BE2834

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Processo e Registro
A forma além do conteúdo


As recentes reformas do Código de Processo Civil repercutiram profundamente no Registro de Imóveis.

Qual o sentido dessas reformas? Em que medida as novas regras do processo interferem no dia a dia do registrador? Quais os aspectos que devem ser relevados? Como ingressarão no Registro os títulos previstos na nova onda do processo? Quais os requisitos formais para a realização dos atos no ofício imobiliário? Houve uma mudança de paradigmas no tratamento da fraude à execução? A publicidade registral sai robustecida?

Tenho a convicção formada de que a construção de pontes – estabelecendo um firme diálogo entre os juristas especializados em processo civil e registro – é mais do que nunca necessária. Assim como é imperioso recuperar o sentido de uma riquíssima discussão que grassou na doutrina na primeira metade do século XX acerca do valor do Registro na irradiação e eficácia dos atos judiciais.

Para tanto, o BE do Irib estará publicando nos próximos dias entrevistas com notáveis juristas acerca do tema. A primeira delas será com o jurista gaúcho, Prof. Dr. Ovídio A. Baptista da Silva, renomado autor de vários livros publicados sobre processo civil e palestrante convidado do Irib. Segue a entrevista concedida pelo desembargador Décio A. Erpen, ex-Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, fundador do Colégio de Corregedores do Brasil, professor de direito registral e notarial e especialista em processo. Outras personalidades e autoridades no assunto já confirmaram seus esclarecimentos.

Estaremos igualmente repercutindo as opiniões – coincidentes ou divergentes – veiculadas sobre o tema em artigos, entrevistas e notas, constituindo um rico painel de debates e discussões cujo maior beneficiário é você, caro leitor.

 


 

Averbação premonitória, publicidade registral e distribuidores
(A probatio diabolica e o santo remédio)
Sérgio Jacomino*


Introdução

A probatio diabolica e o remédio santo

A história do Registro nos absolve

A inteligência não é um atributo da contemporaneidade

Segurança jurídica e direito à privacidade.

Samba, carnaval e fraude à execução – o que têm em comum?

Defraudando a fraude

Não há espaço para a relatividade do tempo

Certidões de ações judiciais expedidas... pelo Registro de Imóveis

Introdução

No BE #2.791, de 11 de janeiro reproduziu-se uma entrevista por mim concedida ao Jornal Paulista Agora São Paulo intitulada Averbação premonitória – Segurança do tráfego jurídico-imobiliário – efetividade do processo.

Ali acabei expressando algumas idéias que se relacionam diretamente com os fundamentos que vêm inspirando as sucessivas reformas no CPC, cuja culminância é a Lei 11.382, de 2006.

O texto suscitou ácido debate interno e rendeu uma furiosa troca de e-mails entre vários registradores e distribuidores. O tema central do debate se relaciona com a necessidade (ou não) de fazer depender a eficácia da publicidade registral da atuação de outras instâncias não-registrais. Trocando em miúdos: o registro é auto-suficiente para prover as informações essenciais ao mercado, blindando o tráfico jurídico imobiliário com a necessária e bastante segurança jurídica? Ou as transações imobiliárias são ainda dependentes da informação extra-registral, como a proporcionada pelos distribuidores?

Acerca da correta ou incorreta interpretação da Lei o leitor avaliará. Era realmente necessário trazer ao debate os argumentos que se digladiam tendo por fundo a publicidade e a eficácia do sistema registral brasileiro.

Há muito o tema vem sendo agitado. Historicamente, nem mesmo entre os oficiais registradores houve unanimidade – vejam-se, por exemplo, as opiniões de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza (Boletim do Irib em Revista 302, de julho de 2002, p. 46) inclinando-se pela necessidade de consulta aos distribuidores e a firme refutação feita por João Pedro Lamana Paiva (Boletim do Irib em Revista 302, de julho de 2002, p. 46).

Entretanto, é bom que se esclareça, no âmbito do Irib essa questão está superada e a convicção da necessidade do robustecimento da publicidade registral parece já fora de cogitação. Mormente agora, com o advento das reformas no estatuto processual.

Já preparava a publicação do artigo de Gilson Carlos Sant´Anna, (A correta interpretação da Lei 11382/2006, que foi ao ar no BE #2815, de 25/1/2007) com o objetivo de ampliar o debate e expressar lealmente visões diferenciadas, quando veio a lume, ainda na edição de 21 de janeiro do tradicional Boletim Eletrônico do Irib, artigo do registrador aposentado Ulysses da Silva reafirmando a necessidade das diligências investigatórias nos distribuidores (O registrador imobiliário em face da lei 11.382, de 2006, BE #2810, 21/1/2007).

Estamos, pois, devendo um debate aprofundado sobre a correta interpretação e alcance da Lei 11.382, de 2006.

