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Entrevista da semana - A importância do registro predial brasileiro em discussão - Segurança jurídica e atuação notarial são enfocadas


O Boletim Eletrônico do Irib/AnoregSP hoje entrevista o procurador da CVM e autor de importante livro sobre negócios imobiliários, Dr. Bruno Mattos e Silva. 

O entrevistado é Bacharel em Direito pela USP. Foi advogado de empresas em São Paulo (1995-1996), quando começou a escrever o livro Compra de imóveis, aspectos jurídicos, cautelas devidas e análises de riscos, livro lançado em 1999. Foi Procurador do INSS do INSS de 1997 a 2001, tendo atuado e sido chefe da procuradoria nos tribunais superiores em Brasília. Atualmente é Procurador da CVM - Comissão de Valores Mobiliários, ainda em Brasília. É professor de Direito Comercial e tem outras obras publicadas. Mais informações: wwww.brunosilva.adv.br/curric.htm

O tema da segurança jurídica nas transações imobiliárias é o foco central de suas preocupações. É também um tema de especial relevância para os notários e registradores brasileiros, que se vêm, nos dias que correm, emparedados por uma crítica obtusa e evidentemente interessada. 

Estimulado a responder questões candentes - como as escrituras particulares, interveniência de advogados em contratos sobre transações imobiliárias, boa-fé e valor do registro - o nosso entrevistado saiu-se com respostas consistentes e bem articuladas.

Embora não se possa concordar com todas as suas respostas - especialmente quando discorre com fluência sobre a natureza do registro dos distribuidores cíveis - que para nós ostentam caracteres e finalidades completamente distintos dos registros de segurança jurídica - não podemos deixar de reconhecer que as suas respostas encontram fundamento em respeitáveis decisões jurisdicionais que não podem ser desconsideradas para o franco debate das idéias.

Voltarei ao tema da natureza jurídica do registro de segurança jurídica, para distinguir, com minúcias, os traços próprios desse importante mecanismo de publicidade, para bem vincar as suas diferenças em relação ao registro administrativo de distribuição de feitos.

Por ora, deixo os nossos leitores em boa companhia do nosso entrevistado. 

BE: Como o Sr. avalia o sistema registral brasileiro? As críticas que tem recebido justificam-se? 

R. Acredito que o sistema registral brasileiro, embora possa ser aperfeiçoado, é o que há de melhor em termos de serviço público. E faço essa avaliação inclusive sob um prisma histórico, evolucionista. Com efeito, há, historicamente, três modos de prestação de serviços públicos pela administração pública: o patrimonialismo, o burocrático e o gerencial. Em linhas gerais, no patrimonialismo, existe (faticamente ou juridicamente) uma confusão entre o patrimônio do Estado e o patrimônio do governante, pois o governante utiliza o patrimônio do Estado em proveito próprio. No burocrático há nítida separação jurídica entre o patrimônio do Estado e o patrimônio dos governantes. A administração pública burocrática surgiu com advento do liberalismo (século XIX), como uma forma de defender os bens públicos contra os abusos do patrimonialismo. Na administração burocrática, há controle sobre os meios de utilização do patrimônio, mediante adoção de procedimentos com alto grau de formalidade, de modo a se ter maior controle quanto a utilização do patrimônio público e maior segurança e efetividade quanto às decisões tomadas. A Lei de Licitações, por exemplo, é um exemplo de administração burocrática extremada. Contudo, a administração burocrática revelou-se incapaz de promover com qualidade e eficiência os serviços públicos oferecidos pelo Estado. Por tal razão, no modelo de administração gerencial a situação é distinta: há ênfase nos resultados que devem ser obtidos na prestação dos serviços públicos, mediante prévia definição dos objetivos que o prestador do serviço deverá atingir. Na administração gerencial, há autonomia do prestador de serviços (que pode ser um administrador público ou não) na utilização dos recursos, que deverá buscar da maneira que lhe parecer mais adequada os objetivos estabelecidos. O controle, na administração gerencial, é quanto aos resultados obtidos – serviços públicos eficientes e de qualidade - e não quanto aos procedimentos burocráticos de exercício da atividade. Nesse sentido, a administração gerencial pode contar com maior participação de agentes privados.Não é difícil perceber que, no Brasil, vivemos sob uma administração burocrática e com alguns resquícios do patrimonialismo. Mas o pior não é isso: a qualidade dos serviços prestados pelo Estado (saúde, educação, saneamento básico, estradas, segurança etc) é ainda ruim, embora tenham um custo elevadíssimo para os cofres públicos. Em situação oposta, estão os serviços registrais e notariais. Tenho observado uma constante melhora nos serviços dos cartórios. Atualmente considero os serviços registrais e notariais como a melhor parcela dos serviços públicos prestados no Brasil. Isso não é por acaso: os serviços registrais e notariais seguem, justamente, o modelo gerencial de administração pública, que mencionei acima. Por isso são mais eficientes.

