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Lei 10.267/2001 - a regulamentação esperada - Sérgio Jacomino


O debate está instaurado no País. A aplicação da Lei 10.267/2001 encontra hoje os mais sérios obstáculos para se concretizar. Não existe ainda, no âmbito do INCRA, infra-estrutura para prestação de informações precisas a todos os registradores prediais brasileiros nem tampouco normas técnicas editadas para homologação dos profissionais que prestarão os serviços credenciados no órgão do Governo Federal. As dúvidas assaltam ambas as categorias profissionais.

Tamanha é a perplexidade dos registradores brasileiros que nem mesmo a Portaria 21, de 8 de fevereiro de 2002, que aprovou a Instrução Especial INCRA 2/2002, ajuda-os na complexa operação que a Lei 10.267/2001 demanda para o levantamento georreferenciado ali previsto.

Muitos registradores estão, pura e simplesmente, deixando de praticar todo e qualquer ato que envolva alienação de bens imóveis exigindo antecedentemente o levantamento preconizado no artigo § 4o do art. 176 da Lei 6.015/73, com a redação que lhe deu a novel lei. Socorrem-se das Unidades Municipais de Cadastramento - UMC, localizadas nas Prefeituras Municipais e não logram obter quaisquer informações.

Para procurar obter informações mais precisas, o Irib, juntamente com a AnoregBR, por seus representantes, estarão reunidos na manhã de sexta-feira (29), às 10h., na sede do INCRA em Brasília, com os membros da Grupo de Trabalho instituído pela Portaria/MDA/n.º 223, de 27 de setembro de 2001, com a incumbência de apresentar uma proposta de regulamentação da Lei n.º 10.267/2001, perseguindo a definição da minuta do decreto regulamentador e buscando maior clareza e definição para aplicação da Lei.

A suspensão dos registros de imóveis rurais é fato da maior gravidade, por embaraçar a plena disponibilidade dos bens, interferindo danosamente no tráfico jurídico imobiliário.


A aplicação da Lei 10.267/2001 é imediata?

Até o advento da Portaria 21, de 8 de fevereiro de 2002, muitos registradores apoiavam-se na necessidade de regulamentação do artigo 176, parágrafo 3 da LRP. no tocante à precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, para plena eficácia da norma sob comento. Com isso admitiam o curso do registro dos imóveis rurais, desde que conforme o registro anterior. 

Após a Portaria Ministerial, fixada a tal precisão posicional ("50 cm, ou melhor" - na dicção de seu art. 2) alguns passaram a sustentar que a Lei deveria desde logo ser aplicada, sem maiores considerações. 

Mas a portaria teria o alcance que alguns admitem? 

Recordemos que a portaria é exteriorização de um ato administrativo. São orientações gerais ou específicas baixadas pelas autoridades de qualquer escalão de comando (inferiores ao chefe do executivo) que têm como destinatários os respectivos subordinados. Não se prestam, em boa doutrina, a alcançar ou obrigar particulares. 

Nesse diapasão, a Portaria ou a Instrução Especial (normas gerais de caráter interno que vinculam seus subordinados ao particular modo de atuação em relação a dada atividade) não têm a virtude de alcançar e obrigar os serviços delegados de notas e de registro. 

É nesse sentido que se entende que a Portaria 21, de 8 de fevereiro de 2002e sua Instrução Especial deveriam voltar-se para a comunidade interna do INCRA, sem qualquer extrapolação para a criação de encargos ou obrigações para aqueles que não se achem estritamente sob o comando da autoridade regulamentadora. O exemplo do item 3 do Roteiro Provisória é bastante eloqüente, ao criar atribuições para o registrador predial e notário, responsabilidades que além de tudo o registrador não está habilitado para assumir. 

De qualquer forma a iniciativa do INCRA está a demonstrar a boa-vontade para solucionar o impasse com o advento da Lei e quando baixa uma Instrução Especial Provisória seguramente está buscando forma de articular-se com os registros prediais e notariais para alcançar a plena eficácia da Lei.

Feitas essas considerações sobre esse ato administrativo, é preciso apontar alguns problemas a serem superados para a harmoniosa aplicação da Lei.

O mais importante, quiçá, é a necessidade de se formar e aparelhar a comunidade técnica que vai operar o sistema - desde o registrador, numa ponta, até o agrimensor ou cartógrafo que vai apurar em campo tais coordenadas geodésicas das parcelas, passando pelos órgãos envolvidos no complexo procedimento.

