BE295

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Estatuto da cidade
Alerta a registradores e notários
João Pedro Lamana Paiva, registrador


Novamente, tranqüilizo-me ao saber que a classe registral e notarial possui membros com a consciência e a capacidade de prestar, diuturnamente, sua colaboração para o desenvolvimento do Direito Notarial e Registral.

Refiro-me ao estimado colega Dr. Sérgio Jacomino, que, mais uma vez, através do Boletim Eletrônico número 281, de 12 de fevereiro de 2001, nos alerta sobre as possíveis futuras mudanças a serem introduzidas na sistemática Registral.

No mencionado Boletim, consta a redação final do Projeto de Lei nº 5.788, de 1990, referindo-se ao ESTATUTO DA CIDADE, que, se aprovado, irá introduzir institutos jurídicos novos no Direito Registral, além de sensíveis alterações na legislação em vigor, senão vejamos:

1. ESTATUTO DA CIDADE

O ESTATUTO DA CIDADE tem por finalidade estipular diretrizes para a execução da Política Urbana, de que tratam os artigos 182 e 183, da Constituição Federal, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

2. INOVAÇÕES

As inovações contidas no ESTATUTO consagrarão institutos que afetarão diretamente o Direito Registral/Notarial, tais como: a concessão de uso especial para fins de moradia e o direito de superfície, os quais deverão integrar a Lei 6.015/73, acrescentando novos itens de registro, no rol do artigo 167.

Também, O ESTATUTO DA CIDADE apresenta institutos que visam atender o princípio constitucional pelo qual a propriedade tem de atender a sua função social, refletindo, assim, no sistema registral, e são eles: o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; a usucapião especial de imóvel urbano; o direito de preempção; a outorga onerosa do direito de construir; as operações urbanas consorciadas; a transferência do direito de construir; e o consórcio imobiliário.

2.1. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA (art. 15 - art. 20).

A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia, prevista a partir do artigo 15 até o artigo 20 do ESTATUTO, prevê o seguinte: " Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados situada em imóvel público, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação à referida área ou edificação, desde que não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural".

Muito interessante o presente instituto, eis que assemelha-se ao instituto do usucapião. Como sabemos, o artigo 183, §3º, da CF, dispõe que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Desta forma, criou o legislador um instituto que viabiliza a disposição (concessão) de um bem público a um particular, sem que importe a perda da propriedade.

A constituição deste instituto dar-se-á através de registro do título competente, que poderá ser por termo administrativo, ou por sentença declaratória, ou ainda, por contrato, conforme prevê o artigo 56 do ESTATUTO, transcrito abaixo.

Cabe mencionar que a extinção deste instituto ocorrerá quando o concessionário der ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou sua família, ou quando o imóvel for remembrado, fazendo-se a devida averbação no Cartório competente (artigo 57 do ESTATUTO).

Particularidades do instituto:

a) A concessão de uso especial para fins de moradia poderá ser conferida de forma coletiva;

b) O direito à concessão é transferível por ato inter vivos ou causa mortis.

2.2. DIREITO DE SUPERFÍCIE (art. 21 - art. 24)

O artigo 21 do ESTATUTO dispõe o seguinte:

"ART. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis

§1º. O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística."

A constituição deste instituto também ocorrerá através do registro na matrícula do imóvel, conforme estabelece o artigo 56 do ESTATUTO, infra mencionado. Logicamente, quando ocorrer a extinção do direito de superfície, que poderá ser através do advento do termo ou pelo descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário, deverá ser procedida a competente averbação a margem do assento (artigo 57 do ESTATUTO).

Particularidades do instituto:

À primeira vista, o Direito de Superfície assemelha-se com o instituto da Locação. Todavia, em certos aspectos dele se distancia, senão vejamos:

a) A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa;

b) O direito de superfície poderá ser transferido a terceiros, obedecidos os termos do contrato;

c) Os seus direitos transmitem-se aos herdeiros do superficiário;

d) Extinto o direito de superfície, o proprietário não indenizará as benfeitorias e acessões introduzidas no imóvel, exceto quando houver previsão contratual que estipule o contrário.

2.3. PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO OU UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS (art. 5º e art. 6º).

