjudicação compulsória. A Lei de Registros Públicos permite o registro do contrato de compra e venda, mesmo constando cláusula de arrependimento, mas esse registro não dá o direito real e me parece que também não dá direito à adjudicação compulsória. Isso a jurisprudência vai resolver, mas vai haver conflitos. Sem contar outras disposições relativas a contratos preliminares que entram em choque com as disposições do promissário comprador e com o direito real do próprio Código Civil.



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