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Palestra do VIII Seminário de Direito Notarial e Registral: lei 11.441/2007


Palestra proferida no VIII Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 20 de janeiro de 2007, no hotel Plaza Inn Nacional, em São José do Rio Preto.

Lei 11.441/07
Zeno Veloso*

A lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007,traz algumas dúvidas e problemas para aqueles que pretendem analisá-la com boa-fé e neutralidade, ou mesmo para aqueles intérpretes que ainda estão presos ao passado e querem que prevaleçam os carimbos, as homologações e a burocracia.

Surgem pelo país afora as mais diversas interpretações negativas da lei, algumas merecem destaque por estarem na contramão da lei.

A mais comum das interpretações diz respeito à necessidade de homologação da partilha. Ora, se há necessidade de homologação do instrumento, por que, então, a lei foi criada? A lei dispõe que está dispensada a homologação, mas há pessoas que acham que está escrito que é preciso homologar. O outro raciocínio se refere à separação amigável, que não seria possível porque a Constituição federal somente faz referência às separações judiciais. Ora, tudo o que a lei diz que pode, na verdade, não pode? Esse raciocínio é perigoso.

Essa lei não é tão nova, já houve tentativas de aprová-la em outras ocasiões. Quando a lei já estava praticamente aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, um deputado de São Paulo lançou a dúvida de que a Constituição federal somente faz menção à separação judicial. Na última hora, desfizeram a aprovação e a lei caiu. Lembrando o que ocorreu no passado, cabe estudar agora se o problema não seria o mesmo. Uma vez que a lei foi aprovada, se esse problema persistir, certamente a legislação será dada como inconstitucional.

De fato, o artigo 226, parágrafo sexto, da Constituição, diz que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

Outro problema refere-se às custas. Em Belém do Pará foi baixado um regimento de custas, mediante provimento, para desjudicializar a questão, ou seja, tirar do Judiciário. No entanto, mesmo com a desjudicialização, as custas são as mesmas do Judiciário, o notário teria de cobrar aquilo que se cobraria no Judiciário. Uma das conseqüências é que não há possibilidade de cobrar custas por imóvel em casos de partilha, parece que teria de ser um valor global. Essa questão não dizer respeito a São Paulo, mas a Belém do Pará, no entanto é um problema que pode se espalhar uma vez que o Judiciário tem trabalhado de forma bastante integrada.

Na verdade, queremos falar daqueles que ainda querem dar um pulo para trás e, nesse ponto, não estava me referindo ao Judiciário. Em Belém do Pará, desembargadores e juízes ficaram satisfeitos com o advento da lei.

Chamo a atenção para três aspectos que não pretendo desenvolver, mas que considero como tentativas de desaplicação da lei. O principal deles é a necessidade de homologação judicial sempre e para qualquer transação.

Todo esse intróito serve para mostrar as dificuldades de entendimento da nova lei que, no entanto, trouxe opiniões positivas, mesmo da imprensa brasileira. Para o notariado e para o registro imobiliário brasileiro a lei foi positiva, uma prova de confiança na classe. Devemos aproveitar a oportunidade para mostrar à opinião pública que temos um papel importante a desempenhar na comunidade. Somente em países desenvolvidos existem situações semelhantes a essa que estamos vivendo, ou seja, de poder fazer-se extrajudicialmente, ou administrativamente, partilhas, inventários e divórcios.

A lei, por ser uma novidade, um avanço e uma revolução, encontrou resistências por toda parte e interpretações retrógradas que não querem a mudança. Como alguém pode ser contra uma lei que resolve o problema em uma hora, e não mais em seis meses? Há locais no Brasil em que se protocola um recurso no andar térreo do Tribunal e só depois de três anos ele chega ao gabinete do desembargador. A culpa não é do juiz, que terá de receber o recurso, lê-lo, estudá-lo e, heroicamente, resolver o caso. O problema está na nossa legislação. Quando finalmente é criada uma lei para resolver esse impasse, a legislação recebe críticas de todo lado.