O artigo 5º do ESTATUTO dispõe o seguinte:

"ART. 5º. Lei municipal específica para área incluída no Plano Diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação."

...

§2º. O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis."

Este instituto tem por escopo coibir o mau uso da propriedade urbana, ou seja, de fazer com que o proprietário de um imóvel, não edificado, sub-utilizado ou não utilizado promova sua utilização, de acordo com os princípios constitucionais que norteiam o direito de propriedade, previstos nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal e no artigo 2º do ESTATUTO DA CIDADE.

A notificação de que trata o §2º do artigo 5º e o artigo 57 do ESTATUTO, é uma novidade que será inserida na Lei 6.015/73, eis que deverá ser averbada na matrícula do imóvel sob o qual recai o gravame do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. Observa-se que, verificado o descumprimento das condições e prazos conferidos ao proprietário do imóvel, estará, também, sujeito a cobrança do IPTU progressivo no tempo.

2.4. DIREITO DE PREEMPÇÃO (art. 25 - art. 27)

O artigo 25 do ESTATUTO prevê o seguinte:

"ART. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

§ 1º. Lei municipal, baseada no Plano Diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência."

Desta forma, percebe-se que não serão todas e quaisquer alienações que ensejarão o direito de preempção ao Poder Público Municipal, mas tão-somente as estipuladas por Lei.

Tal instituto prevê ainda, que o proprietário interessado em alienar imóvel situado em área que incida o direito de preempção deverá notificar o Município para que, no prazo de trinta dias, demonstre seu interesse em comprá-lo. Tal notificação será acompanhada de proposta de compra assinada por terceiro interessado na aquisição do imóvel (artigo 27 do ESTATUTO).

Quanto a recepção do Direito de Preempção pelo Direito Registral, embora a não previsão por parte do legislador, pensamos sobre a conveniência de proceder a competente averbação nas matrículas dos imóveis situados nas áreas estabelecidas de interesse municipal, fundada nos Princípios da Publicidade e da Concentração.

2.5. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR (art. 28 - art. 31)

O artigo 28 do ESTATUTO dispõe o seguinte: "O Plano Diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário."

Pelo exposto acima, entende-se que a Administração Pública poderá autorizar uma determinada construção que venha a extrapolar os coeficientes de aproveitamento permitidos, uma vez que haja retribuição pecuniária pelo beneficiário.

2.6. TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR (art. 35)

Segundo análise do artigo 35 do ESTATUTO, ocorrerá a transferência do direito de construir quando um imóvel urbano, privado ou público, for considerado necessário para a implantação de equipamentos urbanos e comunitários; para sua preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural; quando servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. Nestes casos, o proprietário prejudicado poderá exercer seu direito em outro local, ou, ainda, alienar, mediante escritura pública.

Analisando o referido instituto, percebe-se que poderá haver um grande debate sobre o assunto, pois estará ocorrendo a transferência de um direito inerente ao de propriedade. Como a intenção deste trabalho é, tão-somente, informar as novidades que poderão afetar o Sistema Registral, não analisaremos o mérito desta questão, neste momento

Outrossim, considerando a possível subdivisão do direito de propriedade, ao ser alienado o direito de construção, pensamos ser inquestionável a recepção deste novo instituto no Folio Real, através de uma averbação.

2.7. OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA (art. 32 - art. 34)

Prevista no artigo 32 do ESTATUTO, é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

A princípio, não tem acesso ao Folio Real.

2.8. CONSÓRCIO IMOBILIÁRIO (Art. 46)

Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.

Assemelha-se ao que ocorre freqüentemente, entre particulares, através de Permuta por área construída ou por meio de compra e venda com reserva de fração(ões) ideal(is).

Desta forma, considera-se ato típico registral, com acesso ao Álbum Imobiliário.

3. ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO VIGENTE

3.1. DESAPROPRIAÇÃO COM PAGAMENTO EM TÍTULOS (art. 8º)

Como sabemos, a propriedade deve atender sua função social, desmerecendo proteção legal aquela que é sub-utilizada ou não utilizada. Por isso, o legislador está procurando criar artifícios para atingir o preceito constitucional, tal como os já referidos parcelamento, edificação ou utilização compulsórios.

