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Em entrevista à TV Justiça o promotor José Carlos de Freitas fala sobre a regularização fundiária e destaca o papel essencial do registrador imobiliário para a segurança jurídica.


O doutor José Carlos de Freitas, Assessor do Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo, CAO-UMA, foi entrevistado pela jornalista Claudia Trifiglio, no programa Cartório, o parceiro amigo, da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça no dia 26/07/2003, às 11h00, e reapresentado no dia 28/07, às 6h e 22h.

Como o senhor vê o papel dos registradores imobiliários numa sociedade complexa como a brasileira?

JCF – No que diz respeito ao comércio de imóveis, uma das maiores preocupações de quem o pratica é a segurança jurídica. A segurança jurídica encontra um reforço na atividade do registrador porque ele é o profissional qualificado e responsável por dar publicidade aos atos que ingressam no Registro de Imóveis. Essa segurança jurídica ganha um reforço no Registro de Imóveis a partir do momento em que esse documento que registra a transação é garantido pela qualificação desse técnico. O registrador tem um papel fundamental na questão da segurança jurídica.

O Estatuto da Cidade trouxe o registro de imóveis para o cenário dos debates, com instrumentos jurídicos que passam pelos cartórios. Como o senhor avalia esse fato?

JCF – O Estatuto da Cidade é uma legislação nova que trata da ordenação das cidades, que passa, necessariamente, pelos cartórios de registro de imóveis porque a atividade urbanística nasce e morre no cartório.

O Estatuto trouxe alguns instrumentos novos como, por exemplo, a figura da usucapião coletiva. Famílias que moram em imóveis de áreas particulares, como favelas, não têm endereço ou qualquer informação no cadastro imobiliário. A usucapião coletiva vai dar a formalidade necessária para esse tipo de ocupação e o Registro de Imóveis é importante para documentar a ocupação dessas áreas.

Em se tratando de concessão de uso de área pública, outro instrumento criado pelo Estatuto da Cidade, o registrador também tem um papel fundamental, uma vez que a concessão de uso vai tomar forma no Registro de Imóveis, que vai dar publicidade para esse tipo de ocupação. O cartório de imóveis vai exercer aquilo que eu costumo chamar de função social do registro, que é espelhar uma realidade social de muitas cidades brasileiras.

Os cartórios e o Ministério Público são vítimas de preconceitos, muitas vezes amplificados pela mídia. Os estereótipos contra os serviços notariais e registrais, vistos como burocracia inútil, impedem que a importância jurídica desses serviços chegue a ser conhecida. Como é possível superar essa onda de desinformação?

JCF – Acredito que a superação dessas idéias começa justamente pela informação. As pessoas estão mal informadas sobre a atuação dos cartórios e do Ministério Público, instituições que sofrem esse tipo de discriminação. As pessoas não conhecem o trabalho de um promotor de justiça, principalmente voltado à área do registro imobiliário. O preconceito parte dessa desinformação. O papel do registrador e do Ministério Público, nessa questão, é exatamente transmitir à população a função de cada um e como essas atividades podem ajudar na solução de problemas que giram em torno de registros. É uma questão de informação, que tem que ser veiculada por caminhos próprios, como a mídia, para que não sejam propagados verdadeiros equívocos sobre uma atividade que é fundamental em se tratando de segurança jurídica voltada aos negócios.

Como o senhor avalia o convênio celebrado entre o IRIB e o Ministério Público do Estado de São Paulo?

JCF – O convênio entre o MP e o Irib firmado em 1999, visava, inicialmente, a troca de informações técnicas e jurídicas, mas acabou evoluindo para um papel fundamental de atuação na realização de eventos e seminários voltados ao estudo de questões nas quais as atividades dos registradores estão relacionadas às funções do Ministério Público numa área essencial como habitação e urbanismo. Como resultado desses seminários são publicados textos de referência com  informações jurídicas, o que tem revertido para uma atuação social. A sociedade tem recebido contribuições que não dá para mensurar porque esse convênio permitiu uma atuação conjugada para a solução de problemas comuns, ao Ministério Público e aos registradores de imóveis, na área de habitação e urbanismo. A partir desse convênio, o Ministério Público e o Irib passaram a ter condições de fazer um trabalho de orientação da população, incluindo esse de informação a respeito das atividades essenciais do registrador e do promotor de Justiça.    

Quais os resultados concretos dessa parceria entre o Ministério Público de São Paulo e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil?

JCF – Um dos resultados concretos é o enfrentamento de temas novos. Tivemos a oportunidade de discutir, conjuntamente, o Estatuto da Cidade, a lei que alterou a Lei de Parcelamento do Solo e houve um interesse muito grande na discussão desses temas. O convênio tem a preocupação de trazer para o debate temas que são palpitantes, como a regularização fundiária, e produzir publicações para se conhecer mais a fundo essas questões.

Quais as perspectivas futuras para o convênio entre o IRIB e o MPSP?

