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Operações imobiliárias e segurança jurídica à luz das novas modificações da legislação e da jurisprudência


O Boletim Eletrônico IRIB hoje entrevista o consultor legislativo do Senado e advogado em Brasília, DF, doutor Bruno Mattos e Silva, autor de importante livro sobre negócios imobiliários cuja 6ª edição acaba de ser relançada.

O entrevistado é bacharel em Direito pela USP (1994) e mestre em Direito Internacional pela UCB (2003). Foi advogado de empresa em São Paulo (1995-1996), quando começou a escrever o livro Compra de imóveis, aspectos jurídicos, cautelas devidas e análises de riscos, livro lançado em 1999, ora na 6ª edição (2007); procurador autárquico do INSS (1997-1999); procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores (2000-2001); procurador federal da CVM (2002-2003); assessor parlamentar do deputado federal Patrus Ananias (2003); assessor especial do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2004-2006). É professor de Direito comercial, advogado com escritório próprio em Brasília, e tem outros livros publicados. Mais informações: www.brunosilva.adv.br 

BE – Seu livro Compra de imóveischega à sexta edição em 2007. Em sua opinião, qual seria o motivo ou quais seriam os motivos do sucesso das edições anteriores?

Bruno Mattos e Silva – As pessoas têm me dito que o livro tem várias qualidades. A primeira que é apontada é a linguagem didática, clara e objetiva. O livro foi escrito de modo a tentar ser inteligível para pessoas que não sejam especialistas ou mesmo familiarizadas com direito imobiliário ou com direito registral, o que proporciona uma leitura muito fácil. A segunda é o caráter prático do livro: embora seja possível perceber pela divisão dos capítulos uma organização dos temas (sistema), o enfoque do livro é totalmente prático, com o mínimo necessário de discussão teórica. Também ouço dizer que o grau de abrangência e generalidade do livro é ponto positivo: ele trata da compra e venda de imóveis, em seus vários aspectos, com uma perspectiva ampla: fala um pouco de tudo – registro, compromisso de compra e venda, incorporação, loteamento, fraude à execução etc. Se a questão for simples, ele resolve; se a questão for complexa ou específica demais, ele certamente será útil para o início do estudo. Além disso, ele está sempre atualizado: cada edição vende rápido, gerando a necessidade de nova edição atualizada. Eu tento fazer a edição cada vez mais afinada com a legislação em vigor – inclusive normas administrativas – e, em larga medida, com a jurisprudência. Afinal de contas, Direito é o aquilo que o Tribunal diz que é Direito...

BE – O senhor é advogado. Isso tem algum tipo de influência na ótica do livro? Isto é, por exemplo, um juiz ou um registrador de imóveis, fariam o livro sob outra perspectiva?

Bruno Mattos e Silva – É possível. Quando na área consultiva, a preocupação maior de um advogado é vislumbrar quais são os problemas que podem surgir em um negócio jurídico, de modo a montar a operação para que esses problemas não surjam. Um juiz pode validamente decidir do modo que lhe pareça mais justo ou acertado, às vezes deixando de aplicar uma lei que reputa inconstitucional ou, em casos extremos, até mesmo que reputa “injusta” à luz das suas convicções pessoais. Um registrador, como regra geral, deve recusar o registro de um título que não atenda aos requisitos legais e administrativos, podendo suscitar “dúvida” se entender que há falta de requisito necessário para o registro. Como advogado, eu não posso simplesmente dizer a um cliente para “comprar” ou “deixar de comprar” determinado imóvel: eu devo orientar o cliente quanto ao modo de efetuar a operação, mostrando quais atos devem ser praticados para que o objetivo – aquisição da propriedade ou de outro direito real – seja obtido com o menor custo, maior rapidez e, principalmente, maior segurança.

BE – Isso quer dizer que seu livro foi escrito para viabilizar aquisições imobiliárias?

