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O Poder Público Municipal e a burla da lei do parcelamento do solo urbano - João Baptista Galhardo


O mundo tornou-se mau por ser mal governado e

não porque a natureza humana seja pervertida

Dante

INTRODUÇÃO

Nos termos do art. 4º, I, da lei 6766/79, as áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como os espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade de licença ou desistência do loteamento, sendo, neste caso, observadas as exigências do art.23 (art.17).

Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo (art.22).

Nos termos do artigo 180, VII, da Constituição do Estado de São Paulo, as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos, alterados.

Procurou o artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual, proteger todas as áreas que, com o registro do loteamento, passam para o Município como BENS DE USO COMUM DO POVO. Essa norma protetiva se harmoniza com a competência legislativa concorrente atribuída aos Estados pelo artigo 25 da Constituição Federal, para legislar sobre direito urbanístico, da qual o Município foi excluído, porque o artigo 24, I, da Carta Magna diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito urbanístico.

No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão a destinação originária daqueles espaços de uso comum do povo (art.180 da CE).

Compete ao Município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (art.30, II, CF), mas não pode editar regras que contrariem as normas gerais constantes da Constituição Federal ou Estadual.

Assim, não pode o Município, por qualquer norma administrativa ou legislativa, alterar a destinação daqueles espaços (áreas verdes, de lazer, praças, vias de circulação ou institucionais) constantes do projeto e do memorial descritivo, que, com o registro do loteamento, passaram para a Municipalidade como bens de uso comum do povo. Faltaria ao Município competência legislativa, além de violar norma que lhe é verticalmente superior.

DESTINAÇÃO ALTERADA

"As áreas destinadas à implantação de equipamento urbano e comunitário e os espaços livres de uso público são áreas institucionais. Como salienta DIÓGENES GASPARINI em parecer anexado aos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 17067-0, as áreas institucionais são as consagradas, por força de lei pelo loteador, a fim comunitário e de utilidade pública"( Adin. 16500-0, jlg.24.11.93, rel. Des. RENAN LOTUFO, JTJ-LEX 154/266-275).

Os espaços livres e os sistemas de lazer de loteamentos, são áreas institucionais (RT 684/79-80, JTJ - LEX 161/130 e 154/266).

Ensina PAULO AFFONSO LEME MACHADO: " O vínculo do bem de uso comum à sua destinação tem como origem o art. 67 do CC: "os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever". O Código Civil aponta claramente que os bens públicos são inalienáveis. Mas vai mais além : aponta que a inalienabilidade é "peculiar"aos bens públicos. Peculiar é "próprio, especial, atributo essencial de uma pessoa ou coisa".

"A incomercialidade consiste na exclusão da esfera de relações jurídicas privadas por inidoneidade não estrutural do bem, mas funcional, em relação com o fim, como afirma Sabino Cassese. Entre os (bens) absolutamente indispensáveis estariam os de uso comum do povo ou de uso especial, que, enquanto vinculados a um interesse público, não poderiam ser divertidos para outros fins", ensina Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Por isso os juízes da Corte de Cassação da França - Aubry e Rau - afirmaram: "tanto quanto dure a destinação à qual elas estão afetadas, as coisas fazendo parte do domínio público não se tornam objeto de um verdadeiro direito de propriedade. Elas não estão verdadeiramente no patrimônio de ninguém e ficam excluídas do comércio". A regra da não subtração à destinação ( "non sottraibilitá alla destinazione"- Sandulli), é norma imperativa cuja violação dá lugar a um fato ilícito-é afirmação que se encontra sempre na doutrina", indica Vicenzo Cerulli Irelli.

Assim, quando o art. 67 do Código Civil brasileiro entende que os bens públicos podem perder a inalienabilidade nos casos e na forma que a lei prescrever, a alienação ou o comércio dos bens públicos só pode ser entendida corretamente se se levar em conta a diferenciação feita pelo art. 66 do próprio Código Civil. Essa diferenciação está assentada fundamentalmente na destinação dos bens.

Como alienar o mar, os rios, as estradas e as praças (art. 66, I, do Código Civil), enquanto estiverem sendo utilizados pelo povo, sem contrariar a própria natureza desses bens de uso comum ? Na realidade não só a venda como também as concessões privatizam os bens, colocando-os exclusivamente a serviço de uns poucos. Por isso Cretella Júnior salienta como a "inalienabilidade é traço típico dos bens de uso comum do povo e dos bens de uso especial. Diz -se, em outras palavras, que os bens de uso comum do povo e os de uso especial são "peculiarmente inalienáveis"e os dominicais "peculiarmente alienáveis".

Existindo a destinação de uso comum do povo, inalienável é o bem dessa categoria. Continua ensinando Pontes de Miranda: "a apropriação da onda como gerador de força é possível, respeitado o Direito Público; só a lei especial, porém, pode permiti-la. Não assim o direito de uso comum do povo e o direito de uso especial: donde só a mudança da classificação para o art.66, III, permitir a apropriação. Acrescenta, ainda, " o titular, no art. 66, I, é o povo". A apropriação, portanto, dos bens do art. 66,I, só seria possível, segundo o autor "quando houvesse mudança da classificação". Assim, legítimo se entender que enquanto estiverem "classificados"como bens de uso comum do povo, não pode haver apropriação. Ora, a classificação não é ato arbitrário, nem discricionário - a finalidade do bem público é que a faz, e não a vontade do legislador.

