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O novo Código Civil e o registro de imóveis - Novos Aspectos Obrigacionais do Direito Imobiliário - Melhim Namem Chalhub*


SUMÁRIO: 1. Considerações preliminares. 2. Princípios fundamentais. 2.1. Cláusulas gerais. 2.2. Função social do contrato. 2.3. Eticidade. 2.4. Pacta sunt servanda. 2.5. Onerosidade excessiva. 2.6. Poder discricionário do juiz. 3. Outros aspectos relevantes. 3.1. Estado de perigo e lesão. 3.2. Hipoteca. 3.2.1. Dispensa de anuência do credor para alienação do imóvel hipotecado. 3.2.2. Notificação do credor para assunção de dívida. 3.2.3. Desdobramento da garantia hipotecária. 3.2.4. Exoneração da obrigação do terceiro adquirente, mediante "abandono" do imóvel. 3.3. Penhor – duplicidade de registro. 3.4. Condomínio edilício. 3.4.1. Fração ideal e cota de contribuição. 3.4.2. Responsabilidade do adquirente pelos débitos condominiais.

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Tendo entrado em vigor a partir de 12 de janeiro de 2003, o novo Código Civil substitui o regime individualista que caracterizava o Código de 1916 por um modelo estruturado basicamente sobre três diretrizes, a saber, a eticidade, a socialidade e a efetividade.

A eticidade está materializada na concepção moderna da boa-fé objetiva, pois, como registra o Professor Miguel Reale, "a vida jurídica está tão vinculada a processos sociais e econômicos e a exigências éticas que as normas não devem ser rigorosamente jurídicas, mas abertas a uma série de perspectivas."

Pela socialidade, o Código Civil valoriza a função social do direito, notadamente a função do contrato e a função social da propriedade.

Pela efetividade, ou operabilidade, o novo Código busca dar efeito prático ao direito como instrumento de justiça.

A partir desses princípios, o novo Código introduz importantes reformulações nas disposições que regem os contratos, alterando a própria filosofia dos contratos, a partir mesmo do condicionamento da autonomia da vontade: agora, a liberdade de contratar está condicionada à função social do contrato e está limitada por essa função.

Do contexto dessas reformulações, fizemos algumas anotações a propósito de assuntos relacionados, direta ou indiretamente, aos negócios imobiliários, entre eles as cláusulas gerais, a função social do contrato, a eticidade, o princípio pacta sunt servanda, a onerosidade excessiva, o poder discricionário do juiz, o estado de perigo e lesão, além de certas peculiaridades inovadoras em relação à hipoteca, ao penhor e ao condomínio edilício.

O presente trabalho constitui uma miscelânea desses assuntos.

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2 – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

2.1. - CLÁUSULAS GERAIS
– O novo Código privilegia a fórmula das cláusulas gerais, isto é, a enunciação de regras em termos amplos, de modo a possibilitar melhor adequação da norma jurídica aos casos concretos, uma espécie de "banda larga" dentro da qual o juiz poderá se mover com certa elasticidade para interpretar a cláusula geral para cada caso específico que vier a ser submetido a julgamento.

Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, o conteúdo da cláusula geral há de ser determinado em cada caso concreto, mas "essa atividade criadora do juiz permitida pela cláusula geral não pode ser arbitrária, mas contida nos limites da realidade do contrato, sua tipicidade, estrutura e funcionalidade, com aplicação dos princípios admitidos pelo sistema."

Exemplos de cláusulas gerais são a boa-fé, os bons costumes, a vedação ao uso abusivo do direito, isto é, idéias que funcionam como base de apoio ou ponto de referência que orientam a fixação de solução específica para casos concretos submetidos ao juiz.

Um caso específico de cláusula geral é a regra que permite ao juiz da execução modificar o valor da multa fixada em sentença de condenação, se constatado que esse se tornou insuficiente ou excessivo; a quantificação do que seja "insuficiente ou excessivo" dependerá de cada caso concreto e está dentro do poder discricionário do juiz.

Outro exemplo: o art. 421 diz que o contrato (qualquer contrato) tem uma função social. E o que é "função social" ? É uma noção subjetiva, o Código não define. O juiz é que dirá em cada caso se determinado contrato está cumprindo sua função social, porque em cada caso essa função se apresenta com uma feição peculiar, compatível com os aspectos econômicos e sociais do negócio.

É uma tendência do direito moderno, porque as normas rígidas, que buscam esgotar as soluções, fixando regras completas para cada situação, mostram-se incapazes de atender as demandas decorrentes da grande mobilidade da vida social e econômica, que provoca o surgimento quase que incessante de novas situações negociais, criando novas e variadas situações jurídicas.

