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Regularização fundiária de imóveis da União: lei 11.481/07
Patricia André de Camargo Ferraz*


Palestra apresentada pela registradora Patrícia André de Camargo Ferraz, no XXXIV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, no dia 24 de setembro, no hotel Majestic Palace, em Florianópolis, SC

I. Introdução

É com grande satisfação que inicio este Encontro Nacional de Registradores Imobiliários, incumbida de abordar importante novidade legislativa deste ano de 2007, que é a recém aprovada lei 11.481, de 31 de maio de 2007.

E não poderia fazê-lo sem começar com um breve relato de seu histórico.

Em 2006, o governo federal, preocupado com a demora do processo legislativo do projeto de lei federal 3.057/2000, que trata, em síntese, do parcelamento do solo urbano e da regularização fundiária de áreas urbanas, entendeu que deveria editar uma medida provisória que contemplasse poucas, mas importantes modificações no ordenamento jurídico vigente, com vistas a facilitar e agilizar os procedimentos de regularização fundiária das áreas de domínio da União, sem, contudo, abrir mão da necessária segurança jurídica em tais procedimentos.

Para tanto, elaborou-se levantamento das normas em vigor, a fim de detectar, com minuciosa análise, quais eram os empecilhos legais – burocratizantes e oneradores – existentes para a implementação de importantes políticas públicas relacionadas à regularização de terras da União.

Partiu-se do pressuposto da importância socioeconômica da regularização fundiária, como instrumento de capacitação econômica da população, bem como da indispensabilidade dos mecanismos de atribuição de publicidade aos direitos relativos aos imóveis – públicos ou privados – proporcionados pelo registro de imóveis.

A idéia desenvolvida pelo Executivo federal, especialmente pelo Ministério do Planejamento, por intermédio da Secretaria do Patrimônio da União, e pelo Ministério das Cidades, com a colaboração do Irib, foi extrair do referido projeto de lei 3.057/2000 alguns elementos indispensáveis para que tais escopos fossem alcançados, dinamizando as políticas públicas de regularização das terras públicas ocupadas e em situação ainda irregular.

O texto produzido deu ensejo à medida provisória 292, que perdeu seus efeitos em razão de seu alongado prazo de tramitação e, depois, à medida provisória 305. Esta, aprovada na Câmara e no Senado, foi sancionada e tornou-se a lei 11.481/07.

Nesta minha brevíssima exposição, não tratarei de todas as inovações trazida por essa nova lei federal, mas apenas destacarei poucas delas, as que me parecem extremamente importantes para o dia-a-dia do registrador imobiliário, porque afetarão seu mister de modo imediato.

II. Principais inovações

II.1
Capacitação econômica da população

A lei 11.481/07, mais do que um compêndio de importantes instrumentos para a regularização das terras da União, desde sua edição ela representa importante sinalizador dos caminhos que podem ser seguidos pelo administrador público.

Em minhas primeiras palavras, afirmei que uma das premissas do trabalho de construção desse texto legal foi a assunção da regularização como instrumento de capacitação econômica da população. Extraio tal conclusão do fato de a lei em comento permitir a venda e doação dos imóveis da União, observadas determinadas situações. Além disso, trata da regularização de ocupações efetuadas até 27 de abril de 2006, uma vez que apresenta fórmulas simples e seguras para tanto.

Ora, permitir ao Congresso nacional, a partir de iniciativa e provocação do Executivo, que áreas da União sejam doadas e ou vendidas a particulares, em dadas situações, expressa a concepção liberal e moderna do modelo socioeconômico que o país deve seguir para reduzir as diferenças em nossa sociedade, notadamente o acesso aos bens elementares da vida: propriedade, saúde, educação, trabalho, segurança, etc.

A partir do momento em que se admite a atribuição de propriedade das terras aos seus ocupantes, dotando-lhes, seja pela doação, seja pela compra de lotes, de direito de propriedade, permite-se a tais pessoas que ingressem no mercado formal em patamar muito mais favorável do que hoje ostentam, ou seja, mais do que como proprietários de imóveis, como titulares de poderoso ativo imobiliário.

E nada além disso se poderia esperar de um governo que tem, dentre outras coisas, se caracterizado por fortes investimentos na área social: se em um momento emergencial a administração pública “deu o peixe”, mediante programas como o Bolsa-família, agora era chegada a hora de “entregar a vara e ensinar o povo a pescar”, ou seja, dotar os cidadãos brasileiros de condições de independência econômica, para que possam progredir com esforços próprios, então escorados em patrimônio imobiliário – fundiário – regularizado.