Sabiamente a Lei consagrou um interregno para que a habilitação de todos os envolvidos se desse sem tumultos e violência ao direito dominial dos cidadãos. 

Trata-se da redação do § 4o do art. 176 da LRP.

A identificação dos imóveis, de que trata o § 3o do art. 176 da LRP, segundo o § 4o do mesmo artigo dar-se-á nos prazos fixados por ato do Poder Executivo. Confira-se a redação: "A identificação de que trata o § 3o tornar-se-á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo".

Ora, a que prazos estará se referindo a Lei? Prazo para a consecução do registro? Prazo para o profissional encarregado do georreferenciamento ultimar seus levantamentos? Ou prazo para a plena vigência e eficácia da obrigatoriedade da identificação do § 3? Prazos, assim no plural, denota processos complexos e interdependentes. 

Vejamos alguns prazos. O prazo para consecução do registro está previsto em outro dispositivo da Lei 6015/73 (art. 188 e ss.). Evidentemente não se está cuidando, aqui, do prazo para esgotamento do iter registral.  Tampouco parece razoável que a Lei remeta para o regulamento a fixação de prazo para o completamento do levantamento técnico.

Resta-nos apreciar uma hipótese bastante razoável: os prazos contemplam uma necessidade imperiosa de se formar a infra-estrutura necessária para o cabal cumprimento da lei - seja no que toca aos registros prediais, seja no que respeita aos profissionais que vão atuar na área, seja mesmo para o próprio INCRA, que deverá criar uma rede bem informada de suporte técnico, ramificando capilarmente as decisões tomadas na sua direção.


Propostas do IRIB

Parece haver no INCRA, segundo nos informou o colega Henrique Dalmolin (SP), boa receptividade às propostas que o Instituto apresentou ao órgão, consistente na crítica formulada à redação da minuta do Decreto e encaminhada ao Grupo de Trabalho encarregado de sua redação. Esta peça será publicada na edição deste boletim # 446 para conhecimento dos nossos leitores.

Na próxima sexta-feira estaremos reiterando nossa disposição para alcançar uma harmoniosa aplicação da Lei 10.267/2001, envidando todos os esforços para superar os conflitos e divergências que ainda se apresentam na correta interpretação daquele dispositivo legal. Principalmente para discutir e incentivar a edição do decreto regulamentador.
 



Perspectivas para a correta aplicação da Lei Federal 10.267/2001 - Jürgen Philips


Universidade Federal de Santa Catarina / Florianópolis
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Este comentário trata do novo 'Sistema Público de Registro de Terras', desde o ponto de vista técnico-geodésico e do cadastro dos bens imobiliários. Dessa perspectiva observa-se uma fundamental mudança na definição técnica do imóvel rural.  

1. Métodos clássicos de levantamento

Para o registro de uma unidade territorial (lote, gleba, parcela) nos registros públicos exige-se um levantamento técnico, realizado por um profissional com habilitação e qualificação adequadas. Ele geralmente levanta a área em questão usando as técnicas da topografia clássica, que são o poligonal e o levantamento polar. O contorno do objeto é descrito através de uma seqüência de pontos (polígono), geometricamente descritos por azimute (ou rumo) e a distância entre dois pontos. Não há nenhum rigor técnico sobre o encaixamento da medição na geometria das propriedades vizinhas, nem normas técnicas para a homogeneização destas medições.

A conseqüência é a total inconsistência das medições com dupla (ou múltipla) definição de cada ponto limite entre duas propriedades. Em vez de um limite entre duas propriedades, temos dois, ficando ainda duvidoso qual deles seria olegalmente correto. O princípio da especialidade da Lei de Registros Públicos, desta maneira, não é atendido com o necessário rigor.

A causa desta precariedade é uma prática de levantamento e de registro cadastral, que não acompanhou o progresso instrumental e de métodos que houve nas últimas décadas. Principalmente, a tendência geral de digitalização de todas as informações deve ter sua conseqüência na substituição da documentação geométrica dos limites de propriedades pelas coordenadas dos pontos limites. Estas coordenadas, determinadas em relação a uma rede geodésica de referência, dentro de um definido rigor de precisão, servirão para descrever o limite legal entre duas propriedades, cálculo de áreas, levantamento das demais feições, locação de prédios, desenho da carta cadastral, entre muitos outros produtos georreferenciados ou da gestão territorial.