JCF – Em primeiro lugar, a perspectiva é dar continuidade ao convênio porque foi uma parceria que deu certo, não foi um instrumento que ficou guardado na gaveta. Desde o seu início, em 1999, o convênio colocou em prática duas idéias principais. A primeira é o de enfrentamento de questões novas surgidas na legislação com temas já conhecidos, como a regularização fundiária. A segunda idéia é o debate democrático que tem sido acontecido em todos os eventos que promovemos dentro e fora de São Paulo. O Irib e o Ministério Público já receberam convites de outros estados e outros Ministérios Públicos para debater essas questões. Aliás, esse convênio têm sido firmado em outras unidades da federação, o que é motivo de orgulho para nós, porque nasceu no Estado de São Paulo com a parceria de registradores e promotores de justiça. A perspectiva para a continuidade do convênio em são Paulo é a melhor possível, uma vez que a sociedade é dinâmica, os problemas se multiplicam e se renovam e as leis estão ai para tutelar as situações novas ou dar uma feição jurídica a situações antigas que ainda não tiveram solução. A idéia é que continuemos a produzir eventos, seminários e textos, que formam a base de consulta dos profissionais não só do Direito, mas de outras áreas de atuação, como as prefeituras, que são as maiores beneficiárias de algumas discussões como, por exemplo, a da regularização fundiária. O convênio entre o Ministério Público de São Paulo e o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil tem a pretensão de interferir diretamente na dinâmica da sociedade.        

O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e o Ministério Público do Estado de São Paulo realizaram com grande sucesso o Seminário de Regularização Fundiária, que lotou o auditório de 400 lugares do hotel Maksoud Plaza São Paulo. O que o senhor tem a comentar sobre esse evento?

JCF – Esse evento foi, mais uma vez, uma feliz iniciativa dos dois parceiros. Notamos a necessidade de abrir o debate, reformular questões, rever posições a respeito da legislação mais recente a respeito da regularização fundiária. O próprio Estatuto da Cidade, lei 10.257/01, sinaliza essa nova discussão porque traz preceitos de regularização fundiária e também relativos ao meio ambiente.

O Seminário teve em mira a mesma característica do convênio entre o Irib e o Ministério Público, ou seja, o enfrentamento de uma questão antiga e mal resolvida. Para imaginarmos  a importância desse debate sobre a regularização fundiária, basta lembrar que a legalização de imóveis clandestinos urbanos é hoje uma das principais metas de governo e que em apenas duas das maiores capitais brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, mais de 50% da população vive em moradias irregulares, como loteamentos clandestinos, mananciais, áreas à margem de rios e favelas.

Nesse seminário tivemos a preocupação de convidar profissionais de diversas áreas, para discutir a questão sob diferentes enfoques, e conseguimos a presença de juízes de Direito, da ativa e aposentados, registradores, advogados, promotores de justiça e urbanistas, todos discutindo questões técnicas e jurídicas a respeito de projetos de regularização.

Para nossa surpresa, tivemos um auditório lotado e as pessoas pediram a reprise do evento em outros estados. Para os promotores o evento foi muito proveitoso porque tivemos a oportunidade de conhecer o pensamento dos diversos atores relacionados ao problema. O seminário teve mais um ponto positivo que foi levar a discussão a diversos setores que vão trabalhar na questão da regularização fundiária.

De que forma o procedimento de regularização fundiária poderia ser simplificado sem colocar em risco o sistema de segurança jurídica?

JCF – Muito se tem falado a respeito da regularização fundiária. Esse discurso é discutido nos três âmbitos de governo, federal, estadual e municipal. A regularização não se refere apenas à documentação ou à entrega de títulos de domínio para quem está ocupando uma área de forma indevida, em loteamentos clandestinos ou favelas. Essa regularização fundiária passa, necessariamente, por aquilo que o Estatuto da Cidade chama de regularização e o meio ambiente sustentável. Ou seja, para que tenhamos condições de promover a regularização registrária há necessidade de existir regularização urbanística e ambiental. Temos de ajeitar a cidade, uma vez que aquilo que está fora da legalidade passou a integrar o que se denominou cidade legal. Para isso, precisamos trazer todos os atores desse processo para o nosso debate: arquitetos, engenheiros, servidores do Poder público municipal, estadual e federal, registradores, juízes de Direito e promotores. É necessário partir de uma ampla discussão para que todo o processo de regularização, que passa por uma fase administrativa, chegue ao registro imobiliário de maneira segura, para que não seja contestado no futuro.

Temos normas no Estado de São Paulo que tratam do assunto, mas são normas envelhecidas pelo tempo. Como eu disse, a sociedade é dinâmica e as necessidades mudaram. Precisamos contar, primeiro, com a segurança de um projeto arquitetônico, urbanístico e ambiental que tutele o direito de quem está sendo beneficiado com a regularização, mas também os direitos da comunidade no entorno. Além disso, precisamos de normas mais claras, uma certa padronização de âmbito nacional. Não se admite que cada estado fique editando normas específicas de regularização, sendo que um determinado estado faça mais exigências que o outro.

