BE775

Compartilhe:


 

As prefeituras municipais e a regularização dos loteamentos - Gilberto Valente da Silva


I Introdução

Os loteamentos irregulares proliferam no Brasil, causando sérios transtornos para os compromissários-compradores de terrenos formados a partir de projetos nessa situação.

Os reflexos são sensíveis também para os que tenham pagado à vista os lotes e para aqueles que se tenham tornado promitentes cessionários dos primitivos compromissos.

Por primeiro há que se conceituar o que seja loteamento urbano irregular e, nessa tarefa, iremos verificar que, basicamente, há dois tipos de irregularidades: a técnica e a jurídica.

O loteamento é tecnicamente irregular se: a) executado sem aprovação da prefeitura municipal; b) executado sem aprovação da prefeitura municipal, mas em desacordo com o projeto; e c) executado de acordo com o projeto aprovado, mas sem obediência ao cronograma de obras.

Do ponto de vista jurídico, o loteamento pode ser considerado irregular se: a) não tiver sido inscrito (antes de 1976) ou registrado (depois de 1976) no registro de imóveis e houver venda a prazo ou com oferta pública; e b) não tiver sido registrado, para qualquer tipo de venda, a partir da vigência da lei 6.766/79.

Mas, cumpre ressaltar que, sob esse aspecto, há uma enorme gama de variáveis em relação à falta de registro do loteamento, entre as quais se destacam.

a) O loteador é apenas compromissário comprador da gleba loteada. Até o advento da lei 6.766/79 se entendia que apenas o proprietário poderia lotear, em face do que dispunha o artigo primeiro do decreto-lei 58/37. Assim, embora tivesse aprovado o plano de loteamento e, muitas vezes, o tivesse executado regularmente, não poderia registrá-lo, salvo depois de obter o domínio da gleba.

b) Se o loteador for proprietário de uma gleba, há divergência, para maior, entre o que consta do registro e o plano aprovado. Enquanto não retificado o registro (artigo 860 do Código Civil e artigo 213 da Lei de Registros Públicos), não pode obter o registro do loteamento.

c) O loteador dispõe de título que, por qualquer forma, deve ser regularizado para ingressar no registro imobiliário (v. g., cessão de direitos hereditários, etc., posse com os elementos do usucapião).

As prefeituras municipais não examinam a prova de propriedade da gleba e, quase sem exceção, dispõem de textos legais que as autorizam aprovar os projetos sem exame dessa prova. Costumam mesmo exigir que dos projetos conste que a aprovação não implica o reconhecimento do direito de propriedade sobre a área loteanda.

Por derradeiro, há os loteamentos executados criminosamente, por pessoas que não têm e nunca tiveram quaisquer direitos sobre a gleba loteanda. São verdadeiros estelionatários, que prometem vender ou vendem imóveis dos quais nunca foram proprietários e sobre os quais nenhum direito real possuem.

Para esses últimos loteamentos não há a menor possibilidade de regularização.

II Histórico

Até o advento da lei 6.766/79, as prefeituras municipais não dispunham de instrumental que lhes permitisse a regularização de loteamentos irregulares, salvo a movimentação de ação para compelir o loteador a efetuar o registro de acordo com o decreto-lei 58/37 ou a executar as obras.

Em outros casos, lançava mão, como é o caso da Prefeitura de São Paulo, de penalidades fiscais, impondo multas ao loteador tão-só pela irregularidade ou fazendo acréscimo no imposto territorial.

Por qualquer forma, não é do nosso conhecimento a movimentação de ações que visassem compelir o loteador a registrar o loteamento ou a executar as obras. As providências, assim, se restringiam ao aspecto fiscal e não possibilitavam a regularização do loteamento, ao menos como se entende hoje, para permitir a satisfação dos interesses dos compromissários compradores, além do atendimento às exigências urbanísticas. Ao contrário, nos casos em que, por expressa vedação legal, o imposto territorial não possa ser lançado individualmente sobre cada lote, enquanto não regularizado o loteamento, a sobrecarga fiscal incidente sobre a gleba vem sendo sempre repassada aos compromissários compradores, sem qualquer efeito, portanto, em relação ao loteador.