A sanção para o descumprimento das condições e prazos estipulados por este novo instituto é a cobrança progressiva do IPTU, assim como já ocorre com o ITR. Quando da aplicação progressiva deste imposto, através do tempo, poderá ocorrer a desapropriação da propriedade pouco ou não utilizada.

Tal desapropriação está prevista no artigo 8º do ESTATUTO DA CIDADE, que prevê o seguinte: "Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública".

Procedida a desapropriação, está terá ingresso no Álbum Imobiliário, através de um Mandado Judicial (Carta de Desapropriação). O ESTATUTO não alterou em nada o ingresso deste instituto no Registro Imobiliário.

3.2. USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO (art. 9º - art. 14)

O artigo 9º do ESTATUTO DA CIDADE repete o que dispõe o artigo 183 da CF.

O artigo 10 do ESTATUTO introduziu a possibilidade de ser interposta a ação de usucapião coletivo, conforme segue: "As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural."

Também, os parágrafos do artigo 10 introduzem inovações a respeito do usucapião, uma vez que se originará, após a declaração do juiz, um condomínio especial, indivisível, não admitindo sua extinção.

Como se sabe, o título apto para registro no Cartório Imobiliário será o Mandado de Registro de Usucapião, fundado numa sentença declaratória.

4. DA GRATUIDADE REGISTRAL

Há uma perseguição, principalmente contra os Registradores, com referência a gratuidade dos Serviços, que aliás, são privativos (artigo 28, da Lei 8.935/94), de serem realizados gratuitamente, sem qualquer previsão de reembolso, conforme artigos 12 e 18 do ESTATUTO.

O parágrafo 2º do artigo 12 do ESTATUTO DA CIDADE dispõe o seguinte:

" ART. 12. .

...

2º. O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o Cartório de Registro de Imóveis."

Também, o 3º do artigo 18 do ESTATUTO, dispõe sobre a gratuidade do registro, que segue:

" ART. 18.

...

§ 3º. Aplicam-se à concessão de uso especial para fins de moradia, no que couber, as disposições estabelecidas nos artigos 11, 12 e 13."

Todavia, entendemos que tal benefício dar-se-á somente nos casos em que o autor requerer e o juiz conceder a gratuidade das custas processuais, que será extensiva até a perfectibilização dos fins buscados pelo processo, que é o registro da propriedade ou do direito em nome do autor.

Ademais, como a gratuidade será estipulada de acordo com os artigos 12 e 18, que se referem ao usucapião e à concessão de uso especial para fins de moradia, acredita-se que não será extensiva aos demais institutos.

5. SUPRESSÃO DE ATO NOTARIAL

Infelizmente, mais uma vez o legislador inibiu a forma pública aos atos decorrentes da concessão de direito real de uso de imóveis públicos, ao estabelecer no artigo 48, I, do ESTATUTO DA CIDADE, outra inaplicabilidade do inciso II, do artigo 134, do Código Civil Brasileiro.

6. ALTERAÇÕES NA LEI 6.015/73

Os artigos 56 e 57 do ESTATUTO, quando aprovado, alterarão o artigo 167 da Lei 6.015/73. O primeiro, alterará o inciso I do referido artigo, inserindo três novas possibilidades de registro. O segundo, acrescentará três novas modalidades de averbação ao inciso II do artigo 167.

"ART. 56. O art. 167, inciso I, da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 36-A, 36-B e 36-C:

"ART. 167. ...

I - o registro:

...

36-A) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da concessão de uso especial para fins de moradia, independente da regularização do parcelamento do solo ou da edificação;

36-B) do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público, independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação;

36-C) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano."

"ART. 57. O art. 167, inciso II, da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispões sobre os registros públicos e dá outras providências, passa a vigorar acrescido dos seguintes itens 17-A, 17-B e 17-C:

"ART. 167. ...

...

II - a averbação:

...

17-A) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios de imóvel urbano;

17-B) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia;

17-C) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano."

Por derradeiro, cabe fazer uma ressalva às expressões inseridas pelo artigo 56, nos itens 36-A e 36-B, ao mencionarem "independente da regularidade do parcelamento do solo ou da edificação". Tal expressão é uma afronta aos princípios registrais, pois se estará oportunizando o acesso de títulos irregulares na Serventia Registral Imobiliária. Observa-se que tal abertura, refere-se a institutos que envolvem imóveis públicos, os quais "deveríam" servir de exemplo para os particulares.