Há necessidade de modificar o discurso. Por exemplo, começa a surgir a idéia de que o registrador passe a fazer a regularização, administrativamente, sem intervenção do Judiciário. Essa é uma idéia avançada e que precisa ser discutida porque hoje a regularização passa por uma espécie de monitoramento do Judiciário. Esse processo poderia ser simplificado, uma vez que o registrador é um profissional capacitado e tem condições de fazer a qualificação dos títulos que chegam ao cartório. A simplificação é necessária, mas tem de garantir um mínimo de segurança jurídica, não só para aquele que está sendo beneficiado, mas para o restante da sociedade.

Quais as situações mais graves apuradas pelo Ministério Público no que diz respeito aos parcelamentos irregulares no Estado de São Paulo?

JCF – Os parcelamentos irregulares têm dois aspectos: o físico e o comportamental. O físico diz respeito às ocupações em áreas de proteção ambiental ou em áreas de risco. O aspecto comportamental diz respeito à omissão dos atores, principalmente do Poder público, que atua na fiscalização. Enquanto a fiscalização operar apenas burocraticamente, com a emissão de documentos, de notificações, os loteamentos irregulares vão continuar se multiplicando. Precisamos ter uma atuação efetiva dos órgãos públicos envolvidos na fiscalização. Esse é um dos problemas mais graves no que se refere aos loteamentos clandestinos.

O Ministério Público de São Paulo identifica as razões principais do surgimento dos loteamentos clandestinos. Não é só o Poder público, que fiscaliza, o responsável pelo surgimentos dos loteamentos. Existem outros atores que deveriam estar atuando de forma convergente. Temos, por exemplo, promotores de justiça que estão mal informados sobre a lei; juízes de Direito que não a compreendem porque se trata de lei específica; delegados de polícia que instauram inquéritos, equivocadamente, como se fossem crimes de estelionato, quando se trata de crimes de loteamento clandestino; a atuação de imobiliárias que vendem os lotes sem o mínimo de segurança em relação aos requisitos básicos para saber se aquele lote tem registro no cartório de imóveis; enfim, são vários os atores que atuam separadamente quando deveriam estar trabalhando de maneira conjugada.

Na identificação desses atores, a atuação do Ministério Público se divide em criminal e civil. No âmbito criminal, o promotor de justiça instaura ações penais denunciando os principais responsáveis pelos loteamentos clandestinos. Na esfera civil, buscamos a responsabilidade civil do loteador e também do Poder público que foi omisso com o pedido de regularização, ou seja, são dois os atores principais, aquele que faz e é responsável pelos atos que praticou e aquele que se omitiu, que é geralmente o Poder público municipal. 

Naquelas ocupações em áreas de risco ou de proteção ambiental, onde a legislação protetiva é muito restringente, pedimos a remoção das famílias e o realojamento em outro lugar e buscamos a responsabilização do Poder público para a implementação de políticas públicas habitacionais, por exemplo. Essa é uma das formas de atender esse contingente de pessoas cujos direitos não podem ser reconhecidos nessas localidades.  

Qual a importância dos cartórios de registro de imóveis na identificação dos parcelamentos irregulares e o que os registradores devem fazer ao perceber indícios de fraude à lei do parcelamento do solo?

Os cartórios, como já disse, têm um papel fundamental. Um caso típico de parcelamento clandestino que não é percebido pela população é o caso das chácaras de recreio ou a formação de ranchos no interior do Estado de São Paulo. O proprietário da gleba vende a sua propriedade em frações ideais, e não em lotes. Essas frações ideais, mediante escrituras públicas, são registradas no cartório. Forma-se, na mesma matrícula do imóvel, uma espécie de condomínio, que seria o condomínio do Código Civil, mas, na verdade, forma-se um loteamento mascarado de condomínio para burlar a lei do parcelamento do solo. O registrador tem condições de perceber essa situação porque conhece as propriedades, geralmente situadas em zona rural, onde não se permite loteamento para fins urbanos. Portanto, o registrador deve fazer um comunicado às autoridades, no caso ao Ministério Público, para que adote as medidas pertinentes, tanto na esfera criminal como na esfera civil. Os registradores de São Paulo têm feito isso com a colaboração do Irib, que tem divulgado decisões do Ministério Público e da jurisprudência paulista no sentido de que essa prática tem de ser coibida. O oficial do registro de imóveis é um dos primeiros a notar a formação de um loteamento mascarado de condomínio no momento em as escrituras começam a ingressar no cartório de forma seqüencial.

O convênio celebrado entre o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil e o Ministério Público tem gerado esse fruto, ou seja, a orientação aos registradores para que informem a formação inicial desses falsos condomínios ao Ministério Público, que passa a ter condições de acionar a Prefeitura na esfera administrativa, para que adote as medidas de fiscalização, e de acionar também a autoridade policial, para que instaure inquérito policial e, se for o caso, prenda em flagrante o responsável.

Os loteamentos clandestinos levam à degradação ambiental. No caso de imóveis situados na zona rural, pelo atrativo da vegetação nativa e de nascentes de água, a degradação ocorre com o desmatamento para a formação dos sítios de recreio. As nascentes são assoreadas, córregos são aterrados, tudo isso causando degradação ambiental que depois vai ter conseqüências danosas para o resto da cidade.



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