Contemporaneamente pondera Toshio Mukai : "enquanto tal destinação de fato se mantiver, não pode a lei efetivar a desafetação sob pena de cometer lesão ao patrimônio público da comunidade", acrescentando: "se a simples desafetação legal fosse suficiente para a alienação dos bens de uso comum do povo, seria possível, em tese, a transformação em bens dominicais de todas as ruas, praças, vielas, áreas verdes, etc, de um município e, portanto, de seu território público todo, com a conseqüente alienação( possível ) do mesmo, o que, evidentemente, seria contra toda a lógica jurídica, sendo mesmo disparate que ninguém, em sã consciência, poderia admitir". (DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO - 6ªedição- MALHEIROS EDITORES -págs 318/321).

Mas na realidade o Município não tem cumprido o seu papel de proteger os espaços públicos que recebe em razão do registro de loteamento. Dependendo da forma com que o Administrador Municipal exerce a sua discricionariedade, ele se transforma em herói ou vilão, quanto à preservação das áreas públicas de uso comum do povo. Prefeitos e vereadores têm equivocadamente sustentado que basta uma lei autorizando a desafetação de uma área de uso comum do povo para que ela possa ser alienada ou concedido o seu uso para particulares.

Uma praça, genericamente espaço livre, nunca perde a sua finalidade, esteja ela construída ou não, arborizada ou por arborizar. Cumpre seu papel social, urbanístico e ambiental. Mesmo que se entenda que a vedação contida no inciso VII do art. 180 da CE não é absoluta, toda desafetação legal deveria ser precedida da desafetação de fato, ou seja de investigação com exaustiva prova, de que aquele espaço perdera a sua destinação originária, para inverter a supremacia do interesse de todos sobre o interesse de alguns. O que se vê, na maioria dos municípios brasileiros, é a mutilação dos loteamentos regulares, por parte da administração municipal. Em muitos casos, até mesmo antes do registro do loteamento, espaços livres constantes do projeto e do memorial descritivo, são prometidos para particulares construírem sedes de clubes recreativos, indústria, comércio e até mesmo para construção de casas populares. Não percebe ou não quer perceber o administrador Municipal que a área de uso comum do povo é do povo, de uma unanimidade, de uma coletividade anônima, principalmente daqueles que talvez tenham pago preço superior aos demais para ter um lote de terreno com frente para uma praça. Nem mesmo o chamado interesse social justifica a passagem de um bem do uso comum do povo para particulares, mesmo que seja para atrair empregos, impostos ou dar moradia para a classe de baixa renda. Os compradores de lotes que têm o direito de exigir a manutenção daqueles espaços tal como originalmente projetados, não têm a obrigação de suportar eventual poluição do local onde escolheu (e pagou) para construir sua habitação nem de ver favelado o seu loteamento.

Verifica-se, com freqüência, o Município, singelamente autorizado pela Câmara Municipal, alienar, a título gratuito ou oneroso, áreas públicas de uso comum do povo ou conceder seu uso, por tempo indeterminado para particulares.

Merece destaque a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, na apelação cível 273.460-1(Pedreira)(JTJ 184, pág.78):

"INCONSTITUCIONALIDADE- Lei municipal- Declaração incidental em ação civil pública- Pedido formulado pelo Ministério Público, por seu órgão de Primeiro Grau - Legitimidade ativa - Preliminar rejeitada.

INCONSTITUCIONALIDADE- Lei municipal- Declaração incidental em ação pública- competência do Juízo de Primeira Instância para apreciar e julgar- Preliminar rejeitada.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ato impugnado - Doação de bem público comum do povo pela Municipalidade - Interesse de agir do Ministério Público - Artigo 81, inciso I, da Lei Federal n. 8078, de 1990 - Preliminar rejeitada.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ato impugnado - imóvel destinado a praça pública doado pela Municipalidade a sindicato para construção de sua sede - Inadmissibilidade - Constitucionalidade do art. 180, inciso VII, da Constituição Estadual - Interpretação, ademais, do artigo 24, inciso I, da Constituição da República - Ação procedente- Sentença confirmada.

LOTEAMENTO - Praça pública -área destinada pelo loteador para tal finalidade - Doação pela Municipalidade a sindicato- Inadmissibilidade - Bem público comum do povo e não apenas dos proprietários dos lotes - Artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual e Lei Federal 6766, de 1979 - Ação civil pública procedente - Sentença confirmada.

Apelação Cível n. 273.460 -1 - Pedreira - Apelantes: Municipalidade de Jaguariúna e outro - Apelado : Ministério Público.

