Reflexos no registro de imóveis do novo Código Florestal
Maria Aparecida Bianchin Pacheco
Recentemente a Câmara Federal disponibilizou o texto contendo a redação final do Projeto de Lei nº 1.876-E, de 1999 - PL do Novo Código Florestal, do relator Deputado Paulo Piau, aprovado em plenário no dia 25/04/2012, que seguirá para o Planalto, para sanção ou veto, pela Presidenta da República.
Apresenta tal texto, vários dispositivos que terão reflexos no Registro Imobiliário, merecendo ser citados e estudados.
Em linhas gerais, fundamenta-se pela efetivação de três princípios de ação: a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente. Para efetivação de tais ações, contempla diversos instrumentos jurídicos, políticos, tributários, financeiros e de estudo e planejamento, para a ordenação dos espaços urbanos e rurais, incumbindo ao Poder Público e ao particular a implementação dos mesmos, e ao Registro Imobiliário, o importante papel de co-protagonista, ao ser incumbido de dar publicidade a alguns desses instrumentos. Inova ao consolidar como de interesse ambiental, dispositivos esparsos em várias outras leis, que contemplam a regularização fundiária de assentamentos urbanos, já que a ocupação das cidades se deu de forma desordenada, concentrando-se nelas, atualmente, cerca de 80% da população brasileira e os maiores problemas ambientais.
Os efeitos da clandestinidade imobiliária são adversos não só para a sustentabilidade social e econômica, mas também para a sustentabilidade ambiental, um dos fatores de maior relevância, senão o maior de todos, a contribuir com degradação advinda das ocupações de imóveis irregulares, em áreas de proteção e em áreas contaminadas. Sem que o imóvel esteja matriculado e sem saber quem é o proprietário, o Registro Imobiliário não pode dar publicidade de todos os instrumentos legais e ocorrências ambientais significativas, assim como, não podem as autoridades competentes, aplicar as sanções cabíveis aos infratores ambientais.
Inova também, ao dispor que todas as obrigações previstas no texto legislativo, tem natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio do imóvel, antevendo a importante participação do Registro Imobiliário na publicização das mesmas, para conferir a necessária segurança jurídica, nos atos e negócios relacionados a imóveis rurais e urbanos.
Cria o Cadastro Ambiental Rural – CAR, constituindo-se de um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, ficando a inscrição em tal registro, a cargo de órgão ambiental municipal, estadual ou federal. Impõe à União, Estados e o Distrito Federal, por ato do Poder Executivo, a implantação de Programas de Regularização Ambiental – PRAs, com objetivos de adequação dos imóveis rurais aos termos da legislação.
No que tange a Reserva Legal, estabelece que a mesma deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, comportando exceções previstas no próprio texto. O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Registro de Imóveis, mas não impede que a mesma ocorra, vez que a possibilidade de sua averbação na matrícula, continua expressamente consignada no art. 167, II, 16, da Lei nº 6.015/73, e mesmo que tal previsão fosse expressamente revogada, ainda assim se poderia averbar a Reserva Legal, por ser pacífico no meio registrário brasileiro, a possibilidade de se dar publicidade de ocorrências que visem a tutela ambiental, por meio de averbação na matrícula, por se entender como meramente exemplificativo o rol de atos de averbação a serem praticados pelo Registro Imobiliário, previstos na Lei de Registros Públicos.
Ademais, o texto legal apresenta várias disposições relacionadas à redução e/ou ampliação das áreas de Reserva Legal, que necessariamente deverão continuar sendo averbadas na matrícula do imóvel rural, como condição para assegurar ao proprietário rural que mantiver reserva legal conservada e averbada em área superior aos percentuais exigidos, a possibilidade de instituição de Servidão Ambiental sobre a área excedente, e Cota de Reserva Ambiental, como veremos mais adiante.
Assim, parece que o verdadeiro intuito da alteração que desobriga a averbação da Reserva Legal no Registro de Imóveis, é eximir o proprietário de imóvel rural das sanções impostas pela infração administrativa contra o meio ambiente, tipificada no Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008, nos seguintes termos:
Art. 55. Deixar de averbar a reserva legal: Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 1º No ato da lavratura do auto de infração, o agente autuante assinará prazo de sessenta a noventa dias para o autuado promover o protocolo da solicitação administrativa visando à efetiva averbação da reserva legal junto ao órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área da reserva.
§ 2o Haverá a suspensão da aplicação da multa diária no interregno entre a data do protocolo da solicitação administrativa perante o órgão ambiental competente e trinta dias após seu deferimento, quando será reiniciado o cômputo da multa diária”.
É que o mencionado decreto, nas disposições finais, previu que dito artigo só entraria em vigor cento e oitenta dias após a sua publicação. A sua publicação ocorreu em 23 de julho de 2008, então entraria em vigor em 23 de janeiro de 2009, no entanto, dito prazo foi prorrogado por sucessivas vezes, e ainda não se encontra em vigência. Nesse sentido, o art. 14, §2º, ao prever que, protocolada a documentação exigida para análise de localização da área de Reserva Legal, ao proprietário ou possuidor não poderá ser imputada sanção administrativa, inclusive restrição a direitos, em razão da não formalização da área de Reserva Legal. Ainda, em relação à Reserva Legal, continua a permitir que a mesma seja instituída em regime de condomínio ou de forma coletiva entre propriedades rurais, e no caso de parcelamento de imóveis rurais, que seja agrupada em regime de condomínio entre os adquirentes.
