BE3031

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TJSP fixa entendimento sobre natureza jurídica da Reserva Legal Florestal


O esquema normativo da reserva legal consiste em duas obrigações autônomas: o dever de conservar e o dever de averbar (...) só se conserva a Reserva Legal quando se conhece sua localização” (Antonio Herman Benjamin, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em citação em acórdão do TJ/SP).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por meio de sua Câmara Especial do Meio Ambiente recentemente consagrou o entendimento daquele órgão especializado de que a reserva florestal legal tem a natureza jurídica de obrigação propter rem  e adere ao domínio, possuindo, inclusive, proteção da Constituição Federal. Assim, a obrigação da delimitação, demarcação e averbação da reserva legal florestal é do atual proprietário do imóvel e não do Estado.

Publicamos neste BE dois desses acórdãos, ambos contando com a participação do desembargador  Renato Nalini, conhecido dos registradores brasileiros, que foi juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, na gestão do desembargador Sylvio do Amaral e juiz auxiliar da presidência nas gestões dos desembargadores Nereu César de Moraes e Aniceto Lopes Aliende.

José Afonso da Silva ressalta que “a importância das árvores para a vida humana é fato de reconhecimento antigo e universal; daí por que a proteção do patrimônio florestal sempre constituiu uma preocupação jurídica” (Direito Ambiental Constitucional, 5.ed., Malheiros, 2004, p.165).

A Constituição Federal ao instituir em cláusula pétrea a função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII) e ao declarar que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) atribuiu ao Registro de Imóveis características que outrora não possuía, como a necessidade de incorporação do conceito de função social da propriedade e do meio ambiente. 

A averbação da reserva legal consta atualmente da própria Lei de Registros Públicos (art. 167, inciso II, item 22), modificação essa decorrente da Lei n. 11.284, de 2 de março de 2006 – Lei das Concessões Florestais.

São várias as conseqüências dos referidos arestos, mas a mais importante no aspecto registrário consiste na confirmação da necessidade de sua publicidade no Registro de Imóveis, que funciona como reforço da publicidade legal, colaborando para que os futuros adquirentes respeitem a reserva averbada.

Marcelo Augusto Santana de Melo
Diretor de Meio Ambiente do Irib e registrador imobiliário em Araçatuba, SP.


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Seção de Direito Publico
Câmara Especial do Meio Ambiente

Voto nº 11.636
Apelação Cível nº 402 646 5/7-00-São Carlos
Apelante Ministério Público
Apelados: Moacir dos Santos E Outros

Ação Civil Pública. Reserva Legal. Obrigação legal imposta ao proprietário e não ao poder público. Previsão do Código Florestal, da Lei de Registros Públicos e da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Apelo do Ministério Público provido.

Reserva legal. Obrigação propter rem, vinculada ao domínio imobiliário. Irrelevante a destinação econômica a ser conferida ao imóvel. Função ecológica de índole constitucional. Inafastabilidade da averbação como ônus imposto ao titular do domínio. Apelo do Ministério Público.

A delimitação, demarcação e averbação da Reserva Legal prevista pelo Código Florestal não é de natureza pessoal mas é obrigação propter rem e, desde 5 X 1988, constitui pressuposto intrínseco do direito de propriedade, de origem constitucional, como atributo de sua função ecológica, à luz dos artigos 186, II e 170, VI da Constituição da República

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 402.646-5/7-00, da comarca de SÃO CARLOS, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICA sendo apelados MOACIR DOS SANTOS (E OUTROS).

ACORDAM, em Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V U”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores J G JACOBINA RABELLO (Presidente, sem voto), REGINA CAPISTRANO e AGUILAR CORTEZ.

São Paulo, 29 de junho de 2006.

RENATO NALINI
Relator

Visto etc.

A sentença de fls. 149/158 julgou parcialmente procedente a ação civil pública movida pelo Ministério Público contra MOACIR DOS SANTOS e outros, para impor aos réus a obrigação de fazer consistente em implantação de aceiros, proceder à sua manutenção regular, além da indenização pelo prejuízo ambiental causado, mas afastou a obrigação de demarcar e registrar a área de reserva legal junto ao Serviço de Registro de Imóveis.

Apela o Ministério Público a insistir na procedência total do pedido constante da ação civil pública e sustenta, nas razões de fls. 162/169, que persiste de demarcação e registro, de acordo como os argumentos que expõe.

