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Palestra do VIII Seminário de Direito Notarial e Registral: alteração no regime de bens


Palestra proferida no VIII Seminário de Direito Notarial e Registral de São Paulo, realizado no dia 20 de janeiro de 2007, no hotel Plaza Inn Nacional, em São José do Rio Preto.

Regime de bens e o registro de imóveis
Luciano Lopes Passarelli*

Vamos tratar do tema alteração do regime de bens e os reflexos no registro de imóveis. Inicialmente, é necessário fazer uma pequena retrospectiva do ponto de vista científico e filosófico, a fim de estudar a ciência do Direito.

O artigo 1.511 do Código Civil, que não tinha similar no Código Civil anterior diz o seguinte: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

Desde a Constituição de 1937, está consignado que a família merece especial proteção do Estado. Isso tem uma carga ética e jurídica muito grande, o que faz com que tenhamos um olhar diferenciado e despatrimonializado para as questões do Direito de família, de sorte que a questão patrimonial terá de ficar para segundo plano. Quando o constituinte diz que o comando é dirigido ao Estado quer dizer, na verdade, que a família tem uma concepção afetiva que deve ser colocada em primeiro plano, sobrepondo-se às questões patrimoniais.

A Constituição elenca uma série de direitos individuais e coletivos, todos eles merecem proteção do Estado. Por que a família merece uma proteção especial? Todos os direitos têm de ser protegidos pelo Estado. A palavra especial foi colocada à toa pelo legislador constituinte? Não há palavras inúteis e inócuas na lei, mormente no texto constitucional.

Devemos olhar para a família com a lente constitucional. Além de merecer proteção, como todos os outros direitos coletivos e individuais consignados na Constituição, ela merece uma proteção especial.

Nesse sentido, a Constituição de 1988 deu mais ênfase à família, até com certa carga poética. Segundo o artigo 226/CF, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Num tempo que tanto ouvimos dizer que a família está em decadência e as relações familiares pulverizadas, o constituinte nos diz que ao menos do ponto de vista programático contido na Constituição temos de reverter essa situação uma vez que a família é e continuará sendo a base da sociedade. É esse olhar que o Estado e seus agentes, incluindo registradores e notários, devem dirigir para a família.

A Constituição dá um sentido amplo para a família. A família pode ser formada pelo casamento com ou sem filhos, pela união estável com ou sem filhos, pelas sociedades monoparentais – quando somente um dos pais convive com os filhos. Larga parcela da doutrina e da jurisprudência, não sem muitas críticas e resistências, afirma que as uniões homoafetivas também constituem família e devem ser protegidas pelo Estado. Mas será que até pessoas solteiras podem constituir família? Isso parece contraditório porque são necessárias, ao menos, duas pessoas para constituir uma família. No entanto, em decisão recente que merece nossa ponderação, o STJ reconheceu que o único imóvel residencial onde reside uma pessoa solteira é bem de família.

Registro de imóveis, função social da propriedade imobiliária e princípio da concentração

Um acórdão do Conselho Superior da Magistratura, de 1996, bastante paradigmático, diz que o matrimônio e o óbito representam fatos jurídicos de evidentes repercussões patrimoniais, condicionadas à atuação dos registros públicos, cuja exterioridade é do interesse de todos.

Esse acórdão demonstra primeiro, que o registro de imóveis tem uma importantíssima função social a cumprir, qual seja a de ser o instrumento de aparelhamento da função social da propriedade imóvel. A função social não pode ser uma coisa etérea que ninguém entende como funciona, mas, de acordo com o professor Arruda Alvim, algo que tem de ser aparelhado pela lei e pelos princípios que decorrem da própria lei.

Nesse aspecto, tenho defendido que o registro de imóveis é o braço longo da função social da propriedade imobiliária, é nele que está concentrada a possibilidade da função social se instrumentalizar, se materializar. E o registro faz isso mediante algo que há muito tempo postulamos, o princípio da concentração.

Defendemos que todos os atos que tenham reflexos sobre a propriedade imobiliária no registro de imóveis acorram à matrícula, diminuindo a quantidade daquilo que, na Inglaterra, é considerado prejudicial à propriedade imobiliária, os ônus ocultos, aquilo que grava a propriedade imóvel, mas não há notícia nos registros fundiários de maneira a obrigar a pessoa a fazer buscas extras que vão significar gastos de dinheiro e de tempo. Na Inglaterra isso é chamado de princípio do espelho, no Brasil, de princípio da concentração.