Para uma interpretação sensata da lei é preciso considerar seu espírito, seus objetivos, seu histórico, suas disposições e exposição de motivos. Esses aspectos são muito importantes. O objetivo principal da lei, tendo em vista as justificativas dadas pelos autores do projeto, é desafogar o Judiciário, baratear o processo e simplificar os procedimentos. Desburocratização, simplificação e barateamento são os três quesitos fundamentais para a interpretação da lei. Se, futuramente, os atos notariais e registrais se tornarem mais caros do que os atos judiciais, a lei estaria frustrando todas as expectativas. É importante que se tenha cuidado e critérios de cobrança de custas, para que não se diga que o objetivo da lei não está sendo cumprido por má atuação dos notários e registradores.

Se a lei 11.441 veio para simplificar procedimentos, baratear custas e desburocratizar o processo de modo a ganhar tempo, esses aspectos têm de ser considerados. A lei exige uma interpretação equivalente e compatível com essas finalidades.

A lei não obriga as pessoas a resolverem suas partilhas ou divórcios fora do Judiciário, trata-se apenas de uma opção.

Na Alemanha é bastante difundida a idéia de que o notário é um juiz preventivo de conflitos, aproxima as partes e dá sentenças que evitam que milhares de pessoas procurem o Judiciário. Questões menos graves são resolvidas perante o notário, uma vez que admitem uma solução administrativa e extrajudicial. O objetivo da lei 11.441 é justamente esse, tirar do Judiciário uma gama de questões sem conflito e, portanto, sem necessidade de homologação.

A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro

A lei oferece duas hipóteses, podemos fazer partilhas e inventários bem como separações e divórcios consensuais. No caso da partilha, a lei apresenta restrições; por exemplo, não pode haver testamento e nem interessado incapaz. Nesses casos, as partes devem procurar o Judiciário. Se não houver testamento e se todos os interessados forem capazes, de acordo com o artigo 982 CPC – redação dada pela lei 11.441 – o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.

Quando a lei alterou o Código de Processo Civil, na separação consensual, estabeleceu no artigo 1.124-A, parágrafo primeiro, que a escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. Ora, se constitui título hábil para o registro, como insistir em dizer que é necessária a homologação? Essas interpretações estão atravancando e diminuindo o espírito e o objetivo da lei.

Cada parte interessada poderá constituir advogado próprio, ou comum. O cartorário terá de identificá-los e eles terão, obrigatoriamente, de assinar a escritura. Diz o parágrafo único do artigo 982/CPC que “o tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.”

Tudo que já foi dito até agora está vinculado diretamente ao Direito sucessório. Será necessário estudar o direito das sucessões para não haver enganos. A ordem da vocação hereditária, por exemplo, é um assunto com o qual o notário não está acostumado a lidar no dia-a-dia.

Por exemplo, uma pessoa falece e deixa dois filhos, mas havia um terceiro filho que faleceu anteriormente e que, por sua vez, deixou dois filhos. Portanto, o de cujus deixou dois filhos e dois netos. Nesse caso, há o direito de representação, ou seja, uma cota vai para o primeiro filho, uma cota para o segundo filho e uma terceira cota, que seria do terceiro filho, para os netos.

O direito de representação sempre ocorre na linha reta descendente, jamais ocorre na linha reta ascendente. Por exemplo, uma pessoa falece, não deixa filhos, mas deixa a mãe e um avô por parte de pai. O juiz decide que toda a herança ficará com a mãe do de cujus, e o avô recorre alegando que também é ascendente e que, portanto, teria direito à herança. O juiz decide que o avô não tem direito à herança uma vez que a regra prevalecente é a do ascendente mais próximo que exclui o mais remoto e distante, uma vez que não existe o direito de representação.

Quanto aos herdeiros colaterais, a regra também não prevê o direito de representação, com exceção de um único caso: quando irmãos do falecido concorrem com filhos, entre eles um menor de idade, de outros irmãos que morreram anteriormente.

Sem contar a concorrência ou não do cônjuge sobrevivente, que no novo Código Civil passou a ser considerado herdeiro legítimo. No Código Civil Japonês, que é de 1948, a mulher já aparece como herdeira necessária. No Brasil, chegamos a esse estágio somente com o Código Civil de 2002. O cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário e, portanto, não pode ficar afastado de toda a herança, metade da legítima é dele. Atualmente, o tabelião não pode fazer um testamento em que há cônjuge dizendo que o testador está dispondo de toda a herança. Dependendo do regime de bens, o cônjuge concorre com os descendentes.