Contra-razões no sentido da preservação da sentença a fls. 176/178 e parecer da Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça no sentido do provimento a fls. 188/195.

É uma síntese do necessário.

Ressalte-se, de início, restar prejudicado o Agravo Retido de fls. 130/131, por descumprimento do preceituado no § 1º do artigo 523 do CPC.

Provada a lesão ambiental consistente em desmatamento praticado com uso de moto-serra, foram os réus condenados a realizar aceiros e a proceder à sua manutenção, com vistas a prevenir danos futuros.

Nada obstante, o juízo entendeu que a reserva legal prevista no artigo 16, § 2º, do Código Florestal, como restrição/limitação administrativa e não servidão, representa mero dever de abstenção ao proprietário. Sustenta que “somente o proprietário, o maior interessado em explorar a floresta existente em suas terras, tem o direito de destinar os 20% de reserva. Caso o faça, a tutela do meio ambiente, a partir daí, adstrita ao local marcado, admissível a plena exploração do restante, ao revés, promovendo a exploração, ainda que de fato esteja respeitando os 20%, a tutela ambiental se justificará de modo abrangente, ficando sujeito às penalidades previstas na legislação[1].

Argumenta ainda o juízo que a averbação pode ser exigida pela autoridade administrativa, como condição para aprovação de projetos de exploração. Mas a inexistência dela não sujeita o proprietário a nenhuma penalidade. Se o Poder Judiciário entender necessário, poderá promover a averbação, pois a reserva legal foi instituída no interesse público.

Essa não é a única, nem a melhor orientação no pertinente ao tema.

A reserva florestal é obrigatória e decorre da lei. Não incumbe ao proprietário escolhê-la ou demarcá-la conforme seu interesse. A previsão do artigo 16,  caput e § 2º do Código Florestal – Lei Federal 4.771/65 – foi recepcionada pela Constituição da República de 5.X 1988, que trouxe inegável avanço á tutela ambiental.

A lição doutrinária de Paulo Afonso Leme Machado mostra-se adequada à espécie. “A ação civil pública, pedindo o cumprimento da obrigação de fazer, procurará que o Poder Judiciário obrigue o proprietário do imóvel rural, pessoa física ou jurídica, a instituir a reserva florestal legal, medi-la, demarcá-la e averbá-la no registro de imóveis, como também, faça o proprietário introduzir e recompor a cobertura arbórea da área. O fato de inexistir cobertura arbórea na propriedade não elimina o dever do proprietário de instaurar a reserva florestal. Pondere-se que, ao se dar prazo para a recomposição, não se está retirando a obrigação do proprietário de, desde já, manter a área reservada na proporção estabelecida – 20% ou 50% no mínimo, conforme o caso. Se nessa área inexistir floresta, nem por isso poderá o proprietário exercer atividade agropecuária ou de exploração mineral. A área de reserva florestal, desmatada anteriormente ou não, terá cobertura arbórea pela regeneração natural ou pela ação humana.”[2]     

Além da doutrina, a observação de experiência e de senso pragmático do Procurador ANTONIO HERMAN BENJAMIN também é de ser enfatizada: O decisum fragmenta o esquema normativo da Reserva Legal em duas obrigações autônomas o  dever de conservar e o dever de averbar. Atribui aquele ao proprietário e este, diferentemente, à Administração. Trata-se de compreensão não amparada na letra da lei.  

Primeiro, porque só se conserva a Reserva Legal quando se conhece a sua localização. Do contrário, inviabiliza-se a fiscalização ambiental, primeiro passo para o aparecimento da Reserva Legal Migratória: hojeestá aqui, amanhã estará acolá, ao sabor das conveniências do proprietário e da necessidade de burlar eventual controle fiscalizatório”[3].

Faz-se necessário um parêntese. O Brasil, em 2006, ocupa o vergonhoso primeiro lugar do ranking  da devastação, do desmatamento e do número de incêndios criminosos ateados à mata. Costuma-se opor um reducionista conceito de progresso ao ideal da preservação ambiental. Mentes presumivelmente esclarecidas legitimam a destruição da mata, sob argumento de que a sua derrubada permitirá o plantio de mais soja, de mais cana-de-açúcar e mais intensificada exploração da pecuária.