II. 2 Sistema unificado de informações sobre bens da União e integração com o registro de imóveis

Outra alteração trazida pela lei 11.481/07, a qual reputo de extrema importância, cuida da modificação da lei 9.636/98, especialmente em seu artigo terceiro, que trata do sistema unificado de informações sobre bens da União.

Esse dispositivo determina que a Secretaria do Patrimônio da União mantenha um sistema unificado de informações, do qual conste a localização e a área de cada um dos imóveis da União, a respectiva matrícula no registro de imóveis competente, o tipo de uso do imóvel e a pessoa, física ou jurídica, a quem esse imóvel se destina, sob qualquer título. Essa combinação permite uma saudável interação de esforços e competência, uma vez que, enquanto a União se dedica ao controle de seu cadastro, basicamente destinado a fins arrecadatórios, de outro, o registro de imóveis encarrega-se da importantíssima tarefa de depuração ex ante de direitos relativos aos bens inscritos, conferindo-lhes segurança, publicidade e, portanto, facilidade de tráfego no mercado.

A inserção nos cadastros da SPU da informação a respeito da matrícula do imóvel ou do seu número de transcrição, caso não haja ainda matrícula aberta, representa o reconhecimento, pelo poder público, da importância de se levar para o registro todas as informações dos bens imóveis, sejam eles particulares ou públicos.

Se se entendia, há pouco tempo, que os bens públicos não precisariam estar inseridos no registro de imóveis, porque públicos, agora esse dispositivo proporciona ao registro imobiliário uma função “mais integrativa”, na medida em que permite e facilita que todo o patrimônio imobiliário do país passe a compor o mesmo sistema de registro de direitos.

Desse modo, problemas que hoje existem em razão de não terem sido levados ao sistema registral os dados e direitos relativos a muitos bens públicos, com o tempo se extinguirão.

II. 3 Demarcação de terrenos de marinha, de terras interiores e de terrenos para regularização fundiária de interesse social

A lei 11.481/07, como já disse, trata de alterar algumas leis esparsas que tratam das terras da União.

Creio que das mais importantes são as modificações efetuadas no decreto-lei 9.760/46 sobre o procedimento de demarcação de terrenos de marinha, bem como de terras interiores e de terrenos para regularização fundiária de interesse social.

Do que pude compreender da lei 11.481/07, ainda que haja um procedimento de demarcação de terrenos de marinha e de terras interiores, esse procedimento de demarcação de terrenos para regularização fundiária de interesse social aplica-se tanto para aqueles terrenos de marinha quanto para as terras chamadas interiores.

O que diferencia um procedimento de demarcação singular, para o procedimento de demarcação de terrenos para regularização fundiária, é que o escopo deste último é específico, uma vez que permite tão-somente sua utilização nos moldes definidos pela lei 11.481/07, ou seja, para a implementação da regularização fundiária de interesse social, que, nos termos da lei, visa a beneficiar famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos.

Não me deterei nos procedimentos de demarcação de terrenos de marinha e de terrenos interiores, mas na demarcação de terrenos para regularização fundiária de interesse social.

Antes, contudo, devo anotar que, a meu ver, o legislador cuidou menos da demarcação aplicada às terras interiores do que à dos terrenos de marinha. Digo isso porque, no que diz respeito ao procedimento de notificação dos interessados nas demarcações de bens da União, prevê a lei que somente no caso dos terrenos de marinha os editais são publicados em jornais de grande circulação local, uma vez que, nos casos de demarcação de terras interiores, a notificação editalícia somente é feita pelo Diário Oficial da localidade ou no Diário Oficial da União.

Essa precariedade da publicidade dada ao procedimento de demarcação dessas terras interiores pode trazer problemas práticos, dada a redução de cautela na colheita da anuência, ainda que tácita, dos administrados, eventuais interessados no procedimento então em trâmite.

Seria muito importante que a administração pública federal, em que pese a omissão da lei, cuidasse para que o procedimento de demarcação de terras interiores contasse com a publicação de editais em jornal de grande circulação local, com a descrição da área regularizanda e com um pequeno croqui do imóvel demarcado pela União, como se procederá na demarcação dos terrenos de marinha ou, como já se procede, há anos, no registro do parcelamento do solo urbano, regulado pela lei 6.766/79. Essa medida tem permitido, na prática, que problemas de novos parcelamentos do solo urbano sejam levados ao conhecimento das autoridades competentes por cidadãos que têm conhecimento dos procedimentos graças à leitura de jornais locais.