Todos os atos que têm reflexos na propriedade imobiliária devem ou deveriam estar refletidos no espelho da matrícula, e o casamento, sem dúvida alguma, tem importantes reflexos patrimoniais, implica na comunicação ou não dos bens e na questão da titularidade dos bens.

Atualmente, há um grave problema no ordenamento jurídico, por exemplo, afastar da matrícula a possibilidade de registro do direito real de habitação, oriundo dos direitos das sucessões. Quando falece um cônjuge, o sobrevivente tem direito ao direito real de habitação. Isso está oculto, o possível comprador do imóvel tem de fazer pesquisas, ele negocia com quem figura na matrícula, por exemplo, os herdeiros, e acaba adquirindo o imóvel sem saber que a viúva tem o direito real de habitação. Talvez a pessoa não tenha agido com cautela, com diligência, mas será que essa diligência, em nome da praticidade e da economicidade, não deveria se restringir à consulta da matrícula? O matrimônio e todas as questões relativas à repercussão que ele tem no patrimônio imobiliário é de uma exterioridade que é de interesse de todos.

A função social da propriedade é atendida quando seu proprietário e demais titulares de direitos reais dão publicidade, na matrícula, de todas as situações jurídicas que interessam à coletividade, para proporcionar o conhecimento pleno e eficaz do status iuris do imóvel também para os órgãos estatais que exercem algum tipo de controle. Isso ainda não existe de maneira prática no Brasil. Há aqueles que reclamam que o princípio da concentração demandaria reforma legislativa, não obstante o artigo 246 da Lei de Registros Públicos disponha que, “além dos casos expressamente indicados no item II do artigo 167, serão averbados na matrícula as subrogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”. Portanto, a meu ver, e com todo o respeito às opiniões contrárias, acredito que a questão demandaria muito mais de vontade hermenêutica do que de alteração legislativa.

O artigo 1511 do Código Civil, consagrou o elemento pessoal-afetivo como um valor maior a informar as regras na família, deixando para segundo plano a questão patrimonial, caso haja confronto entre os valores. Devemos entender que o constituinte orientou a solução dos problemas de família dando a eles uma ênfase muito maior do ponto de vista afetivo, ou seja, prevalecem os valores afetivos sobre os valores patrimoniais.

Parece-me, portanto, que o artigo 1511 é uma das famosas cláusulas abertas do  Código Civil. Segundo Miguel Reale, essas cláusulas abertas constituem uma técnica de redação de preceitos legais por meio de formas vagas, formas multisignificativas, polissêmicas, que abrangem uma variada gama de hipóteses em contraposição ao método casuístico. Ou seja, é uma técnica de redação da lei que permite ao juiz manter continuamente atualizada a aplicação do preceito jurídico, em contraposição ao método casuístico, que amarra a aplicação da lei. Ora, está aqui a raiz dos problemas acerca do princípio da concentração, uma vez que o artigo 167 da LRP é excessivamente casuístico e dá a impressão de que apenas aqueles atos podem ser levados a registro.

A lei nacional de registros públicos da Argentina optou por uma redação ampla para os atos que podem aceder ao registro imobiliário, ou seja, todos os atos que constituem direitos reais podem ser registrados, sem enumeração de quais são eles. A meu ver, essa foi a melhor opção, uma vez que evita dificuldades acerca de quais atos podem ou não aceder ao registro.

Essas mesmas cláusulas abertas têm um conteúdo ético-jurídico que deve ser visto sempre pela Constituição. Isso significa dizer que devemos partir sempre da interpretação da Constituição para só depois interpretar o Código Civil.

As cláusulas abertas constituem modelos hermenêuticos e fornecem rumos para permitir uma contínua atualização dos preceitos legais. Servem de instrumental para o aparelhamento das vigas mestrasdo novo Código Civil. De acordo com o professor Miguel Reale, o Código Civil novo é informado pelos princípios da eticidade, ou seja, pela prevalência da ética, princípios da socialidade, o que abrange a função social do contrato, função social da propriedade, função social da empresa, função social da família, além de operacionalidade. O Código Civil é uma lei que pretende ser operacionalizada, é passível de ser executada na prática.