O tema é polêmico. Hic sunt leones! volta

A  probatio diabolica e o remédio santo

Para o Conselheiro do Irib, a averbação premonitória “não dispensa a apresentação das certidões dos distribuidores civis as quais continuarão a ser exigidas nos casos previstos em lei, por dois motivos: primeiro, porque podem existir ações de outra natureza; segundo, porque a averbação em apreço dependerá da iniciativa do exeqüente, não havendo garantia de que será efetuada em todas as situações criadas”. E conclui:

“Analisados os dispositivos legais mencionados até este ponto, cumpre lembrar, inicialmente, ao registrador, que não é o ajuizamento de qualquer ação que poderá ser averbado. O artigo criado (615-A) refere-se apenas à notícia da execução de dívida oriunda de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, enumerados nos artigos 584 e 585”.

Do mesmo sentir Gilson Carlos Sant´Anna no artigo citado.

Contudo, as conclusões comportam um enfoque divergente.

O ilogismo que se aninha na antevisão da pouca importância da averbação premonitória é manifesto. Sobre esse tema gostaria de dedicar alguns poucos comentários, divergindo com o devido respeito de meu querido colega, mestre de todos nós na difícil arte do Registro, Ulysses da Silva.

Quando se diz que a averbação premonitória cinge-se unicamente às execuções, deve-se ter em mente que as demais hipóteses de publicidade registral já estão previstas expressamente em lei. Tratou-se, na última reforma do CPC, de fechar todas as brechas pelas quais ainda era possível transitarem as conhecidas exceções. E a mais expressiva delas, sem dúvida nenhuma, era a hipótese de fraude à execução que se presumia e aperfeiçoava extra-tabula.

Nunca é demais lembrar que o artigo 615-A aponta direta e expressamente ao artigo 593 do estatuto processual civil, dispositivo que, em seus incisos, trata das fraudes à execução. Entre as hipóteses listadas, acha-se a alienação ou oneração de bens “quando sobre eles pender ação fundada em direito real” (inciso I).

Sobre o tema, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery registram:

“O nome do instituto – fraude de execução – pode levar o intérprete a confusões. Não é apenas no processo de execução que pode haver fraude de execução. Como o ato fraudulento é atentatório à dignidade da justiça, é suficiente que haja litispendência em ação judicial, qualquer que seja ela (de conhecimento – declaratória, constitutiva ou condenatória –, cautelar ou de execução), em qualquer juízo (comum – federal ou estadual –, trabalhista, eleitoral ou militar), desde que tenha aptidão para levar o devedor à insolvência”. (CPC comentado, São Paulo: RT, 9ª ed. 2006, p. 850).

Uma vez mais, não nos esqueçamos de que a hipótese de fraude à execução decorrente de alienação ou oneração de bens quando pendente ação fundada em direito real ou pessoal reipersecutória é objeto de registro obrigatório, ex vi do art. 167, I, 21 c.c. art. 169 da Lei de Registros Públicos.

E a doutrina sempre esteve atenta ao fato. Por todos, Liebman, para quem a alienação de bens feita quando pendente ação real ou pessoal reipersecutória leva à fraude à execução. Porém, “para ciência de terceiros, as citações relativas a estas ações, em se tratando de imóveis, devem ser inscritas no registro imobiliário, e a falta desta inscrição obrigará o credor a provar o conhecimento por parte do terceiro da existência do processo pendente”. (Liebman. Enrico Tullio. Processo de execução. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 78, n. 45).

De outra banda, afastemos, liminarmente, a interpretação que se faz de que o artigo 615-A do CPC representaria uma nova hipótese de fraude à execução – ladeada àquelas já previstas nos incisos do artigo 593 (em doutrina, v.g., Palharini Jr. Sidney et alii, Nova execução de título extrajudicial. São Paulo: Método, 2007, p. 55). Ora, fosse assim e o parágrafo terceiro do artigo 615-A estaria aninhado entre as hipóteses subordinadas ao caput do referido artigo 593.

Quer nos parecer que a melhor interpretação aponta na direção de que as hipóteses de fraude à execução, já previstas nos três incisos do artigo 593, são agora qualificadas pela nova sistemática do Código pelo concurso da publicidade registral, com o anexo efeito da presunção de conhecimento (e oponibilidade) dos atos judiciais.

Tanto as averbações previstas no artigo 615-A do CPC, quanto as hipóteses arroladas na Lei 6.015/73, são espécies de uma mesma categoria que tem como escopo – além de advertir, prevenir, acautelar terceiros – de desencadear importantes efeitos de oponibilidade/inoponibilidade. São, pois, inscrições premonitórias e delas decorrem importantes efeitos presuntivos dos quais mais adiante se falará.

Não procede, pois, o argumento de que a averbação premonitória cingir-se-ia exclusivamente às hipóteses executivas – de molde a sugerir que as demais seriam apuradas pela informação dos distribuidores.