Fazendo destas algumas considerações às inovações que estão sendo discutidas pelo Congresso Nacional, que em breve poderão estar repercutindo nas Atividades Notarial e Registral, submeto ao conhecimento e reflexão de todos.

Sapucaia do Sul, 15 de março de 2001.
 

 



Brasil não tem normas e leis de testamento vivo
Paulo Roberto G. Ferreira, notário em São Paulo.


O músico sai para passear. Voa com a mulher no aeroplano ultraleve, como era hábito. Um problema mecânico, uma falha humana, não sabemos, um capricho ou a regularidade do destino: o ultraleve cai, mata a esposa, deixa o músico sem domínio dos sentidos e da vontade própria.

Herbert Vianna, músico do grupo Paralamas do Sucesso, está há dias numa cama de hospital. Sua saúde dá sinais otimistas de recuperação. Ele quase perdeu esta luta.

Como ele, infelizmente, milhares de pessoas, todos os anos, submetem-se aos desígnios do destino, seja por acidentes ou pela debilitação gradativa da saúde. Muitos, porém, não têm a mesma sorte do músico. Inconscientes, ou em estado de coma, não são hábeis para manifestar a vontade. Uma vida, suas ramificações de relações e direitos e deveres, bens, negócios, planos, tudo fica em suspenso.

Os atuais avanços da medicina possibilitam uma vida melhor e mais longa, mas, por outro lado, os pacientes são confrontados com doenças, tratamentos e estados terminais de vida mais prolongados.

Nestes períodos, a vontade da pessoa submetida a tratamento, quanto à sua própria vida e saúde, é substituída pelas decisões técnicas médicas. Quando estes profissionais confrontam-se com algum dilema moral ou ético, consultam a família. O paciente já não tem voz e vontade.

O testamento vivo é um documento com as decisões de uma pessoa a respeito de seu tratamento médico e seus eventuais efeitos para valer na oportunidade em que esta pessoa não possa mais manifestar a vontade (cf. A. Santosuosso, "A proposito di living will" e "di advance directives: note pre il dibattito, in Politica del diritto, março de 1990, 477-497). Eu penso que se possa prever mais, possibilitando ao doente ou mesmo qualquer pessoa que, sadia, deseje prevenir-se quanto às fatalidades, dispor sobre seu tratamento, sobre relações familiares e a continuidade de seus negócios, inclusive no tocante ao patrimônio. Leis a respeito já existem em países como Estados Unidos, Canadá e Dinamarca.

O testamento vivo é uma forma de "auto-determinação preventiva", ou seja, ato de manifestação da vontade em caso de possível e futura incapacidade. É direito individual que se pretende garantir ainda com superveniente alteração da capacidade civil.

No Brasil não há norma a respeito. Sequer temos projeto de lei proposto, como já ocorre, por exemplo, com a Itália. Na falta da lei, vou buscar no ordenamento atual bases para este direito.

Como se sabe, em nossa lei, testamento é o ato revogável pelo qual a pessoa dispõe do seu patrimônio para depois de sua morte (art. 1626 CC). Além das disposições patrimoniais, o testamento pode conter o reconhecimento da filiação. Não há, portanto, no direito pátrio, testamento para valer em vida.

Quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses, teremos o mandato, previsto no art. 1288 CC. Não poderíamos tratar este novo ato como mandato porque este pode ser extinto quando operada a interdição de uma das partes, neste caso, o mandante (art. 1316, inc. II, CC), o que, se pleiteado e deferido judicialmente, inviabilizaria a vontade daquele que manifestou o desejo no testamento vivo.

Há também outra espécie de contrato prevista no Código Civil que tem características similares ao testamento vivo: é a gestão de negócios (art. 1331 CC). Ocorre que, neste contrato, o gestor age exclusivamente para tratar dos negócios, caso em que não poderia tomar, então, decisões sobre tratamentos médicos e até questões familiares. Além disso, o Código prevê que a gestão de negócios só ocorre quando não há autorização do interessado - bem ao inverso do que se propõe -, o que provoca insegurança jurídica para o gestor e para aqueles com quem age ou negocia.