Por isso me parece, nesse ponto, que a redução de custos e a abreviação de procedimento, apesar de ganhar uns poucos dias no prazo do registro, perde em termos de segurança, uma vez que não zela pela maior colheita tácita da anuência dos administrados.

Feitas essas considerações iniciais, passemos à análise do procedimento de demarcação de terras para regularização fundiária de interesse social.

III. Demarcação de terras para regularização fundiária de interesse social

III.1 Alcance

Uma das grandes e talvez a principal inovação trazida pelos artigos 18-A a 18-F, da lei 11.481/07 é a inserção no decreto-lei 9.760/46 de um novo instrumento jurídico para a regularização fundiária de interesse social, qual seja, a demarcação de terras.

Essa figura jurídica aplica-se aos casos de regularização fundiária de interesse social das terras da União que beneficiam pessoas cuja renda familiar seja de até cinco salários mínimos mensais. Ou seja, esse procedimento é de grande alcance social, uma vez que cerca de 80% da população brasileira está dentro desse limite de renda.

E esse alcance social amplia-se com o artigo 22 do decreto-lei 9.760/46, que faculta aos estados e municípios utilizarem esse procedimento de demarcação em suas terras.

III.2 Atribuição de domínio?

A demarcação das terras da União prevista nesses dispositivos foi trazida para a lei 11.481/07, seguindo rito similar ao inserido no artigo 213, da lei 6.015/73 pela lei 10.931/04, quanto aos procedimento de retificação de registro e apuração de remanescente consensuais nos registros de imóveis. Isso em razão do fato notório de esta novidade estar funcionado muitíssimo bem na prática, seja por sua simplicidade, seja pela observância de cautelas para garantir segurança jurídica ao seu resultado e pela redução de tempo e custo.

É importante dizer que a demarcação urbanística não atribui domínio do imóvel à União, apenas homogeneíza a situação jurídica da área ocupada a ser regularizada e a define, prescindindo de anteriores procedimentos de retificação de área e apuração de remanescente. É ela apenas uma ferramenta de aceleração do processo de regularização fundiária de interesse social.

Assim entendo por duas razões.

A primeira delas decorre da notoriedade de que várias áreas da União, terras compreendidas dentro da faixa de 33 metros da linha preamar média de 1831 ou da linha média de enchentes ordinárias, foram, no passado, de algum modo, registradas em nome de particulares, sem que para tanto tenha ocorrido qualquer aquisição derivada do poder público, mas atualmente são ocupadas por população de baixa renda.

Ora, se tais terras, por força de lei, pertencem à União; se especialmente nesses casos de regularização fundiária, de ocupações já consolidadas em abril de 2006, que tenham por beneficiários pessoas com renda mensal familiar de até cinco salários mínimos por mês, há interesse social; e se, ainda que estejam tais áreas em nomes de particulares,  tal situação se confirmasse, poderiam ser ajuizadas ações de usucapião em face do titular tabular para declaração judicial do direito de propriedade em favor dos ocupantes, parece-me que bem caminhou o poder constituído no sentido de dotar a administração pública de instrumento jurídico capaz de implementar sua política habitacional, seguindo os ditames constitucionais, da forma mais célere possível, sem prescindir de mecanismos de publicização, de colheita de anuência e, portanto, de segurança jurídica.

A segunda razão está no próprio texto da lei e decorre da primeira. O artigo 18-A afirma que a União poderá lavrar auto de demarcação de “seus imóveis”, nos casos de regularização fundiária de interesse social, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada.

Ou seja, a lei parte do pressuposto de que a União já tem em seus cadastros a especificação de que aquele pedaço de solo que faz parte de seu domínio, ainda que não tenha sido inscrito, matriculado no competente registro de imóveis. Isso fica ainda mais claro no artigo 18-A, que relaciona toda a documentação que a União precisa encaminhar ao registro de imóveis para instruir seu pedido de registro da demarcação.

Reza o dispositivo que será encaminhado para registro o auto de demarcação elaborado pela SPU, ao fim de um processo administrativo que vise à apuração da presença dos requisitos para proceder-se à regularização fundiária e especificar a área seu objeto.

O procedimento a ser encetado, portanto, deverá demonstrar especialmente: a) ser a área de domínio da União; b) nela haver ocupação consolidada até 27 de abril de 2006; e c) possuírem seus ocupantes renda familiar mensal de até cinco salários mínimos mensais.