O PL institui a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nominativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação: I- sob regime de servidão ambiental, instituída na forma do art. 9º-A da Lei nº 6.938/81; II- correspondente à área de Reserva Legal instituída voluntariamente sobre a vegetação que exceder os percentuais exigidos; III- protegida na forma de Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, nos termos do art. 21, da Lei nº 9.985/2000; e, IV- existente em propriedade rural localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público que ainda não tenha sido desapropriada.
Prevê também, que a Cota de Reserva Florestal – CRF emitida nos termos do art. 44-B da Lei nº 4.771/65, passa a ser considerada, como Cota de Reserva Ambiental – CRA. A Cota de Reserva Ambiental será emitida pelo órgão competente do SISNAMA em favor do proprietário de imóvel incluído no CAR, podendo ser transferida, onerosa ou gratuitamente, a pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, mediante termo assinado pelo titular do CRA e pelo adquirente, devendo ser averbada na matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis competente, o vínculo da área do imóvel com a CRA e sua eventual transferência.
Cada Cota de Reserva Ambiental – CRA , corresponderá a um (um) hectare: I- de área com vegetação nativa primária ou com vegetação secundária em qualquer estágio de regeneração ou recomposição; II- de áreas de recomposição mediante reflorestamento com espécies nativas. Só pode ser utilizada para compensar Reserva Legal de imóvel rural situado no mesmo bioma da área à qual o título esteja vinculado, se equivalentes em extensão à área da Reserva Legal a ser compensada, e quando estiver fora do Estado, se localizada em áreas identificadas como prioritárias pela União ou pelos Estados.
A utilização da Cota de Reserva Ambiental para compensação da Reserva Legal, bem como o seu cancelamento (nas hipóteses admitidas), serão averbados nas matrículas do imóvel no qual se situa a área vinculada ao título e na área do imóvel beneficiário da compensação.
A compensação de Reserva Legal poderá ser feita mediante: I- aquisição de Cota de Reserva Ambiental – CRA; II- arrendamento de área sob regime de servidão ambiental ou Reserva Legal; III- doação ao poder público de área localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público pendente de regularização fundiária; e IV- cadastramento de outra área equivalente e excedente à Reserva Legal, em imóvel de mesma titularidade ou adquirida em imóvel de terceiro, com vegetação nativa estabelecida, em regeneração ou recomposição. Quando se tratar de imóveis públicos, a compensação poderá ser feita mediante concessão de direito real de uso ou doação, por parte da pessoa jurídica de direito público proprietária de imóvel rural que não detém Reserva Legal em extensão suficiente, ao órgão público responsável pela Unidade de Conservação de área localizada no interior de Unidade de Conservação de domínio público, a ser criada ou pendente de regularização fundiária.
Para os proprietários de imóveis rurais na Amazônia Legal, e seus herdeiros necessários, que possuem índice de Reserva Legal maior que 50% de cobertura florestal e não realizaram a supressão da vegetação nos percentuais previstos pela legislação em vigor à época, poderão utilizar a área excedente de Reserva Legal também para fins de constituição de Servidão Ambiental, Cota de Reserva Ambiental – CRA e outros instrumentos congêneres previstos no próprio PL.
Por fim, altera outras legislações ambientais, modificando e/ou acrescentando disposições que interessam ao Registro Imobiliário, na Lei nº 6.938/1981, 9.393/1996, 9.985/2000 e 11.428/2006, a saber: - a servidão ambiental pode ser instituída por instrumento público ou particular ou por termo administrativo firmado pelo proprietário perante o órgão integrante do SISNAMA, contendo, no mínimo, os seguintes itens: - memorial descritivo da área de servidão ambiental, contendo pelo menos um ponto de amarração georreferenciado; - objeto da servidão ambiental; - direitos e deveres do proprietário ou instituidor; - prazo durante o qual a área permanecerá como servidão ambiental; - as áreas instituídas na forma de servidão florestal nos termos do art. 44-A da Lei nº 4.771/65, passam a ser consideradas, pelos efeitos da lei, como de servidão ambiental. - os instrumentos de instituição de Servidão Ambiental, bem como àqueles que instituírem compensação de Reserva Legal, e os que alienarem, cederem ou transferirem servidão ambiental devem ser objetos de averbações em todas as matrículas dos imóveis envolvidos.
Diante das alterações acima elencadas, pode-se dizer que, além das efetivas contribuições ao ambiente e qualidade de vida que o Registro de Imóveis Brasileiro já vem oferecendo na vigência da Lei nº 4.771/65, o texto do Projeto de Lei nº 1.876-E – Novo Código Florestal, no cômputo geral, não só continua a permitir a averbação da Reserva Legal e dos demais instrumentos já previstos na legislação, como amplia e obriga a publicidade de outras informações ambientais, visando prevenir e alertar a sociedade, impedindo que a transferência de direitos e obrigações reais sobre imóveis ambientalmente irregulares causem temerárias conseqüências à segurança jurídica, exigindo atuação direta dos registradores imobiliários, no nobre ofício de guardar com solidez a propriedade, garantindo a sua sustentabilidade sócio, econômica e ambiental.
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