BE: Há um enorme preconceito que atinge os serviços registrais, embora saibamos que esse modelo gerencial de tutela de interesses privados seja muito eficiente. Um claro sinal desse preconceito pode ser identificado nas críticas acérrimas aos ganhos privados...

R: Sob esse prisma, muitas, de fato, são as críticas. Uma delas reside em identificar uma lucratividade excessiva dos titulares dos serviços registrais e notariais. Quanto a isso, é evidente que abusos devem ser combatidos. Há vários meios para tanto: um cartório, por exemplo, que abranja área territorial excessiva pode ser desmembrado. Mas é preciso, antes de tudo, verificar se a alteração provocará melhoria da prestação de serviços à população. Acho que tal é ponto de chegada (objetivo) de qualquer alteração no sistema. Particularmente, não vejo problema algum na lucratividade, ainda que a alguns pareça excessiva, de alguns cartórios. O que quero saber é se o público está sendo bem atendido e se o custo está elevado. É isso que interessa para a pessoa que precisa dos serviços públicos! Se o prestador é eficiente e consegue gerir adequadamente os recursos postos à disposição, obtendo lucro, tanto melhor. Isso o incentivará a permanecer na atividade. Insisto: o preço pago pelo usuário está alto demais? O serviço está ineficiente? Se a resposta for negativa, quanto mais lucro o cartório gerar, melhor. Além de tudo, haverá imposto de renda pago pelo titular do serviço, o que não acontece em certos ramos da atividade econômica, muito lucrativos, mas que misteriosamente não geram imposto pago... O mais curioso é que as críticas formuladas ao sistema registral e notarial brasileiro são feitas justamente no momento em que começam a ser promovidos concursos para outorgas dos serviços. Nesse aspecto, a crítica que faço é a alguns Estados brasileiros que, passados quase quinze – quinze! – anos do advento da Constituição de 1988 ainda não promoveram concursos para outorga dos serviços registrais e notariais. Isso sim é um absurdo. Tenho certeza que se realizados concursos públicos de provas com ênfase na matéria registral e notarial, a prestação dos serviços tenderá a ser ainda melhor. Além, é claro, de propiciar um acesso mais democrático às funções estatais.

BE As cautelas que o adquirente tem que ter para adquirir um bem imóvel são estudadas minuciosamente em seu livro. O Sr. não considera que o sistema penaliza excessivamente o terceiro de boa-fé que não encontra no Registro as informações essenciais para concretização de seus negócios?