O "Cadastro de rumos e distâncias" está ultrapassado há muito tempo e deve ser substituído, de preferência, por um "Cadastro de Coordenadas", que pode servir como um Sistema Básico de Informações Territoriais para todos os outros cadastros temáticos e demais registros territoriais.

Devido a sua importância fundamental como dado técnico e referência legal, as regras para a criação, o registro, a manipulação e o uso da coordenada devem ser definidos da melhor forma possível. O ideal, e adequado, seria sua implementação a partir de uma Lei de Cadastro, acompanhada por normas ou instruções técnicas destinadas a proteger seus valores com "fé pública" contra qualquer tipo de manipulação.

O levantamento de pontos e feições da superfície da Terra com os seus atributos é a principal tarefa das ciências geodésicas, desde os antigos gregos, redefinido por Helmert [1] através da precisa e simples fórmula: a Geodésia é a Ciência e Tecnologia do Levantamento e da Representação da Superfície da Terra.

Divide-se a geodésia entre o levantamento e a representação da superfície da Terra em grandes (geodésia superior = definição da figura da Terra) e pequenas partes (geodésia inferior ou topografia = medição de lotes, glebas, etc. ...).

Já antes dos gregos, na Mesopotâmia, ou provavelmente já na Índia, nasceu o "princípio geodésico de vizinhança", em forma do método de criar primeiro um esqueleto genérico para amarrar as medições dos detalhes a um outro tipo de levantamento, ainda mais genérico. Até hoje, usando laser, microondas e satélites, este velho método de hierarquia nos garante, em grande parte, a homogeneidade dos dados dos nossos levantamentos. O "ajustamento", com a sua teoria de erros, nos ajuda a controlar ainda melhor esta homogeneidade. A pura medição com os equipamentos modernos é cada vez mais confortável e simples. O grande desafio profissional dos engenheiros das ciências geodésicas, agrimensores ou cartógrafos, é modelar as medições e os dados, com a garantia de um máximo de homogeneidade.

Este princípio, de medir hierarquicamente, do "grande" para o "pequeno", é usado há muitos séculos e graças a sua aplicação temos vários países que estão usando, até hoje, os levantamentos feitos em épocas em que não se conhecia nem distanciômetros nem GPS. Vários países, que adotaram o Cadastro Napoleônico, usam a documentação sobre o levantamento daquela época, para ainda hoje reencontrar as demarcações dos limites das propriedades. À base de uma rede de triangulação e poligonação (métodos hoje substituídos pelos de satélite de navegação, GPS), criando assim uma referência geométrica de boa densidade, usa-se, até hoje, três métodos fundamentais ou "clássicos". Estes são:

- o método de alinhamento,

- o método ortogonal e

- o método polar.


1.1. Método de alinhamento

O mais perfeito levantamento, no sentido da homogeneidade, é o alinhamento. Cada novo ponto "i " é determinado em linha reta entre dois pontos, 1 e 2, já determinados, e com coordenadas calculadas. As coordenadas do novo ponto calcula-se em forma de uma "interpolação linear" do novo ponto entre dois pontos com coordenadas conhecidas:

""

com

""

onde si é a distância entre o início da linha no ponto 1 e o novo ponto (i), e S a distância total entre os extremos da linha.


1.2. Método ortogonal

No caso, em que o novo ponto i não se encontra alinhado entre os pontos 1 e 2 de uma linha, estende-se a fórmula do alinhamento, do cap.1.1, incluindo assim o afastamento ortogonal k do novo ponto da mesma linha:

""

Nos dois casos, no método de alinhamento ou ortogonal, o resultado do levantamento são "as coordenadas" dos novos pontos, interpolados entre pontos com coordenadas já determinadas. Devido a esta "interpolação" consegue-se distribuir eventuais erros, ou "tensões geométricas", nas coordenadas entre os pontos 1 e 2, que definem a linha.


1.3. Método polar

""

Para o levantamento de um ponto, aplicando-se o método polar, usa-se como elemento definidor de um novo ponto a distância orientada, que parte de uma estação E com coordenadas conhecidas. As coordenadas do ponto i serão calculadas usando-se as fórmulas:

""

onde t é o azimute e d a distância da estação para o novo ponto.

Este método é o maior responsável pela falta de homogeneidade entre as coordenadas de uma área. O método é superior em rapidez, mas inferior em qualidade, no sentido da teoria de erros e em relação aos outros métodos clássicos de levantamento. Sua aplicação não se recomenda sem um pós-processamento em forma de um rigoroso ajustamento de todas as medições no contorno dos pontos levantados.