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2.2 - FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO – O Código Civil de 1916 era individualista, privilegiava a autonomia da vontade e o princípio da força obrigatória do contrato. Já o Código Civil de 2002 inverte as prioridades e põe o social na frente do individual. Assim, pelo Código de 1916, prevalecia o elemento subjetivo, o que obrigava o juiz a identificar a intenção das partes para interpretar um contrato. Agora, a intenção é relativamente irrelevante, porque o que prevalece na interpretação é o elemento objetivo, ou seja, o contrato deve ser interpretado segundo os padrões socialmente reconhecíveis para aquela modalidade de negócio.

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2.3. - ETICIDADE – As partes devem agir de acordo com os princípios da probidade e da boa-fé (art. 422) para que se realize a função social do contrato.

A boa-fé objetiva tem uma face negativa e uma positiva: a negativa visa coibir comportamentos desleais da parte, o que importa numa obrigação de lealdade em relação à parte contrária, e a face positiva indica o modelo de participação ativa de cada uma das partes contratuais e exprime um dever de cooperação entre as partes, visando a consecução da finalidade do contrato (obrigação de cooperação).

Na prática, a boa-fé objetiva pode se materializar pelo cumprimento de certos deveres, como requisito para que se concretize plenamente o programa contratual. Assim, há os deveres principais, ou deveres primários (na compra e venda, por exemplo, o dever de entregar a coisa, de um lado, e pagar o preço, de outro lado); há os deveres secundários (ainda na compra e venda, o dever de conservar a coisa vendida ou transportá-la); há deveres laterais, anexos ou instrumentais (na incorporação imobiliária, por exemplo, o dever do incorporador de obter o "habite-se" em tempo hábil).

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2.4. - PACTA SUNT SERVANDA – A força obrigatória do contrato há de prevalecer, até porque ela é a base de sustentação da segurança jurídica, mas esse princípio passa a ser relativizado, pois sua aplicação prática estará condicionada por outros fatores, como, por exemplo, a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva.

Num contrato de adesão, por exemplo, a força obrigatória do contrato poderá ser arrefecida se houver "cláusulas ambíguas ou contraditórias", caso em que o juiz usará seu poder discricionário para aplicar "interpretação mais favorável ao aderente." (art. 423).

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2.5. - ONEROSIDADE EXCESSIVA – O novo Código adota explicitamente esse princípio, que antes já vinha sendo aplicado pelos Tribunais.

Permite o art. 478 que, "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato."

A regra contém vários aspectos subjetivos, que serão apreciados pelo juiz com a amplitude do seu poder discricionário. O que seja uma prestação excessivamente onerosa, ou o que seja a extrema vantagem para a outra parte e, ainda, o que sejam acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, tudo isso são fatores que, primeiro, se apresentam de maneira diferente em cada relação contratual e, segundo, serão avaliados e sopesados de acordo com a valoração pessoal do juiz.

Claro que qualquer contrato comporta risco e, assim, não é qualquer prejuízo que justifica a resolução do contrato por onerosidade excessiva. A esse propósito, observa Enzo Roppo: "Se a cada contraente fosse consentido libertar-se dos seus compromissos contratuais, só porque lamenta que a operação não lhe deu os lucros que esperava, resultariam revolucionados (não só e não tanto as expectativas de lucro alimentadas em relação à mesma operação, pela parte contrária, mas) todo o sistema e a racional dinâmica das relações econômicas: é este o sentido real do princípio pacta sunt servanda."

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2.6. - PODER DISCRICIONÁRIO DO JUIZ – Uma das características do novo Código Civil é o aumento do poder discricionário do juiz, que se alarga para possibilitar o ajustamento de cada caso concreto aos conceitos enunciados nas cláusulas gerais, notadamente em face dos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio do contrato.

Nesse mister, o juiz deverá orientar-se pelos padrões médios, de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, considerando a natureza do negócio e a comunidade em que se insere, entre outros aspectos.

É claro que o poder discricionário do juiz não é ilimitado. Sua atuação há de tomar como referencial o tipo do contrato ou a configuração da situação jurídica em questão, e deverá ficar contida dentro do limite marcado pelas balizas fixadas pelo tipo contratual ou pela respectiva relação jurídica.

O juiz tem toda a autonomia para julgar conforme seu juízo de valor, mas dentro desses parâmetros e, assim, não deve, "a pretexto de exercer essa atividade criativa, chegar ao ponto de transformar um contrato de compra e venda em doação, ou desfigurar um contrato de seguro ou de transporte, sob pena de fazer direito alternativo."

Aspecto igualmente relevante no contexto dessas inovações é o papel do advogado, na medida em que a amplitude dos conceitos contidos nas cláusulas gerais demandará maior poder de argumentação nos processos. É a partir daí que se inicia a fixação de novos conceitos que orientarão as relações sociais e econômicas para o futuro.

Nesse novo cenário, a jurisprudência passará a ocupar papel proeminente e é a partir dela que haverão de se desenhar os contornos que as cláusulas abertas ganharão diante da realidade concreta.