Já a eventual inação do exeqüente, longe de frustrar o desencadeamento dos efeitos presuntivos – que vão acarretar a inversão do ônus da prova e a qualificação da fraude à execução – tal inércia simplesmente concretizará o que a lei prevê e sanciona com o mecanismo da inoponibilidade. Parece demasiado, portanto, sustentar que a eficácia da lei esteja na dependência da vontade do exeqüente.

Tampouco parece lógico que se exijam certidões unicamente dos distribuidores cíveis estaduais. As certidões, se exigíveis, o serão necessariamente abarcando todos os distribuidores, em qualquer juízo, federal ou estadual (comum, trabalhista, eleitoral ou militar). E não só. Por uma questão de lógica e coerência, o raciocínio deve ser levado ao seu limite: seriam necessárias certidões negativas da Fazenda Pública, pois o advento da Lei-Complementar 118, de 2005, alterou a redação do artigo 185 do CTN, de modo que se presumirá fraudulenta a alienação ou oneração de bens e rendas “por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”.

Ora, se a “a simples existência da ação” já caracterizaria a fraude à execução, segundo Ulysses da Silva e por tal razão se exigiriam as certidões dos distribuidores –, com igual razão deveriam ser exigidas as certidões das Fazendas Públicas.

É preciso compreender que, com as certidões investigatórias dos distribuidores, estamos diante de uma verdadeira probatio diabolica. Para casos que-tais, os sistemas jurídicos criaram presunções legais, inversão do ônus da prova e... sistemas registrais!

Percebe-se que a qualidade da diligência vestibular propugnada pelos defensores das certidões dos distribuidores está na exata proporção dos  custos inerentes à investigação. Ou seja, será tanto mais custosa a investigação quanto mais acurada e precisa for a pesquisa. Em outras palavras, a via eleita é claramente irracional por antieconômica.

Por outro lado, se nos contentamos com uma diligência mediana para livrar o adquirente de eventuais aborrecimentos futuros, haveremos de convir, então, que essa providência não é a mais adequada, por só relativamente segura. Explica-se. Essa providência poderá de fato livrar os bens do adquirente diligente acaso ocorra uma ameaça que provenha de fatos posteriores ou ocorridos fora do alcance da pesquisa. Porém, nesses casos, o adquirente somente livrará o bem constrito após ilidir em juízo uma presunção que a peregrinação aos distribuidores parece sempre sugerir. Esse o ponto: só tem sentido uma investigação vestibular nos distribuidores se admitirmos que sempre haverá uma presunção de má-fé na aquisição de bens por parte de terceiros.

Haveríamos de pensar em outros mecanismos que pudessem garantir o mercado imobiliário, blindar as transações jurídico-imobiliárias, sem onerar demasiadamente os atores, nem colocá-los em risco.

Para poder superar essa deficiência essencial – consistente na necessidade de peregrinação aos distribuidores e outras instâncias administrativas para realizar o tráfico jurídico-imobiliário –, por incrível que possa parecer, talvez fosse necessário criar um bom... sistema de registro de imóveis!  Sim, justamente é isso mesmo que fizeram nossos legisladores no século XIX, quando, para pôr cobro ao “clandestinismo jurídico” – com suas hipotecas, constrições judiciais e onerações ocultas – fruto de uma extraordinária engenharia econômico-jurídica, criou-se então o sistema registral pátrio.

Há outros aspectos na avaliação feita pelo Conselheiro do Irib a respeito dos quais gostaria de poder objetar. Deixemo-los para outra oportunidade. Fiquemos por ora com os aspectos da publicidade registral em contraste com a dos distribuidores. volta

A história do Registro nos absolve

O aspecto medular ferido na matéria – e nos artigos aqui comentados – refere-se à eficácia do registro imobiliário brasileiro e a resposta que a instituição pode (e deve) dar aos desafios da sociedade em superar as inúmeras dificuldades para se realizar com segurança um negócio imobiliário.

Desde logo, convenhamos: não parece lógico fazer depender a inteira eficácia da publicidade registral imobiliária da manifestação de outros órgãos alheios ao Registro de Imóveis.

Não custa lembrar que há muito tempo a doutrina brasileira especializada vem sustentando a imperiosa necessidade do acesso dos títulos judiciais ao Registro. Desde Clóvis, passando por Lysippo Garcia, Dídimo da Veiga, Philadelpho Azevedo, Serpa Lopes e uma plêiade de grandes juristas pátrios, todos vêm procurando obviar o que sempre se reconheceu como sendo a nódoa essencial do sistema: o “clandestinismo jurídico”. É preciso combater os ônus ocultos, atacar os gravames opacos, guerrear as constrições que insistem em transcender os limites subjetivos da lide alcançando terceiros e tomando de assalto o adquirente de boa-fé. Tudo isso ocorre simplesmente por não se cumprir o que desde muito cedo figura em nossa legislação como requisito obrigatório para eficácia dos atos ou fatos jurídicos em relação a terceiros: o registro de todas as vicissitudes judiciais que os possam afetar. volta

A inteligência não é um atributo da contemporaneidade

Já nos alvores do século XX, uma das primeiras medidas legais que o novo Código Civil reclamava era a votação de um regulamento que versasse sobre os Registros Públicos. Depois de uma longa jornada na Câmara – que teve início com o projeto de lei n. 441, de 1917, até o de número 533, de 1920 – chegava enfim ao Senado Federal, no ano de 1921, o projeto sobre o regulamento dos Registros Públicos, o primeiro a ser editado após a vigência do Código de 1916.