A preocupação do atual direito de família é com a felicidade dos lares, deixando em segundo plano o elemento patrimonial, de sorte que o constituinte deu um comando ao Estado para que não embarace as relações familiares, não crie problemas dentro da família, legislando de forma a colocar o elemento patrimonial acima do elemento afetivo. Ou seja, o Estado não deve criar situações – mediante leis, normas ou decretos – que criem embaraços à plena concepção da felicidade dos lares. O comando do legislador constituinte é para o Estado não legislar, não decidir de maneira a criar embaraços à felicidade dentro dos lares, porque cabe aos cônjuges regular suas relações patrimoniais como melhor lhes convier. Deve haver essa liberdade aos cônjuges.

Alteração do regime de bens: reflexos no registro de imóveis

Nesse ponto surge o problema da alteração do regime de bens. O artigo 230 do Código Civil de 1916 era taxativo ao dizer que o regime dos bens entre cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável. Muito diferente da redação adotada pelo novo Código Civil, no artigo 1639, parágrafo segundo, que diz que “é admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Na Itália, essa alteração é possível desde 1943, com o Código Civil italiano. A modificação da convenção patrimonial anterior ou sucessiva ao matrimônio não gera efeitos e o ato não requer o consentimento de todas as pessoas que participaram da mesma convenção de seus herdeiros. Com alguns requisitos, essa alteração era possível de ser feita, no entanto, sequer exige-se intervenção judicial.

Na Espanha, também é possível a alteração do regime de bens. Segundo o artigo 1317 do Código Civil espanhol, a modificação do regime econômico matrimonial realizado durante o matrimônio, não prejudicará em nenhum caso os direitos adquiridos por terceiros. No entanto, o ato é feito por escritura pública e averbado no registro civil, em consonância com a tendência que começa a se verificar em nosso Direito a partir da lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Nesse aspecto, o artigo 1639 foi um movimento contrário à tendência que começamos a verificar porque a alteração do regime de bens é permitida somente mediante autorização judicial.

Em entrevista ao Boletim INR – Serac, o desembargador José Renato Nalini disse que é favorável a que toda jurisdição voluntária seja transferida para os notários. A idéia não é diminuir a carga de trabalho que hoje afeta o poder Judiciário e que não guarda relação direta com sua finalidade, qual seja a solução de lides? Por que levar ao Judiciário uma situação onde não haja um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida? Por que não se valer da ampla estrutura dos serviços auxiliares da Justiça para solucionar essas questões? Não há lides, apenas pedidos. Não há partes, apenas interessados.

Muitos autores dizem que a jurisdição voluntária não é jurisdição e sequer é voluntária. Na verdade, trata-se apenas de uma administração pública de interesses privados. Portanto, a jurisdição voluntária estaria muito mais afeta a um procedimento administrativo do que propriamente jurisdicional. Apenas por atecnia do legislador foi inserido no Código de Processo Civil.

Na França, a alteração do regime de bens pode ser feita quantas vezes o casal quiser, segundo o artigo 1396 do Código Civil francês, e pode ser feita por notário, porém, depende de homologação judicial. Numa peculiaridade da legislação francesa, a modificação do regime de bens só produz efeitos três meses após a ação.

Na Alemanha, o regime de bens também pode ser livremente modificado, ressalvados os direitos de terceiros, segundo o parágrafo 1415 do Código Civil alemão, e também deve ser levado aos registros públicos para terem oponibilidade erga omnes, segundo o parágrafo 1412, alínea II, do BGB.

Há 25 anos, Orlando Gomes já dizia que “não há razão para mantê-lo”, referindo-se ao artigo 230 do CC de 1916, que proibia a alteração do regime. O direito de família aplicado, isto é, que disciplina a relação patrimonial entre os cônjuges, não tem o cunho institucional de direito de família puro. Tais relações estabelecem, mediante pacto, que os nubentes têm liberdade de estipular o que lhes aprouver. Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido por lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de o substituírem pelo da comunhão? É necessário apenas que o exercício desse direito seja controlado a fim de impedir a prática de abusos.