Concluído esse procedimento, a SPU lavrará o auto de demarcação de seu imóvel e o encaminhará para o registro de imóveis, acompanhado dos seguintes documentos:

planta e memorial descritivo da área a ser regularizada;

planta de sobreposição da área demarcada com a situação constante do registro de imóveis, se houver;

certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada, emitida pelo registro de imóveis competente ou das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes, se houver;

certidão da Secretaria do Patrimônio da União de que a área pertence ao patrimônio da União, indicando o registro imobiliário patrimonial, RIP, e o responsável pelo imóvel, se for o caso;

planta de demarcação da linha preamar média, LPM, se se tratar de terrenos de marinha ou acrescidos; e

planta de demarcação da linha média das enchentes ordinárias, LMEO, se se tratar de terrenos marginais de rios federais.

Ora, se esses documentos devem ser apresentados concomitantemente ao registro de imóveis – com exceção das duas últimas plantas, que podem não coexistir, dependendo do caso concreto –, não há como concluir que a inscrição da demarcação no registro de imóveis tenha o condão de atribuir o domínio da área à União porque ela, seja por força de lei, seja por outra razão fático-jurídica pré-existente, já era titular do domínio da área. Não fosse assim, a lei não exigiria a apresentação de certidão da Secretaria do Patrimônio da União de que a área pertence ao patrimônio da União, indicando o respectivo registro imobiliário patrimonial, RIP.

O que a demarcação em questão atribuirá a União, isso sim, é a disponibilidade de determinada área – composta por um ou mais imóveis –, preparando seu assento no registro de imóveis para os derradeiros passos da completa regularização jurídica das ocupações.

Aberta a matrícula da área e do registro da demarcação, o registro de imóveis poderá receber, no tempo oportuno, a documentação relativa ao cadastramento das pessoas efetuado pelo poder público, bem como o projeto do parcelamento do solo urbano e, em seguida, os títulos outorgados pela União aos beneficiários finais de todo o procedimento.

III.3 Procedimento no registro de imóveis

Uma vez apresentada e prenotada a documentação referida no registro de imóveis, iniciar-se-á o procedimento interno de qualificação do título.

Cabem aqui algumas considerações acerca de cada um dos documentos que acompanharão o auto de demarcação elaborado pelo poder público.

III.3.1 Da documentação

Do auto de demarcação deverá expressamente constar que o procedimento apurou: a) ser a área objeto de regularização de domínio da União; b) a especialidade da área, conforme planta e memorial que o acompanham; c) nela haver ocupação consolidada até 27 de abril de 2006; e d) possuírem seus ocupantes renda familiar mensal de até cinco salários mínimos mensais.

O domínio da União será demonstrado pela certidão da Secretaria do Patrimônio da União, com a indicação do respectivo RIP, bem como do responsável pelo imóvel, se for o caso.

Responsável pelo imóvel é quem recebeu da União algum direito relacionado ao bem de raiz, como o foreiro ou ocupante, que deve estar identificado ao menos pelo nome e número junto ao cadastro de contribuintes na Receita federal – CPF ou CNPJ –, tal como prevê a lei 6.015/73. Esse indicador – aliás, o CPF ou CNPJ – tem se mostrado como excelente guia para buscas seguras e facilitadas no sistema de interoperabilidade das bases registrais mobiliárias no país, em adiantada fase de implantação, o ofício eletrônico.

Todas as transações ou modificações que venham a ocorrer no registro de imóveis serão comunicadas eletronicamente à SPU, nos mesmos moldes da DOI, declaração de operações imobiliárias. Se a DOI tem a finalidade de proporcionar à Receita federal o controle das transações imobiliárias e a evolução patrimonial dos administrados, a comunicação feita pelo registro imobiliário para a SPU tem o escopo de proporcionar à União o controle sobre a pessoa responsável pelo recolhimento de laudêmio e foro, nos casos previstos em lei.

Desse modo, a indicação do titular do direito outorgado pela União será atualizada ao longo do tempo, em razão dos títulos que sejam levados ao registro de imóveis.

Já a especialidade da área ou a especificação do objeto imobiliário sobre o qual recairá a demarcação será demonstrada pela planta e memorial descritivo, devidamente assinados por profissional com anotação de responsabilidade técnica no competente conselho regional de engenharia e arquitetura, Crea.

Em auxílio à observância ao princípio registral da especialidade, o legislador acrescentou a obrigatoriedade de apresentação da planta de sobreposição da área demarcada com a situação constante do registro de imóveis, se houver.