Nessa altura, o grande jurista brasileiro Philadelpho Azevedo, em sessão realizada a 8 de junho de 1921 no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, indicava a necessidade de colaborar na feitura dessa importante lei, sugerindo um parecer da Ordem. Foi nomeada uma comissão, composta por Eduardo Duvivier, o próprio Philadelpho Azevedo, que foi o relator, sob a direção do professor Alfredo Bernardes. O parecer foi apresentado na sessão de 29 de junho de 1921, sendo aprovado pelo Instituto a 7 de julho do mesmo ano, e logo encaminhado ao Senado.

Assim, atendendo à sugestão da douta comissão, figurou no Regulamento de 1924 (art. 5º, “a”, VII e VIII) a inscrição das penhoras, arrestos, seqüestros e das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias.

Mas o que pensavam os mais ilustres juristas da época acerca dessa medida premonitória? Vale a pena rememorar as palavras de Philadelpho Azevedo, escritas em 1924, registradas no livro que temos o enorme gosto de reeditar e que em breve virá a lume (Registros Públicos. Lei 4.827, de 7 de fevereiro de 1924. Comentário e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Litho-Typo Fluminense, 1924):

“Nos mesmos termos da alínea anterior [VII, que trata da penhora, arresto seqüestro] o Congresso aceitou a sugestão do Instituto, que veio a concorrer para a perfeição do nosso registro de imóveis, ainda que indiretamente, como vimos, por esse conjunto de medidas que vêm facilitar o conhecimento de terceiros sobre circunstâncias úteis; independentemente de cadastro, aproximar-nos-emos do sistema germânico, sem desvantagem”. [omissis].

“Assim, [omissis] ficarão constando dos registros de imóveis não só os arrestos, seqüestros e penhoras, como as ações reais e pessoais reipersecutórias: alcançado estará o duplo escopo, dificilmente colimado em leis diversas – a boa fé de terceiros e a não fraudação dos credores, perfeitamente conciliáveis por essas providências”.

“O próprio registro hipotecário suprirá o subsídio, em grande parte imperfeita, das certidões dos distribuidores, que muitas vezes não podem fornecer informações precisas,  v.g. nos embargos de terceiros, e, o que é mais, não obedecem ao estrito critério real, demandando uma busca rigorosa em todos os cartórios espalhados pelo país”.

“É um regime análogo ao das prenotações usado na Alemanha (Código civil, art. 883, 892 e 899), na Itália (Cód. Civ. Art. 1.933, 1.080, 1.088, 1.325, 1.308, 1.511, 1.553 e 1.787), na Argentina (Cód. Proc. Buenos Aires art. 482 e federal 247), em Portugal (Cód. Civ. Art. 949 e 966), na França (aliás, com preferência para as hipotecas judiciais, o que a maioria dos autores condena) e na Espanha sob o título de  anotaciones preventivas (leis sucessivas a partir de 1861, sendo o atual de 16 de dezembro de 1909)”.

“Entre nós, o projeto de Código Processual, organizado sob os auspícios do Ministro Esmeraldino Bandeira (Decreto 8.332, de 3 de novembro de 1910), já consagrava com felicidade essas medidas, que, aliás, deviam constar de lei federal, como a presente, sobre registros públicos”. (Op. Cit., p. 88)

Segue o festejado autor comentando o acesso e publicidade registral de atos judiciais, fazendo referência ao Decreto 737, de 25/11/1850 (que determina a ordem do juízo no processo comercial), diploma legal de capital importância para se compreender as origens imediatas do instituto da fraude de execução entre nós:

“O Regulamento n. 737 referia-se no artigo 494, n. 1, a bens litigiosos ou sobre os quais pende demanda, sendo a sua origem a Ord. l. 4, tit. 10, a execução era sempre possível sobre os bens litigiosos, em ação real ou pessoal in rem scriptae, quer tivesse sido o adquirente particeps fraudis, quer não, com a única diferença de ser ouvido sumariamente no segundo caso (Teixeira de Freitas, Consol. Art. 348, 349, 925 e 976)”.