Bruno Mattos e Silva – Sem dúvida alguma. Não basta dizer que há um problema: é preciso mostrar como resolvê-lo. Algumas operações imobiliárias são muito simples; outras, ao contrário, são bastante complexas. Às vezes alguns clientes ficam assustados com o volume de documentos que solicito, que, dependendo do caso concreto, pode ser ainda maior ao que em geral se tem em mente. Imagine, por exemplo, a aquisição de parte de uma pousada, pertencente a uma pessoa jurídica, situada na praia, que será vendida a um estrangeiro não residente no Brasil, por meio de procuração outorgada pelo administrador da pessoa jurídica, sendo que a escritura será lavrada em outro estado. Acrescente a esse exemplo que é o espólio de um sócio falecido – e não a pessoa jurídica – que detém o título de ocupação do imóvel no qual está situada a pousada e o inventário ainda não foi aberto, sendo que os herdeiros são menores de idade... Faz parte do meu trabalho como advogado resolver esse tipo de situação, para viabilizar o desejo do cliente. Meu objetivo como advogado é aumentar o grau de segurança de um negócio jurídico ou até mesmo viabilizar uma operação que, a princípio, parece ser inviável. O livro, portanto, tem este propósito: descrever questões jurídicas relativas à compra de imóvel, de modo que o operador do direito possa viabilizar, com segurança, negócios imobiliários.

BE – O senhor mencionou, acima, os motivos pelos quais as pessoas reputam o sucesso do seu livro. O senhor saberia dizer que tipo de pessoa compra seu livro? Os advogados são maioria?

Bruno Mattos e Silva – Tenho percebido grande interesse até mesmo por pessoas que não são especialistas na área imobiliária. O livro é utilizado por juízes, advogados, registradores, notários, auxiliares dessas pessoas, e até mesmo por pessoas que, embora não sejam da área jurídica, estão envolvidas com negócio imobiliário, e até mesmo pelo cidadão comum, que quer conhecer um pouco mais sobre a aquisição imobiliária. Recentemente descobri que até mesmo estudantes de concursos de carreiras jurídicas estão comprando o livro, em razão de a matéria estar bem sistematizada e, principalmente, por trazer atualizadíssima jurisprudência, cada vez mais exigida em questões de concurso.

BE – Percebi que o livro trata de temas como aquisição de imóvel na planta, validade ou invalidade da hipoteca concedida ao agente financeiro, patrimônio de afetação, condomínios irregulares, ocupação precária em terrenos da União, certidões fiscais, registro de compromisso de compra e venda, enfim, de uma gama de temas de variados ramos do Direito.

Bruno Mattos e Silva – Sim, o livro trata de todos esses temas que o senhor mencionou e de vários outros, exatamente porque seu objetivo é falar ao menos um pouco de quase tudo.

BE –  O direito imobiliário enfrenta, diariamente, questões que são solucionadas pela jurisprudência do STJ. Uma delas foi a questão da hipoteca outorgada ao agente financeiro pelo incorporador, que incidia sobre imóveis compromissados à venda. Ao final, o STJ concluiu pela invalidade do gravame, nos termos da súmula 308. O seu livro trata de questões como essa? Quanto a essa questão específica, qual a sua opinião?