""


2. Métodos modernos

O resultado final do levantamento, aplicando-se qualquer um destes três métodos clássicos, são sempre as "coordenadas" de pontos. Hoje, graças ao progresso tecnológico geral, estão disponíveis mais alguns métodos, que também fornecem, direta ou indiretamente, coordenadas dos pontos levantados.

Na fotogrametria, seja ela analítica ou digital, determinamos, através de uma série de transformações espaciais de cálculos de orientação interna, externa e absoluta, finalmente, as coordenadas dos pontos.

No posicionamento por satélite (GPS, GLONASS, ...) mede-se, na verdade, distâncias entre um receptor e alguns satélites que, diretamente ou por pós-processamento são corrigidas e transformadas às "coordenadas" dos pontos ao sistema desejado.

Até métodos futuros, que ainda estão em fase experimental, como, por exemplo, os sistemas inerciais, nos darão vetores de um movimento entre dois (ou mais) pontos, que determinam finalmente as "coordenadas" dos pontos.

Pode-se resumir, depois destas breves explicações dos métodos, duas tendências, que são:

1. Os elementos básicos do levantamento geodésico ou topográfico, que são as distâncias e os ângulos, perdem cada vez mais sua importância a favor das coordenadas.

2. O "original" dos produtos cartográficos é cada vez menos "gráfico" e cada vez mais "digital" a base de coordenadas para georreferenciar os "primitivos cartográficos", que são o ponto e a distância.

Estas tendências vão continuar até que se consiga uma completa digitalização dos processos desde o levantamento até o produto final que será um "arquivo de coordenadas cadastrais".

3. "Geo-referenciamento": sinônimo de "coordenadas".

A geodésia, segundo a definição de Helmert, está dividida entre as atividades de levantamento e de representação. Na primeira parte apresentamos os métodos clássicos de levantamento. Aqui continuamos com uma descrição dos métodos de representação. Esta representação, por sua vez, divide-se entre uma, que é mais numérica - s parâmetros da figura da Terra, redes de pontos de referência, Modelos Digitais de Terreno - e outra, gráfica, que é a cartografia.


3.1. A cartografia

A representação cartográfica encontra-se, atualmente, em uma fase de fundamental transição na direção de uma completa digitalização do processo de produção, não importando se o produto final for uma carta em papel ou um "mapa digital". O original do mapeamento está sendo substituído por um banco de dados de elementos gráficos, ou geométricos, referenciados ao espaço físico pela coordenada de pontos. Os resultados dos diversos tipos de levantamento, em forma de coordenadas, são modelados, junto com outras informações, ao "Modelo Digital Cartográfico". Esta modelagem não seria possível sem as coordenadas do georreferenciamento.


3.2. Modelos digitais de terreno

Um outro tipo de representação da superfície da Terra são os Modelos Digitais de Terreno (MDT), que permitem determinar a altura de qualquer ponto à base das suas coordenadas y, x, planimétricas.

Enquanto a engenharia, no Brasil, raramente usa estes MDTs, de maneira a criar Modelos Digitais de Projeto (MDP), este método ainda deve ser considerado como pouco explorado. O avanço da digitalização dos processos irá aumentar a importância dos MDTs - e com isto a importância das coordenadas.


3.3. Gerenciamento territorial

O gerenciamento de um território do tamanho e complexidade do Brasil não é mais viável sem a tecnologia contemporânea disponível, em primeiro lugar, usando-se o computador com sua capacidade gráfica, armazenamento de dados e velocidade das operações.


3.3.1. Sistemas de informações territoriais

Com a aplicação de sistemas de informações geográficas (SIG) para o gerenciamento das unidades territoriais a nível da propriedade (lotes, glebas, parcelas etc.) cresce também a necessidade de que os outros dados se associem ao Sistema de Informações Territoriais - SIT. Isto quer dizer que estes dados devem ser fornecidos em forma digital, em formato compatível com o do SIT, e que as informações sobre o espaço físico são "georreferenciadas", através das suas coordenadas, definidas sempre em relação ao mesmo e único sistema geral de referência.