A razão de tal exigência se deve ao fato de que, por razões históricas que aqui não cabe detalhar, inúmeros imóveis da União objeto de transcrição ou matrícula estão precariamente descritos no fólio real, o que torna muitas vezes extremamente difícil, senão impossível ao registrador imobiliário, estabelecer a coincidência de uma área especificada em uma planta atual elaborada por técnico habilitado, com aquela descrita em seus assentos.

Por isso, como o trabalho de campo para o levantamento da área será realizado por técnico com ART, que responderá civil e criminalmente por suas assertivas, a planta de sobreposição por ele elaborada proporcionará mais celeridade ao procedimento da demarcação no registro de imóveis e mais segurança a todos os atos a serem praticados pelo registrador. Ademais, como essas plantas deverão permanecer arquivadas no registro imobiliário, seja em cópia em papel, em microfilme e, se possível, em imagem digital, qualquer interessado terá acesso a todas as informações técnicas que levaram o responsável pelo levantamento de campo e o oficial de registro a concluírem pela coincidência entre a área registrada e a que é objeto de demarcação pelo poder público.

Também para garantir segurança e agilidade ao procedimento, bem como facilidade de acesso às informações por qualquer administrado que por ele se interesse, a lei determina que o poder público apresente certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada, emitida pelo registro de imóveis competente ou das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes, se houver.

Isso implica uma análise preliminar importante a ser realizada pelo regularizador junto ao registro de imóveis, com vistas a identificar e comprovar que a área regularizanda é – ou não – objeto de matrícula ou transcrição no registro predial. Veja-se que me refiro sempre à área, porque ela pode ser composta por apenas um imóvel ou por vários imóveis, ou por imóveis e partes de imóveis, ou somente por partes de imóveis – imóvel ora considerado como unidade imobiliária objeto de uma única matrícula.

No caso de pluralidade de imóveis ou parcelas de imóveis, o regularizador deverá apresentar todas as certidões correspondentes a cada um deles. Como a maioria das circunscrições imobiliárias atuais são destaques de circunscrições mais antigas, se não encontrada matrícula de qualquer imóvel ou parte de imóvel que componha a área regularizanda, o responsável deve cuidar de fazer a pesquisa em toda a cadeia registral, partindo da circunscrição mais nova em direção à mais antiga até encontrar matrícula ou transcrição do imóvel em estudo.

Todas as certidões obtidas nessa busca, sejam elas positivas ou negativas, deverão ser apresentadas ao registro então competente para qualificação da demarcação e completa publicidade das providências adotadas no procedimento.

Além disso, no caso específico das terras da União, devem ainda ser apresentadas planta de demarcação da linha preamar média, LPM, se se tratar de terreno de marinha ou acrescidos e/ou planta de demarcação da linha média das enchentes ordinárias, LMEO, se se tratar de terreno marginal de rio federal. O caso concreto é que demonstrará qual delas – ou se ambas – será necessária.

No que diz respeito à documentação mínima a ser apresentada ao registro de imóveis, como o artigo 22 do decreto-lei 9.760 autoriza os municípios e os estados a utilizarem o procedimento em questão, a meu ver, e por razões lógicas, alguns documentos referidos no artigo 18-A poderão não ser exigidos no caso concreto. É o que ocorrerá se a regularização encetada pelo município ou pelo estado tratar de área que não se enquadre na situação de terrenos de marinha e terras interiores, caso em que as plantas de LPM e LMEO não serão cabíveis, como não o será a certidão da SPU com indicação de RIP – porque sequer existirá!

III.3.2 Do procedimento propriamente dito

O requerimento de registro da demarcação é processado praticamente da mesma forma que se processam a retificação do registro e a apuração de remanescente consensuais, nos moldes do artigo 213 da lei 6.015.

O requerimento, uma vez apresentado ao registro de imóveis, é prenotado e autuado. Se houver explicitação de número de matrícula e transcrição, desde logo deve ser feita a anotação do requerimento no controle de títulos contraditórios. Caso contrário, o registrador deve efetuar as buscas para identificação de matrículas, ou transcrições e, encontrando-as, fazer as anotações necessárias no controle de contraditórios.

Tomadas tais providências, inicia-se a qualificação da documentação oferecida pelo poder público. A lei estabelece prazo de trinta dias para que essa qualificação e essas buscas sejam efetuadas no registro de imóveis.