Em 1975, instalado pelo doutor Augusto Nascimento Franco, então procurador da Prefeitura do município da capital, em procedimento instaurado a requerimento desta, proferimos decisão (em anexo), em que abríamos as portas do registro imobiliário da capital para que a municipalidade pudesse, ao menos, ver resguardado o domínio público sobre as ruas, espaços livres, áreas institucionais dos loteamentos que tivessem sido aprovados, impedindo, por qualquer forma, que a gleba fosse vendida por inteiro ou que, por qualquer artimanha, o loteador alienasse também aqueles espaços.

Com essa decisão, uma vez averbada a abertura de tais logradouros, tendo como apoio a orientação do decreto-lei 271/67, os compromissos de venda e compra passaram a ser registrados como se se tratasse de desmembramento.

Vale reproduzir o artigo primeiro, parágrafo segundo, e artigo quarto do referido decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, para melhor compreensão da solução então encontrada.

“Artigo 1o – O loteamento urbano rege-se por este Decreto-Lei.

Parágrafo 2o – Considera-se desmembramento a subdivisão de área urbana em lotes para edificações na qual seja aproveitado o sistema viário oficial da cidade ou vila sem que se abram novas vias ou logradouros públicos e sem que se prolonguem ou se modifiquem os existentes.

Artigo 4o – Desde a data da inscrição do loteamento passam a integrar o domínio público de Município as vias e praças e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.”

Assim, uma vez registrado o compromisso, caracterizado o desmembramento, a parte jurídica do problema estava aparentemente solucionada. Em verdade, nesses casos a solução servia apenas quando o loteador fosse o proprietário da área loteada.

Ao menos o registro de seu compromisso obtinha o compromissário comprador, possibilitando-lhe, em conseqüência, postular a regularidade de seu terreno junto à municipalidade, obter aprovação para edificação e lançamento individualizado do imposto territorial, ou, ainda, a legalização da edificação eventualmente introduzida.

De evidente que a solução não era a melhor nem servia a todos os tipos de problemas, especialmente quanto às obras que o loteador deixara de executar, mas, em face das leis vigentes, era o máximo que podia obter.

Certa feita, o ilustre representante do Ministério Público contestou a validade da decisão proferida em pedido idêntico da municipalidade. Apreciando o recurso, a E. Corregedoria-Geral da Justiça negou-lhe provimento, nos seguintes termos.

“Isto posto, o engano está exatamente em sustentar-se que a transferência de domínio, nos logradouros tornados públicos, só se opera com a transcrição.

Se assim fosse, isto é, se a Administração Pública estivesse sujeita exclusivamente às regras do Direito Civil, poderia ter razão o ora recorrente, em insistir no chamamento do titular da transcrição. Possivelmente, nem se devesse falar em jurisdição contenciosa, por se vislumbrar nela verdadeira ação reivindicatória.”

“A rigor, a intervenção do Juiz Corregedor seria até dispensável. Se a Municipalidade instruía seu requerimento com certidão da existência do logradouro, e planta da qual constam a área por este ocupada, além de sua exata localização, ao Oficial do Registro Imobiliário não seria lícito negar a averbação. Permite-a o artigo 167, inciso II, no 4, satisfeitos os requisitos do parágrafo único do artigo 246, ambos da Lei no 6.015/73, na redação dada pela Lei no 6.216/76.

Ocorre, por outro lado, que a Administração municipal adquire o domínio dos logradouros, não segundo as regras do Direito Civil, mas conforme as do Direito Administrativo.

Com efeito, não será a averbação pleiteada pela Municipalidade que efetivará a transferência do domínio. Ela já se operou pela destinação das áreas do arruamento ao uso comum do povo, modo originário de aquisição de bens pelo Poder Público do Município.

É, aliás, que resulta do sistema legal, e está reafirmado na doutrina e na jurisprudência, como se vê na obra do eminente Prof. Hely Lopes Meirelles, ao observar – em lição completa, e elucidativa – que ‘não há, nem pode haver vias e logradouros públicos como propriedade particular. Toda área de circulação ou de recreação pública é bem de uso comum do povo e, portanto, bem do domínio público por destinação, dispensando titulação formal para o reconhecimento de tal dominialidade’” (Cf. Direito Municipal Brasileiro, 3.ed. refundida. Revista dos Tribunais, 1977, p.621/2).

Nada importa tratar-se de “loteamento irregular”.