“A lei estabeleceu o mesmo princípio, condicionado à inscrição prévia no registro predial; do contrário, será necessária a prova de fraude do adquirente”. (Op. Cit. P. 88)

Mais adiante, esclarecerá o que sejam propriamente ações pessoais reipersecutórias e, com rara percepção, justificará a fórmula adotada pela lei (mantida até hoje) para enfeixar os atos jurídicos passíveis de produzir uma grave repercussão no tráfico jurídico-imobiliário. É uma bela e justa síntese. Ao mesmo tempo em que dirá que ao profissional do direito caberá avaliar cada caso concreto para promover a inscrição, faz antever que o registrador não estará adstrito a um elenco taxativo para atuar no exercício de sua peculiar atividade de qualificação registral. Para ambos – requerente e registrador – valerá o interesse legitimado daquele que rogará a inscrição; e o critério norteador, nesses casos, demandará uma interpretação extensiva. Vamos lhe dar voz uma vez mais:

“Reinando certa controvérsia sobre a classificação das ações, andou bem o legislador consagrando uma fórmula genérica, ao invés da enumeração taxativa, seguida, por exemplo, no código italiano.”

“Ao profissional caberá verificar em cada caso o caráter da ação para promover a cautela da inscrição (Chironi, loc. Cit.), devendo a interpretação ser extensiva; assim, tudo aconselhará a inscrição das ações possessórias (Câmara Leal – Teoria e prática das ações, 1923, n. 30 Sá Pereira in Gazeta Jurídica de 18/1/1924; Azevedo Marques, Da ação possessória, § 51), das ações divisórias cuja classificação definitiva é uma vexata quaestio, etc.”.

“O prof. Aureliano de Gusmão considera ações pessoais reipersecutórias as que, derivando de uma obrigação, têm uma direção real, recaindo sobre uma cousa certa (rem sequuntur) e podendo ser propostas ou contra a pessoa obrigada ou contra o possuidor da cousa” (Op cit. P. 89).

A doutrina acolheu as teses apresentadas pelos advogados por meio de sua importante corporação. Capitaneada por Philadelpho Azevedo, as propostas lograram acomodar-se no Regulamento de Registros de Imóveis e assim se mantêm até hoje, ignoradas olimpicamente, contudo, por parte da doutrina – processualista notadamente.

Serpa Lopes, o tratadista de Registros Públicos, toma de empréstimo as contribuições lúcidas e generosas e avança na confirmação e acerto da solução legal. Dirá, como agora di-lo a doutrina processualista, que o efeito essencial do registro das constrições judiciais é constituir o estado de má-fé do terceiro adquirente que registrou o seu direito após a inscrição. Reitera a idéia da obrigatoriedade desses registros e, citando Amílcar de Castro (nos seus comentários ao Código de 1939) dirá que o fato de não ter sido inscrita a constrição judicial não impedirá a alegação da fraude à execução; unicamente que ficará o exeqüente com o ônus de provar que o adquirente tinha conhecimento da existência de ação real ou pessoal reipersecutória ou de demanda que poderia reduzir o devedor à insolvência. Conclui que, feita a inscrição, as alienações posteriores se presumirão absolutamente em fraude à execução (iuris et de iure), independentemente de qualquer outra prova (Tratado de Registos Públicos. 4.ed. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1960, v.II, p. 419, n. 400).

Amílcar de Castro tiraria importantes conclusões dos efeitos decorrentes da não-inscrição. Para ele, não tendo sido feita a inscrição premonitória, o exeqüente deveria provar as condições legais da existência de fraude à execução, acenando com o efeito meramente publicitário da inscrição registral. Vale a pena citá-lo na passagem em que comenta o procedimento de execução:

“O fato, porém, de não ter sido registrada, ou inscrita, a penhora, ou o arresto, o seqüestro, ou a citação, não impede a alegação de fraude contra a execução, e, sim, somente, tem a significação de ficar o exeqüente no ônus de provar que o adquirente tinha conhecimento, ou de que sobre os bens estava sendo movido litígio fundado em direito real, ou de que pendia contra o alienante demanda capaz de lhe alterar o patrimônio, de tal sorte que ficaria reduzido à insolvência. Feita a inscrição, as alienações posteriores peremptoriamente se presumem feitas em fraude de execução, independentemente de qualquer outra prova. Não sendo feita a inscrição, o exeqüente deve provar as condições legais da existência de fraude à execução. Vale dizer, a inscrição só tem efeito de publicidade, e, vale como prova presumida, irrefragável, de conhecimento das condições legais de fraude por parte de terceiros”. (Castro, Amílcar de. Do procedimento de execução. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 66-7).

Não está dito, mas presumido, que a não-inscrição das constrições igualmente gera importantes efeitos – nomeadamente a inoponibilidade das pretensões do credor-exeqüente de exercitar, para além dos limites estreitos do processo, seus direitos. Se o quiser, haverá de provar a fraude.