De acordo com o artigo 1.829/CC, a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.

A parte do cônjuge está discriminada no artigo 1.832/CC, que diz “em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.”

O artigo 1.837/CC se refere ao quantum a que o cônjuge teria direito. “Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau”.

Por exemplo, se alguém morreu e não deixou descendente, mas deixou cônjuge, pai e mãe, a herança é dividida em três, um terço para cada. Se deixou apenas o pai e o cônjuge, a herança é dividida metade e metade. Se o falecido deixou somente a mãe e o cônjuge, a herança também é dividida na metade. Se deixou os avós e o cônjuge, a metade da herança vai para os quatro avós e a outra metade para o cônjuge. Se a pessoa morreu e não deixou ascendente, descendente e nem cônjuge, a herança fica com os herdeiros colaterais, quais sejam os parentes que não descendem um dos outros. Não existe colateral de primeiro grau. Colateral de segundo grau são os irmãos, os colaterais de terceiro grau são os tios e sobrinhos, e os primos são os colaterais de quarto grau. Porém, no quarto grau ainda surgem o tio avô e o sobrinho neto. Essa é a ordem hereditária. Na falta de todos, a herança vai para o município.

Todas essas informações serão importantes para o tabelião no momento de fazer a escritura de partilha. Para participar de inventários e partilhas é preciso ter uma noção da lei para não cometer enganos. Por exemplo, numa partilha, retira-se a parte legítima sem que o cônjuge aceite; ou ainda, o cônjuge entra na partilha com os filhos, apenas como meeiro, e não como herdeiro, não incidindo o imposto de transmissão sobre essa parte do patrimônio.

Alguém me perguntou se a partilha também pode ser feita quando há um único herdeiro. Nesse caso não é partilha, mas adjudicação. A lei não precisa ser tão analítica, ela é feita de forma inteligente para ser dirigida a pessoas inteligentes. Ainda assim é capaz de alguém criar problemas porque a lei não fala em adjudicação, apenas em partilhas e inventários.

A lei trouxe requisitos que o notário deve seguir, a nova situação deve ser simplificada. Penso, portanto, que deve ser requerido, no mínimo, a certidão negativa predial e a certidão de débitos com a Fazenda por parte do falecido.

Se o tabelião pode fazer o divórcio consensual de pessoas com mais de dois anos de separadas, por que não poderia fazer a conversão, que é precedida de sentença judicial?

Sobre a separação e o divórcio consensuais, também já ouvi dizer que os tabeliães não poderiam fazer o divórcio consensual, conversão. Não vejo por que não. Se o tabelião pode fazer o divórcio consensual de pessoas com mais de dois anos de separadas, por que não poderia fazer a conversão, que é precedida de sentença judicial? Embora a lei não tenha falado propriamente em conversão, está escrito divórcio consensual e o divórcio por conversão nada mais do que o divórcio consensual. 

Diz o artigo 1.124-A do CPC que “a separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.” – redação dada pela lei 11.441.

Temos de observar os prazos da legislação. A separação judicial que era regulada pela lei do divórcio, hoje é regulada pelo Código Civil brasileiro, que estabelece o prazo de um ano de casamento para que as pessoas possam pedir a chamada separação amigável. O divórcio é realizado somente se o casal estiver separado de fato por mais de dois anos. O cartório fará, talvez, uma ou outra escritura, a de divórcio porque os cônjuges têm mais de um ano de separados judicialmente, ou a escritura de divórcio consensual em razão da separação de fato há mais de dois anos. Há quem diga que é preciso provar a separação. Ora, na primeira situação o tabelião não poderia fazer o divórcio por conversão porque a lei não diz isso claramente; na segunda, o tabelião não poderia fazer o divórcio porque não pode comprovar os dois anos de separação. Onde está dito que essa prova da separação tem de ser necessariamente judicial? Temos de dar valor à declaração do cidadão. Se uma pessoa diz que é pobre, temos de acreditar.

*Zeno Veloso é jurista e tabelião em Belém do Pará.



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