A primeira dúvida que surgiu quando o novo Código Civil entrou em vigor foi se era possível alterar o regime de bens adotado na vigência do Código Civil de 1916. Pessoas já casadas poderiam alterar o regime de bens?

O grande argumento dos que entendiam que quem já era casado não poderia mudar o regime de bens era o artigo 2.039 do Código Civil, que diz que “o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior é o por ele estabelecido”. Enxergaram nesse artigo uma vedação para que pessoas casadas pudessem alterar seu regime de bens.

Uma das primeiras decisões nesse sentido foi tomada, em 2003, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na apelação cível do desembargador Sérgio Fernando, que entendeu que o artigo 2.039 não tem o alcance que estavam enxergando. A decisão foi no sentido de que o artigo 2.039 se aplica às regras que disciplinavam cada regime de bens e que sofreram alteração no novo Código Civil.

Se compararmos as regras dos dois códigos civis, vamos ver que alguns regimes tiveram particularidades alteradas. O artigo 2.039 faria referência a essas alterações, ou seja, quem era casado antes do advento do novo Código Civil e tinha seu regime de bens da comunhão parcial regulamentado pelas regras anteriores, permaneceria regulamentado pelas regras anteriores. Esse é o sentido e o alcance do artigo 2.039.

Atualmente, na separação de bens não há mais necessidade de vênia conjugal para os atos elencados nesse artigo. No entanto, para quem era casado antes do advento do novo Código continuaria existindo a exigência de vênia conjugal.

De acordo com o artigo 230 do CC de 1916, alguns bens estavam excluídos no regime da comunhão universal. Quem era casado em comunhão universal pela vigência do antigo Código, continuaria tendo esses bens excluídos, mesmo com o novo Código. É nesse sentido que o artigo 2.039 veio dizer que as regras anteriores de cada regime de bens permanecem. Atualmente, quem se casar sob o regime da comunhão universal, terá aplicada a regra do novo Código Civil.

Na comunhão parcial de bens, também não são mais excluídos os bens relacionados no artigo. Antes eram excluídos, com uma pequena diferença em relação aos proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Ainda examinando o artigo 2039, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais diz num acórdão que podemos interpretá-lo no sentido de que ali se explica que a vigência da nova lei, pela novidade de alguns de seus dispositivos, não implica automática modificação do regime de bens. Ou seja, a comunhão universal antes do novo Código Civil continua sendo aquela comunhão universal, as regras da nova comunhão universal não foram automaticamente alteradas. E continua o acórdão: “ali não há referência à imutabilidade do regime de bens, mas apenas se estabelece que, mesmo com a vigência do novo Código, o regime de bens do casamento preexistente continua o mesmo. Não há modificações automáticas, totais ou parciais, em decorrência da alteração de alguns dos princípios antigos”. E o acórdão conclui pela possibilidade da alteração do regime de bens, mesmo que o casal tenha contraído matrimônio na vigência do  Código Civil passado.

Em citação feita pelo professor Silvio Rodrigues logo após a vigência do novo Código Civil – em obra de cuja atualização participaram os professores Zeno Veloso e Francisco Cahali –, ele diz que as pessoas casadas sob a égide da lei anterior podem beneficiar-se da mutabilidade do regime de bens introduzida pelo novo Código Civil.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não destoou, tendo seguido a mesma linha o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Diz a ementa do TJSP: “alteração de regime de bens – casal que escolheu originariamente o da comunhão parcial e que prefere agora a comunhão universal. Uma mudança que permitirá o saque pela esposa do saldo de fundo de garantia que tem direito – admissibilidade, embora o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916”. Esse acórdão é de 1995.

Pacificando a matéria, vem o STJ dizer, mediante recurso especial, que “apresenta-se razoável não considerar o artigo 2.309 como óbice à aplicação de norma geral constante do artigo tal, concernente à alteração instrumental do regime de bens nos casamentos ocorridos pelo Código Civil passado, desde que ressalvados os direitos de terceiro, apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal...”.

Esse recurso foi conhecido e provido para admitir-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do Código Civil de 1916. Nesse caso concreto, o STJ mandou os autos retornarem às instâncias ordinárias para que fosse feita a análise do pedido que havia sido negado nas instâncias inferiores.