Acórdão

Ementas oficiais:

1- Processual - Ação civil pública - Alegação incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal que autorizou a doação da praça pública ao Sindicato dos Servidores Municipais local, justamente para lastrear o pedido de anulação do ato de doação. Possibilidade, não havendo que se confundir com ação direta de inconstitucionalidade de lei, que tem objetivo diverso - Legitimidade do Ministério Público, por seu órgão de Primeiro Grau e competência do Juízo de Primeiro Grau, reconhecidas.

2- Processual- Ação civil pública -Defesa pelo Ministério Público, do patrimônio público e social, tratando-se, no caso , de interesses transindividuais, de natureza indivisível (artigo 81, inciso I, da Lei n. 8.078, de 1990)- Alegação de falta de interesse de agir, pelo Ministério Público, afastada.

3- Ação Civil Pública - Doação de imóvel, bem público comum do povo, para sindicato, com a determinação de que nele seja construída a sua sede social - Inadmissibilidade, porquanto o Município não tem competência legislativa para alterar a destinação do imóvel (uma praça pública), ante os termos do artigo 24, inciso I, da Constituição da República e artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual, este último perfeitamente constitucional à luz da Constituição da República.

4- Recursos, oficial e voluntário, não providos.

Acordam, em Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento aos recursos, de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte do acórdão.

O julgamento teve a participação dos Senhores Desembargadores Clímaco de Godoy (Presidente sem voto), J. G. Jacobina Rabello e Soares Lima, com votos vencedores.

São Paulo, 14 de março de 1996.

EDUARDO BRAGA, Relator.

VOTO

Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público, visando à anulação de doação com amparo na Lei Municipal de Jaguariúna n. 914, de 4.12.89, que autoriza o Poder Executivo do Município de Jaguariúna a alienar, por doação, ao Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Jaguariúna, uma área de terreno, de propriedade do Município, contendo 1.693,20m².

A ação foi promovida contra a Municipalidade de Jaguariúna e o Sindicato dos Servidores Públicos de Jaguariúna. Foi julgada procedente, pela respeitável sentença de fls.103/110, ficando anulada a transferência por doação, da área identificada e descrita na inicial. Os réus foram condenados a reconduzir a área pública ao status quo ante, no prazo de noventa dias, sob pena pecuniária de R$ 1.000,00 por dia de atraso, revertida para o Tesouro Estadual.

Inconformados, apelaram os réus, reiterando as alegações constantes de sua contestação, aduzindo que, de modo implícito, a inicial pediu a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 914, de 1989, da Municipalidade de Jaguariúna, que teria infringido o que dispõe o artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual. Daí a inadmissibilidade do ajuizamento da presente ação em Primeiro Grau de jurisdição (trata-se de ação direta de inconstitucionalidade) e a conseqüente incompetência absoluta do Juízo monocrático que proferiu a respeitável sentença recorrida. Ainda, o autor é parte ilegítima, pelos mesmos fundamentos, pois compete ao Procurador Geral da República e, em nível inferior, ao Procurador Geral da Justiça, Chefe do Ministério Público Estadual. Alegou que há falta de interesse de agir por parte do autor, porquanto a presente ação não está visando proteção de interesses sociais, coletivos, ou difusos, por assim dizer, transindividuais. No mérito, voltou a asseverar que o ato de doação do imóvel ao sindicato revestiu-se de toda a legalidade exigida.

O recurso foi recebido nos seus regulares efeitos; foi respondido.

Nesta Instância, a douta Procuradora de Justiça opinou pelo improvimento do apelo.

É o relatório.

Considera-se interposto o recurso "de ofício", considerando-se a derrota processual da Municipalidade de Jaguariúna (artigo 19 da Lei n.7.347, de 1985, c.c. o artigo 475 do Código de Processo Civil).

Entrementes, nega-se provimento aos recursos.

Com efeito, a alegação de que a Lei Municipal n.914, de 1989 é inconstitucional é argumento para fundamentar o pleito inicial. Não se cuida de pedido expresso e direto de declaração de inconstitucionalidade daquela lei.

Tendo sido realizada a doação da área com base na referida lei, óbvio que o pedido de anulação do ato vai atingir a própria lei. Como foi dito pelo Doutor Fernando José Martins, Procurador de Justiça oficiante, a declaração de inconstitucionalidade está sendo pedida apenas de forma incidental, e não direta.

Ante o expendido, o Ministério Público, por seu órgão de Primeiro Grau, tem legitimidade ativa, ficando afastada essa arguição. No mesmo sentido, e sob os mesmos fundamentos é competente para apreciar e julgar a presente ação civil pública, o Juízo monocrático.

Outrossim, no vertente caso, o Ministério Público não está defendendo interesses individuais. Destarte, o imóvel objeto é público (uma praça) (cf. artigo 81, inciso I, da Lei n.8.078, de 1990 - interesses transindividuais, de natureza indivisível, ou seja, interesses difusos).

Mantém-se, portanto, a respeitável sentença, também nessa parte, valendo relembrar o que lá ficou consignado, acerca do tema, do seguinte teor: "ora se a Lei Maior elege o Ministério Público como defensor do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (artigo 129, inciso III, da Constituição da República), obviamente pressupõe a vigência de normas regulando legitimamente tais situações de fato (condição), sem o que inexistiriam conseqüências jurídicas e os direitos subjetivos pertinentes."