A Constituição Brasileira tem princípios basilares que anteparam o testamento vivo. O direito à vida (art. 5º, caput), à liberdade de ação e princípio da legalidade, consubstanciados na máxima "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5º, inc. II), à liberdade de pensamento (art. 5º, inc. IV), o direito à integridade física (art. 5º, inc. III) e, finalmente, o direito à liberdade de crença e religião (art. 5º, inc. VI). Todos estes princípios e direitos fundamentam a possibilidade de alguém precaver-se e antecipar decisões a respeito de sua saúde, vida privada e seus negócios através do testamento vivo.

O artigo 129 do Código Civil, princípio da ampla liberdade da forma dos atos jurídicos prevê que a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir, reportando-se esta previsão ao artigo 82. Este artigo exige, para validade do ato jurídico agente capaz, objeto lícito e forma prevista ou não proibida pela lei.

O direito individual de decidir sobre a saúde, a vida, o patrimônio e questões de família não pode ser limitado pela impossibilidade superveniente de manifestar a vontade se esta já foi expressa por ato unilateral. Nem, tampouco, este ato poderá ser afastado por uma posterior incapacidade. Apesar de inexistir previsão de um ato ou contrato com estas características no Código Civil, os princípios constitucionais e gerais do Direito impõem que se respeite as decisões de uma pessoa feitas para valerem em caso da superveniente incapacidade de confirmá-las.

Evidentemente, certas decisões podem vir a ser exigidas que não previstas no ato declaratório. Contudo, o "testador vivo" poderá, prevendo-as, indicar linhas gerais da sua vontade ou nomear alguém de sua confiança para decidir por si.

Parece-me possível, a vista destas normas, que alguém faça o testamento vivo, restando enfrentar a resistência daqueles avessos à novidades. A tradição, os costumes, mais que fontes ativas do Direito são forças conservadoras e oponentes da evolução.

Devido à sua natureza, ato unilateral tendente a manifestar vontade para produzir efeito quando a pessoa não tiver mais capacidade de manifestá-la, e também pela relevância dos direitos em jogo - a saúde, a vida, o patrimônio, a família -, creio que uma futura proposta legislativa deve exigir a formalidade prevista no artigo 134 do Código Civil, deixando aos notários a tarefa de lavrarem estes atos.

É importante para a sociedade e para as pessoas interessadas que decisões tão importantes tenham a máxima segurança, sendo respeitadas e inquestionadas judicialmente. O notário, como agente do Estado a serviço da jurisdição privada, profissional que orienta com imparcialidade e evita falsidades e disposições contrárias à lei, atenderia este requisito. Ademais, os atos formalizados por escritura pública têm pleno valor probatório e força executiva, sem qualquer outra formalidade, o que acelera e barateia o custo da Justiça. Finalmente, outra vantagem é que os documentos ficam conservados em segurança, com possibilidade de fácil e fiel reprodução futura.

Adotado o testamento vivo, teríamos, no Brasil, nova e importante garantia da eficácia de direitos individuais como a vida, a saúde, a religião e as convicções morais, as relações familiares, o patrimônio. Os desígnios de Deus, ou da Natureza, como queira, terão o contrapeso de nossa humanidade. (Gazeta Mercantil, 14/2/2001; Paulo Roberto G. Ferreira é 26º Tabelião de Notas de São Paulo é diretor da Anoreg, Associação do Notários e Registradores)
 



Títulos no protesto - movimento em retração.
Cláudio Marçal Freire, tabelião de protesto


Levantamento feito pelo Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil - IEPTB, dá conta de que houve queda no movimento de títulos encaminhados a protesto na Capital de São Paulo próxima dos 50%.

A média diária apurada no último mês de fevereiro foi de 729 títulos apresentados para cada cartório de protesto da Capital. Em exercícios anteriores, tal média situou-se em números muito mais elevados, em relação aos quais verificou-se as reduções, conforme o quadro abaixo:

fevereiro de 1979       fevereiro de 1982       fevereiro de 1987       fevereiro de 1992       fevereiro de 1997

1.018   1.338   796      794      1.377

-28,38%          -45,51%          -8,41%            -8,18%            -47,05%

(23 anos)         (20 anos)         (15 anos)         (10 anos)         (5 anos)

Mesmo em relação ao movimento de títulos de há mais de 23 anos, fevereiro de 1979, exercício seguinte ao da instalação do distribuidor, que ocorreu em abril de 1978, e quando já existiam dez cartórios de protesto na Capital, constatou-se queda, embora em menor escala (- 28,38%) do movimento atual de títulos apresentados a protesto, diariamente, a cada cartório.