R: O Compra de imóveis – aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos, cuja quarta edição tem lançamento previsto para junho/julho de 2003, representa uma mudança radical na mentalidade brasileira. Não estamos acostumados com advocacia preventiva. Por outro lado, vivemos um excesso de litigiosidade. Tudo se resolve mediante ação judicial. Ora, os custos de uma advocacia corretiva são muito mais altos que os da advocacia preventiva. Além disso, nem sempre os resultados são os mesmos. Isso não ocorre só na advocacia. Também na medicina, na engenharia, em qualquer ramo do conhecimento e da atividade humana o planejamento e a adoção de cuidados prévios faz com que os custos e os riscos sejam menores e os resultados sejam melhores. No que se refere especificamente à penalização do terceiro de boa-fé, penso que a primeira questão é saber quem é o terceiro de boa-fé. A aquisição de um imóvel, seja da casa própria, seja de um imóvel para um empreendimento de grandes proporções, não é um negócio trivial. O ordenamento jurídico deve ser capaz de proporcionar a necessária segurança jurídica para essa operação. Isso não se confunde, evidentemente, com a segurança econômica: se o negócio será lucrativo ou não é problema de quem o faz. Mas deve haver segurança jurídica. Não quero discutir aqui a noção de quem é terceiro de boa-fé. Para mim, o incauto não é terceiro de boa-fé, pois para mim terceiro de boa-fé é aquele que toma as cautelas razoáveis postas ao seu alcance, que estão descritas no livro que escrevi. Enfim, como essa discussão certamente levaria horas, vamos falar apenas da proteção do comprador, de uma maneira geral.

BE: Falemos, então, do papel dos registros imobiliários.

R: Acho que o papel dos registros públicos é fundamental. Sendo mais específico, é fundamental o papel dos registros públicos de acesso público. Refiro-me, basicamente, a dois tipos de registros: os registros de imóveis e os registros dos distribuidores de ações judiciais. Em qualquer sociedade complexa há um número grande de valores em confronto. No caso que analisamos, pode haver confronto entre a segurança jurídica da aquisição imobiliária e a eficácia das decisões judiciais. Explico melhor. Por exemplo, a hipótese do vendedor insolvente que se desfaz dos seus bens em fraude à execução (art. 593, II, do CPC). Pergunto: é possível aos credores, no momento de ajuizamento da ação de cobrança ou de execução, procederem ao registro do seu direito, que não diz respeito a qualquer imóvel específico, nas matrículas dos imóveis do devedor? Evidente que não. Quando a ação diz respeito a imóvel (ex. reivindicatória) ou já há gravame incidente sobre imóvel específico (ex. penhora) deve haver registro na matrícula do imóvel. Mas no caso do art. 593, II, do CPC, que visa a proteção da eficácia da jurisdição, não há possibilidade fática ou jurídica de existir registro na matrícula do imóvel. Não se pode anular um valor importante – eficácia das decisões judiciais – a pretexto de proteger um outro valor – segurança jurídica – por maior que seja a importância social desse último valor. Diante de dois valores, ambos de evidente importância social, o ordenamento deve criar um meio de ambos serem protegidos. Por isso sustento a necessidade de consulta aos registros dos distribuidores forenses do domicílio do vendedor e de situação do imóvel. Trata-se de cautela elementar e de baixo custo. Aliás, de custo irrisório, se comparado com o valor do imóvel!

BE: Convenhamos, consultar cada distribuidor do país para realização de um negócio imobiliário soa pouco razoável...

R: Evidentemente, não se pode exigir do comprador que obtenha certidões dos distribuidores de todas as comarcas do país. Aí entra a noção de terceiro de boa-fé que mencionei acima: quem buscou as certidões dos distribuidores do local do imóvel e do domicílio do réu é objetivamente considerado terceiro de boa-fé e merece ser protegido. Além do mais, na prática, é raro alguém ficar insolvente apenas com ações distribuídas fora do seu domicílio. Pode ocorrer, mas é raro. Nesse caso, deve prevalecer a tutela do comprador de boa-fé. Essa boa-fé é de fácil aferição objetiva: tomou as cautelas possíveis? Se tomou, é terceiro de boa-fé, sendo desnecessária qualquer análise subjetiva por parte do julgador.