Se o Estado-juiz não se impuser como concretizador da vontade do constituinte, a proteção ao meio ambiente não terá passado de promessa vã. Retórica a mais estéril, desvinculada de qualquer efeito prático. Mais uma das infelizes normas programáticas tão a gosto daqueles que atuam na seara do direito como se o constitucionalismo fosse um ficção.

Retorne-se ao raciocínio do Procurador e ambientalista HERMAN BENJAMIN:

O legislador, ao exigir a averbação da Reserva Legal e não das Áreas de Preservação Permanente – APPs, pretendeu a ela conferir indentificabilidade, qualidade esta que, nas APPs, decorre de sua própria situação, já que são reconhecidas pela simples topografia do terreno (margens de rios), topo de morro, áreas de inclinação acima de 45º, etc.), atribuir ao proprietário o dever de conservar a Reserva Legal, mas eximi-lo de averbá-la, é demandar o  posterius sem antes assegurar o prius[4]

Cabe novamente lembrar que a propriedade, no Brasil, já não é direito absoluto, a todos oponível e que confere ao seu titular a condição de soberano senhor do destino e da vocação do imóvel. Ao Contrário, recai sobre toda propriedade uma hipoteca social. E a função social está vinculada ao adequado aproveitamento ambiental, sem o que o titular se sujeita a sanções que podem chegar  à  expropriação da área.[5]

Já agora, sem, a remuneração prévia, justa e em dinheiro, mas em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei[6].

O segundo argumento da Ilustrada Procuradoria Geral da Justiça é de que existe e vige a obrigação de averbação da Reserva Legal. O Código Florestal a explicita[7]. E não atribui ao Poder Público essa obrigação. Pois é ínsita à titularidade dominial. Só o dono quem registra, sabem até os jejunos em direito. E o registro pode não ser um ato simples, pois confere segurança jurídica, mas requer às vezes complexidade, justamente para garantir a higidez da propriedade ao seu titular.

Saliente-se, como o faz o Dr. HERMAN BENJAMIN, que averbação consta hoje da própria Lei de Registro Públicos – novo item 22, no artigo 167, inciso II, a prever, dentre as averbações obrigatórias, a reserva legal.[8]

Maus recente ainda, a determinação para essa averbação passou a constar de normatividade exarada pela Corregedoria Geral da Justiça, que hoje tem à frente outro notável pioneiro no ambientalismo brasileiro, o Desembargador GILBERTO PASSOS DE FREITAS, idealizador da Câmara de Direito Ambiental no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo.     

Não é verdade, assim, que a averbação da Reserva Legal só se torne exigível se o proprietário pretender explorar a terra recoberta por floresta ou vegetação nativa existente. Nem é condição para exercício de um direito Novamente o magistério de HERMAN BENJAMIN é irrespondível. “Há aqui sério equivoco. A Reserva Legal é exigida de qualquer propriedade, qualquer que seja o estado das matas remanescentes em seu interior ou os usos que a elas ou à terra-nua pretende dar o proprietário. Não é condição para a exploração da propriedade, mas, sim, condição para a legitimidade do direito de propriedade em si. Cuida-se de conditio sine qua non para o reconhecimento da função ecológica da propriedade, vale dizer, do próprio direito de propriedade”[9]     

Não se admite mais a vulneração dos superiores interesses ambientais em nome de anacrônica e superada concepção de propriedade. O meio ambiente é bem uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida[10]. Foi o primeiro direito intergeracional reconhecido pelo constituinte brasileiro. Às atuais e insensatas gerações conferiu ele o zelo pela natureza, para que a vida não se veja obstada e impedida, ante a insana destruição da água, do verde, do ar, da biodiversidade e desse patrimônio coletivo que ninguém construiu, mas que tem urgência em eliminar da face da Terra.

Esta Câmara reconhece a imprescindibilidade de delimitação, demarcação, averbação e zelo permanente pela Reserva Legal, tudo a cargo do proprietário, que também é responsável pela tutela do meio ambiente. E, nesse ponto, alinha-se à melhor orientação do E. Superior Tribunal de Justiça, que é exemplo o V Acórdão relatado pelo eminente Ministro JOÃO OTAVIO DE NORONHA “A legislação que determina a separação de parte das propriedades rurais para constituição da reserva legal advém de uma feliz e necessária consciência ecológica que vem tomando corpo na sociedade em razão dos efeitos dos desastres naturais ocorridos ao longo do tempo, resultado da degradação do meio ambiente efetuada sem limites pelo homem. Tais conseqüências nefastas, paulatinamente, levam à conscientização de que os recursos naturais devem se utilizados com equilíbrio e preservados em intenção da boa qualidade de vida das gerações vindouras”[11].