Em determinados casos, esse prazo será muito menor porque o registro pode dispor de elementos de aferição muito mais rápidos e fáceis, mas, em outros casos, esse prazo não poderá ser observado, oportunidade em que haverá, administrativamente, de maneira formal ou informal, um contato entre o registrador e a SPU, dando conta de que os trabalhos estão sendo efetuados e as buscas realizadas de modo que o serviço do registrador prestado à população e à União continue sendo pautado pela segurança jurídica. Portanto, o prazo é apenas uma referência e, em determinados casos, não poderá ser seguido.

Uma vez qualificados os documentos, o registrador fará a comunicação da existência de eventuais exigências, isto é, fará uma nota de devolução, se for o caso. Diz a lei que essa comunicação deve ser feita de uma só vez para evitar que o regularizador receba um rol de exigências, cumpra-as e, quando voltar ao registro, o registrador faça nova exigência, estendendo muito o procedimento de qualificação.

O decreto-lei 9.760 trata de modo distinto o procedimento de registro da demarcação, caso haja matrícula ou transcrição do imóvel.

Se existir matrícula ou transcrição anterior, o registrador vai proceder à notificação pessoal do titular do domínio do imóvel no endereço que constar do registro imobiliário ou no endereço fornecido pela União. Se ele não for localizado em tais endereços, a notificação deverá ser feita por edital.

Primeira questão: se o imóvel é de domínio da União, como a lei prevê que possa haver um titular de domínio que não a União? A lei fez essa previsão porque são inúmeros e notórios os casos em que foram abertas matrículas ou feitas transcrições de títulos em nome de particulares de áreas efetivamente de domínio da União, sem que tivesse havido aquisição derivada desse ente de direito público interno, e que hoje estão ocupadas e são objeto de regularização fundiária.

Por isso, é indiscutível a importância de se fazer a notificação do titular do domínio inscrito no registro de imóveis.

A lei determina que se procure o titular desse domínio em todos os endereços possíveis, seja nos fornecidos pela União, seja no próprio imóvel ou no que constar do registro de imóveis. Portanto, se o regularizador indicar, por exemplo, que Tício deve ser notificado na rua dos Coqueiros, nº 32, mas o imóvel estiver localizado em outro local, e nos assentos do registro constar que esse titular tem domicílio num terceiro endereço, a notificação deve ser expedida inicialmente para o endereço indicado pelo requerente. Se o destinatário não for ali localizado, a notificação deverá ser enviada para os outros dois endereços. Essa relação de locais onde o titular de domínio deve ser procurado tem de ser exaurida antes que o registrador passe para a fase de notificação por edital.

Outro acelerador do procedimento é o instrumento de notificação por edital dos confrontantes, dos ocupantes e dos terceiros interessados. Quem já trabalhou com regularização fundiária sabe da dificuldade e do custo para se proceder à notificação pessoal dos confrontantes, terceiros interessados, em caso de regularização fundiária de grandes áreas ocupadas ou invadidas. Nesse caso, felizmente, o legislador permitiu que a notificação seja feita por edital.

Veremos um pouco adiante que, depois de registrada a demarcação, se houver outros direitos reais inscritos, o registrador procederá ao cancelamento de seus registros. Nesse caso não basta a notificação por edital. Como no caso do titular do domínio, o registrador precisará efetuar a notificação pessoal desse titular do direito real inscrito. Como o registrador cancelará uma hipoteca numa matrícula preexistente sem proceder à notificação pessoal do credor? Como preservar a segurança jurídica? Tanto quanto os procedimentos feitos administrativamente no registro de imóveis, essas circunstâncias terão de ser certificadas pelo oficial.

III.3.3 Notificação por edital

O edital deve seguir o mesmo padrão do que fazemos publicar quando do processo de registro dos novos parcelamentos do solo, embora a lei, já alterada, não contenha previsão para que se insira um pequeno croqui da área objeto de loteamento.

Além das pessoas nominadas pelo regularizador na planta e de eventuais terceiros cujo interesse a União ainda não detectou, mas que precisam ser notificados, é preciso constar do edital a descrição da área. A mera descrição do imóvel, sem o croqui para facilitar sua localização pelo leitor do edital não é satisfatória.

Esse edital será publicado por duas vezes, no prazo de trinta dias, em jornal de grande circulação local.

Atualmente, nos casos de procedimento de retificação, a notificação pode ser feita tanto pelo registro de imóveis quanto pelo interessado, hipótese em que, só depois, o edital é levado a registro para que seja comprovada sua efetivação.

No caso da demarcação, de acordo com a lei, essa publicação sempre será feita pelo regularizador, que encaminhará ao registro de imóveis os exemplares dos jornais nos quais tenham sido publicados os editais.

