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Lei 10.267/2001 - ainda o decreto regulamentador


No dia 22/5, a partir das 9 horas, esta Presidência estará reunida em Brasília (DF), a convite do Dep. Federal Sérgio Barros e o do Consultor Jurídico do MDA, Dr. Artur Vidigal de Oliveira, com vários representantes da comunidade acadêmica que vem lutando para consagrar, no texto do decreto regulamentador, uma precisão posicional para os levantamentos georreferenciados que atenda ao padrão técnico pela comunidade científica considerado como satisfatório. 

Por informação que me foi passada pelo Prof. MSc. Artur Caldas Brandão, da Universidade Federal da Bahia, graças às manifestações de apoio oriundas de várias partes do Brasil, através do Dep. Fed. Sérgio Barros, o texto do Decreto foi retirado da Casa Civil da Presidência, onde se achava para ser baixado pelo Sr. Presidente da República.

O encontro de amanhã será para tratar diretamente do tema que mobiliza a comunidade científica, conforme texto que abaixo reproduzimos.

A nossa presença se justifica em virtude das várias sugestões apresentadas pelo Irib e pela AnoregBR, aceitas e consagradas no texto da minuta, que deverão ser mantidas, apesar das restrições que vem sofrendo por parte de muitos técnicos. O acompanhamento escrupuloso da tramitação do projeto é de fundamental importância para o Instituto.

Aguarde aqui maiores informações na edição de quinta-feira.  


Decreto Regulamentador da Lei 10.267/2001

A precisão posicional no georreferenciamento dos imóveis rurais.
Artur Caldas Brandão*

Os membros da comunidade acadêmica e profissional comprometida com a qualidade dos trabalhos técnicos relacionados ao georreferenciamento dos imóveis rurais no âmbito da Lei 10.267/2001, manifestam-se favoravelmente no sentido de que no Art. 9o da minuta do Decreto de regulamentação da Lei 10.267 /2001, que se encontra na Casa Civil da Presidência da República para ser sancionada, a expressão "com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo expedido pelo INCRA." seja substituída por "com precisão posicional de 50cm ou melhor.", ficando o texto desse artigo como segue:

Art. 9º. A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3º do art. 225, da Lei n. 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica -ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional de 50cm ou melhor.

E por que defendemos isso?

Porque defendemos a discussão democrática

A regulamentação da Lei 10.267 / 2001 deve ser aprovada até 30/06/2002 através de um Decreto que foi elaborado por uma Comissão constituída por representantes de várias instituições. No que se refere à qualidade do georreferenciamento dos imóveis rurais, foi discutido e aprovado por essa Comissão uma precisão posicional de 50cm ou melhor, valor esse que foi amplamente divulgado. No entanto, no texto do Decreto que se encontra na Casa Civil da Presidência para ser sancionado, esse valor foi retirado para ser posteriormente regulamentado sem que houvesse consulta ou mesmo comunicação aos membros da referida Comissão. 

Porque defendemos a qualidade técnica

Pela primeira vez na história republicana brasileira, uma Lei identifica a necessidade de incluir as medições dos imóveis rurais com bases geodésicas como um parâmetro importante para um adequado gerenciamento territorial. Sem dúvida nenhuma, a Lei 10.267/2001 incorpora importantes elementos que poderão resultar no estabelecimento de um sistema de cadastro de imóveis rurais no Brasil com uma qualidade técnica a altura dos melhores existentes no mundo. No entanto, a não-inclusão no Decreto de regulamentação, do referido valor de precisão posicional do georreferenciamento dos imóveis rurais pode inviabilizar na prática a aplicação da Lei 10.267 / 2001, pois:

a) Não há garantias de se exigir qualidade nas medições dos imóveis rurais;

b) Uma normatização posterior pode adotar um valor de precisão posicional que não atenda ao princípio de especialidade exigido pelo registro imobiliário brasileiro;

c) Uma normatização posterior pode até mesmo adotar nenhum valor de precisão posicional, o que resultará no estabelecimento do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), criado pela Lei 10.267 / 2001, com uma identificação heterogênea dos imóveis em seu aspecto métrico, o que pode resultar em medições de imóveis vizinhos com lacunas entre eles ou com superposição de áreas, e pasmem, estando ambas as medições de acordo com a Lei.

