BE3169
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Terrenos de marinha e a emenda constitucional 46/05: efeitos e importância
Marcos Magalhães*
Contraponto apresentado pelo representante da Advocacia Geral da União, Marcos Magalhães, à palestra de Carlos Fernando Mazzoco,no XXXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, no dia 24 de setembro, no hotel Majestic Palace, em Florianópolis, SC
Vou elogiar a tese do doutor Carlos Mazzoco. Certa vez, o ministro Marco Aurélio disse que em Direito nada é certo, tudo é discutível. É certa a jurisprudência interativa, aquela interpretação que é predominante até aparecer, dentro da lógica e da razoabilidade, uma nova forma de interpretar, e dentro dos princípios jurídicos aplicáveis, a melhor forma de interpretar pode predominar.
Porém, peço vênia ao doutor Carlos Mazzoco para fazer um rápido contraponto à tese colocada por ele, enfocando a tese sustentada pela Advocacia Geral da União, que, acredito, tenha servido de defesa da União na Ação Civil Pública, lembrando que a ACP está em grau de recurso e ainda não foi encaminhada ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
Sobre o mesmo tema, podemos fazer a seguinte colocação: não há como iniciar uma discussão sem antes ler a redação antiga e a atual do inciso IV, do artigo 20, da Constituição federal.
Antes da emenda constitucional 46, de 2005, o artigo 20 expressava quais eram os bens pertencentes à União. A redação anterior dizia que eram bens da União as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no artigo 26, II. Não havia dúvida de que as ilhas oceânicas e costeiras, fossem sede de municípios ou não, eram bens de domínio da União.
Com a EC 46/05, o constituinte derivado alterou essa redação, no inciso IV do artigo 20, dizendo que são bens da União “as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II”.
De acordo com a nova redação do inciso IV, artigo 20, da Constituição, entende-se, sem grandes discussões, que as ilhas oceânicas ou costeiras, sedes de municípios, estavam excluídas do rol de propriedades da União. As ilhas de São Luís do Maranhão, as ilhas de Vitória do Espírito Santo, as ilhas de Florianópolis, e mais três capitais que têm ilhas costeiras, ficaram excluídas do rol de propriedades da União.
Mantiveram-se as áreas afetadas ao serviço público, quais sejam as áreas onde funcionam os órgãos públicos federais, bem como as unidades ambientais federais, que são, em regra, os parques nacionais, além das referidas no artigo 26, II, que são aqueles imóveis registrados em cartórios por particulares ou por municípios e estados, ou seja, áreas de domínio de outros entes que não a União.
Todavia, existe um princípio interpretativo na Constituição, que é o princípio da unidade constitucional. Estes jamais podem ser interpretados isoladamente, a Constituição tem de ser interpretada como um conjunto de regras. Esse princípio exige uma interpretação sistemática, ou seja, não se deve interpretar a norma constitucional de maneira isolada, mas no conjunto das demais normas constitucionais vigentes.
Em relação a essa interpretação sistemática amparada no princípio da unidade da Constituição, nossa posição é a de que não constou no inciso IV, do artigo 20, da Constituição, a exceção aos terrenos de marinha e acrescidos, porque a determinação de que esses bens eram propriedade da União já existia no inciso VII do mesmo artigo, que diz que também são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos. Esse dispositivo constitucional não foi revogado e continua em vigor. Se continua em vigor, não havia necessidade de o constituinte derivado colocá-lo expressamente na nova redação do inciso IV.
O elenco de propriedades da União não é exaustivo. Não só continuaram sendo propriedade da União as áreas afetadas ao serviço público e as unidades ambientais federais nas ilhas costeiras em sedes de municípios, como também os terrenos de marinha e seus acrescidos, referidos no inciso VII, os potenciais de energia hidráulica, dispostos no inciso VIII, os recursos minerais, incluindo os do subsolo referidos no inciso IX; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Se não se fizer uma interpretação sistemática da Constituição, mas apenas uma interpretação isolada do inciso IV do artigo 20, não se chegará a nenhuma conclusão. Ao interpretar que os terrenos de marinha e acrescidos, apesar de continuarem expressos como bens de domínio da União, não foram englobados pela nova redação do inciso IV, também se pode afirmar que os potenciais de energia hidráulica ou os recursos minerais, incluindo os do subsolo existentes hoje em sedes de municípios deixaram de ser propriedade da União, uma vez que não estão excepcionados no inciso IV. Resultado: a União teria preservado em seu domínio as sedes de municípios e ilhas costeiras, as áreas afetadas ao serviço público e as unidades ambientais federais.
Com essa interpretação, deixariam de ser bens da União nas ilhas costeiras em sede de municípios os terrenos de marinha e seus acrescidos, os potenciais de energia hidráulica, os recursos minerais, incluindo os do subsolo, as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos e as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Numa interpretação isolada da Constituição, todos esses bens sairiam do rol de bens da União, porque na exceção do inciso IV ficaram somente as unidades ambientais federais e as áreas afetadas ao serviço público.
Por isso, com toda vênia, a Advocacia Geral da União discorda da tese brilhantemente apresentada pelo doutor Marcos Mazzoco. A interpretação que a AGU faz do inciso IV é no sentido de que continuam como bens de domínio da União, além das áreas afetadas ao serviço público e unidades ambientais federais expressas no inciso IV, as demais áreas e atividades que estão expressas no artigo 20, até porque, nenhum desses dispositivos foi revogado explícita ou implicitamente pela nova redação.
É claro que existem inúmeras ações judiciais que tramitam em Santa Catarina questionando o reajuste da taxa de ocupação. Temos ciência de que essa norma constitucional gera muitas injustiças e conflitos para os municípios em ilhas costeiras, no entanto, entendemos que apenas uma reforma constitucional pode resolver esses problemas. Enquanto a Constituição impuser como bens de propriedade da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, não há possibilidade de a União abrir mão de cobrar a taxa de ocupação e laudêmio. Mesmo porque trata-se de bens públicos e indisponíveis, e não há como o administrador ou o comando público abrir mão deles enquanto não for reformada a Constituição.
*Marcos Magalhãesé representante da Advocacia Geral da União – AGU.
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