No mérito, melhor sorte não têm os apelantes.

Com efeito, o artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual, aplicável à espécie, proíbe o Município, em qualquer hipótese, alterar a destinação originariamente estabelecida de áreas verdes ou institucionais definidas em projetos de loteamento.

Daí a afirmativa correta, no sentido de que a Municipalidade de Jaguariúna não poderá jamais alterar a destinação do imóvel objeto, mesmo porque, compete, com exclusividade, à União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar concorrentemente sobre direito urbanístico (cf. artigo 24, inciso I, da Constituição da República).

Portanto, não há que se falar em inconstitucionalidade do disposto supracitado (artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual) e nem que o mesmo fere a autonomia do Município, se o Município não tinha competência para editar a lei autorizando a doação do terreno, isto é, alterando a sua destinação.

Aplicável também, subsidiariamente, no caso, a Lei n. 6.766, de 1979, que também impede a alteração ou modificação da área objeto da doação. Com efeito, reprisando, aquela área foi destinada pelo loteador, para nela ser localizada uma praça. Se o loteador não podia mudar essa destinação, porque o imóvel tornou-se bem público comum do povo, e não somente para os proprietários de lotes, a Municipalidade, por igual, também não podia fazê-lo, ante os termos do artigo 180, inciso VII, da Constituição Estadual.

Segue-se, ante o exposto, que a Lei do Município de Jaguariúna n.914, de 1989, de conteúdo meramente administrativo, meramente formal, ilegalmente autorizou a doação do patrimônio público (doação do terreno pela Municipalidade, para o Sindicato dos Servidores Municipais de Jaguariúna), com a finalidade de construção sobre o mesmo da sua sede social. É que tal bem, como já foi dito,é comum do povo - área de recreio e lazer do loteamento, ou seja, praça pública, que pressupõe área verde. Sua destinação jamais podia ser alterada para bem dominial e disponível pela Municipalidade.

Presentes, pois, as condições de admissibilidade da ação civil pública, consistente na violação do princípio da moralidade pública, a procedência da ação era de rigor.

Isto posto, nega-se provimento aos recursos.

A vantagem de se promover a ação civil pública perante o juízo monocrático é grande. A sentença proferida na ação direta proposta perante o Tribunal de Justiça decreta a inconstitucionalidade da lei municipal que autorizou a mudança do bem de uso comum do povo para a classe dos dominicais e sua transferência para particulares, enquanto no juízo de primeiro grau, além de controlar a constitucionalidade por via de exceção ou de forma incidental, a ação poderá alcançar de imediato a anulação da alienação efetuada, obrigar o Município não efetuá-la, caso não tenha efetuado, bem como interromper construções porventura iniciadas ou obter antecipadamente outras tutelas. A simples decretação da inconstitucionalidade da lei municipal de desafetação, não alcança, às vezes, o seu objetivo, pois o Município mantém, no chão, a destinação alterada, concedendo, por tempo indeterminado, o uso particular do imóvel.

É firme a jurisprudência:

Ação Popular- Área destinada a leito de via pública, conforme previsão de loteamento -Doação a empresa comercial para edificação de hiper mercado - Ausência de interesse público a aconselhar a desafetação e a alienação- Ausência, outrossim, de desafetação de fato do trecho - que é área doada, o que importa na impossibilidade jurídica da desafetação legal.Os bens de uso comum do povo não podem ser alienados, enquanto cumprirem sua destinação originária, posto que tais bens possuem uma inalienabilidade intrínseca e não jurídica, que somente as circunstâncias de fato serão capazes de superar (desuso, abandono, etc.). Enquanto servem ao "uso comum do povo" e cumprem, portanto, de fato sua destinação, não podem ser desafetados legalmente. ( TJ-PB l995- Des. Geraldo Ferreira Leite - Apelação Cível - Processo 1102/90).

Desafetação de áreas, para posterior loteamento - Destinação preliminarmente determinada- Lei Municipal que afronta a Lei Federal n. 6766/79 e a própria Lei Orgânica do Município -(Relator : Alfredo Migliore - Apelação Cível n. 205577-1- Presidente Venceslau - 07.06.94).

Ação de Inconstitucionalidade-Lei Municipal- Desafetação de área verde institucional- Vedação pelo artigo 180,VII da Constituição Estadual- Alteração do fim e objetivos previamente estabelecidos - Quebra do conjunto urbanístico definido no parcelamento do solo- Princípio da autonomia dos Municípios subordinado aos preceitos constitucionais estaduais e federais- Inconstitucionalidade declarada - Ação procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n. 19.847-0,São Paulo - Relator : Rebouças de Carvalho - OESP - v.u. 15.02.95).