A moderna visão do Direito Ambiental não colide com mais dogmático positivismo, pois a Reserva Legal tem a natureza de obrigação propter rem e adere ao domínio e ao título, desvinculando-se da função econômica por que optou o titular. É irrecusável, obrigatória, exigível sem qualquer tergiversão ou exceção. É uma obrigação que tem a mesma duração do direito real, ainda que variem os titulares, pois a vida humana é frágil e efêmera. Não é de natureza pessoal, como constou da sentença, prestigiada pelos apelados. Ao contrário, conforme assinalou a Ilustrada Procuradoria Geral da Justiça. “No sistema constitucional de 1988, a Reserva Legal deixou de ser apenas uma obligatio propter rem tradicional, de derivação meramente legal, e transformou-se em verdadeiro pressuposto intrínseco do direito de propriedade, de origem constitucional, como atributo de sua função ecológica, nos termos do art. 186, inciso II, e art. 170, inciso VI,”[12] ambos da Constituição da República. 

O Ministério Público não estabeleceu o prazo para a providência, mas fiscalizará no sentido de que o comando judicial não deixe de ser cumprido.

Por estes fundamentos confere-se provimento ao apelo ministerial para que os réus promovam à delimitação, demarcação e averbação da Reserva Legal florestal no imóvel objeto da matrícula 71.184 do Registro de Imóveis da Comarca de São Carlos, com a anuência do órgão ambiental – DEPRN – Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais.

RENATO NALINI
Relator
  

Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Apelação Cível nº 424 542 5/3
Voto nº 13.099
Comarca de Ituverava – 02ª Vara Cível
Processo nº  897/2001
Apelantes: Ministério Público
Apelados: Laura Gonçalves Mei Alves de Oliveira e outros

Ação Civil Pública – Meio Ambiente – Reparação de danos, indenização e averbação de 20% do imóvel para reserva legal – Processo extinto em relação a obrigação de fazer e sentença improcedente no tocante a averbação  - Obrigação do proprietário prevista no Código Florestal – Fato de ter havido desmatamento, mesmo que por antecessores, não afasta a obrigação de instituir a reserva – Pedido amparado na legislação vigente – Prazo fixado em 180 dias para demarcação e providência administrativas necessárias para averbação da reserva legal, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 424.542-5/3-00, da Comarca de ITUVERAVA, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO sendo apelados LAURA GONÇALVES MEI ALVES DE OLIVEIRA E OUTROS:

ACORDAM, em Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI e REGINA CAPISTRANO.

São Paulo, 22 de Março de 2007.

SAMUEL JUNIOR
Presidente e Relator

Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra sentença que julgou extinto o processo em relação à obrigação de fazer e, quanto a averbação da reserva legal, julgou improcedente a ação civil pública movida em face de Laura Gonçalves Mei Alves de Oliveira e outros.

Alega o Órgão Ministerial, em síntese, que o falecido pai dos apelados teria impedido a regeneração da vegetação mediante uso de fogo, causando danos ambientais, deixando de destinar 20% da área total como reserva legal, e, por isso, recairia sobre seus herdeiros a obrigação de instituir e averbar a reserva legal, nos termos do Código Florestal e da Lei n.º 6.938/81 (artigo 18)

Contra-razões às fls. 307/314

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Há notícia de que a área danificada foi recuperada e o Ministério Público não recorreu da parte da sentença que extinguiu o processo sem apreciação do mérito, batendo-se, apenas, pela obrigação da instituição da reserva legal.

E nesta parte razão lhe assiste.

O artigo 16 e seus parágrafos do Código Florestal foram alterados pela Medida Provisória nº 2 166-67 a ter o caput a seguinte redação.

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a titulo de reserva legal, no mínimo

I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal 

II – trinta e cinco por cento, na  propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma micro bacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo,

III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões no País, e

IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do Pais”.

O parágrafo segundo também vigora com nova redação.

A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvas as hipótese previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações especificas”.

Conquanto instituída primordialmente como forma de preservar as florestas e matas nativas existentes, a reserva legal evoluiu e, hoje, em face do que estabelece a Lei Ordinária 8 171, de 17 e janeiro de 1991, está o proprietário obrigado a recompô-la.