Ao retalhar o imóvel, o proprietário deixou os espaços destinados à circulação e ao uso comum. E isso foi levado em conta na celebração dos contratos objetivando a alienação ou aquisição dos lotes. É fora de controvérsia – observa a propósito Waldemar Ferreira – que, “tendo sido o plano de loteamento, em seu conjunto e nos seus pormenores, parte predominante na formação da vontade dos compradores de lotes, não deve ser essa situação modificada de tal forma que, se outra fosse, ou eles não teriam feito a compra ou somente a teriam realizado mediante o pagamento de menor preço” (O Loteamento e da Venda de Terrenos em Prestações, v.1/116, Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1938).

Assim também, perante o poder público. Ao fazê-lo, loteando o imóvel e reservando espaços às vias e logradouros públicos, o proprietário sabia de antemão que tais áreas se destinavam ao domínio público. Isso equivaleu à sua oferta, para que esses espaços tivessem tal destinação. A aceitação, pela municipalidade, torna-se patente, pelo seu requerimento, ao propugnar pela regularização do statu quo, mediante a averbação dos logradouros, de modo a que estes se tornem, incontestavelmente, bens de domínio público.

E, outrossim, nem precisam ser considerados aqui os motivos sociais, já ressaltados na decisão normativa do MM. Juiz da Primeira Vara de Registros Públicos e reconhecidos pelo próprio e ilustre recorrente.

Em vista do exposto, nego provimento ao recurso.

São Paulo, 12 de maio de 1980.

(a) Desembargador Adriano Marrey

Corregedor-Geral da Justiça

De outra feita, em consulta feita pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil à E. Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, a matéria voltou a ser ventilada, valendo conhecer os termos da indagação e da resposta.

“A mesma solução será aplicável aos arruamentos que vêm sendo regularizados pela Municipalidade, com a averbação da abertura das respectivas ruas?

Sim. Os arruamentos que vêm sendo regularizados pela municipalidade de São Paulo constituem situações irreversíveis, tanto que apenas se cuida de sua regularização. Não há como fazer incidir, retroativamente, quanto a eles, a lei nova” (Diário Oficial da Justiça, 18/2/1980).

“No que se refere aos desmembramentos de lotes que já venham sendo lançados individualmente pela Municipalidade, poderá o registro ser feito sem observância do disposto no art. 18 e seus parágrafos, da nova lei?

Sim, porque a Lei no 6.766/79 não é retroativa. Se a Municipalidade, quando do advento da nova lei, já havia lançado tributo sobre parcela do imóvel é porque, implicitamente, havia reconhecido o desmembramento anterior” (Idem, ibidem).

Resumidamente, pois, colocamos a forma até então utilizada pela Prefeitura municipal de São Paulo, com o apoio da Primeira Vara de Registros Públicos, que detém a Corregedoria-Permanente dos Cartórios de Registros de Imóveis da Capital para regularização dos loteamentos, forma essa que aparentemente se destinava ao resguardo dos direitos da municipalidade em relação às vias de circulação e espaços livres, mas permitia, como conseqüência, o registro dos compromissos e de escrituras de venda de lotes, uma vez que se tratava de desmembramento de terrenos, com frente para vias públicas existentes.

III Atuação da Prefeitura da capital de São Paulo na regularização dos loteamentos

Com a promulgação da lei 6.766/79, as prefeituras se viram munidas do instrumental legislativo necessário e adequado, que, havendo irregularidade nos loteamentos, elas assumissem a posição ativa de promover a regularização.

Os dispositivos legais que constituem esse equipamento são os artigos 38, incisos segundo e quinto, 40 e 41, da mencionada lei.

Evidentemente, haverá várias formas de utilização desses dispositivos, ao sabor das várias municipalidades e de acordo com as peculiaridades locais.

A idéia deste trabalho é trazer ao conhecimento dos senhores congressistas como vem a Prefeitura municipal de São Paulo se utilizando desses meios e qual a forma encontrada para atingir seu objetivo.

E nesse mister é conveniente ressaltar o trabalho do oficial do cartório de registro de imóveis, a quem competem importantes atribuições que lhe foram entregues por força da nova lei regulamentadora do parcelamento do solo urbano.

Em conseqüência da não-exigência de comprovação do domínio da área loteada, quando da aprovação do projeto, o mais sério problema enfrentado pela prefeitura municipal tem sido, em primeiro lugar, a obtenção da prova de propriedade e, ao depois, o exame dessa prova em cotejo com a gleba loteada.

A precariedade dos elementos inseridos nos processos em que foi apreciado o pedido de aprovação do loteamento tem sido causa, também, dos obstáculos encontrados para a identificação do loteador e sua posterior localização.