Ação Direta de Inconstitucionalidade- Lei Municipal - Dispositivos legais a autorizar a alienação de áreas verdes e institucionais destinadas a sistema de lazer coletivo- Proibição constitucional do artigo 180,VII da Carta Estadual - Alteração do fim e objetivos previamente estabelecidos - Autonomia municipal, limitada pelos parâmetros constitucionais- Desafetação irregular - Inconstitucionalidade declarada- Ação procedente. Não pode a Municipalidade, a título de sua autonomia de auto-organização, ditar preceitos colidentes com os princípios instituídos nas Cartas Magnas Estadual e Federal, sob pena de serem declarados nulos face a prevalência do interesse estadual ou nacional sobre o local. (Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n. 18468-0, São Paulo - Relator : Dirceu de Mello - OESP - v.u. 09.11.94).

Ação Civil Pública - Desafetação de bem de uso comum do povo- transformação em dominical- Forma irregular - Desvio de finalidade - dano ambiental- Nulidade de doação, bem como de sua posterior alienação- Admissibilidade - Área destinada à implantação de jardins e praças - Alteração da destinação - Importância das áreas verdes na preservação da qualidade de vida urbana - Artigo 180, VII, da vigente Constituição Estadual - Limitação normativa - Ação procedente - Recurso provido. Destinada uma área para determinada finalidade, defeso é ao Município a alteração desta, ainda que tal se revista dos mais altos propósitos. ( Apelação Cível n. 215797-1- Marília - Relator : Roque Mesquita - CCIV 1- v.u. 20.12.94).

Ação Direta de Inconstitucionalidade- Desafetação de áreas verdes consideradas de utilidade pública - Inadmissibilidade- Violação ao artigo 180,inciso VII da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade declarada. ( Relator : Bueno Magano - Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n. 17067-O - São Paulo - 26.05.93)

Ação civil pública- Desafetação de áreas verdes e de lazer para construção de casas populares - ilegitimidade do ato- áreas vitais a preservação do meio ambiente e à manutenção da qualidade de vida - ( Relator: Campos Mello - Recurso: AC 150340 1 - Rio Claro - 06.11.1991 ).

Ação civil pública- Meio ambiente - prejuízo ecológico - Concessão de Direito de Uso sobre área verde do loteamento - área reservada- destinação originária alterada - desafetação ilegal da área ( art. 180,VII, da CE e art.141,VII da Lei Orgânica do Município de Birigui (Relator: Alexandre Germano - Recurso AC 192179- Birigui- o3.08.93).

Ação de Inconstitucionalidade - Lei Municipal- desafetação de áreas de uso comum do povo para integrar a categoria de bem dominial - inadmissibilidade - hipótese de área institucional - art. 180, VII da CE - Ação procedente. Destinada determinada área, com o fim específico, de forma regular, a determinada finalidade, defeso ao Município a alteração desta, ainda que tal se revista dos mais altos propósitos.(Relator: Nelson Fonseca- ADI 15893- São Paulo - 24.11.93).

Desafetação de área de uso comum do povo para área dominial- Concessão de direito real de uso, a título gratuito, a empresa privada, para construção de mercado- Destinação e fins específicos que não podem ser alterados - Violação ao artigo 180, inciso VII da Constituição Estadual- Anulação da Lei Municipal que autorizou a cessão - Inconstitucionalidade decidida incidentalmente- Desnecessidade de ação direta(Relator : Ruy Coppola v.u.Apelação Cível 270573-1- Dracena - 1a Câmara de Direito Público)

Até os que defendem que o artigo 180, VII da CE afronta a autonomia municipal, não têm condição de sustentar que a simples desafetação LEGAL, seja suficiente para subtrair do loteamento registrado qualquer espaço exigido pelo artigo 4º,I, da Lei 6766/79. Mesmo porque, ainda assim, seria indispensável a desafetação de FATO, ou seja, que tenha havido irrefutável perda da destinação originária, demonstrada e provada exaustivamente.

Por isto que irregular não é tão somente o loteamento implantado com infração ao mencionado artigo 4º, inciso I, mas também aquele regularmente registrado e que vem a sofrer mutilação em suas áreas de uso comum do povo, por ato da própria autoridade administrativa municipal.

ABERTURA DE VIAS PÚBLICAS

Pela abertura de ruas, pode-se, também, burlar a lei do parcelamento do solo urbano, por ação da administração municipal. E com aparência de legalidade. Basta que o Município por desapropriação direta ou indireta, venha abrir vias públicas, até mesmo desnecessárias ou a pretexto de prolongamento do sistema viário, em considerável imóvel urbano particular, com o intuito velado de se entregar ao proprietário pequenas áreas líquidas, que vindo a ser desdobradas e mesmo submetidas a registro especial, terão as exigências mitigadas, em razão do tamanho e de legislação municipal, até mesmo com a dispensa de reserva dos espaços mencionados no artigo 4º, inciso I, da Lei 6766/79. E o que é pior, com a implantação das obras de infra estrutura a custa do Município, porque foi ele e no seu "interesse" quem abriu as ruas.

Com muita perspicácia observa o estudioso Promotor de Justiça MARCOS MENDES LYRA :

"Outra forma também usual e digna de atenção por seu potencial lesivo ao patrimônio público e ao desenvolvimento urbanístico, é a desapropriação para implantação de uma nova via pública, sem o concomitante parcelamento do solo.