Decorrido o prazo de quinze dias da última publicação – são feitas duas publicações no prazo de trinta dias –, os confrontantes, ocupantes e interessados terão oportunidade para impugnar a demarcação. Apesar de a lei não explicitar, entendemos que esse prazo de quinze dias para impugnação seja contado, no caso do edital, a partir da segunda publicação, e, no caso da notificação pessoal, a partir da entrega da notificação.

III.3.4 Anuência de eventuais terceiros interessados e confrontantes

Assim como no procedimento de retificação administrativa, presume-se a anuência dos notificados na hipótese de não apresentação da impugnação no prazo legal.

A lei 11.481/07, aliás, diz menos do que queria nesse ponto do procedimento, quando não se localizam matrícula ou transcrição da área. Vejamos.

Art. 18-C. Inexistindo matrícula ou transcrição anterior e estando a documentação em ordem, ou atendidas as exigências feitas no art. 18-B desta Lei, o oficial do registro de imóveis deve abrir matrícula do imóvel em nome da União e registrar o auto de demarcação.”

Ora, por que me parece que a lei diz menos do que pretende?

Explico. Um sistema de segurança jurídica não pode prescindir da anuência tácita ou do consenso de eventuais terceiros interessados e muito menos dos confrontantes. Se, na planta oferecida pela SPU, pelo estado ou município, é indispensável a indicação dos confrontantes, como vamos suprimir a anuência desses confrontantes, ainda que por edital?

Se há matrícula ou transcrição, temos uma situação um pouco mais definida no registro. Se não há matrícula ou transcrição, o grau de indefinição dessa área é muito maior. E nesse caso, a cautela deve ser menor? Parece-nos um descompasso da lei com os mecanismos de atribuição de segurança jurídica dos atos que serão praticados. Mesmo nesse caso, devem ser publicados editais para notificação dos terceiros interessados e de eventuais confrontantes, uma vez que não podemos imaginar um imóvel sem confrontantes.

III.3.5 Abertura de matrícula

Pois bem, efetuadas as notificações e decorrido o prazo sem impugnação ou resolvida a questão da impugnação no procedimento, o registrador abrirá a matrícula do imóvel em nome da União, registrará o auto de demarcação e procederá às averbações necessárias nas matrículas ou transcrições anteriores para que não haja solução de continuidade na cadeia filiatória do imóvel.

Como esse procedimento não visa a atribuir domínio à União, estado ou município, é evidente que a matrícula será aberta em nome do ente público que encaminhou o procedimento de retificação ao registro.

Depois do preâmbulo da matrícula, do qual constará a descrição do imóvel e sua localização, o nome do proprietário e a respectiva designação cadastral, o primeiro ato a ser feito é o do registro da demarcação, ato de verdadeira afetação do imóvel para o fim específico de regularização fundiária de interesse social.

Somente depois desse registro serão feitos, no corpo da matrícula do imóvel, todos os outros registros de parcelamento do imóvel sob a forma de loteamento, desmembramento ou, se for o caso, de registro de instituição e especificação de condomínio.

No caso de parcelamento do solo, serão abertas as matrículas dos lotes. No caso de instituição e especificação de condomínio, serão abertas as matrículas das unidades autônomas. E nessas matrículas subseqüentes, de lotes ou de unidades autônomas, serão efetuados os registros dos títulos que venham a ser outorgados aos beneficiários do processo.

III.3.6 Se houver impugnação, como proceder?

Caso seja apresentada impugnação, o registrador dela dará ciência ao regularizador, seja ele União, estado ou município.

O artigo 18-F comporta algumas ponderações.

Art. 18-F. Havendo impugnação, o oficial do registro dará ciência de seus termos à União.”

Não havendo acordo entre impugnante e a União, a questão deve ser encaminhada ao juízo competente, dando-se continuidade ao procedimento de registro relativo ao remanescente incontroverso.”

Caso não haja acordo entre o ente promotor da demarcação e o impugnante, a questão será encaminhada para o juízo competente. O registrador, por seu turno, dará continuidade ao procedimento de registro relativo ao remanescente incontroverso, se houver.

Pela leitura conjunta do caput do artigo 18-F e de seu parágrafo primeiro, a princípio, o que o regularizador deverá fazer é procurar o impugnante para tentar resolver administrativamente a questão posta na impugnação. Se essa tentativa não tiver êxito, será tal fato comunicado ao registro de imóveis, a quem caberá encaminhar os autos ao juiz competente.