BE: Mas parece que se contraria a presunção de boa-fé na aquisição. Invertemos a regra: consideram-se as aquisições inquinadas de vício, até prova em contrário do adquirente?

R: Algumas decisões judiciais parecem nulificar por completo o art. 593, II, do CPC – e por via de conseqüência, a proteção da eficácia da jurisdição - ao exigir a prova de que o comprador sabia da insolvência do vendedor. Além da prova da ciência do comprador não estar prevista na lei como requisito para caracterização da fraude à execução, penso que se há um registro público de acesso público, não se pode dizer que a insolvência é desconhecida. Outras decisões, muito melhores, são no sentido de que apenas deve ser protegido o comprador se não existia no distribuidor forense ou do registro de imóveis registro da ação (ex. o juiz não determina citação formal do vendedor do imóvel insolvente em razão de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade em que ele participa). Eu descrevo no livro várias outras cautelas. Muitas delas são cautelas para aquisições específicas, por exemplo, a aquisição de coisa futura em incorporação imobiliária. No que se refere à aquisição de imóvel de pessoa jurídica, também há requisitos específicos. Enfim, para casos específicos, há cuidados específicos. Eu tento descrevê-los no livro, que embora seja genérico, tentar fazer uma radiografia das hipóteses possíveis. A quarta edição traz um tópico novo, que se refere aos cuidados com a legislação ambiental. Seria o caso de se pretender que todas as restrições da legislação ambiental ao direito de construir estejam registradas nas matrículas de cada imóvel? Acho que não, até pela impossibilidade fática. Quem avaliaria quais são as restrições? Quem pagaria pelos custos dessa análise e do registro? A legislação já menciona de forma genérica quais são as restrições. Enfim, penso que nem tudo poderá estar no registro imobiliário. Há casos específicos, com cautelas específicas.

BE: Insisto no tema da presunção de aquisição de boa-fé quando o adquirente se fia exclusivamente no Registro. A ciranda de informações que o adquirente deve cumprir não é comum nos países em que o sistema registral experimenta um desenvolvimento, maturidade e estabilidade que o brasileiro ainda não atingiu. Os estudiosos enxergam uma deficiência estrutural no sistema registral brasileiro na ênfase que deposita na tutela do titular do direito contra a tutela do terceiro adquirente - aspectos estático e dinâmico do direito. Quanto maior o arco de informações para guardar a segurança de aquisição, maior o custo transacional. O Sr. não considera que estejamos na contra-mão das vias modernizadoras dos registros de segurança jurídica? 

R. Insisto que os custos da obtenção de certidões não são elevados, especialmente quando comparados com o valor do imóvel. Até mesmo os custos de um advogado para monitorar a operação também é um custo baixo em relação ao valor do imóvel. Não temos, infelizmente, a cultura da advocacia preventiva, como mencionei acima. Evidentemente, o grande desafio é reduzir os custos operacionais, não apenas na aquisição imobiliária, mas em toda atividade econômica.

BE: O contrato particular é considerado um estorvo anti-econômico. Na sua opinião, qual a razão de se prestigiar o instrumento particular em detrimento do público?

R: Eu sou, politicamente, contra a adoção do instrumento particular.  Talvez a razão de sua adoção seja a de facilitar a aquisição imobiliária mediante redução do custo... 

BE: Mas essa é uma grande falácia, mais um dos mitos veiculados de maneira muito interessada pela imprensa. Sabemos que os custos dos contratos particulares são a grande caixa-preta do sistema. O Sr. acha que na prática haja redução de custos com a contratação privada? 