Uma importante reflexão, entretanto, se impõe: se, de um lado, elasticidade das cláusulas gerais pode contribuir para que a aplicação do direito positivo acompanhe mais de perto as inovações da sociedade e da economia, por outro lado essa mesma elasticidade poderá contribuir para aumentar a insegurança e os riscos jurídicos, com repercussão no campo dos investimentos, sobretudo no que tange à captação de recursos externos.

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3 – OUTROS ASPECTOS RELEVANTES

Na linha desses princípios fundamentais, outras relevantes inovações foram introduzidas pelo Código Civil, e entre elas permitimo-nos destacar a anulabilidade por lesão ou estado de perigo, alguns aspectos sobre a hipoteca (dispensa de anuência, desdobramento, abandono do imóvel, assunção de dívida) e sobre o penhor (caução de direitos, registro RTD e/ou RI) e sobre o condomínio edilício (novas fórmulas de determinação da fração ideal e de divisão das despesas, responsabilidade do adquirente e vagas de garagem).

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3.1. - ESTADO DE PERIGO e LESÃO – São duas figuras caracterizadoras de defeitos do negócio jurídico, que o tornam passível de anulação.

Trata-se de situação em que um contratante aproveita-se da adversidade do outro contratante, que, por necessidade, acaba concordando em firmar o contrato por preço e condições desequilibradas, circunstância que dá ao outro contratante vantagens iníquas.

Ambas essas figuras caracterizam-se pela presença de um elemento objetivo, que é a desproporção entre as prestações, e um elemento subjetivo, que é o dolo de aproveitamento da situação de inferioridade de um dos contratantes.

O estado de perigo tem em vista o risco pessoal, que leva a pessoa a realizar um negócio iníquo, enquanto que a lesão considera o risco de dano patrimonial, como, por exemplo, a urgência de cumprir compromissos ou de evitar a falência.

Estado de perigo é aquele em que uma pessoa "premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra pessoa, assume obrigação excessivamente onerosa." (art. 156).

Trata-se de hipótese em que a pessoa assume uma obrigação excessivamente onerosa com o propósito de obter meios de escapar do risco de dano pessoal. O exemplo mais freqüentemente citado pela doutrina é o do náufrago que concorda em pagar uma quantia excessivamente alta para ser retirado do perigo em que se encontra. Considera-se que, em casos tais, o negócio jurídico é defeituoso porque, não fosse a circunstância de perigo em que se encontra, o sujeito não teria concordado em pagar tão excessiva quantia.

A lesão tem em vista um dano patrimonial e ocorre "quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta." (art. 157).

As circunstâncias determinantes da pactuação em níveis desproporcionais, como se vê, são a premente necessidade ou a inexperiência de uma das partes.

Neste caso, diferentemente do estado de perigo, o que leva o sujeito a aceitar a prestação desproporcional é a iminência de um perigo de natureza patrimonial. O sujeito contrata em termos desequilibrados porque acredita que tal contrato lhe fornecerá os meios para afastar o perigo de dano patrimonial. É o caso da pessoa insolvente que vende bens a preços muito abaixo do valor de mercado.

Observe-se que, para caracterização da lesão, é indispensável que a motivação do contrato lesivo tenha sido a dificuldade econômica ou a inexperiência, ou seja, se as condições desproporcionais foram estipuladas por causa dessa dificuldade ou da inexperiência. De outra parte, o estado de premência ou a inexperiência deve ser contemporânea à contratação, não se caracterizando a lesão se houver futuras alterações conjunturais que tornem desequilibrada a equação contratual.

Apesar de inovadora na lei codificada, a figura da lesão tem precedentes no direito positivo brasileiro, como, por exemplo, na Lei de Proteção da Economia Popular (Lei n° 1.521, de 1951), no Código do Consumidor, que considera nulas as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada" (art. 51, IV) e a Medida Provisória n° 2.172-32, de 23.8.2001, pela qual a cobrança de juros acima da taxa legal enseja a revisão do contrato para "restabelecer o equilíbrio da relação contratual", mediante ajuste ao "valor corrente", admitindo-se, conforme o caso, "a restituição, em dobro, da quantia recebida em excesso, com juros legais a contar do pagamento indevido." (art. 1°, II).

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3.2. - HIPOTECA – No que tange à hipoteca, as inovações do novo Código Civil dizem respeito (i) à dispensa de anuência do credor, para alienação do imóvel hipotecado, (ii) assunção de dívida, (iii) ao desdobramento da garantia hipotecária e (iv) à exoneração da obrigação do terceiro adquirente, mediante "abandono" do imóvel.

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3.2.1. – Dispensa de anuência do credor hipotecário para alienação do imóvel hipotecado – O art. 1.475 considera nula a cláusula que veda a alienação do imóvel hipotecado, admitindo, entretanto, que a alienação importe no vencimento antecipado da dívida. Dispensa-se, assim, a anuência do credor para alienação do imóvel hipotecado, o que não chega a ser inovação, mas apenas enunciação explícita de um princípio fundamental dos direitos reais. De fato, jamais houve vedação de alienação do imóvel hipotecado, ou gravado com qualquer outra garantia real, pois, em função da seqüela, o titular do direito real tem o direito de seguir o imóvel em poder de quem quer que o detenha, podendo excuti-lo mesmo que tenha sido transferido para o patrimônio de outra pessoa, distinta da pessoa do devedor.