Teodolito Óptico do século XIX


3.4. Cadastro de bens imobiliários

No Brasil, o "levantamento cadastral" não é um processo padronizado. Isto se deve ao simples fato de que, ao contrário dos outros idiomas de origem européia, em português o termo "cadastro" é sinônimo de "registro", em sentido geral, e não se associa este termo automaticamente aos cadastros de propriedades imobiliárias, como acontece nos idiomas espanhol, inglês, alemão, italiano etc. Até o "cadastro técnico" pode ser entendido como um registro territorial para as mais diversas finalidades - conseqüentemente com especificações diferenciadas para o levantamento. Aqui usamos como atributo (inoficial) para o cadastro os "bens imobiliários" para caracterizar que este cadastro tem como finalidade a documentação e a segurança legal à integridade geométrica da propriedade imobiliária. Desta forma, o Cadastro dá complementação ao Registro de Imóveis, que proporciona segurança jurídica aos direitos em propriedades territoriais.

Este aspecto legal do cadastro está ganhando algum peso, pelo menos para os imóveis rurais, através da nova Lei 10267, de 28 de agosto de 2001, que, entre outras alterações, dá maior atenção à definição legal do limite da propriedade (rural).

Entre outras alterações, as novas regras do art. 176 da Lei de Registros Públicos são as que mais vão mudar as regras para a parte métrica do cadastro.

O Registro de Imóveis integra os seguintes dados do CCIR (Código Cadastral do Imóvel Rural):

1. o código do imóvel será usado como chave para a interligação entre Cadastro e Registro;

2. os dados constantes do CCIR, que ainda devem ser definidos;

3. a denominação e as características, que também devem ser definidas;

4. as confrontações, que podem ser informadas através do código do imóvel das unidades vizinhas;

5. a localização do imóvel;

6. a área.

Com esta interligação temos, pela primeira vez, a segurança de identidade do imóvel entre os dois registros (Cadastro e Registro de Imóveis).

A exigência da "especialidade" da Lei de Registros Públicos agora é atendida em forma de uma nova qualidade. A mudança para a definição do limite legal é fundamental:

- Definições de limites, usando rumo (ou azimute) e distâncias não podem mais ser usadas para a descrição imobiliária. Agora apenas a coordenada é definidora.

- A partir de agora, para atender esta exigência da nova lei, o memorial descritivo deve conter um desenho (sem ou com escala), descrevendo graficamente o contorno da propriedade com os números de todos os pontos limites e uma lista das coordenadas destes pontos, obrigatoriamente ligadas ao "Sistema Geodésico Brasileiro".

Esta pequena mudança na regra de definição do limite de uma propriedade nos dá uma série de vantagens:

1. melhora a identificação do imóvel, descobre sobreposições de áreas nos títulos cujos limites são georreferenciados, evita ou dificulta fraudes de titulação dupla sobre o mesmo terreno;

2. define melhor e mais claramente a geometria do limite, sem definição "dupla", muitas vezes contraditória;

3. possibilita o referenciamento entre registros e mapas cadastrais e permite a localização do imóvel em outros produtos cartográficos;

4. facilita a interligação dos dados registrados com outros registros territoriais;

5. melhora a restauração de um limite perdido ou em disputa entre os vizinhos;

6. aperfeiçoa o cálculo da área e reduz a possibilidade de fraude em relação a este valor.

Em alguns pontos da Lei de Registros Públicos, na sua versão reformulada, ainda podemos encontrar alguns riscos para a consistência dos dados do registro. O ponto mais delicado é a denominação da área.

Esta área de um imóvel, com limite georreferenciado através de coordenadas, pode ser calculada usando-se a "Fórmula de área de Gauss":

""

A fórmula demonstra claramente que existe uma dependência direta, matematicamente definida, entre o valor da área e as coordenadas dos pontos limites. A alteração de um ou de vários pontos que limitam uma propriedade implica, então, automaticamente, uma alteração da área.

A conseqüência deste fato é que a responsabilidade sobre o valor da área deve ser do técnico, segundo o art. 176, §3º, da Lei 6.015/73 [2]. Caso contrário, encontraremos registros de coordenadas que raras vezes corresponderão à área calculada do mesmo imóvel segundo a fórmula de Gauss.

Segundo o art. 176, §1º, inciso II, item 3 da Lei 6.015/73:

A identificação do imóvel .. será feita com indicação .. da denominação e de suas características, confrontações, localização e área.

Seria de esperar que a partir de agora a responsabilidade sobre o valor métrico da área fosse do órgão legalmente responsável pelo Cadastro Rural, ou seja, do Incra.

Também não se conhecem ainda as normas técnicas que o Incra deve definir para regulamentar a nova forma de definição dos limites. Não sabemos o grau de rigor técnico com que os limites rurais futuramente serão definidos.