Diz o artigo 99 da mencionada lei:

A partir do ano seguinte ao de promulgação desta lei, obriga-se o proprietário rural, quando for o caso, a recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal, prevista na Lei nº 4771, de 1965, com a nova redação dada pela Lei nº 7803, de 1989, mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total para complementar a referida Reserva Florestal Legal (RFL)”.

Assim, o fato de ter havido o desmatamento, mesmo que por antecessores, não afasta a obrigação dos apelados de instituir a reserva, como pleiteado, com indiscutível amparo na legislação vigente.

Não há como se falar, em tal situação, que a obrigação seria do poluidor. É obrigação que a lei comete ao proprietário.

Ao adquirir o imóvel a apelada assumiu o ônus legal de fazer a seus antecessores deixaram de fazer e de refazer o que eles eventualmente tenham feito de forma ilegal, sendo, por isso, irrelevante que ela tenha recebido o imóvel desmatado.

As obrigações propter rem são decorrentes da relação existente entre o devedor e a coisa e acompanham as mutações subjetivas. Assim, a obrigação de possuir uma reserva legal na propriedade transfere-se do alienante ao adquirente, independentemente de este último ter responsabilidade acerca da degradação da referida reserva.

A ocupação integral do imóvel, impedindo a regeneração, numa área de pelo menos 20%, da mata originaria, implica evidentemente em transgressão à Política Nacional do Meio Ambiente, tratada na Lei Ordinária nº 6 938/81.

Oportuno, aqui, transcrever-se a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA sobre florestas regeneradas:

Em certo sentido é uma floresta nativa, na medida em que se recompõe com as espécies do próprio meio. Antes do arado e do trator, era comum verem-se florestas regeneradas, quando se praticava o cultivo migratório sem arrancar as raízes das arvores derrubadas. Cultivava-se uma área durante alguns anos, desmatava-se outra sem seguida, abandonando a primeira, que se transformava novamente em capoeira e bosque num período relativamente pequeno de oito a doze anos. Hoje, com a agricultura  sofisticada, em que se revira a terra, retirando dela todos os restos da arborização primitiva, o reflorestamemto só pode ser artificial e demorado (Direito Ambiental Constitucional, 2ª ed., págs. 122/123 S. Paulo: Malheiros Ed., 1995)”.

Pela legislação anterior, na omissão do proprietário, cabia ao Poder Público fazer o reflorestamento, indenizando inclusive as áreas utilizadas com culturas (art. 18 e seu § 1º, da Lei nº 4 771).

Observe-se que o art. 8º, da Lei Estadual nº 8.014, repetia o mesmo preceito, cometendo ao poder público estadual e municipal o dever de promover a recuperação de áreas em processo de desertificação e degradação, sem desapropriá-las, se esta iniciativa não partisse do proprietário.

Mas, no § 1º, do mesmo dispositivo, obrigava o proprietário a ressarcir tais despesas, no prazo de cinco anos.

Em face, porém, das evidentes insuficiências do aparelho estatal, adveio a Lei nº 8 171, de 17/01/91, transferindo, em seu artigo 99 acima transcrito, a obrigação ao proprietário de fazer e arcar com a regeneração.

A propósito do tema, PAULO AFFONSO LEME MACHADO, em sua clássica obra, Direito Ambiental Brasileiro, preleciona que o fato de inexistir cobertura arbórea na propriedade não elimina o dever do proprietário de instaurar a reserva florestal.

E mais adiante, assim pontifica:

... Pondere-se que, ao se dar o prazo para a recomposição, não se está retirando a obrigação do proprietário de, desde já, ,manter área reservada na proporção estabelecida 20% ou 50% - conforme o caso. Se nessa área inexistir floresta, nem por isso poderá o proprietário exercer atividade agropecuária ou de exploração mineral. A área de reserva florestal, desmatada anteriormente ou não, terá cobertura arbórea pela regeneração natural ou pela ação humana(págs. 568/569, 6ª ed. S. Paulo Malheiros Editores, 1996).

Trata-se de  dispositivo legal de ordem pública, com aplicação imediata, que obriga a todos os proprietários rurais, a partir de 18 de janeiro de 1992, a promoverem uma lenta e gradual recomposição da reserva florestal.