Essa localização vem sendo tentada por todas as formas, valendo-se dos elementos que existem nos processos, inclusive nas próprias plantas, e, muitas vezes, dos engenheiros que teriam sido os autores dos projetos.

Obtida a prova do domínio e feita a adequação do imóvel loteado dentro desse domínio, há elementos seguros e positivos para o depósito do pedido de averbação, já não mais com a simples finalidade de defender os direitos do poder público em relação às vias de circulação e espaços livres, mas também para transmitir, ao oficial do cartório de registro de imóveis, todo o plano de loteamento, inclusive com a demarcação dos lotes, conforme a realidade encontrada.

Muitas vezes, há casos em que, além da ausência do registro do loteamento, o loteador executou o parcelamento do solo em desacordo com a planta aprovada, o que obriga que ela seja feita (ou refeita), para adequá-la à realidade.

Paralelamente, o setor técnico efetua vistoria no local, o que é feito por engenheiros e arquitetos, que, em impresso bastante simplificado, fornecem um laudo sobre a situação atual do loteamento, indicando as obras executadas e as que devem ser feitas pelo loteador omisso.

Essas obras são exigidas ou conforme o termo de compromisso por ele assinado ao tempo da aprovação do loteamento, ou segundo a legislação vigente ao tempo dessa aprovação.

Apurada a necessidade de execução de obras, o loteador é intimado para tomar conhecimento de sua exigência.

Concede-se-lhe um prazo para que apresente a defesa, mediante a qual exponha as razões pelas quais não pretende assumir a responsabilidade dessa execução, ou cronograma físico para a efetivação das mesmas obras.

Apresentada ou a defesa, ou o cronograma, a peça é analisada. Se se trata apenas de alegações, o setor jurídico se detém no exame do que é invocado e decide se perdura ou não a obrigatoriedade da execução. O cronograma físico é examinado não só quanto ao prazo de execução, mas também quanto às obras que ele encerra.

Aceito o cronograma originariamente apresentado ou outro que venha a ser exibido, em complementação, o loteador firma compromisso e recebe autorização para a execução das obras.

No curso do prazo concedido para a realização das obras é feita a denominada vistoria de acompanhamento, elemento que permite apurar se o cronograma vem sendo cumprido e se as obras vêm sendo executadas de acordo com as técnicas adequadas.

Encerrado o prazo fixado, efetiva-se a vistoria de aceitação das obras e, quando estas se apresentem em ordem, é expedido auto de regularização (em anexo), para entrega ao loteador e que tem efeitos administrativos importantes.

Na hipótese de recusa das obras, prossegue-se, regularizando-se o loteamento apenas quanto à parte jurídica, remetendo-se o processo à procuradoria judicial para acionar o loteador e obter dele, via judicial, a execução das obras ou a quantia em dinheiro correspondente a elas.

Assim, fecha-se o conjunto, com a execução das obras de responsabilidade do loteador e com a prova de propriedade da gleba, inteiramente de acordo com a área loteada.

Encaminhada ao cartório, resta examinar qual o ato de registro a ser praticado.

Prosseguindo na prática anterior, os cartórios têm apenas feito a averbação da abertura dos logradouros e da reserva dos espaços livres na matrícula do imóvel, passando, em seguida, a registrar os compromissos e escrituras de venda nas matrículas dos lotes, que vão abrindo à medida que são apresentados tais títulos a registro.

Estabelece o artigo 41 da lei 6.766/79 que,“regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote, comprovado o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderá obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado”.

Há, pois, que examinar o que se deve entender como regularização do loteamento pela municipalidade.

Deixado que foi, para a municipalidade, fazer a exigência da execução pelo loteador, de obras, que no mínimo compreendam a abertura das vias de circulação, a demarcação dos lotes e a execução de galerias para escoamento de águas pluviais (art.18, inc.V, lei 6.766/79), cumpre saber se nessa regularização está ou não a municipalidade obrigada a depositar em cartório o pedido de registro do loteamento, com todos os documentos a que alude o artigo 18 citado, cumprindo-se todo o processo, inclusive com a publicação de editais.

A resposta, evidentemente, há de ser negativa, considerando o fim social objetivado e que essa regularização, pela prefeitura municipal, é forma anômala de fazer o loteamento ingressar no registro imobiliário.