Tal regra, entretanto, ao meu ver, não atinge as hipotecas vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH, pois para esse existe lei especial – a Lei n° 8.004/90 –, e mesmo assim essa lei não veda a alienação, mas apenas estabelece como requisito para tal a interveniência do credor hipotecário e a assunção, pelo novo adquirente, do saldo devedor existente na data da venda. A assunção, aliás, é corrente com a regra do art. 303.

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3.2.2. – Notificação do credor para assunção de dívida – Com efeito associada à questão da dispensa de anuência do credor hipotecária está a notificação dirigida ao credor, relativamente à alienação do imóvel hipotecado e à assunção da respectiva dívida pelo novo titular do imóvel. A matéria está regulada nos arts. 299 a 303 – da assunção de dívida –, dispondo o art. 303 que "o adquirente do imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em 30 (trinta) dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento."

Do mesmo modo que na hipótese do art. 1.475 – nulidade da cláusula que proíbe a alienação –, a regulamentação da assunção da dívida pelo Código Civil diz respeito às hipotecas em geral, não se aplicando às hipotecas vinculadas ao SFH, pela mesma razão de existir, para essas, lei especial (Lei n° 8.004/90), que estabelece procedimento específico para as transferências de dívidas hipotecárias e, portanto, nos termos do art. 2° da Lei de Introdução do Código Civil, prevalece sobre a lei geral.

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3.2.3. – Desdobramento da garantia hipotecária – O desdobramento da hipoteca está previsto no art. 1.488, pelo qual se for constituída hipoteca sobre uma gleba que venha a ser loteada ou sobre terreno no qual venha a ser erigido edifício composto por unidades imobiliárias autônomas, o gravame hipotecário poderá ser dividido, passando a gravar separadamente cada lote ou cada unidade imobiliária autônoma, em proporção ao valor de cada unidade, em relação à totalidade da dívida da empresa incorporadora. A divisão será feita "se o requererem ao juiz o credor, o devedor ou os donos, obedecida a proporção entre o valor de cada um deles e o crédito." O desmembramento do ônus não exonera o devedor originário de pagar o saldo remanescente, se os bens hipotecados não bastarem para amortização total da dívida, a não ser que tenha havido anuência do credor. O desdobramento, entretanto, não é compulsório, nem arbitrário, pois se, em razão dele, vier a ocorrer diminuição da garantia, o credor pode se opor.

A regra não deverá criar embaraço para o setor de financiamentos, pois já é medida que já se adota há muito quando se trata de financiamento da produção.

De outra parte, a legislação sobre afetação das incorporações imobiliárias (Medida Provisória n° 2.221, de 4.9.2001) estabelece que os adquirentes ficarão sub-rogados nos direitos e nas obrigações do incorporador, relativamente ao contrato de financiamento da construção, na proporção do coeficiente de construção das unidades que tenham adquirido (§ 2º do art. 30C da Lei nº 4.591/64, com a redação dada pela MP 2.221/01).

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3.2.4. – Exoneração da obrigação do terceiro adquirente, mediante "abandono" do imóvel hipotecado – O "abandono" do imóvel, como forma de exoneração do adquirente de pagar a dívida que o grava com hipoteca, está previsto nos arts. 1.479 e 1.480, pelos quais "o adquirente do imóvel hipotecado, desde que não se tenha obrigado pessoalmente a pagar as dívidas aos credores hipotecários, poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel" (art. 1.479), devendo notificar "o vendedor e os credores hipotecários, deferindo-lhes, conjuntamente, a posse do imóvel, ou o depositará em juízo" (art. 1.480).

3.2.4.1. – Em princípio, essas disposições não alcançariam as operações do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, pois, de acordo a Lei nº 8.004/90, as vendas ou promessas de venda de imóveis hipotecados a entidades do SFH têm que ser feitas obrigatoriamente com interveniência da entidade credora, "mediante assunção, pelo novo mutuário, do saldo devedor contábil da operação..."

Na prática, entretanto, são freqüentes os casos de "gaveteiros" e de alienação de unidades integrantes de incorporação imobiliária sem interveniência do agente financeiro, e sobre esses dois casos poderiam incidir as disposições dos arts. 1.479 e 1.480 do novo Código Civil.

O efeito prático dessa regra é o equivalente ao de uma dação em pagamento ou ao de uma adjudicação, só que, quanto à primeira, trata-se de uma dação "compulsória", pois é um direito potestativo do adquirente do imóvel hipotecado, e não uma liberalidade do credor, e, quanto à segunda, trata-se de uma adjudicação "invertida", na medida em que o imóvel passaria para o patrimônio do credor não por sua iniciativa, como ocorre na adjudicação, mas por ato do adquirente.

