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Os notários, registradores e o Fisco - Helenilson Cunha Pontes*
Tema dos mais importantes na atualidade, mas que infelizmente não vem sendo tratado com a devida relevância pela Doutrina do Direito Tributário, é aquele relativo ao crescimento das chamadas obrigações tributárias acessórias ou instrumentais, como a escrituração fiscal, a emissão de documentos fiscais especiais e a prestação de informações ao Fisco. Estas obrigações não raras vezes representam custos superiores àqueles relativos aos recolhimentos tributários, sobretudo porque sua existência e juridicidade independe inclusive da existência de tributo devido.
No louvável intuito de combater a evasão fiscal, o Fisco Federal vem criando uma teia de obrigações instrumentais que transferem aos indivíduos (contribuintes ou não) grande parte da tarefa de fiscalização que deveria, em princípio, ser desempenhada pelos agentes públicos encarregados de tal missão. O custo da fiscalização é sutilmente transferido aos agentes privados, sob o argumento de que a obrigação acessória independe da existência de tributo devido.
A Medida Provisória nº 16, publicada nos últimos dias de 2001, alberga explícita manifestação desta tendência. Tal regra “provisória” impõe aos serventuários da Justiça o dever de informar as operações imobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradas nos Cartórios de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos sob sua responsabilidade, mediante a apresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias (DOI), em meio magnético, nos termos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal.
Estabelece ainda a citada MP que os serventuários devem preencher uma DOI para cada operação imobiliária realizada e entregar o resultado de tal trabalho até o último dia do mês subseqüente ao da anotação, averbação, lavratura, matrícula ou registro. E mais: o descumprimento de tal dever gerará multa ao tabelião, que varia de 0,1% até 1% sobre o valor da operação imobiliária que deixar de ser informada.
A obrigação acessória criada por essa Medida Provisória, se não tiver seu alcance substancialmente reduzido pela regulamentação a ser expedida pela Receita Federal (o que às vezes acontece), padecerá a meu ver de flagrante inconstitucionalidade, pelo menos por duas razões.
Primeiro porque, embora o Código Tributário Nacional prescreva aos tabeliães o dever de informação fiscal (art. 197, I), subordina o cumprimento do mesmo à existência de intimação escrita, pela óbvia razão de que se pressupõe que a autoridade administrativa esteja desempenhando algum procedimento de fiscalização contra um determinado contribuinte e necessite de informações específicas acerca de operações imobiliárias realizadas pelo contribuinte fiscalizado.
A exigência de intimação escrita prevista no Código Tributário Nacional objetiva justamente permitir que os agentes fiscais possam obter apenas e tão somente a informação necessária ao procedimento de fiscalização por ela desempenhado, de modo a evitar que os Cartórios transformem-se em sucursais das delegacias de fiscalização, o que parece pretender a citada Medida Provisória.
Na medida em que a regra ora comentada dispõe em sentido contrário à norma do Código Tributário Nacional - lei complementar à qual a legislação ordinária deve obediência - ao substituir a intimação escrita pelo envio indiscriminado de informações ao Fisco, a referida norma padece de manifesta inconstitucionalidade.
Não bastasse tal razão, suficiente por si só para a pronúncia de inconstitucionalidade, a referida obrigação acessória desatende, a meu ver, o inafastável dever jurídico de razoabilidade que deve presidir a edição das leis, segundo Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Ora, a permanecer a citada obrigação acessória, os tabeliães deverão criar um setor informatizado de controle dentro dos Cartórios Públicos dedicado exclusivamente ao preenchimento de DOI’s a serem entregues mensalmente à Receita Federal, o que representa um ônus completamente desarrazoado diante dos objetivos que justificam o dever de informação que têm aqueles serventuários da Justiça.
Se o objetivo da regra é combater a evasão, melhor seria respeitar-se a norma do Código Tributário e continuar-se exigindo que os serventuários de Justiça, mediante intimação escrita, informem individualizada e pormenorizadamente apenas as operações imobiliárias realizadas por contribuintes submetidos a procedimentos de fiscalização.
Ademais, cabe perguntar qual a razoabilidade de se criar uma obrigação acessória de elevado custo operacional - o qual certamente será transferido aos cidadãos tomadores do serviço público - apenas para permitir que o Fisco possa guardar em seus arquivos uma quantidade enorme de informações relativas a operações imobiliárias realizadas inclusive por contribuintes sem qualquer problema com o Fisco Federal? Qual a utilidade e a necessidade de se ter este amontoado de informações “intra muros” da Receita Federal?
Se há vestígios de evasão, é importante e necessário que os agentes fiscais possam obter junto aos cartórios informações relevantes para o combate a tal distorção, o que não se pode é transformar os serventuários de Justiça em “longa manus” dos agentes fiscais, como pretende a citada regra provisória.
Se o Fisco Federal brasileiro realmente pretende se transformar em um “Big Brother”, conhecedor de todas as ações dos agentes econômicos, melhor seria, no caso específico ora comentado, exigir que todas as operações imobiliárias sejam realizadas não mais perante os Cartórios Públicos incumbidos de tal mister, mas diante dos guichês da Receita Federal.
A regra ora comentada é apenas mais uma manifestação do caráter arbitrário com que o Fisco brasileiro vem tratando a questão fiscal, o que justifica o clima de guerra existente na relação Fisco-contribuinte e que contribui para o sucessivo aumento do grau de evasão fiscal.
* Doutor em Direito pela USP. Publicado originalmente no jornal O Liberal on linecom o título Os tabeliães e o fisco - 16/1/2002.
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