É preciso experiência com a aplicação do novo artigo, com as suas conseqüências técnicas para o levantamento, para estender esta norma também às áreas urbanas, para modelar, algum dia, aquele "Cadastro único", que representaria o território completo de cada município.

Este Cadastro único nos fornecerá a base técnica para criar um Sistema de Informações Territoriais de todo o município, para fins da rigorosa documentação de todas as unidades territoriais, para a aplicação administrativa das mais diversas instituições, públicas ou privadas, e também para fins técnicos.


4. "Agrimensura legal" agora é realidade?

"Fé pública" para as coordenadas? De que maneira esta fé pública altera a qualidade das coordenadas cadastrais? Aqui, neste contexto, a "Fé pública para coordenadas" deve ser entendida no seguinte sentido:

Assumem-se como verdadeiros os valores das coordenadas do registro cadastral até prova em contrário.

Esta "verdade" de um valor numérico, que é o resultado de observações e cálculos, tem um aspecto "legal" e outro "técnico". O aspecto legal, no caso da fé pública de um dado técnico como a coordenada, deve ser orientado pelo aspecto técnico. E aqui sabe-se, desde a criação da teoria de erros, inicializada por C. F. Gauss em 1795, que não existe um único valor para uma grandeza observada; ela varia dentro de certos limites que são expressos pelo "desvio padrão":

""

O próprio Gauss chamou este valor de "previsão média do erro". Espera-se, então, segundo a teoria de erros, que em 99,7% de qualquer uma de novas observações de uma mesma grandeza, o valor medido possa variar do valor médio em até 3 vezes. Praticamente todas as indicações de tolerâncias baseiam-se nesta relação e definem os "3 x" como valor máximo aceitável de alguma medição, em relação ao valor médio ou valor registrado da mesma grandeza.

Esta teoria aplicada às coordenadas "registradas" significa que, além do valor y, x ou E,N (em caso de coordenadas UTM) deve ser registrado, ou definido em normas, algum valor para a tolerância, baseado na precisão da medição do ponto e nas necessidades para as diversas aplicações. Qualquer resultado de medição posterior, dentro desta tolerância, deve ser considerado como correto ou "verdadeiro", tanto no sentido técnico da teoria de erros, como também no sentido legal.

Os valores das áreas de propriedades são derivadas diretas das coordenadas dos pontos limites. Esta área automaticamente seria, também, beneficiada da fé pública com a mesma proteção técnica e legal do seu valor. Se houvesse proteção por lei, dos valores das coordenadas, e com isto das áreas, a responsabilidade técnica sobre o valor da área poderia ser dada ao técnico habilitado, segundo o artigo 176 da Lei 6.015/73, alterado pela lei 10.267/2001 [3].


5. Conclusão

O georreferenciamento tem uma série de vantagens:

1. Todos os modernos métodos de levantamento (estação total, levantamento por satélite GPS, aerofotogrametria...) fornecem direta ou indiretamente as coordenadas de pontos.

2. Qualquer ponto perdido será re-demarcado com a mesma precisão da primeira definição, dentro de um ambiente de pontos vizinhos com coordenadas homogêneas.

3. Pode-se programar rotinas de detecção automática de sobreposição de superfícies.

4. O limite entre duas propriedades é definido uma única vez ao invés das duas do método até agora usado.

5. Todos os outros sistemas, que usam os resultados do levantamento como, por exemplo, a cartografia digital, trabalham com a coordenada para referenciar algum ponto no espaço territorial.

6. A propriedade é facilmente localizável em qualquer representação georreferenciada, como mapas e plantas, aerofotos, imagens de satélite etc.

7. Todos os dados secundários de uma figura geométrica (ângulos, distâncias) podem, facilmente, ser calculados através de coordenadas.

8. A área de uma superfície territorial é uma conseqüência matemática das coordenadas e não é mais um dado independente com fontes próprias de erros. A precisão da área depende unicamente da precisão das coordenadas. 


Bibliografia 

[1] Helmert, F.R.: Die mathematischen und physikalischen Theorien der höheren Geodäsie, 1ª parte. Leipzig 1880, 2ª parte. Leipzig 1884.

[2] Lei Nº 6.015, de 31 de dezembro 1973 (Lei de Registros Públicos): www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm

[3] Lei Nº 10.267, de 28 de Agosto de 2001. Altera dispositivos das Leis nºs 4.947, de 6 de abril de 1966, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 6.739, de 5 de dezembro de 1979, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e dá outras providências


Jürgen Philips é professor da Universidade Federal de Santa Catarina: [email protected]
 



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