Embora a fraude à execução se insira entre os fatos considerados atentatórios à dignidade da Justiça (art. 600 do CPC) – o que relevaria o aspecto público do microssistema – não se pode esquecer, todavia, que, tanto o art. 615-A, quanto o 659, § 4º do Estatuto Processual, cometem ao exeqüente a tarefa de providenciar, para presunção de conhecimento de terceiros, as inscrições premonitórias. Trata-se de um fenômeno bastante relevado de colaboração com o poder público para a movimentação e realização da Jurisdição, não mais atuando as partes como meros espectadores do desenvolvimento do processo.

Os efeitos desses registros, fixados na própria lei, parecem ultrapassar a tipologia clássica da publicidade-notícia, acenada por Amílcar de Castro, jungindo efeitos jurídicos relevantes ao ato judicial, como em outra oportunidade se procurará demonstrar.

A doutrina especializada não discrepa. Assim, além dos citados, Loureiro. Waldemar. Registro da propriedade imóvel. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 350-352; Balbino Filho. Nicolau. Registro de imóveis. São Paulo: Saraiva, 10ª ed., 2004, p. 160-1), Ceneviva, Walter. (LRP comentada. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 389, n. 477). Batalha. Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, Vol. II, p. 747). Diniz.  Maria Helena. Sistemas de registro de imóveis. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 213 e 216).

Enfim, execuções, cautelares, reivindicatórias, ações reais, pessoais ou reipersecutórias, todo um elenco de ações judiciais que possam comprometer o tráfico jurídico-imobiliário – inclusive as indicadas por Gilson Carlos Sant´Anna no artigo citado e pelo Conselheiro do Irib – sempre tiveram acolhimento no registro. Ou deveriam ter. Vejamos em concreto a larga trajetória da inscrição das constrições judiciais ao longo do último século.

Como sugerido por Philadelpho Azevedo, ainda hoje se registram penhoras, arrestos e seqüestros (art. 167, I, 5 c.c. art. 239 e 240 da LRP); registram-se as citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis (art. 167, I, 21 da LRP); averbam-se as decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados (art. 167, II, 12 da LRP). Averbam-se as indisponibilidades (art. 247 c.c. art. 185-A do CTN, por exemplo, dentre inúmeras outras hipóteses de averbação de indisponibilidades). Averbam-se as circunstâncias que por qualquer modo alterem o registro – por exemplo, a limitação da disponibilidade e a ineficácia de atos dispositivos (art. 246 da LRP).

Como se vê, não é novidade alguma o acolhimento desses fatos no Registro Imobiliário. Pelo contrário. É da tradição do direito brasileiro a relevação da inscrição no Registro de Imóveis de fatos como penhoras, arrestos, seqüestros, ações reais, pessoais reipersecutórias – desde o advento do Decreto 4.827, de 1924 (art. 5º, “a”, VII e VIII), passando pelo  Decreto 18.542, de 24 de dezembro de 1928 (art. 173, “a”, VI e VII e arts. 265 e 266), Decreto 4.857, de 9 de novembro de 1939 (art.; 178, “a”, VI e arts. 279 e 280)  até alcançar a vigente Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/73.

Todos esses registros e averbações são obrigatórios, nos expressos termos do artigo. 169 da Lei 6.015/73:

“Art. 169 - Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel”.

Já o eram na vigência do Decreto 4.857, de 1939 (art. 179). Até mesmo o elenco de certidões solicitado por ocasião do registro de parcelamento do solo urbano e incorporação imobiliária (Lei 6.766, de 1979, art. 18Lei 4.591, de 1964, art. 32, respectivamente) pode ser considerado uma exigência expressa da Lei, que leva em muita consideração, desde as origens da legislação protetiva-social dos parcelamentos do solo urbano, o caráter social, de evidente interesse público (direitos do consumidor, ambiental, urbanístico, etc.) o que torna, em tese, indiscutível a aquisição desses bens, numa ambiência de fé pública registral avant la lettre.

Aliás, registre-se de passagem que o Decreto-lei 58, de 1937, já previa que as “penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis, para os efeitos da apreciação da fraude de alienações posteriores, serão inscritos obrigatoriamente, dependendo da prova desse procedimento o curso da ação” (art. 2º das disposições transitórias). E o Código de Processo de 1939 igualmente previu, no art. 348, que “no mesmo despacho em que conceder penhora, arresto ou seqüestro de imóvel loteado, o juiz, ex-officio, mandará fazer, no registo, as devidas anotações”.

Restaria investigar se a regra do artigo 348 se encontraria ainda vigorante, já que, nos termos do artigo 1.218 do atual Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 1973), continuariam em vigor “até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados pelo Decreto-lei no 1.608, de 18 de setembro de 1939”. Entre os quais figuram as regras concernentes ao loteamento e venda de imóveis a prestações (artigos 345 a 349).

