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Exceções à preferência advindas da prioridade no registro de imóveis
Alexander Ferreira*


Introdução

Segundo o Código Civil e a Lei de Registros Públicos (lei 6.015/73), o número de ordem no protocolo determina a ordem de apresentação dos títulos e a respectiva prioridade, conferindo, esse princípio, a preferência dos direitos reais do título registrado em primeiro lugar sobre os títulos registrados posteriormente.
 
A prioridade está prevista, por exemplo, no Código Civil – artigos 1.246, 1.422 e 1.493 – e na lei 6.015/73 – artigos 182 e 186.
 
“Art. 1.246. O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.”
 
“Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.
 
Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.”
 
“Art. 1.493. Os registros e averbações seguirão a ordem em que forem requeridas, verificando-se ela pela da sua numeração sucessiva no protocolo.
 
Parágrafo único. O número de ordem determina a prioridade, e esta a preferência entre as hipotecas.”
 
“Art. 182 - Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.”
 
“Art. 186 - O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.”
 
Mas,  essa prioridade nem sempre decorre da ordem de apresentação do título no RGI, aferida pelo número de ordem no protocolo.
 
É o que buscamos demonstrar, colhendo casos esparsos na legislação.

   1. CC – “Art. 1.443. O penhor agrícolaque recai sobre colheita pendente, ou em via de formação, abrange a imediatamente seguinte, no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a que se deu em garantia.
Parágrafo único. Se o credor não financiar a nova safra, poderá o devedor constituir com outrem novo penhor, em quantia máxima equivalente à do primeiro; o segundo penhorterápreferência sobre o primeiro, abrangendo este apenas o excesso apurado na colheita seguinte.” 

Nesse primeiro exemplo, atento à função social da propriedade – sobretudo prevista no artigo 170, III, CF/88 –, o legislador conferiu ao produtor/devedor o poder de contrair financiamento para viabilizar uma segunda safra, na recusa do primeiro financiador, para fins de viabilizar a produção. Para prestigiar o segundo financiador, que certamente não se embrenharia em um financiamento sem retorno, o legislador conferiu prioridade do segundo penhor sobre o primeiro, embora registrado depois, tudo para, mais uma vez, viabilizar o financiamento necessário à produção.

   2. CC – “Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novoregistro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir. (Redação dada pela lei 10.931/04)”
“Art. 1.498. Vale o registro da hipoteca, enquanto a obrigação perdurar; mas a especialização, em completando vinte anos, deve ser renovada.” 

Suponhamos, nesse caso, que sobre a matrícula do imóvel houvesse sido registrada uma hipoteca em segundo grau, dez anos após o registro da primeira.
 
Passados mais dez anos, a primeira totalizou vinte anos de registro e foi renovada. Passados mais dez anos, totalizando trinta anos do registro da primeira hipoteca, ela deixará de subsistir, salvo reconstituindo-se por novo título e novo registro. Portanto, agora a primeira hipoteca já não existe mais e terá de se reconstituir, fato esse que se dará vinte anos após o registro da segunda e com novo registro.
 
Assim, a primeira hipoteca, embora nesse caso vá ser registrada novamente apósa segunda, gozará de prioridade no registro.

   3. CC – “Art. 1.495. Quando se apresentar ao oficial do registro título de hipoteca que mencione a constituição de anterior, não registrada, sobrestará ele na inscrição da nova, depois de a prenotar, até trinta dias, aguardando que o interessado inscreva a precedente; esgotado o prazo, sem que se requeira a inscrição desta, a hipoteca ulterior será registrada e obterá preferência.”
Lei 6.015/73
“Art. 189 - Apresentado título de segunda hipoteca, com referência expressa à existência de outra anterior, o oficial, depois de prenotá-lo, aguardará durante 30 (trinta) dias que os interessados na primeira promovam a inscrição. Esgotado esse prazo, que correrá da data da prenotação, sem que seja apresentado o título anterior, o segundo será inscrito e obterá preferência sobre aquele.”
“Art. 190 - Não serão registrados, no mesmo dia, títulos pelos quais se constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel.”
“Art. 191 - Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando apresentados no mesmo dia, os títulos prenotados no Protocolo sob número de ordem mais baixo, protelando-se o registro dos apresentados posteriormente, pelo prazo correspondente a, pelo menos, um dia útil.”
“Art. 192 - O disposto nos arts. 190 e 191 não se aplica às escrituras públicas, da mesma data e apresentadas no mesmo dia, que determinem, taxativamente, a hora da sua lavratura, prevalecendo, para efeito de prioridade, a que foi lavrada em primeiro lugar.”  

Nesse terceiro exemplo, a lei confere prazo de trinta dias para que o primeiro apresentante promova a inscrição da hipoteca, para evitar que títulos contraditórios desrespeitem a prioridade decorrente da ordem de protocolo/registro dos títulos. Contudo, a desídia do titular da primeira hipoteca levada a registro acaba por lhe cominar a sanção de ver o segundo registro guardar preferência sobre o seu, que era o primeiro.
 