Bruno Mattos e Silva – Sim. Eu acompanhei a evolução da jurisprudência do STJ que culminou na adoção do enunciado que o senhor menciona. Inicialmente, as duas turmas que compõem a Seção de Direito Privado divergiam a respeito da questão da validade da cláusula contratual que autorizava a incorporadora a hipotecar as unidades compromissadas a venda para garantir o financiamento do empreendimento. No final, concluiu-se não apenas que essa cláusula não seria válida, como até mesmo a hipoteca já constituída e registrada não seria oponível contra um futuro compromissário comprador! Minha opinião pessoal é no sentido de que semelhante cláusula pode ser considerada abusiva, à luz do Código do Consumidor, o que importa nulidade da hipoteca dela decorrente. Nesse caso – e apenas em razão desse fundamento – estou de acordo com o entendimento do STJ. Não concordo, porém, com o entendimento pela invalidade da hipoteca quando a unidade já está com o gravame registrado no cartório imobiliário antes da celebração e registro do compromisso de compra e venda. Nesse caso, a prioridade seria da hipoteca que foi constituída sem qualquer vício. Mas isso é uma questão decidida. Como resultado, os bancos estão passando a utilizar, em vez da hipoteca, a alienação fiduciária, que não é privativa do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Além disso, a lei 10.931, de 2 de agosto de 1994, incluiu o artigo 31-A, parágrafo terceiro, à lei 4.591/64, para expressamente permitir que unidades integrantes do patrimônio de afetação na incorporação imobiliária possam ser objeto de garantia real no financiamento do empreendimento. Veja que, nesse caso, não estamos tratando da existência de “cláusula contratual” a permitir hipoteca!

BE – Então o senhor acredita que existe uma íntima relação entre decisões judiciais e alterações legislativas?

Bruno Mattos e Silva – Com certeza. Eu descrevo, no livro, alguns casos em que problemas decorrentes de alteração na legislação provocaram alteração na jurisprudência e de casos em que mudança da jurisprudência provocaram alteração na legislação.

BE – Poderia nos dar exemplos de alteração da jurisprudência decorrente de alteração da legislação e vice-versa?

Bruno Mattos e Silva – Um interessante exemplo de como a jurisprudência reage a alterações legislativas ruins é a questão dos chamados “contratos de gaveta”. A jurisprudência do STJ, que culminou com a edição do enunciado 84, estabeleceu que o compromisso de compra e venda não registrado enseja proteção possessória, alterando o entendimento oposto, consubstanciado na súmula 621 do STF. E por que o STJ fez isso? Parece evidente que essa evolução da jurisprudência ocorreu para amparar as dezenas ou centenas de milhares de famílias que adquiriram imóveis por meio de “contratos de gaveta”, os quais não tinham acesso ao registro de imóveis. E por que não podiam ser registrados, já que a regra geral é pela possibilidade de registro de instrumento particular de compromisso de compra e venda? O motivo, na minha opinião, é o disposto no artigo 1º, parágrafo único, da lei 8.004/90, que exigiu a anuência do agente financeiro para venda do imóvel dado em garantia do seu financiamento, bem como toda a legislação que estabelecia reajustes diferenciados, tanto em percentuais como em periodicidade, para o valor devido – que sofria incidência de correção e juros mensalmente – e para as parcelas, que eram reajustadas sazonalmente, dependendo do plano, no financiamento imobiliário. Isso levava a um descompasso gritante na relação débito/parcelas e os bancos passaram a exigir reajuste do valor das parcelas, adequando-o ao valor ao débito, quando o mutuário pretendia vender o imóvel para outra pessoa. O resultado disso foi a utilização em massa dos “contratos de gaveta”, pois o adquirente do imóvel financiado não conseguiria pagar parcelas com valores mais elevados exigidas pelo banco para anuir com a operação. A jurisprudência, portanto, foi obrigada a mudar, para resolver o problema criado pela legislação. Já um exemplo de alteração da legislação causada pela alteração da jurisprudência é o que mencionei acima. Na minha opinião, a inclusão do artigo 31-A, parágrafo terceiro, à lei 4.591/64, feita pela lei 10.931/94, foi uma conseqüência da súmula 308 do STJ. Essas questões são abordadas no livro, de modo que o leitor possa entender o que motivou algumas leis e alguns julgamentos emblemáticos, que alteraram significativamente a evolução do direito brasileiro no campo imobiliário.

O livro: onde, como, quanto...

R: O livro Compra de imóveis, aspectos jurídicos, cautelas devidas e análises de riscos foi editado pela Editora Atlas. Preço de tabela da sexta edição: R$ 55,00; 306 páginas. Sites onde comprar: www.livrariasaraiva.com.br, www.livrariacultura.com.br ou www.siciliano.com.br.



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