Não se há que exigir, portanto, do poder público, que comprove a inexistência de ações contra o loteador ou a inocorrência de protesto de títulos de sua responsabilidade, ou que faça o memorial descritivo, ou que demonstre não haver débitos fiscais que, onerando a gleba, possa prejudicar os compradores, nem que apresente o modelo do contrato-padrão.

A dispensa desse procedimento é conseqüência de um fato simples: o loteamento irregular já foi executado e os lotes compromissados, de tal forma que não se busca prevenir futuros prejuízos, mas reparar faltas antes cometidas.

Por conseqüência, basta que a prefeitura requeira, com fundamento no artigo 41 da lei 6.766/79, o registro do loteamento, e este, uma vez comprovada a propriedade do loteador sobre a gleba, matriculada esta, deverá ser registrado pelo cartório, sem a apresentação dos documentos referidos no artigo 18 da lei citada em publicação dos editais.

O título, para fins dos artigos 167, inciso I, no 19, e 221, inciso II, da Lei de Registros Públicos, é o requerimento da prefeitura municipal.

O cartório fará um único registro, consignando que é feito a requerimento da prefeitura municipal e com esteio no artigo 41 citado, abrindo, em seguida, ficha auxiliar para controle dos registros dos compromissos e dos títulos de transmissão definitiva dos lotes, a exemplo do que faz quando o loteamento é registrado a pedido do loteador.

IV Alguns problemas jurídicos surgidos com a titulação

De acordo com o artigo 516, parágrafo terceiro, da lei municipal 8.266, de 20 de junho de 1975, a prefeitura, por errônea interpretação do artigo 1.136, parágrafo único, do Código Civil, admitiu o parcelamento do solo de área que seja superior, até 5%, daquela constante do registro. Dizemos equivocadamente porque esse dispositivo da lei civil somente regula as relações entre este último e o poder público, em especial entre o particular e o registro imobiliário.

Dessa forma, se o loteador apresentou e viu aprovado plano de loteamento de gleba que contenha área superior à do título, estará ele obrigado, para obter o registro do loteamento, a providenciar a retificação do registro (Código Civil, art. 860, e Lei de Registros Públicos, art. 213), antes de requerer o registro do loteamento, no qual cabe ao oficial verificar se o plano está ajustado ao registro, devolvendo os documentos ao apresentante quando houver incoincidência entre o imóvel registrado e o que deu suporte à aprovação do plano.

Outra situação que freqüentemente tem sido enfrentada pela prefeitura municipal é aquela relativa a loteamento de gleba formada por dois imóveis distintos, de titulares diferentes, que somaram propriedade e recursos para único loteamento.

Do ponto de vista administrativo, não há impedimento a esse procedimento. Entretanto, o obstáculo se apresenta por ocasião de registro imobiliário, uma vez que, segundo o artigo 235 da Lei de Registros Públicos, a unificação de imóveis, com abertura de uma única matrícula, em que deva ser registrado o loteamento, teoricamente, pressupõe que os imóveis pertençam ao mesmo proprietário.

A solução prática encontrada para contornar o óbice, quando esse registro é postulado pelos loteadores, é que antes eles permutem partes ideais de seus imóveis, para, após o registro da permuta, postularem a unificação dos imóveis, com abertura de matrícula única.

Entretanto, quando a regularização é feita pela prefeitura municipal, não vislumbramos motivo para o cartório recusar a abertura de matrícula única para o registro do loteamento.

Há que dar interpretação a mais ampla possível, partindo-se da premissa segundo a qual, se duas pessoas, titulares de imóveis contíguos, os juntaram para o projeto de loteamento, conjugaram seus direitos e estabeleceram uma comunhão.

Não haverá, portanto, impedimento para que se abra uma única matrícula e se registre o loteamento, cuidando-se, apenas, de anotar quais os lotes de um e de outro para verificar e conferir os compromissos e escrituras, que só podem ser firmados por aquele que for o titular do domínio. Se eventualmente um lote for composto de parte da área de um e parte da área de outro proprietário, ambos deverão comparecer no compromisso ou na transmissão definitiva.

O que não parece válida é a recusa do registro do loteamento ou do registro dessa regularização, quando pleiteada pela municipalidade, sob a argumentação de que é impossível a abertura da matrícula com a unificação de imóveis, objeto de transcrições ou matrículas, porque de proprietários distintos.