Por outro lado, é lamentável a absoluta falta na legislação brasileira de expressões claras sobre a qualidade posicional no que se refere à identificação de imóveis. Como exemplo, citamos o Art. 225 da Lei 6015/1973 de Registros Públicos, onde se exige que as confrontações e as localizações dos imóveis sejam indicadas "com precisão". O Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa dá um exemplo do uso comum do termo "de precisão" e explica este termo como "rigorosamente exato" e cita o "relógio de precisão" que é um relógio especial que pelo rigor elevado da exatidão da medição do tempo não deve ser confundido com um relógio de exatidão comum. O limite entre "de precisão" e a "exatidão comum" é o potencial tecnológico e a dificuldade técnica ou operacional de conseguir o resultado. Se o legislador, como no caso do citado artigo 225, fala de "precisão", ele expressa com isto um rigor de exatidão acima daquela exatidão comum, que se consegue com poucos recursos, mínimos esforços e poucos conhecimento. No Art. 278 da mesma Lei exige-se empregar "goniômetros ou outros instrumentos de maior precisão", o quer dizer de exatidão acima daqueles usados em levantamentos comuns.

A precisão posicional prevista corresponde à tolerância, ou incerteza máxima na definição das coordenadas dos pontos limites dos imóveis. De uma maneira geral a precisão posicional de 50cm ou melhor, atende aos objetivos pretendidos pela Lei 10.267/2001. No entanto, a precisão posicional de 50cm proposta pela Comissão nem mesmo pode ser considerada como característica de um levantamento "de precisão". Usando todo o potencial tecnológico disponível, pode-se determinar a posição de qualquer ponto na terra com uma precisão absoluta de poucos centímetros e com uma precisão relativa de milímetros. Portanto, a exigência de uma precisão posicional de 50cm para a identificação dos imóveis rurais deve ser entendida como um teto ou um valor máximo de tolerância. Em determinadas regiões com predominância de pequenas propriedades rurais, o valor da precisão posicional deve ser mais rigoroso, melhor do que 50cm, casos em que, aí sim, devem ser objeto de ato normativo posterior. 

Convém salientar que para obter qualquer precisão posicional, independente do nível de exigência, não basta apenas utilizar equipamentos (GPS ou outros) cujos fabricantes indiquem que são capazes de determinar posições com precisões centimétricas ou decimétricas, etc. Mais do que isso, é necessário obedecer a determinados procedimentos técnicos nesses levantamentos, o que incluí dentre outros critérios: conduzir o levantamento com medições independentes, realizar observações superambundantes, eliminar erros grosseiros e sistemáticos dessas observações, aplicar um modelo de ajustamento de observações e finalmente, avaliar e comprovar a qualidade do levantamento. Convém salientar ainda que o método de levantamento a ser usado deve atender ao "Princípio de Vizinhança", garantindo assim a "homogeneidade" dos resultados. Somente assim é possível compatibilizar os levantamentos de imóveis adjacentes, ou seja, amarrar e ajustar entre si estes levantamentos com relação à rede de referência. Deve-se garantir que as coordenadas dos pontos de limites comuns a dois ou mais imóveis sejam obtidas com valores iguais, possibilitando assim uma consistência nos levantamentos e controlar sobreposições de áreas. A homogeneidade dos resultados dentro dos limites definidos pela tolerância posicional especificada pode ser avaliada a priori, antes da execução do levantamento, através de técnicas de simulação e otimização. Portanto, muito mais importante que utilizar equipamentos modernos e de alta precisão, é fazer uso dos procedimentos técnicos adequados. Em outras palavras, podemos usar um GPS geodésico (de precisão centimétrica ou milimétrica) e não obtermos o resultado desejado para o georreferenciamento dos imóveis rurais no âmbito da Lei 10.267/2001. Por outro lado, utilizando uma simples trena (de qualidade) e balizas esse resultado pode ser atingido. Tudo depende dos procedimentos técnicos adotados nos levantamentos e dos profissionais que os executam. 

Não há dúvidas de que a precisão posicional é apenas um dos parâmetros que determinam a qualidade do levantamento dos imóveis rurais, mas ele é um parâmetro importante. A partir do valor da precisão posicional definido em Lei é que devem ser estabelecidos os demais critérios técnicos tais como os métodos de levantamento e as especificações dos equipamentos a serem utilizados. Esses outros critérios, aí sim, devem ser estabelecidos em ato normativo posterior.

No entanto, a retirada da precisão posicional de 50cm do Decreto de regulamentação da Lei 10.267/2001 praticamente destrói os desejados avanços que a nova lei fornece no sentido de aperfeiçoar o cadastro dos imóveis rurais e conseqüentemente o sistema de gerenciamento territorial brasileiro. Corre-se o risco de que o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), criado pela Lei 10.267 / 2001, já no seu nascedouro seja um sistema tecnicamente inconsistente e, portanto não possa atender às necessidades pretendidas.

* Artur Caldas Brandão é mestre, doutorando da UFSC e professor do Laboratório de Geomensura da Escola Politécnica da UFBA.



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