A desapropriação para abertura de nova via pública está disciplinada pelo Decreto-Lei n. 3365/41, cujo artigo 5º, alínea i, estabelece tal fim entre aqueles considerados de utilidade pública.

A desapropriação do imóvel para implantação da via pública começa pelo decreto do chefe do executivo que o declara de utlidade pública para este fim. Embora o artigo 9º do Dec. Lei vede ao Judiciário apreciar no âmbito do processo de desapropriação a ocorrência ou não da utilidade pública, tal possibilidade existirá em outro processo, no qual tal questão será objeto de apreciação em via principal, e não incidental. Não se pode olvidar que o decreto desapropriatório é ato administrativo e como tal poderá ter seus requisitos de validade examinados por via de ação popular ou mesmo de ação civil pública.

Nos termos do artigo 2º da Lei n. 4717/65, são nulos os atos administrativos, nos casos de desvio de finalidade ou de motivação. Se o decreto municipal de desapropriação trouxer um vício de finalidade ou vício de motivação, poderá ser anulado.

Se a via a ser implantada não satisfaz nenhuma utilidade pública, pois não traz qualquer melhoria ao sistema viário efetivamente existente, não se insere em nenhum planejamento de tráfego ou trânsito nem tão pouco promove a ligação entre pontos importantes ou mesmo não será aberta em região onde se pretende incentivar a expansão da ocupação urbana prevista em plano direto, se, em síntese, não se vislumbra qualquer utilidade ou interesse público; há veementes indícios de que se trata de uma forma simulada de favorecer um interesse particular em detrimento da coletividade, tratando-se, pois, de uma situação em que há vício de motivação ou desvio de finalidade.(Parcelamento do solo urbano e o sistema viário, in "Temas de Direito Urbanístico "-Co-edição Ministério Público/Imprensa Oficial -São Paulo- págs. 227/8).

ÁREA DE RECREIO E ÁREA DE RESERVA FLORESTAL

A sobreposição de área de lazer à área de reserva florestal subtrai do loteamento, na origem, e com a aprovação da administração pública, sua área de recreio. Porque afirmar que a reserva florestal, intocável, pode ser utilizada como lazer é uma mentira muito grande, um engodo. O comprador escolhe e paga mais caro por um lote que na planta confronta com uma área de recreação e quando vai ao local percebe que foi enganado pelo próprio aprovador, encontrando uma vegetação inalterável. O ideal será a manutenção da reserva florestal,com destinação própria e outra para lazer.

JOSÉ CARLOS DE FREITAS, brilhante representante do Ministério Público e incansável defensor dos interesses urbanísticos, chama a atenção:

"Não menos importante é a RECREAÇÃO como função urbana. Nela se compreende o direito social ao lazer (Constituição Federal, art.6º), que se manifesta nas modalidades de lazer, que é a " entrega à ociosidade repousante", e de recreação ou a "entrega ao divertimento, ao esporte, ao brinquedo".

Sua finalidade é a de refazer as forças após o trabalho semanal em lugares apropriados, ora em locais tranqüilos, ora noutros dotados de equipamentos lúdicos, sempre em sítios vocacionados para o repouso, para a contemplação ou para os jogos e diversões, tais como os jardins, os parques, as praças de esportes, as praias e também áreas verdes.

É o complemento da vida urbana, para superar os desgastes do dia-a-dia na lida e no trânsito angustiante das cidades, que necessário refazer as forças depois da labuta semanal."( Dos interesses Metaindividuais Urbanísticos, in "Temas de Direito Urbanístico- Co-edição Ministério Público/Imprensa Oficial, São Paulo, 1999, pág.298)

FISCALIZAÇÃO

Nos desmembramentos, o Oficial Registrador, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da lei n. 6.766m de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial ( NSCGJSP, cap.XX,150.4).

Também vedará o registro de venda de frações ideais, com localização, numeração e metragem certa, ou de qualquer outra forma de instituição de condomínio ordinário que desatenda aos princípios da legislação civil, caracterizadores, de modo oblíquo e irregular, de loteamentos ou desmembramentos (NSCGJSP, cap.XX, 151).

O registrador observará, ainda, que os desmembramentos de terrenos situados em vias e logradouros públicos oficiais, integralmente urbanizados, ainda que aprovados pela Prefeitura Municipal, com expressa dispensa de o parcelador realizar quaisquer melhoramentos públicos, ficam, também, sujeitos ao registro especial do art. 18 da Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (NSCGJSP, cap. XX 150.2). Igualmente subordinado ao mesmo registro especial estará os desmembramentos de terrenos em que houver construção, ainda que comprovada por documento público adequado (150.3).

O registro de escrituras de doação de ruas, espaços livres e outras áreas destinadas a equipamentos urbanos, salvo quando o sejam para fins de alteração do alinhamento das vias públicas, mesmo que ocorrido anteriormente a 20 de dezembro de 1979, também não eximirá o proprietário doador de proceder, de futuro, o registro especial, obedecidas as formalidades legais ( NSCGJSP, cap.XX, 176).