3.2.4.2. – A regra contém algumas impropriedades na sua enunciação, entre elas o inadequado emprego da figura do abandono, no sentido de entrega do imóvel para resgate da dívida.

Com efeito, nos termos do art. 1.275 do Código Civil, abandono é um dos modos de perda da propriedade, mas por ele ocorre o simples despojamento da coisa, sem haver sua transmissão a quem quer que seja; assim, pelo abandono o antigo proprietário perde a propriedade mas não estabelece nenhuma relação jurídica com aquele que vier a se apropriar da coisa.

Os outros modos de perda da propriedade são (a) a alienação, (b) a renúncia, (c) o perecimento da coisa e (d) a desapropriação (Código Civil, art. 1.275).

O abandono e a renúncia têm uma certa ligação. Diz Serpa Lopes que "o abandono, pode-se dizer, é o elemento material da renúncia...", esclarecendo que o abandono puro e simples, que não seja por efeito da renúncia, dá-se "quando esse acontecimento ocorre sem o ato preliminar da renúncia."

Os efeitos da renúncia estão subordinados ao registro do título no Registro de Imóveis, o que não ocorre com o abandono; neste caso, o imóvel é arrecadado, como bem vago, e passa à propriedade do município, do Distrito Federal ou da União (C. Civil, art. 1.276). A renúncia pode ser manifestada em favor de alguém, na forma de renúncia translativa, enquanto que o abandono importa na declaração de bens vagos, que passam compulsoriamente ao domínio do Estado.

A inexistência de relação jurídica no abandono é também registrada por Orlando Gomes, para quem "o abandono não é forma de extinção subjetiva do direito de propriedade, porque nenhum vínculo jurídico se estabelece entre o proprietário, que assim perde o domínio, e aquele que adquire a res derelicta pela ocupação."

Dada essa noção, fica claro que, se o Código quer estabelecer um vínculo jurídico entre o adquirente e o credor, para extinguir a dívida hipotecária contra a entrega do imóvel ao credor, então, o ato do adquirente não deveria ser o do abandono, pois esse ato não cria vínculo jurídico algum entre quem abandona e quem se apropria da coisa abandonada.

Para atender esse propósito, poderia (ou deveria?) o Código utilizar a forma da renúncia translativa, que produziria efeitos equivalentes aos da adjudicação e dação em pagamento, mas nunca utilizar aí a figura do abandono.

Entretanto, na medida em que o Código emprega esse termo visando dar ao adquirente a faculdade de obter quitação mediante entrega do imóvel, entendemos que, nesse contexto, a figura do abandono deve ser interpretada no seu sentido de elemento material da renúncia, e não no sentido do abandono puro e simples.

E assim entendemos porque se não for essa a interpretação, não se alcançará o propósito explicitado no dispositivo legal em questão, que é o de transmitir a propriedade ao credor para quitação da dívida hipotecária. De fato, se se entender que o legislador referiu-se à figura do abandono puro e simples, o imóvel seria transferido para o Estado e não para o credor, frustrando o propósito de troca da dívida por imóvel.

3.2.4.3. – Ainda sob a perspectiva teleológica, e tendo em vista que a finalidade da norma é a troca do imóvel pela dívida, é razoável pensar que o legislador quer com essa figura alcançar os mesmos efeitos da adjudicação (Lei n° 5.741/71 e parágrafo único do art. 1.483 do NCC), pela qual o credor dá quitação da dívida em troca do imóvel, e da dação em pagamento (art. 356 do NCC), pela qual o adquirente, com a concordância do credor, dá o imóvel em pagamento da dívida, operando-se, por qualquer dessas formas, a extinção da dívida pretendida pelo art. 1.479 do Código Civil.

De fato, na expressão o adquirente "poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes [aos credores] o imóvel" está contida a idéia da renúncia translativa, pela qual o adquirente transmitirá a propriedade do imóvel ao credor hipotecário.

Não faria nenhum sentido a quitação da dívida sem nenhuma contrapartida, e a contrapartida, no caso, corresponde ao pagamento ou à apropriação da coisa pelo credor, nos termos permitidos pela lei, tal como ocorre na adjudicação da Lei n° 5.741/71 ou do parágrafo único do art. 1.483 do Código Civil.

3.2.4.4. – A apropriação do imóvel pelo credor hipotecário, para quitação da dívida, não é novidade, respeitada a vedação do pacto comissório, e entre os precedentes do direito positivo citam-se os casos de adjudicação previstos no processo de execução judicial regulado pela Lei n° 5.741, de 1971, e no parágrafo único do art. 1.483 do novo Código Civil.