E o regime da separação obrigatória, será possível alterar? O Código Civil traz três incisos. Primeiro, as pessoas que contraem o casamento com a inobservância das cláusulas suspensivas da celebração do casamento. Essa pessoa que foi obrigada a casar pelo regime da separação obrigatória, em razão da existência de cláusulas suspensivas, pode alterar o regime de bens? Creio que sim, depois da superação das cláusulas suspensivas. A pessoa se casou no regime da separação obrigatória porque havia situações suspensivas que o obrigaram a tanto. Não vejo impedimento para que essa pessoa possa alterar seu regime de bens desde demonstre ao juiz as causas que restaram superadas.

As pessoas com mais de sessenta anos, casadas sob o regime da separação obrigatória, podem alterar o regime de bens? A tendência aparente é a da não-possibilidade de alteração, muito embora tenha sido confeccionado um acórdão “irado”, segundo o Ministro Cezar Peluso, cujo conteúdo afirma ser flagrantemente inconstitucional e um desrespeito à dignidade humana, uma vez que se considera que a pessoa, no exato momento em que completa sessenta anos torna-se um adolescente novamente, não tem mais juízo para cuidar de seus bens e vai cair em qualquer conto do baú. Para o ministro Peluso, isso é um absurdo sem tamanho. No entanto, parece que foi desenhada a tendência de se negar a essas pessoas a possibilidade de alteração de seu regime de bens.

Por fim, os nubentes que dependem de autorização judicial para casar. As pessoas que se casaram antes de completar a maioridade podem alterar o regime de bens? A meu ver, sim. Parece-me falta de lógica afirmar que uma pessoa que tenha se casado na separação obrigatória, porque não tinha completado a idade, tenha de ficar amarrada a essa condição mesmo depois de quarenta anos de casamento.

Um dos grandes autores de hermenêutica jurídica, Carlos Maximiliano, chama nossa atenção ao afirmar que a interpretação não deve conduzir a conclusões absurdas, devemos evitar que a inteligência da lei nos leve a conclusões absurdas. Portanto, penso ser possível a alteração do regime de bens no caso de nubentes que se casaram antes da maioridade.

É necessário fazer pacto? Se tivéssemos adotado a possibilidade de ser feito diretamente por escritura pública, de acordo com a lei 11.441, que agora possibilita as partilhas, poderíamos apenas fazer novo pacto antenupcial. Mas, da forma como está a atual redação do artigo 1639, a conclusão inafastável é a de que o ato é obrigatoriamente feito nos autos judiciais, sem possibilidade de se lavrar o pacto e levar à posterior homologação judicial.

Entendo que a alteração é feita judicialmente e o pedido judicial é um sucedâneo do pacto antenupcial. Sendo assim, as partes poderão livremente contratar as cláusulas que lhes aprouver, uma vez que vige, no Brasil, o princípio da livre estipulação do regime de bens. Temos quatro tipos de regime nominados no Código Civil: separação obrigatória, comunhão parcial, comunhão universal e participação final nos aqüestos. No entanto, o princípio da livre estipulação do regime de bens permite que as partes misturem esses regimes. Elas podem resolver que para um determinado imóvel irá vigorar um determinado regime, e que para outro determinado imóvel vai vigorar outro regime, fazendo uma mistura das regras que informam cada regime.

No Rio Grande do Sul, o provimento 24/2003 regulamentou a matéria esclarecendo expressamente que se trata de um procedimento de jurisdição voluntária. Nesse aspecto, a jurisdição voluntária é um procedimento feito perante o juiz, não obstante os que acham que a jurisdição voluntária é administrativa.

Esse provimento diz que a modificação do regime de bens do casamento decorrerá de pedido manifestado por ambos os cônjuges em procedimento de jurisdição voluntária, devendo o juiz competente publicar edital no prazo de 30 dias, a fim de imprimir a devida publicidade da mudança, visando resguardar o direito de terceiros.

Cabe ao juiz apenas tomar as cautelas devidas para que sejam preservados os direitos de terceiros. Até isso causa certa espécie porque está dito na redação do artigo 1639 que deve ser ressalvado o direito de terceiros. Se a modificação visar à fraude dos direitos de terceiros, a alteração do regime de bens será ineficaz em face do mesmo.

*Luciano Lopes Passarelli  é registrador de imóveis de Batatais, SP.



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