R: Na prática, acho que isso não ocorre: o instrumento particular, se elaborado por profissional especializado, tende a ser tão caro ou até mais caro que o instrumento público. Se o contrato particular for elaborado por alguém que não é profissional especializado, as conseqüências são ou podem ser nefastas, por razões óbvias. Talvez a motivação para se prestigiar o instrumento particular seja, na verdade, a defesa do tal “Estado mínimo”, que consiste em desobrigar o Estado de suas responsabilidades sociais. Eu sou a favor de um “Estado social” e, por via de conseqüência, sou a favor do instrumento público, que é muito mais seguro, sob todos os aspectos, protegendo melhor os interesses das partes.

BE: O NCC inovou no respeitante aos compromisso de compra e venda, exigindo-se a escritura pública?

R: O novo Código Civil explicitou que o compromisso de compra e venda registrado constitui um direito real. Para mim, isso já existia na vigência do Código anterior. Ora, o Código é expresso no sentido de que atos que constituam direito real devem ter forma pública e devam ser registrados. Contudo, acho que, infelizmente, prevalecerá interpretação no sentido de que há autorização específica para o compromisso ter forma de instrumento particular, contida no art. 1.417 ("celebrada por instrumento público ou particular"), ainda que pensemos que essa expressão se refira às hipóteses em que é o valor mais alto do imóvel que conduz à necessidade do instrumento ter a forma pública. 

BE: A reforma da reforma do CPC consagrou entre nós a presunção absoluta do registro de penhora em face de terceiros. É a presunção iuris et de iure do registro quando se referir ao gravame judicial. Essa reforma legal recupera o sentido de um fortalecimento do registro em proteção do terceiro adquirente. Como o Sr. avalia essa mudança?

R: Sou favorável. Se o gravame diz respeito a imóvel específico, ele deve estar registrado na matrícula do imóvel para ser oponível a terceiros. O mais interessante dessa modificação é a necessidade do registro como elemento de oponibilidade do ato em face de terceiros, o que se não confunde com a validade do ato entre as partes. Essa é a melhor solução, que já vinha sendo acolhida pela jurisprudência predominante, desde a reforma de 1994. Agora, com a “reforma da reforma”, a melhor solução foi positivada.

BE: Orlando Gomes chegou a sustentar que o adquirente de boa-fé, que a título oneroso e fiado exclusivamente no que o registro publica viesse a adquirir um bem imóvel, este deveria ser mantido na posição registral. Acenava com a teoria da aparência. Como o Sr. avalia essa posição?

R: Eu sou a favor, como mencionado acima, que o adquirente que confia nos registros públicos não pode ser prejudicado. Mas não acho que apenas o registro imobiliário deva ser o prestigiado. Também o registro do distribuidor forense deve ser consultado, pelas razões já expostas. Em casos específicos, outros registros devem ser consultados também. Não são todas as informações passíveis de serem encontradas nos registros imobiliários. Há outros valores em jogo, que também devem ser protegidos, tal como já mencionado.

BE: Tem-se propugnado que os registros sejam extintos e suas atribuições absorvidas pelas prefeituras. Como o Sr. avalia isso?

R: Sou totalmente contra. O modelo atual, como já mencionei acima, é eficiente. Já os demais serviços prestados diretamente pelo Poder Público (União, Estado, Município, Distrito Federal), embora tenham custo elevado, não são eficientes nem de boa qualidade, com poucas exceções. Se os cartórios passarem para as prefeituras, ainda que se realize concurso para provimento do cargo de oficial do cartório, teremos subordinação do oficial do cartório ao prefeito. Não se alegue que ele estaria sujeito apenas à fiscalização da Corregedoria do Tribunal de Justiça. Na prática, sabemos que no Executivo existe hierarquia. As condições salariais e de trabalho dos servidores do Executivo dependem de uma maior ou menor boa vontade do chefe do Executivo. Não há independência funcional no Executivo. Assim, se os cartórios passarem para as prefeituras, teremos, na prática, subordinação dos serviços registrais ao político local. O curioso é que só agora surgiu essa proposta, justamente quando os Estados começam a fazer concursos para outorga dos serviços notariais e registrais... Mais curioso ainda é a ausência de críticas aos Estados que não realizaram concursos...