Quanto à desafetação legal, que ingressa no registro imobiliário por averbação, não pode o registrador recusar a prática do ato. Em São Paulo há decisão normativa, no sentido de que o reconhecimento da inconstitucionalidade não pode, de maneira alguma, ser realizado no âmbito administrativo. A apreciação da compatibilidade entre normas legais e constitucionais está reservada para conhecimento do Poder Judiciário, enquanto realizado, abstrata ou concretamente, por meio concentrado ou difuso, o controle de constitucionalidade das leis, inviabilizando, em substituição, o advento de decisão administrativa, capaz, pela sua normatividade, de negar vigência a um texto legal (Processo 0002732/96 D.0. 23.01.1997).

Não pode o registrador recusar o registro de desapropriação de imóvel para a abertura de rua. Não lhe compete indagar se houve ou não conluio entre o particular e a municipalidade para escapar do registro de loteamento, com as conseqüências decorrentes. Nem instalar discussão acerca do mérito do procedimento administrativo relativo à abertura de rua, inquinada de irregular, no restrito âmbito de dúvida.

Conforme JOSÉ AFONSO DA SILVA, criam -se vias públicas: a- pela execução de plano de arruamento mediante parcelamento do solo em quadras por meio de abertura de vias de circulação; b- pela abertura de rua isolada em execução de obras de aplicação do sistema viário e c- pela oficialização de via particular. (Direito Urbanístico Brasileiro - Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p.250).

Em matéria registrária não se perquire, como regra, o aspecto intrínseco do documento que serve de suporte ao ato praticado, e sim a sua regularidade formal, pouco importando, portanto, o modo pelo qual a Municipalidade recebeu a via pública ( Apelação Cível 2492-0- Diadema - RT 577/114/115).

Quanto à transformação (no papel) da área de reserva florestal em sistema de lazer ou recreio de loteamento, estando aquela afetação averbada na respectiva matrícula, deverá o registrador, como profissional do direito, analisar se pode ou não manter a publicidade de dupla destinação. Entendendo que não, deverá recusar o registro do loteamento, suscitando dúvida, em cujo procedimento será ouvido o Ministério Público, não para questionar nesta sede a legalidade do ato administrativo, mas para avaliar se o Registro de Imóveis pode ou não dar publicidade de que uma área é, ao mesmo tempo, de reserva florestal pela averbação lançada na matrícula e de sistema de lazer pelo projeto de loteamento registrado.

MINISTÉRIO PÚBLICO, ASSOCIAÇÕES AMBIENTAIS E CIDADÃOS NA DEFESA JUDICIAL DAS PRAÇAS

Sob esse título, ensina o Mestre PAULO AFFONSO LEME MACHADO:

"A ação civil pública surgiu em 1985 e já mostrou que é um eficiente instrumento de prevenção e de reparação do dano ambiental. A Lei 7347, de 24.7.85 pressupõe - em cada cidade, um Ministério Público adestrado, não omisso , e livre de amarras frente aos interesses locais 'pequenos'. O Promotor de Justiça haverá de ser o guardião das praças e dos espaços livres de uma comunidade. O título de "Curador do Meio Ambiente" não pode ficar como ornamento, pois, o "Curador" tem sua origem no séc.XV como "pessoa que tem , por incumbência legal ou judicial, a função de zelar pelos bens e interesses dos que por si não possam fazer". Ora, o Promotor de Justiça intervém para defender as praças e espaços livres não porque os cidadãos não o possam fazer, mas pelo vulto do interesse social existente e, também, pela presença de forças poderosas trabalhando contra os bens de uso comum do povo. Para isso, é indispensável que o Ministério Público tenha claras garantias constitucionais.

As associações de defesa do ambiente e do patrimônio cultural passam a ter meio de agir perante o Poder Judiciário somente em 1985. Foi um notável avanço do nosso sistema processual, que não pode ficar inerte ou acumpliciada com a destruição ou a mutilação dos bens de uso comum do povo.Tendo a associação a finalidade genérica de proteger o ambiente ou atuar na sua proteção, não se pode negar à entidade o direito de propor ação em qualquer parte do território nacional. A lei não limita a capacidade postulatória das associações, entretanto seus estatutos poderão fazê-lo. A Lei 7347/85 prestigiou, pois, as associações, nelas enxergando um meio permanente e estruturado para a proteção dos interesses coletivos.

Aos cidadãos, isto é, os eleitores - no exercício de seus direitos políticos - poderão ingressar em juízo para defender as praças e os espaços livres. Como é sabido, na ação popular não se tem necessidade de provar a lesão de interesse individual prejudicado" . (DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO- 6ª edição- Malheiros Editores - pág. 321).

Seminário Internacional de Direito Urbanístico e Registral

São Paulo, 29 de fevereiro de 2000.

* João Baptista Galhardo é registradore notário, diretor do IRIB - Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.
 