Outra questão leva ao desdobramento desse procedimento. Uma vez encaminhada a impugnação ao juízo competente, o registrador poderá proceder à continuação do procedimento, fazendo o registro da demarcação do remanescente incontroverso, o que vai demandar uma análise criteriosa do registrador quanto ao que seja consenso entre as partes, ou seja, entre o regularizador e o impugnante, a fim de se definir o que é o remanescente incontroverso, isto é, qual é a parcela do imóvel a respeito da qual não há controvérsia instalada.

Nesse caso, para que não haja qualquer dúvida e se garanta a segurança jurídica, será adequado que o regularizador apresente nova planta do remanescente incontroverso, com seu memorial, para que isso possa ser levado a termo nesse procedimento.

Quanto à impugnação, uma vez apreciada pelo Judiciário e julgada improcedente pelo juiz competente – que sempre será o juiz corregedor permanente, uma vez que tratamos de questão administrativa –, os autos retornarão ao registrador para que dê término ao procedimento e proceda ao registro da demarcação.

Caso seja julgada procedente, os autos também serão restituídos ao registro de imóveis e ali entregues pelo registrador ao regularizador, porque nada será feito no registro de imóveis.

IV. Novidades

É necessário destacar um dispositivo de caráter procedimental que diz respeito à prorrogação do prazo da prenotação nos autos de demarcação.

Não se opera, nesse procedimento, o cancelamento por decurso de prazo da prenotação, que se estende até a decisão por parte do juízo competente. Como mencionamos, o artigo 22 do decreto-lei 9.760/46 permite que esse procedimento seja utilizado por estados e municípios.

A lei traz também outras novidades.

O artigo 21 do decreto-lei 9.760/46, em seu parágrafo único, dispõe que a certidão da SPU é documento hábil para o cancelamento do registro, nos termos do artigo 250 da lei 6.015/73.

A lei 11.481/07 cria também a declaração de operações imobiliárias em terrenos da União, Doitu.

Talvez tenhamos alguns problemas se a remessa dessas informações, do registro de imóveis para a SPU, não for precedida de um concerto administrativo bem elaborado. Essa informação equivale à uma DOI de áreas da União.

A lei em comento obriga o registrador de imóveis a comunicar à SPU todas as transações efetuadas que tenham por objeto terrenos da União, sejam eles terrenos de marinha, terrenos interiores ou terrenos objeto de regularização fundiária de interesse social.

Mais do que isso, essa obrigação é imposta ao registrador de imóveis bem como ao registrador de títulos e documentos.

Imaginamos que a lei pretenda cobrir os contratos registrados no registro de títulos e documentos para fins de conservação, uma vez que não existe territorialidade. Portanto, o registrador de títulos e documentos tem de ficar muito atento para verificar se, no contrato que venha a ser registrado, consta ou não informação no sentido de que o terreno seja da União.

V. Informações deverão ser encaminhadas por meio eletrônico

Essas informações a serem remetidas à SPU deverá ser feito por meio magnético.

Temos hoje uma dificuldade operacional muito grande. Mesmo os registros informatizados, cujas informações da DOI são encaminhadas eletronicamente, têm dificuldade para enviar os dados do seu sistema para o sistema da Receita federal. O sistema a ser construído pela SPU precisa, necessariamente, conversar com os instrumentos utilizados pelos registros de imóveis, mediante um concerto com os prestadores de serviço de empresas de informática que desenvolvem e implantam sistemas de informatização nos registros de imóveis, de modo a facilitar essa operação, diminuindo ao máximo o grau de incerteza e o número de erros nas informações remetidas à SPU.

Ainda de acordo com a lei, a cada operação imobiliária vai uma Doitu, corresponder que precisará ser apresentada até o último dia útil do mês subseqüente ao ato.

O responsável pelo registro está sujeito a multa pela não apresentação ou apresentação fora do prazo da declaração. Se essa declaração for encaminhada de modo incompleto, também haverá incidência de multa, que pode ser reduzida em 75%, dependendo do caso.

Portanto, para facilitar a vida da SPU e dos registradores de imóveis, esse sistema precisa ter um caráter de interoperabilidade, ou seja, estar no padrão e-ping.

São essas, portanto, as brevíssimas considerações que queria tecer acerca da lei 11.481/07.

Excelente encontro a todos e ótimos trabalhos!

*Patricia André de Camargo Ferraz  é registradora de imóveis em Diadema, SP, e diretora de regularização fundiária e urbanismo do Irib.



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