BE: Tem-se propugnado, igualmente, que atribuições de notários sejam transpassadas a advogados (vide a proposta - felizmente arquivada - do Dep. Batochio em (http://www.camara.gov.br/Internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=17391). Como o Sr. avalia essa tendência?

R: Acho que não devemos confundir as coisas. O notário é imparcial e tem uma perspectiva social, ele deve defender um interesse público de segurança jurídica. Já o advogado deve defender o interesse do seu cliente, ele deve se preocupar com a segurança jurídica da aquisição do direito do seu cliente. Desse modo, o notário e o advogado são funções complementares. Portanto, eu não sou a favor de ser possível ao advogado elaborar instrumentos públicos. O notário é o profissional especializado nessa função, que trabalha com a perspectiva de atendimento do interesse público mencionado. Contudo, sou a favor da assistência do advogado em qualquer operação de natureza econômica. Acho que a aquisição imobiliária deve ser feita com participação de profissional especializado, que deve zelar pelos interesses do seu cliente. Sou a favor de advocacia preventiva – cuidar para que problemas não ocorram. O Projeto de Lei nº 1.913/1999, que torna obrigatória a participação de advogado na operação imobiliária, tem o mérito de obrigar a participação formal do profissional de direito nessa operação. Acho que isso não é o bastante, ou seja, não acho que ele deva apenas assinar seu nome na escritura: sou favorável que o advogado realmente preste o serviço jurídico de assessoria ao comprador do imóvel e seja civilmente responsável – por dolo ou culpa – se o negócio for juridicamente inviável, tal como ocorre na hipótese de fraude à execução mencionada acima. Não se trataria, frise-se, de responsabilidade objetiva, mas sim de indenização civil em decorrência de um serviço que não foi devidamente prestado. Evidentemente, não se trataria de uma assessoria econômica: se o negócio é bom ou ruim sob o aspecto econômico não é função do advogado avaliar. Mas o serviço jurídico deve ser bem prestado. Caso contrário, qual a função da assinatura do advogado na escritura? Esses aspectos não estão expressos no Projeto de Lei, mas penso que são dele decorrentes, podendo ser implicitamente extraídos. Nesses termos, não sou favorável à transferência das atividades notariais para os advogados, mas sou favorável à participação do advogado da parte na operação imobiliária. O que se deve discutir é quanto à conveniência de a lei estabelecer que essa participação é obrigatória. Participação apenas formal é inútil: o que é necessária é uma efetiva assessoria jurídica na aquisição imobiliária, que não se limita à elaboração da escritura de compra e venda.

BE: Como o Sr. vê o futuro das atividades notariais e registrais no Brasil?

R: Com otimismo e com temor ao mesmo tempo. Meu desejo é que o atual modelo, que já considero bom, seja aperfeiçoado – ainda há muito o que fazer. O temor reside não apenas nos interesses dos que querem o Estado ausente das relações econômicas e sociais, mas sobretudo na ação daqueles que, por ingenuidade ou desconhecimento da questão, terminam por se postarem ao lado dos defensores de interesses que não são os da maioria do povo brasileiro.

O Livro, onde, quanto  

O livro Compra de imóveis, aspectos jurídicos, cautelas devidas e análises de riscos foi editado pela Editora Atlas. Preço de tabela da 3a. edição: R$ 40,00. 241 páginas. Sites onde comprar: www.livrariasaraiva.com.br e www.siciliano.com.br. O livro descreve os aspectos jurídicos da compra de imóveis e do registro imobiliário. A ênfase do livro é nas cautelas que deve tomar o comprador. Além de aspectos genéricos, pertinentes a qualquer operação imobiliária, tem capítulos específicos, tais como aquisição de imóvel de pessoa jurídica, incorporação imobiliária, aquisição de imóvel loteado, financiamento imobiliário.
 



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