Cuide-se que, com o registro do loteamento, o cartório disporá de elementos seguros para aferir a disponibilidade em poder do loteador, uma vez que irá eliminando os lotes compromissados ou transmitidos definitivamente, e esse controle não se dará apenas pela subtração das áreas compromissadas ou transmitidas, da área total originária.

V A suspensão do pagamento das prestações ao loteador

Dispõe o artigo 38, da lei 6.766/79 que, verificado que o loteamento é irregular, ou quanto à execução das obras, ou quanto ao registro, podem, o compromissário comprador, o Ministério Público ou a prefeitura municipal, notificar o loteador para suprir a falta.

O loteador, em face da irregularidade do loteamento, poderá, portanto, ser notificado para sanar a falha: a) pela prefeitura municipal; b) pelo Ministério Público; e c) pelo adquirente do lote.

Essa notificação tanto pode ser feita pelo cartório de registro de imóveis como pelo cartório de registros de títulos e documentos (lei 6.766/79, art. 49), ou, ainda, pela via judicial.

Verifica-se que a lei não estabeleceu um prazo que a notificação deve conferir ao loteador para suprir a falta, de sorte que à intimação deve seguir a suspensão do pagamento das prestações, incontinente e independentemente de qualquer outra providência.

Diante da possibilidade de o loteador ser notificado e ter regularmente cumpridas suas obrigações, cabe-lhe requerer ao juízo ao qual competir a corregedoria do registro imobiliário, providências para a declaração administrativa da regularidade do loteamento e obter o levantamento das prestações que tenham sido depositadas pelos compradores, uma vez que, conforme o disposto no parágrafo terceiro, do artigo 38, da lei 6.766/79, esse levantamento sempre depende de autorização judicial.

Suspenso o pagamento pelo compromissário comprador, em conseqüência de notificação ao loteador, deve ele passar a depositá-las no cartório de registro de imóveis ao qual competir o registro do loteamento.

Na capital, considerando as enormes dificuldades que seriam enfrentadas pelos cartórios para essa prática, especialmente considerando o elevado número de loteamentos irregulares até então existentes (cerca de 4.500 ), o que exigiria a implantação, em cada serventia, de um verdadeiro departamento para atender os compradores, o controle dos depósitos, a elaboração de contas-correntes e o atendimento, mensal, de milhares de depositantes, após entendimentos mantidos com o doutor Reynaldo Emygdio de Barros, DD. prefeito da capital, e com a Caixa Econômica de Estado de São Paulo, iniciamos estudos para a criação de um sistema prático que desse pronto atendimento aos compradores, sem descumprir a lei.

Tendo deixado a Primeira Vara de Registros Públicos, o ilustre magistrado Narciso Orlandi Neto cuidou de disciplinar a matéria, editando para tanto o provimento 9/80 (em anexo), que estabelece o procedimento a ser adotado em tais ocasiões.

Das inovações introduzidas, deve ser destacada a possibilidade de o compromissário comprador efetuar os depósitos em qualquer agência da Caixa Econômica de Estado de São Paulo, uma vez que lhe é entregue, pela prefeitura municipal, um carnê que possibilita esse pagamento, sem necessidade de, mensalmente, se dirigir ao cartório para esse fim.

Para os cartórios, a solução foi sobremodo feliz, porque os dispensou da execução da tarefa, totalmente estranha às suas atividades regulares, para as quais não estavam aparelhados e para cujo desempenho fatalmente teriam de investir altas somas, à vista dos vários controles contábeis que deveriam criar, com a contratação de pessoal, confecção de impressos, abertura de contas individuais em estabelecimentos oficiais, etc.

Para a prefeitura municipal, o procedimento também ofereceu vantagens, tendo em vista que a sua participação efetiva no “cadastramento” dos compradores lhe dá um panorama financeiro das quantias que deverão ser depositadas e do total a ser arrecadado, verificando se o quantum lhe permite a regularização do loteamento, especialmente quanto à execução das obras. Sabe-se, com antecedência, se podem ser feitos investimentos em tais obras sem onerar os cofres da prefeitura, sempre carente de recursos pela má distribuição de receita.

O provimento citado, portanto, se transformou em importante instrumento na regularização dos loteamentos, beneficiando os compradores, os cartórios e a prefeitura municipal, embora seja esta a única a despender funcionários para a emissão dos carnês.