O quadro abaixo é ilustrativo das médias diárias de títulos encaminhados a protesto desde fevereiro de 1979, no qual verifica-se que a média de fevereiro passado, ainda é menor que a apurada em fevereiro de 1979, portanto de mais de 23 anos.

fev/79= 1018 fev/80= 1347 fev/81= 1416 fev/82= 1338

fev/83= 1683 fev/84= 1585 fev/85= 1321 fev/86= 985

fev/87= 796    fev/88= 908    fev/89= 802    fev/90= 485

fev/91= 975    fev/92= 794    fev/93= 617    fev/94= 783

fev/95= 1019 fev/96= 1424 fev/97= 1377 fev/98= 1438

fev/99= 1145 fev/00= 796    fev/01= 729   

A diminuição do movimento de títulos no protesto também é verificada, quando se compara a média diária do movimento dos últimos 12 meses, com igual período de exercícios anteriores, a saber:

DEMONSTRATIVO DO MOVIMENTO MÉDIO DIÁRIO DE TÍTULOS

            mar/81 a fev/82          mar/91 a fev/92          mar/96 a fev/97          mar/00 a fev/01

março 1504    758      1391    860

abril     1560    845      1446    809

maio    1529    939      1393    853

junho   1391    1003    1395    824

julho    1280    1034    1271    804

agosto             1287    1030    1297    751

setembro        1280    1067    1243    811

outubro           1505    1314    1470    841

novembro       1398    1493    1330    962

dezembro        1414    1432    1448    814

janeiro             1500    1316    1554    1016

fevereiro          1338    794      1377    729

Causas prováveis:

A exigência de maior rigor na recepção de títulos a protesto pode ter ocasionado a canalização dos mesmos para outras formas não oficiais de cobrança não previstas em lei.

Outra causa, certamente, pode ser decorrente da utilização do expediente de formação de cadastros negativos de devedores, por parte das entidades representantes do comércio e das instituições financeiras, sem prévio protesto do título, baseados simplesmente na comunicação prévia do consumidor (§ 2º, do art. 43, do Código de Defesa do Consumidor.

Comentários e conclusões:

Quanto à primeira observação, de fato, ela é decorrente de que deve o tabelião de protesto, ater-se aos ditames legais e normativos, no exame e qualificação do título. Fato de extrema importância para o credor e para o devedor, que traduz na atuação e imparcial do tabelião do protesto, a tranqüilidade, segurança e certeza da legalidade da cobrança do título.

Em relação à segunda citação, deve o consumidor ser conscientizado que após a edição do Código de Defesa do Consumidor, foi editada nova legislação que disciplina a prestação de informações de cadastros negativos de devedores. Trata-se do artigo 29, § 2º da Lei nº 9492 de 10 de setembro de 1997, com a alteração dada pelo art. 40 da Lei nº 9841, de 05 de outubro de 1999, que estabelece: "Dos cadastros ou bancos de dados das entidades representativas da indústria, comércio e das que se destinem ao controle do crédito, somente poderão ser prestadas informações restritivas de crédito, oriundas de títulos ou documentos de dívidas regularmente protestados, cujos registros não foram cancelados".

Portanto, além do disposto no parágrafo anterior, e face também ao fato da nova legislação considerar ser o protesto o ato formal e solene que comprova a inadimplência ou o descumprimento da obrigação, contida em títulos ou documentos de dívida, a publicidade ou divulgação de débitos com finalidades de restritivas de crédito deve ser evitada, salvo se decorrente dessa comprovação pública e legal, que é caracterizada pelo protesto.

* Claudio Marçal Freire, é 3º tabelião de protesto de títulos da Capital, membro do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos de São Paulo - ESPT-SP, Secretário Geral do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil - IEPTB, Diretor de Protesto das Associações de Notários e Registradores de São Paulo e do Brasil - ANOREG-SP e ANOREG-BR.



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