Não obstante seja esse – troca de imóvel por dívida –, aparentemente, o propósito da norma, não se pode deixar de considerar que, mesmo depois de entregue o imóvel para pagamento pode remanescer saldo devedor, caso o valor do imóvel não seja suficiente para resgate integral. Com efeito, a lei diz que "o adquirente poderá exonerar-se da hipoteca, abandonando-lhes o imóvel", mas nada diz a respeito da relação creditícia entre o devedor (vendedor do imóvel) e o credor hipotecário. Embora o adquirente esteja exonerado, o devedor presumivelmente continuará responsável pelo pagamento, pois, em regra, se a lei nada excepciona a respeito dessa relação jurídica, continuará prevalecendo a regra geral. Observe-se que é da natureza do mútuo a obrigação do mutuário restituir ao mutuante a totalidade daquilo que recebeu, e essa é a regra geral, de modo que toda vez que a lei quiser excepcionar deve explicitar claramente a exceção, como o fez na Lei n° 5.741/71, no art. 1.483 do Código Civil e, a propósito do mútuo com garantia fiduciária, no § 7º do art. 26 da Lei n° 9.514/97. Observe-se, também, ainda no contexto da regra geral, o art. 1.430 do Código Civil, pelo qual se o produto da excussão da hipoteca não bastar para amortizar a totalidade da dívida, "continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante."

Não faria nenhum sentido a quitação da dívida sem nenhuma contrapartida, e a contrapartida, no caso, corresponderia, necessariamente, ao pagamento ou à apropriação da coisa pelo credor, nos termos permitidos pela lei, tal como ocorre na adjudicação da Lei n° 5.741/71 ou do parágrafo único do art. 1.483 do Código Civil.

3.2.4.5. – Mas, a despeito de ser essa a interpretação mais razoável, a regra subseqüente interpõe sério obstáculo à apropriação do imóvel pelo credor, em troca do resgate da dívida, podendo até tornar inexeqüível a renúncia translativa.

É que o art. 1.480 prevê que o adquirente transmitirá a posse do imóvel não só ao credor, mas, também, ao vendedor.

Ora, o efeito natural do abandono de que trata o art. 1.479 é a transmissão, ao credor, dos poderes inerentes à propriedade, não se justificando que o credor não possa usar livremente a coisa que recebeu para satisfação do seu crédito.

Com efeito, pelo art. 1.479, o abandono se faz em favor dos credores hipotecários ("abandonando-lhes"), isso significando que o adquirente perde a propriedade em favor do credor, isto é, transfere ao credor os poderes inerentes à propriedade, e aí estão compreendidos o domínio e a posse; já no art. 1.480, o adquirente transmite a posse ao credor e ao vendedor, e essa posse é transmitida conjuntamente.

À primeira vista, essas disposições são contraditórias nos seus efeitos práticos, pois enquanto pelo art. 1.479 esses poderes estariam sendo transmitidos ao credor hipotecário, pelo art. 1.480 a posse estaria sendo dividida entre credor e vendedor.

A presença do vendedor (devedor) nessa relação talvez indique que poderia ser intenção do legislador reafirmar a manutenção da relação creditícia entre o vendedor e o credor hipotecário, indicando que o "abandono" exonera o adquirente, mas não o vendedor, que é o devedor.

3.2.4.6. – Além dos problemas que poderão advir da investidura do credor no domínio do imóvel, haverá outros problemas, resultantes da composse, não só no que tange à questão possessória, em si, mas também pelas suas repercussões nas questões dominiais, sobretudo para efeito de cumprimento do prazo regulamentar dentro do qual as instituições financeiras estão obrigadas a vender os imóveis que recebem em pagamento de seus créditos.

Com efeito, a instituição financeira terá dificuldade para se desfazer de um imóvel que, embora esteja sob seu domínio, não está na sua posse exclusiva, dada a composse que exerce com o vendedor e a extinção da composse, como se sabe, é complexa e pode demandar muito tempo.

De outra parte, a não ser que a dívida permaneça sob responsabilidade do vendedor, a composse seria absolutamente injustificável, por incompatível com o propósito do legislador, pois a transferência do imóvel para o credor deve se fazer em termos que lhe possibilitem transformá-lo em expressão pecuniária, não só porque esse é o efeito natural da função econômica e social do contrato de mútuo como, também, porque as instituições financeiras estão proibidas de manter por muito tempo, em seu patrimônio, os bens que recebem em pagamento. Por força da regulamentação das autoridades monetárias, essas instituições são obrigadas a alienar esses bens com brevidade, e a composse pode impedir o cumprimento dessa obrigação.

3.2.4.7. – A matéria, como se vê, não deixa de ter alguma complexidade, e diante dos sérios obstáculos que poderão surgir em razão da aplicação dessa regra, vislumbram-se, pelo menos de plano, duas ordens de providências que podem ou devem ser adotadas pelo setor, uma de natureza operacional e outra de natureza institucional.

A primeira diz respeito à formalização dos contratos.

Com efeito, de uma parte, a comercialização de imóveis avulsos, que estejam hipotecados em favor de entidades do SFH, está fora do controle das entidades credoras; é essa comercialização que dá origem a "contratos de gaveta", cuja contratação as entidades credoras não têm como evitar.