Desnecessidade de Outorga Uxória na Aceitação de Doação Carlos Roberto Faleiros Diniz*


Em toda doação é imprescindível a indicação do estado civil do donatário, apesar de a aceitação não estar na dependência do regime matrimonial. No regime da legislação atual, entretanto, é perfeitamente possível à pessoa casada receber ou aceitar doação, sem qualquer assistência do cônjuge, até porque há acréscimo patrimonial.

No caso específico da mulher casada, antes do advento da Lei nº 4.121/62, ela não poderia, sendo herdeira, renunciar a herança ou aceitar doação, sem a outorga marital. Hoje, no entanto, com a nova redação que a sobredita lei deu aos artigos 242 e 248 do CC, pode a mulher aceitar ou repudiar a herança ou legado, sem autorização marital. Isso representou grande avanço nas conquistas da mulher casada, quanto aos seus direitos.

De acordo com Orlando Gomes, pode a mulher praticar todos os atos que a lei expressamente não lhe veda, podendo aceitar herança, tutela, curatela, mandato, litigar em juízo civil ou comercial (cf. Direito de Família. Forense. pág. 135. nº 86).

Quanto à doação, pode a mulher casada aceitá-la, independentemente de outorga marital, especialmente quando a doação vem acrescer o patrimônio do casal. Nesse último caso, a doação seria classificada como conjunta, aplicando-se os expressos termos do parágrafo único do art. 1.178 do CC, que dispõe: "Se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade, a doação para o cônjuge sobrevivo". Ocorrendo tal hipótese, é desnecessário o inventário, na falta de um dos cônjuges, pois o patrimônio passa todo ao cônjuge sobrevivo. Não há transmissão de bens a herdeiros (com esse entendimento: TJSP - AC 98.687-1 - 4ª C. - Rel. Des. Alves Braga - RJ 143/120).

Atenção especial deve ser dada a esse tipo de ato jurídico, especialmente à luz da Lei do Divórcio (Lei nº 6.515/77). Agostinho Alvim, em seu livro "Da doação" (ed. Saraiva. 3ª ed. 1980. p. 39), dilucida bem a questão, afirmando: "Quanto à mulher casada, nós entendíamos estar ela impedida de receber doação, sem autorização do marido.

"A proibição do art. 242, nº IV, só dizia respeito a heranças e legados. Mas, se a razão era a possível ofensa ao decoro da família, a doação, com sobra de motivo, teria que ser proibida, pois a herança ou legado supõe a morte de seu autor, enquanto que o doador permanece vivo.

"A analogia impunha-se.

"Hoje, porém, tendo sido suprida aquela proibição, pela Lei 4121 de 27 de agosto de 1962, e levando em conta, também, o espírito da Lei, pensamos que a mulher casada pode receber doações.

"A analogia perdeu o suporte em que se arrimava".

Mesmo que a doação seja onerosa, condicionada ou que se lhe imponha outras cláusulas e condições, ainda assim perdura a liberdade da mulher aceitar as doações, sem outorga marital, isto é, permanece íntegra a sua capacidade de receber a doação.

Confirmando a orientação seguida temos decisão inserta no Boletim Adcoas nº 32144, cuja ementa é a seguinte: "Doação-Mulher casada - Autorização do Marido. Depois do advento da Lei 4.121 de 1962, a mulher casada não está impedida de receber doação, sem autorização do marido" (TJ-SC, Ac. Unânime da 1ª Câm., de 12.09.1974 - Ap. Civ. 9.789 Florianópolis. Rel. Des. Ivo Sell - Aldory Nazareno Gaullois e sua mulher vs. Adelina Cunha Campos seu marido e outros).

Essa a interpretação mais correta da legislação reguladora da espécie, e adapta-se ao progresso jurídico, preconizando a isonomia entre o homem e a mulher (arts. 5º e 226, §5º, da Constituição Federal de 1988).

Assim, conclui-se que a mulher casada pode aceitar doações sem outorga uxória e em qualquer hipótese, ainda quando se tratar de doações onerosas, com cláusulas ou condições.

Dr. Carlos Roberto Faleiros Diniz é advogado.
 



Ceará terá que indenizar empresa por desapropriar área de utilidade pública


Decisão unânime da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça obriga o Estado do Ceará a pagar indenização por ter desapropriado área de utilidade pública em que foi criado Parque Ecológico do Cocó.

Há mais de cinqüenta anos, a empresa exercia atividade salineira num espaço de quase dois milhões de metros quadrados, próximos ao shopping center Iguatemi, em Fortaleza. Em agosto de 1990, houve a desapropriação, feita por uma autarquia e autorizada pelo então governador Tasso Jereissati. Após a invasão da área, foi construído e inaugurado o parque ecológico.

Perdendo a ação em primeiro grau, o Estado do Ceará apelou ao Tribunal de Justiça estadual, alegando não ser parte legítima no processo. O TJ/CE decidiu que cabe ao desapropriante proceder a indenização, mesmo que a desapropriação tenha sido efetivada por autarquia integrante da administração indireta.

O Estado do Ceará recorreu, então, ao STJ. Argumenta que a declaração de interesse social não tem o poder de desapropriar bens; apenas de autorizar os concessionários



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