Nos anexos que se juntam ao final do trabalho se encontram modelos dos vários impressos utilizados com essa finalidade, inclusive daqueles destinados a levar aos compradores o conhecimento das vantagens do sobrestamento do pagamento das prestações ao loteador.

Esse procedimento tem sido denominado consignação administrativa, não porque o compromissário comprador encontre obstáculo para efetuar o pagamento, mas porque, legalmente, está impedido de fazê-lo, e o loteador, impedido de receber após a notificação a que se refere o artigo 38 já citado.

Essa inovação introduzida pela lei 6.766/79 tem sido aplaudida por todos quantos têm escrito ou feito conferências a respeito da nova Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

De fato ela se coloca como um dos mais importantes instrumentos que o novo diploma pôs à disposição não só dos compromissários compradores, para ajudá-los a compelir o loteador a regularizar o loteamento, senão também das prefeituras municipais.

Com efeito, tem-se sustentado que a sanção econômica consistente no bloqueio dos pagamentos é sempre mais sentida pelo loteador que pela ameaça do procedimento penal. De fato, privado da “carteira”, isto é, da soma dos valores das prestações, o loteador se vê, repentinamente, desfalcado do seu orçamento, que, se não corresponde à reposição do empreendimento, ao menos consubstancia o lucro da sua atividade.

Exatamente por esse motivo é que o legislador, sabiamente, condicionou o levantamento das prestações depositadas à decisão do juízo administrativo dos registros públicos, mediante procedimento de jurisdição voluntária em que a prefeitura municipal deve ser necessariamente citada.

Mais uma vez, portanto, o legislador deu realce à atuação das municipalidades na regularização dos loteamentos, pois é óbvio que, se o loteamento permanecer irregular, elas não concordarão com esse levantamento.

Cuide-se, ainda, que o artigo 38, parágrafo quinto, da lei 6.766/79, citada expressamente, dispõe que, se notificado, o loteador não regularizar o loteamento no prazo contratual ou se essa regularização se fizer pela prefeitura municipal, “não poderá, a qualquer título, exigir o recebimento das prestações depositadas”.

Há, portanto, que se verificar a diversidade de situações: num primeiro passo, as prestações depositadas em cartório, em conseqüência da notificação a que se refere o artigo 38, parágrafo primeiro, podem ser levantadas pelo loteador que regularizou o loteamento (art.38, §3); num segundo momento, se o loteamento foi regularizado pela prefeitura municipal, o loteador perde o direito ao montante depositado.

Se a prefeitura municipal, para a regularização, despendeu quantia inferior à depositada ou se nada despendeu, entendemos que não pode o loteador perder, em favor da municipalidade, aquele montante, pois para ela esse recebimento configuraria enriquecimento sem causa. Omitiu-se o loteador, deixando de disciplinar a hipótese. Se, entretanto, se entender que essa perda representa uma penalidade civil imposta pela irregularidade do empreendimento, restaria ainda uma lacuna consistente em não se ter estabelecido o destino da quantia.

A redação desse parágrafo quinto não é das melhores, porque se refere à falta de atendimento da notificação até o vencimento do prazo contratual. Ora, sabemos que os vários lotes são compromissados em tempos diversos, razão pela qual será difícil estabelecer qual dos contratos deve ser tomado por base para a fixação do termo final. Seria o primeiro contrato celebrado? Ou o último? Deve considerar-se o primeiro contrato registrado?

Veja-se que ainda uma vez o loteador omitiu ponto essencial, que, sem dúvida, implicará sérias divergências por ocasião da atuação do dispositivo legal ao caso concreto.

Se a intenção foi ter como base o prazo fixado no contrato-padrão, não se pode perder de vista que, não tendo sido registrado o loteamento, nem sempre será fácil obter-se o contrato modelo, assim como não será descartável a hipótese de ter o loteador celebrado contratos com diferentes prazos de cumprimento.

Por qualquer forma, em futura modificação de texto, cumprirá satisfazer, de forma clara e precisa, o que se pretendeu.

O dispositivo seguinte trata da regularização do loteamento pela prefeitura municipal, uma vez desatendida a notificação pelo loteador. Cuidamos, apenas, que essa regularização não é um simples poder-dever que se transforme em norma de conduta apenas para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e se cinja, como aparente deflui do texto, aos aspectos técnicos do loteamento, pois a parte final do artigo se refere, também, à defesa dos direitos dos adquirentes de lotes, o que, necessariamente, à prefeitura implica providenciar o registro do loteamento, sem o que os compradores não terão condições de ingressar com seus compromissos, cessões, promessas de cessões ou transmissões definitivas no registro imobiliário.