Entretanto, no contexto das incorporações imobiliárias com financiamento, talvez as entidades credoras tenham condições de controlar a comercialização e, então, a primeira providência, de natureza operacional, seria a de atuar com todo empenho no sentido de tornar efetiva a interveniência obrigatória da entidade financiadora nos contratos de comercialização dos imóveis integrantes da incorporação financiada.

Além dessa providência, parece-nos de toda conveniência a busca de uma fórmula que assegure o efeito prático da idéia contida nessa nova regra, formulando-se um anteprojeto de lei para alterar as disposições do novo Código Civil, no sentido de torná-las exeqüíveis, pois, nos termos em que estão enunciadas, parecem inexeqüíveis ou, pelo menos, de difícil execução.

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3.3. - PENHOR – Ao lado da criação de nova modalidade de penhor – penhor de veículos – o novo Código Civil contempla o penhor de direitos e o penhor de títulos de crédito. O primeiro é o penhor sobre direitos suscetíveis de cessão, sobre coisas móveis, e o segundo corresponde ao penhor que o Código velho designava como caução de títulos de crédito.

O penhor de direitos compreende os direitos em geral, desde que suscetíveis de transmissão, e entre eles estão as cotas de fundos de investimento, os direitos decorrentes da sucessão aberta, os direitos aquisitivos sobre imóveis, entre outros. O penhor de títulos de crédito é auto-explicativo pela sua própria denominação.

Prevê o Código que o título constitutivo do penhor deve ser registrado no Registro de Títulos e Documentos – RTD.

Sucede, entretanto, que a legislação especial sobre os financiamentos imobiliários em geral (Lei n° 9.514/97 e Medida Provisória n° 2.223, de 4.9.2001) dispõe que a caução (leia-se penhor) dos direitos de crédito oriundos de alienação de imóveis e, bem assim, dos direitos aquisitivos sobre imóveis é registrada no Registro de Imóveis, na matrícula do imóvel a que corresponder.

A meu ver, essa caução (penhor) continuará sendo registrada no Registro de Imóveis. É que, tratando-se de modalidade especial de penhor, é a lei especial que deve definir a competência registral, e essa competência tem que ser compatível com a especificidade do objeto da garantia – direito real vinculado a imóvel –, que, obviamente, tem tratamento diferenciado em face do penhor sobre coisas móveis.

Disso decorre, salvo melhor juízo, que a regra geral de constituição do penhor – registro do título – é aquela prevista no Código Civil para o penhor comum (art. 1.432), mas o penhor especial, em razão das peculiaridades de que se reveste, é objeto de regra específica, estabelecida em lei especial, e é o que ocorre nos casos do penhor de direitos aquisitivos relativos a imóvel e do penhor de direitos creditórios oriundos de comercialização de imóveis.

Há que se ter presente, além disso, que essa norma emana do princípio da publicidade, uma das características dos direitos reais, que diz respeito à visibilidade dos direitos reais, em geral, de modo que, tornando-se cognoscíveis com todas as suas características, possam esses direitos ser opostos a todos. Por esse modo, dá-se efetividade ao princípio segundo o qual os direitos reais têm eficácia absoluta, caracterizada pelo poder que tem seu titular de exercê-los erga omnes.

De outra parte, visa o registro vincular os bens ou direitos empenhados ao direito do credor de receber seu crédito, de modo que este possa utilizar esses bens ou direitos para satisfação do seu crédito. No caso do penhor de direitos relativos a imóveis, essa vinculação só é plenamente eficaz se o título for registrado na matrícula do imóvel, e esta existe no Registro de Imóveis, e não no Registro de Títulos e Documentos.

Aqui, também, aplica-se o princípio do art. 2° da Lei de Introdução, pelo qual a lei especial prevalece sobre a lei geral, e nesse caso a prevalência da lei especial salta aos olhos, pois seria totalmente desarrazoado registrar-se em RTD títulos relativos a direitos vinculados a imóveis, que, por definição, têm matrícula no Registro de Imóveis.

Fica clara, além disso, a absoluta desnecessidade de efetivação de dois registros, um no RTD e outro no Registro de Imóveis, em primeiro lugar porque basta um registro para se assegurar a publicidade e, em segundo lugar, porque é o registro no Registro de Imóveis que dá efetividade ao princípio da publicidade dos direitos reais imobiliários, tornando cognoscível a vinculação entre o titular do direito de crédito e a coisa, ou o direito, que garante a satisfação desse crédito.

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3.4. – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – O condomínio especial, por unidades autônomas, de que tratava a Lei n° 4.591/64, passou a ser regulado pelo Código Civil (art. 1.331 a 1.358).

Nessa matéria, o novo Código abre perspectiva de conflitos a respeito de questões que ou já se encontravam satisfatoriamente regulamentadas ou já se encontravam pacificadas pela jurisprudência.