E sua aplicação não demanda regulamentação, posto existirem normas técnicas a serem aplicadas para o reflorestamento.

O E. Superior Tribunal de Justiça, a respeito da questão, já decidiu que “1 – O novo adquirente do imóvel é parte legitima passiva para responder por ação de danos ambientais, pois assume a propriedade do bem rural com a imposição das limitações ditadas pela Lei Federal” 2. Recurso provido (Resp n.º 264 173 PR, rel. Min. JOSÉ DELGADO, julgado em 15/02/01, RT vol. 792, pág. 227).

No mesmo sentido afirmou também que “2. em se tratando de reserva legal florestal, com limitação imposta por lei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído pela devastá-la. 3. Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porque imposta por lei. 4. Recursos especiais provido em parte (Resp nº 327 254 PR, rel. Min. ELIANA CALMON, julgado em 03/12/02, publicado no DJU de 19/12/02, pág. 355)

Não se trata a reserva florestal, de servidão, em que o proprietário tem de suportar o ônus, mas de uma obrigação decorrente de lei, que objetiva a preservação do meio ambiente, não sendo as florestas e demais formas de vegetação bens e uso comum, mas bens de interesse comum a todos, conforme redação do art. 1º do Código Florestal.

A Constituição Federal do Brasil assegura aos cidadãos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225), impondo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, considerando tratar-se de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

Conclui-se claramente de tal disposição que o direito difuso de proteção ao interesse social coletivo se sobrepõe ao interesse individual de explorar integralmente a propriedade, mesmo que haja, com tal exploração, beneficio social econômico para a sociedade.

Por isso, para resguardar o ambiente ecologicamente equilibrado, toda pessoa que tenha para si a propriedade rural deve, por força do dispositivo legal, que tem amparo constitucional, procede à averbação da reserva legal e cuidar de recuperá-la, se for o caso, sem direito a qualquer indenização.

É uma restrição geral e gratuita, imposta indeterminadamente às propriedades particulares em benefício da coletividade, embora passem a ser determináveis, no ato de sua aplicação.

Exteriorizam-se em imposições unilaterais e imperativas, sob a tríplice modalidade positiva (fazer), negativa (não fazer) ou permissiva (deixar fazer).

Aplicam-se, concretamente, dois princípios constitucionais a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII) e a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente (art. 186, da CF).

E em face de tais preceitos constitucionais não há como se invocar o direto adquirido. Não tem os apelados direito de continuar a explorar toda a propriedade. Estão obrigados, como a todos, a instituir a reserva legal.

Repita-se, o fato de ser sucessor na propriedade não da ao réu o direito de se subtrair à exigência legal, que é dirigida a todos indistintamente.

 O fato de ter a legislação concedido prazo para sua recuperação ou de haver na área em questão floresta preservada em nada altera a questão, pois o que o Ministério Público é a averbação da reserva legal, e não a sua imediata recuperação.

Em face de tais razões, dá-se provimento ao recurso, para determinar que os apelados, no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, localizem a reserva legal e dêem entrada com o pedido de sua instituição perante o órgão administrativo, competindo-lhe, a seguir, assim que aprovado seu plano, fazer a necessária averbação. Arcarão os apelados com 50% das custas, na medida em que saíram vencedores, em primeiro grau, de parte que restou sem recurso.

SAMUEL JÚNIOR
Relator

Notas

[1] Texto da sentença, fls. 155 destes autos

[2] PAULO AFONSO LEME MACHADO. “Direito Ambiental Brasileiro” , Ed. Malheiros, 1995 p. 504/508

[3] Parecer de fls. 191 destes autos

[4] Parecer citado, idem, ibidem

[5] Artigo 186 da Constituição da República A função social e cumprida quando a propriedade rural atente, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidas em lei, aos seguintes requisitos II – utilização adequada dos recursos disponíveis e preservação do meio ambiente.

[6] Artigo 184, caput, da Constituição da República de 5 X 1988

[7] Artigo 16, § 8º, com as alterações da MP 2166-67

[8] Alteração introduzida pelo artigo 85 da Lei das Concessões Florestais. Lei 11 284, de 2 3 2006

[9] Parecer citado, idem, fls 193

[10] Artigo 225 da Constituição da República de 5 X 1988

[11] REsp 195 274-PR, j 4 2005

[12] Parecer citado, idem, fls. 194



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