   4. CC – “Art. 1.496. Se tiver dúvida sobre a legalidade do registro requerido, o oficial fará, ainda assim, a prenotação do pedido. Se a dúvida, dentro em noventa dias, for julgada improcedente, o registro efetuar-se-á com o mesmo número que teria na data da prenotação; no caso contrário, cancelada esta, receberá o registro o número correspondente à data em que se tornar a requerer.”
Lei 6.015/1973
“Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:
I - no Protocolo, anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida;
II - após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas;
III - em seguida, o oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de 15 (quinze) dias;
IV - certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeterse-ão ao juízo competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título.”
“Art. 203 - Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo:
I - se for  julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de translado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;
II - se for julgada improcedente, o interessado apresentará, de novo, os seus documentos, com o respectivo mandado, ou certidão da sentença, que ficarão arquivados, para que, desde logo, se proceda ao registro, declarando o oficial o fato na coluna de anotações do Protocolo.”  

Se, durante o prazo de noventa dias em que o procedimento da dúvida for julgado, um segundo título for apresentado no protocolo para registro, este segundo prevalecerá sobre o primeiro, caso a dúvida seja julgada procedente, pois a prenotação do primeiro será, nesse caso, cancelada.
 

   5. Lei 6.015/1973
“Art. 205 - Cessarão automaticamente os efeitos da prenotaçãose, decorridos 30 (trinta) dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.”  

Se forem opostas exigências para registro ao interessado e este ficar inerte, seja por não pedir a instauração do procedimento de dúvida seja por não cumprir as exigências feitas pelo oficial, passados trinta dias da apresentação a prenotação será cancelada, e se nesse ínterim foi apresentado algum título ao protocolo para registro, esse segundo título ganhará prioridade sobre o primeiro, o qual terá sua prenotação cancelada. O segundo título, portanto, passará a ter prioridade sobre o primeiro protocolado.
 
Contudo, não haverá essa caducidade, se a apresentação do primeiro deu-se no regime anterior à lei 6.015/1973, conforme Revista do Direito Imobiliário, 3:100, citada pela Maria Helena Diniz, p. 357, “a propriedade considera-se adquirida na data da apresentação do título a registro, ainda que entre a prenotação e o registro haja decorrido algum tempo”.
 
O que vai ocorrer é que o segundo título, a ser levado a registro na vigência da lei 6.015/1973, implicará abertura da matrícula[1], na qual, contudo, constará primeiramente o título anterior, para obediência ao princípio da continuidade.
 

   6. Código Civil
“Art. 1.225. São direitos reais:
X - a anticrese.”
“Art. 1.509. O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente dos bens, os credores quirografários e os hipotecários posteriores ao registro da anticrese. (prioridade do registro)
§ 1o Se executar os bens por falta de pagamento da dívida, ou permitir que outro credor o execute, sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, não terá preferência sobre o preço.
§ 2o O credor anticrético não terá preferência sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído, nem, se forem desapropriados os bens, com relação à desapropriação.” 

Nesse exemplo, se o credor anticrético executar o bem objeto da anticrese por falta de pagamento, ou permitir que outro credor execute esse bem, nesse caso, sem opor o seu direito de retenção ao exeqüente, ele não terá preferência sobre o preço. Mais uma vez, portanto, o registro, em primeiro lugar, não trouxe prioridade ao titular do título.
 
Também quando houver destruição do prédio ou desapropriação, o registro da anticrese não conferirá preferência sobre a indenização do seguro ou o valor pago na desapropriação.
 
Conclusão
 
Essas são, em breves linhas, sete exceções legais ao princípio da prioridade, decorrente da ordem de prenotação dos títulos no protocolo.
 
Notas
 
  [1]A matrícula será aberta quando do 1º registro feito na vigência da Lei 6015, art. 176, § 1º, I e 228.
 
Bibliografia
 
CENEVIVA, Walter, Lei dos Registros Públicos Comentada, 15.ed., São Paulo, Saraiva, 2002.
 
DINIZ, Maria Helena, Sistemas de Registros de Imóveis, 4.ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
 
GONÇALVES, Carlos Roberto, Sinopses Jurídicas – Direito das Coisas 3, 6.ed., São Paulo, Saraiva, 2003.
 
ROSENVALD, Nelson, Direitos Reais, 2.ed., Rio de Janeiro, Impetus, 2003.
 
RODRIGUES, Sílvio, Direito Civil, Direito das Coisas, v. 5, 26.ed., São Paulo, Saraiva, 2001.
 
*Sandro Alexander Ferreira  é delegado de polícia federal em Belo Horizonte, MG.



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