Melhor faria o legislador se simplesmente transplantasse para o Código Civil os arts. 1° ao 27 da Lei n° 4.591/64, acrescentando uns poucos dispositivos novos – muito poucos. Mas não foi o que fez. Preferiu "reinventar a roda" e, assim, acabou agredindo a própria natureza da propriedade condominial.

Exemplo disso são as novas fórmulas de determinação da fração ideal de terreno e de divisão das despesas condominiais.

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3.4.1 – Fração ideal e rateio das despesas de condomínio – Com efeito, a legislação anterior sobre condomínios – Lei n° 4.591, de 1964 –, atendendo a multiplicidade das modalidades de condomínios – moradia (em edifícios de mais de um pavimento ou em casas), escritórios, shopping centers etc – deixava essas questões em aberto, assegurando a cada comunidade os meios de adequar as convenções de condomínio às suas necessidades específicas, mas o novo Código Civil suprimiu essa autonomia e impôs um critério de cálculo único, pelo qual (a) a fração será sempre proporcional ao valor das unidades e (b) a divisão das despesas deve ser feita na proporção das frações, ou seja, o rateio das despesas será feito na proporção do valor das unidades.

Além disso, o novo critério prevalece sobre os critérios estabelecidos nas convenções de condomínio existentes, pois o art. 2.035 do Código Civil, embora reconheça a validade das convenções anteriores, manda que seus efeitos futuros se submetam ao novo critério, e entre esses efeitos futuros estão as cotas de rateio de despesas que se vencerem após janeiro de 2003.

O critério é injusto e contrário à ordem natural das coisas, pois não é razoável que alguém pague por determinado serviço quantia maior ou menor do que o valor efetivo do serviço utilizado. Considere-se, por exemplo, um edifício composto de 2 apartamentos por andar, ambos com a mesma área de construção, sendo um de frente, de maior valor, e um de fundos, de menor valor. Na medida em que os apartamentos são iguais e usam os serviços na mesma proporção, devem suportar os encargos em igual proporção, mas pela nova regra o apartamento de fundos (porque é mais barato) pagará uma cota menor do que o apartamento da frente, embora ambos sejam do mesmo tamanho.

Nada justifica uma tal diferença de tratamento, pois se ambos os apartamentos têm o mesmo tamanho e usam os serviços do condomínio em igual proporção, devem pagar igual cota.

O novo critério cria um clima de incerteza, quanto à fixação do valor das unidades, porque o Código não dá nenhum critério de avaliação, e isso pode dar origem a intermináveis controvérsias. Não se sabe qual o valor que haveria de servir de base para cálculo da fração ideal: seria o valor do custo da construção ou o valor de mercado? a quem confiar a apuração do valor de mercado? Não seria razoável considerar o preço de aquisição da unidade? Ou o valor venal constante do carnê do IPTU ?

De outra parte, não há nenhuma correspondência entre o valor das unidades e o custo de manutenção do edifício, pois, afinal, o zelador não zela mais pelo apartamento mais caro, nem o faxineiro limpa menos a janela do apartamento mais barato.

Ora, o orçamento do condomínio e o rateio das suas despesas são matéria de natureza privada, que diz respeito somente à sua economia interna, na qual a lei não deve interferir.

Em suma, o novo critério é subjetivo, iníquo e contrário à natureza jurídica e econômica da organização condominial. A solução é revigorar o critério da Lei n° 4.591/64, pelo qual as partes tinham autonomia para deliberar sobre essas questões. Afinal, se há uma coisa em que a lei não deve intervir é na autonomia das pessoas para formular seus próprios orçamentos pessoais e para deliberar o modo como querem dividir seus gastos com seus parceiros no condomínio.

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3.4.2. – Responsabilidade do adquirente pelos débitos condominiais – Outro aspecto relevante nas normas sobre o condomínio edilício é a explícita caracterização da contribuição condominial como obrigação propter rem. Diz o art. 1.345 que "o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios."

Essa responsabilidade já vinha sendo consagrada pela jurisprudência, mas os tribunais ainda vacilavam em alguns casos peculiares, como, por exemplo, na falta de registro do título aquisitivo.

A meu ver, o problema persistirá, em atenção ao princípio da efetividade do processo, pois na execução do julgado o que visa o Condomínio é a excussão da unidade imobiliária à qual o débito está vinculado.

Com efeito, de nada servirá a cobrança somente ao adquirente da unidade se o título não está registrado em seu nome, pois, ao final do processamento da ação, será necessário penhorar e leiloar a unidade, e para tal fim é absolutamente necessária a participação daquele em cujo nome a unidade estiver registrada no Registro de Imóveis. A solução até agora adotada pelo Judiciário – e que, ao que me parece, continuará sendo adotada – é a inclusão do antigo titular do imóvel no pólo passivo da ação.

* Melhim Namem Chalhub é Consultor Jurídico da ABECIP
 



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