Como se vê, sempre houve uma grave preocupação do legislador com a publicidade dos atos judiciais pela via do registro. A exigência legal – de se atrair para os livros fundiários todas as circunstâncias extra-tabulares que possam afetar a aquisição desses bens – visa a tutelar a boa-fé, dar impulso ao comércio jurídico, diminuir custos transacionais e blindar o credor nas execuções contra a dissipação patrimonial que pode calhar no encaminhamento das demandas.

A segura e determinada inflexão que o processo civil experimenta desde o advento da Lei 8.953, de 1994, passando pela reforma da reforma (Lei 10.144, de 2002) até o advento da Lei 11.382, de 2006, teve em mira justamente a tutela do terceiro adquirente de boa-fé. Numa palavra, valorizou-se a segurança jurídica preventiva,  com apoio declarado e manifesto no registro imobiliário.

Portanto, não parece lógico que insistamos na senda de se exigir, para a realização dos negócios jurídicos imobiliários, um elenco de certidões negativas que só potencializa os custos e inocula o germe da insegurança jurídica. Sim, pois que, para se obter certidões negativas de todos os distribuidores cíveis, criminais, trabalhistas, federais, do domicílio do alienante e da situação do imóvel – considerando-se a regra do domicílio no novo Código Civil (art. 71), a possível despersonalização da pessoa jurídica, relevando-se a inversão de eleição do foro em virtude da situação privilegiada do contratante, a inexistência de indicadores “reais” nos distribuidores, etc. –, o conjunto de todas essas circunstâncias torna a investigação da situação patrimonial do alienante simplesmente uma aventura. E cara. Os custos transacionais são uma variável importante a ser considerada aqui. volta

Segurança jurídica e direito à privacidade

Estamos falando de segurança jurídica plena e tutela do direito à privacidade. Ou o distribuidor provê a segurança com um grau de certeza e segurança equiparável à que se espera do Registro, ou a via eleita é inadequada. Ad argumentandum, talvez se pudesse cogitar da coadjuvação dos distribuidores se entre nós existisse uma central que congregasse, na sua base de dados, logicamente informatizada, dados abrangendo a justiça comum e especializada de todo o país. Mas aí teríamos um megacadastro redundante, inespecífico e invasivo. Nesse caso, ou a publicidade do registro imobiliário seria simplesmente despicienda, redundante e antieconômica, ou a centralização dos distribuidores, para esse fim específico, seria um investimento irracional, além de atentatório ao direito individual de proteção de dados de caráter pessoal. Fácil perceber que estamos diante de instituições com finalidades diversas e a solução salomônica, alvitrada pelos críticos, não é nada razoável.

Fiquemos, pois, com o que nos parece mais lógico, econômico e consentâneo com o modelo de registros de segurança jurídica que existem praticamente no mundo todo desde o século XIX (mesmo no Brasil): que se concentrem no Registro Imobiliário todas as circunstâncias, fatos e atos jurídicos que, relacionados com o bem, possam afetar terceiros. volta

Samba, carnaval e fraude à execução – o que têm em comum?

O Brasil tem características muito particulares, também nesse campo. O grande processualista Enrico Tullio Liebman já manifestava sua perplexidade diante da figura que em sua opinião é uma genuína criação nacional: a fraude à execução (Processo de execução, São Paulo: Saraiva, 2.ed. 1963, p. 91). Para ele, na legislação de outros países a figura da fraude à execução é simplesmente desconhecida, o que levaria Everaldo Cambler a destacar que essa ausência se deveria pela força do sistema registral imobiliário, notadamente em países como Portugal, Itália, Alemanha e Espanha (Fraude de execução. In Revista de Processo v.58/157). Isto é, onde os registros de imóveis funcionam, não são necessários mecanismos burocráticos, inseguros e custosos para investigar a situação jurídica da propriedade e do alienante, nem para se garantir os direitos agitados em juízo em execuções, ações ordinárias, cautelares etc.

Deprimam-se os efeitos da publicidade registral e eis que surgem, vicejando à sombra do ocaso dos sistemas registrais, simulacros de publicidade registral.

Ulysses da Silva, no artigo referido, liquida a inovação alvissareira contida na verba legislativa, decretando que, quanto à fraude à execução, “a simples existência da ação já a caracteriza, nos termos do artigo 593, com os agravantes previstos no artigo 600, servindo a averbação em apreço apenas como veículo de publicidade da execução”.

Ora, se a averbação servirá apenas como “veículo de publicidade da execução” sem interferir, como se espera que possa interferir, na modulação da fraude à execução, então, de fato, a reforma terá sido inócua.

Depois, a simples existência da ação executiva já não é suficiente para caracterização da fraude à execução. Para caracterização da fraude à execução concorreriam os seguintes fatores: (a) litispendência; (b) presunção de conhecimento pelo adquirente da existência e extensão da ação pelo registro (ou prova desse conhecimento proporcionada pelo credor); (c) que a alienação ou oneração seja capaz de reduzir o devedor à insolvência. Não seria, portanto, suficiente a “simples existência da ação”; além disso, se entendia necessária a ocorrência da penhora. Do contrário, ainda que citado o executado regularmente, seria imprescindível a prova da insolvência. (REsp 4.132-RS, 2/10/1990, relator ministro Sálvio de Figueiredo).

