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Seminário de regularização fundiária - Aspectos registrais, urbanísticos e ambientais - Christiane Reyder*


O Seminário de Regularização Fundiária, realizado por iniciativa do IRIB – Instituto de Registros Públicos do Brasil – em parceria com o MPSP – Ministério Público do Estado de São Paulo, foi palco de avançadas discussões e importantes reflexões que em muito poderão contribuir para o estudo do assunto, que hoje é foco de atenção de toda a sociedade e ocupa uma das primeiras posições na pauta de ações do novo Governo.

De modo geral, do Seminário se extraiu um consenso tácito quanto ao prejuízo público já ocorrente em função dos assentamentos irregulares. Tratou-se de levantar questões importantes a serem consideradas na busca de soluções de regularização, com o cuidado de não se perder na discussão estéril de que tais ocupações são, em sua maioria, incompatíveis com a preservação do meio-ambiente. Este argumento, não obstante constituir constatação da realidade, não enfrenta o problema, quedando-se inerte diante da situação posta, e paradoxalmente termina por agravar ainda mais o próprio meio-ambiente - base de sua sustentação. Desta forma, a preocupação com a realidade esteve presente nas falas de praticamente todos os palestrantes, ainda que subliminarmente, tendo seu fechamento no último painel, na expressão da advogada Dra. Bethânia Alfonsin: “não podemos fazer de conta que as pessoas não estão ali”.

Foi, portanto, com esta responsabilidade, vislumbrando a diretriz do desenvolvimento sustentável da cidade, que a questão da regularização fundiária foi tratada durante todo o Seminário.

Exemplificativamente apresentou-se a experiência da cidade de São Bernardo do Campo, que tendo unido esforços do Poder Público Municipal, do Ministério Público, da Comunidade diretamente envolvida e da sociedade civil de modo geral, tem conseguido resultados surpreendentes, que são apenas indício da viabilidade do desenvolvimento sustentável, que desafia a criatividade de todos os setores e “atores” da sociedade.

Restou evidenciado o aspecto vinculado da atividade registral, especialmente moldada pela lei. Contudo, relataram-se práticas corajosas do passado e do presente, que antes de ferir o princípio da legalidade, deram concreção a outro princípio igualmente cogente, por ser da essência do próprio Estado – o da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, entendido o interesse público como uma dimensão pública dos interesses individuais, como interesse dos indivíduos enquanto membros do corpo social. E tais atos foram praticados não em afronta ao princípio da legalidade, mas, ao contrário, sob a sua égide, com a peculiaridade de se conceber os antigos institutos, e suas próprias funções de Juízes Corregedores, Juízes de Varas de Registros Públicos, Ministério Público e Administradores Públicos com novos contornos, numa dimensão mais ampla, compatível com a nova Ordem Constitucional.

Destaca-se a iniciativa do IRIB, enquanto instituto de estudo e pesquisa, que se uniu ao Ministério Público de São Paulo neste evento capaz de lançar luzes sobre o tema - de reconhecida complexidade. O Seminário evidenciou a lucidez dos registradores de imóveis do Brasil, através do IRIB, quanto à sua responsabilidade social e a necessidade de sua ativa participação neste processo de discussão e amadurecimento, posicionando-se como efetivos agentes para as mudanças.

Consenso também se extraiu deste Seminário quanto à necessidade de uma regulamentação uniforme, para todo o país, ainda que consistente em normas gerais, para a questão da regularização fundiária, em especial a adequada formalização do procedimento, resguardando-se direitos individuais e coletivos, numa preocupação com a efetividade das políticas públicas, sem o comprometimento da segurança jurídica.

Foram analisados de modo específico diversos instrumentos e situações, como a desapropriação judicial, a usucapião coletiva, a possibilidade jurídica de desafetação dos bens de uso comum do povo, para destiná-los ao fim de moradia (considerando, inclusive, a chamada “desafetação de fato”), os condomínios fechados,  a concessão especial para fim de moradia, dentre outros.

Discutiu-se também sobre o conteúdo da expressão “regularização fundiária” e a participação do Poder Judiciário e dos Cartórios de Registro de Imóveis. Colocou-se a questão de demandas judiciais relativas à propriedade de terras ocupadas sob a forma de assentamentos informais: a simples alteração formal da titularidade do direito dominial não enseja a regularização preconizada pelo Estatuto da Cidade, nem o cumprimento da função social da propriedade, tampouco realiza o direito social de moradia. Deveria o Poder Público Municipal participar deste processo? Em que medida? Operada a aquisição judicial do domínio, poderiam os Cartórios de Registro de Imóveis registrar a respectiva carta de sentença, prescindindo de análise de questões de planejamento urbano-ambiental? E poderiam proceder ao fracionamento da gleba, individualizando as ocupações? Vale lembrar que, segundo preceitua a Constituição Federal, a função social da propriedade imobiliária urbana é determinada pelo Plano Diretor. A transferência da titularidade da propriedade da gleba para os respectivos moradores, ou associação que os represente, conferir-lhes-ia o direito de permanência na área ocupada, independentemente da política urbano-ambiental? Caso contrário, em se concluindo pela necessária realocação daquela comunidade, a prévia transferência da propriedade da terra em muito dificultaria a implementação de ações neste sentido, uma vez que colocaria o Poder Público diante dos legítimos proprietários do terreno, com direito, inclusive, à indenização pela sua desapropriação. Enfim, o impacto potencialmente gerado por uma ou outra exegese da nova legislação e dos instrumentos que consagra, deve ser responsavelmente avaliado, num espectro maior de consideração de seus efeitos. E este aspecto foi habilmente debatido no Seminário.

Avançou-se, portanto, neste evento, no estudo e reflexão sobre a regularização fundiária, com compartilhamento de preciosas experiências e pontos de vista técnicos de áreas distintas, convergindo todos para os mesmos fins. E teve o Seminário o condão de reforçar a imprescindibilidade do envolvimento dos titulares de Cartórios de Registro de Imóveis e do Poder Judiciário nesta discussão, dada a relevância de suas participações nos procedimentos, que não se resumem em singelas aplicações da lei.

*Christiane Reyder é advogada especialista em direito urbanístico.



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