Desde a modificação original do parágrafo quarto do artigo 659 do CPC, feita pela Lei 8.953, de 1994, essa tendência era percebida claramente pela doutrina. Por todos Cândido Rangel Dinamarco:

“Aí está a grande importância da inovação trazida nesse novo parágrafo: sem ter sido feito o registro, aquele que adquirir o bem presume-se não ter conhecimento da pendência do processo capaz de conduzir o devedor à insolvência. A publicidade dos atos processuais passa a ser insuficiente como regra presuntiva de conhecimento. A conseqüência prática dessa nova disposição será a inexistência de fraude de execução capaz de permitir a responsabilidade patrimonial do bem alienado, sempre que a penhora não esteja registrada no cartório imobiliário (CPC, art. 593, esp. Inc. II)”

Esse era o estado das discussões. Mas, como já se teve ocasião de referir, estamos vivendo uma lenta e inexorável transformação. Prestigia o nosso Direito o princípio da boa-fé, de modo que se vem robustecendo a tutela da posição do terceiro adquirente que de boa-fé e confiado no que o registro publica adquire bens imóveis. Valoriza-se cada vez mais a segurança jurídica – tudo isso em detrimento da cômoda posição do credor-exeqüente inerte. Essa mudança se expressa na regra das presunções que o CPC criou (art. 659, § 4º c.c. art. 615-A) e na revigoração das tradicionais virtudes do registro. volta

Defraudando a fraude

Em face de uma profunda modificação que a reforma do CPC representa para o Registro Imobiliário brasileiro, com explícita referência no artigo 615-A ao artigo 593 do estatuto processual (que trata, especificamente, da fraude à execução), causa perplexidade que se insista na tese que desconsidera a tutela da segurança jurídica e da boa-fé, fazendo pender a presunção de fraude em favor do credor-exeqüente, isso tão-só por efeito da citação válida - malgrado o fato de a Lei processual lhe ter concedido instrumentos idôneos para ilidir a boa-fé dos sub-adquirentes.

O que gostaria de ver debatido pela doutrina, especialmente a registrária, é o seguinte: em que medida a qualificação do artigo 593, pelos termos do disposto no artigo 615-A, parágrafo terceiro, não redundará, simplesmente, no decaimento da automática presunção da fraude à execução para acomodar-se o fenômeno numa nova situação de fraude contra credores quando não consumada a averbação premonitória?

A lei é clara: a presunção de fraude ocorre com a inscrição registral (averbação premonitória) – “presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593)”. No mesmo diapasão a regra do artigo 659, parágrafo quarto do CPC: a inscrição da penhora no ofício imobiliário competente gera a “presunção absoluta de conhecimento por terceiros” da execução.

As presunções são ilações que a lei cria para, partindo-se de um fato conhecido, firmar um outro desconhecido. Quem tem a seu favor a dita presunção, fica escusado de provar o fato a que ela conduz. Pode-se ilidir tal presunção, quando então se dirá que é relativa ou iuris tantum. Ora, é assim a propriedade em nosso sistema. O artigo 1245, parágrafo primeiro do Código Civil de 2002 gera uma presunção relativa da propriedade; já o artigo segundo sinaliza que a invalidade do registro deve ser provada em ação própria. Até a decretação judicial dessa invalidade, o proprietário continua mantido em sua posição jurídica. Goza de uma presunção iuris tantum que apóia a sua posição jurídica.

Falando a lei processual, portanto, em presunção (art. 615-A, § 2º e art. 656, § 4º), tal fenômeno, não ilidido, apresenta a nota de eficácia contra terceiros.  Mas é precisoestar atento para o fato de que,não diligenciando o exeqüente a dita averbação premonitória (e a inscrição da penhora), produz-se a inversão do ônus da prova e o efeito inverso da oponibilidade. Ou seja, a inação cria a inoponibilidade das pretensões do exeqüente, gerando o efeito da presunção de boa-fé na aquisição do bem por terceiros.

Nesse caso, caberá ao credor-exeqüente alegar (e provar) a má-fé do terceiro adquirente nas aquisições a título oneroso.

Trata-se de um fenômeno bastante conhecido dos registradores: a inoponibilidade. Os fatos sujeitos a registro e não registrados são inoponíveis a terceiros. 

Essa tendência vem ganhando robustez nos tribunais superiores. A jurisprudência do STJ tem afastado o reconhecimento de fraude à execução nos casos em que a alienação do bem do executado a terceiro de boa-fé tenha se dado anteriormente ao registro da penhora do imóvel. Precedentes: REsp 893105/AL, relator ministro Francisco Falcão, DJ 18/12/2006; REsp 739.388/MG, relator ministro



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