Este o ponto fundamental que, ao final, trataremos com um pouco mais de atenção.

O parágrafo primeiro, do artigo 40, estabelece que, uma vez regularizado o loteamento, tal como o loteador, a prefeitura municipal, deverá obter em juízo o levantamento das quantias depositadas e seus acréscimos, para se ressarcir das despesas feitas, da forma mais ampla possível, pois abrange a execução das obras, o registro do loteamento bem como as desapropriações que se tenham feito necessárias.

A propósito, o ideal seria que, nos orçamentos dos municípios, fosse destinada, previamente, verba para esse fim, tendo em vista que sem essa situação, sabido que as comunas não dispõem de recursos para a execução de obras que importem em vultosas despesas, a possibilidade de fazer atuar esse dispositivo para execução das obras se torna remota.

Se o total das prestações depositadas não for bastante para satisfazer as despesas com a regularização do parcelamento, a prefeitura municipal, pelas vias judiciais adequadas, cuidará de obter do loteador a complementação até o integral ressarcimento. É o que estabelece o parágrafo segundo, que dispõe que a ação em questão poderá atingir todos aqueles que, tendo-se beneficiado com o empreendimento, façam parte do mesmo grupo econômico ou financeiro em conjunto com o loteador.

Não descartou, contudo, a lei, a possibilidade de, esgotadas todas vias para a prefeitura se ressarcir das despesas, venha a exigir dos compradores as quantias que tenham sido necessárias à regularização do loteamento, com obras e registros.

Se, à primeira vista, parece injusto esse dispositivo, não se verá a situação por esse prisma se atentarmos para que os compradores são os beneficiários diretos das obras e da normalidade jurídica do parcelamento.

Mas o que se deve ter em mira é que apenas depois de acionados o loteador e, eventualmente, aqueles que, na forma do artigo 47 da lei citada lhe sejam solidários, é que o poder público municipal poderá dirigir contra os compradores.

Por derradeiro, o artigo 41 da já mencionada Lei do Loteamento consagra dispositivo de grande alcance social e vem esteada em largo conhecimento da realidade da vida. Com efeito, se o loteador deixou de executar o loteamento conforme o plano ou não o registrou, se tomadas forem medidas coercitivas, especialmente aquela estabelecida no artigo 38, da mesma lei, não se disporá ele a outorgar a escritura definitiva, em cumprimento ao compromisso.

O compromissário comprador teria, uma vez obtido o registro do compromisso, que movimentar a ação de adjudicação compulsória ou, se ele não foi registrado, que requerer a ação a que aludem os artigos 639 e seguintes do Código de Processo Civil.

Ora, mais uma vez se imporiam ônus ao compromissário comprador, que já fora prejudicado pela irregularidade do loteamento.

Dessa forma, o dispositivo, repita-se, tem profunda repercussão, uma vez que permite ao comprador, uma vez recolhido o imposto de transmissão inter vivos, transmudar o seu compromisso em instrumento capaz de, registrado, lhe conferir o domínio do lote.

A propósito, cumpre destacar, ainda, que loteadores inescrupulosos têm exigido de compromissários compradores o pagamento de elevadas quantias para concordarem em assinar a escritura de venda e compra ou simplesmente para fornecer “minuta” dessa escritura.

Tendo presente esses episódios, a Supervisão especial da regularização de loteamentos e arruamentos vem de dirigir consulta e pedido ao MM. juiz de Direito da Primeira Vara de Registros Públicos, solicitando que aquela vara normatize, mediante decisão ou em provimento, a situação, orientando os compromissários compradores e os próprios cartórios de registro de imóveis, como proceder para integral cumprimento desse artigo.

A decisão a propósito não deve tardar, e a Prefeitura de São Paulo está certa de que, com o elevado espírito público que caracteriza a orientação daquele juízo, sempre disposto a atender às situações de alto interesse social, a matéria será apreciada com o mais profundo senso de Justiça.

Verificam, pois, os senhores, dessa exposição, que houve profunda modificação na sistemática dos loteamentos, armando o legislador as prefeituras municipais para interferir e atuar no campo da regularização dos loteamentos.

O instrumental legislativo posto à disposição de municipalidades atendeu aos justos reclamos da população, sempre carente de recursos, e, de regra, essa população, mais humilde, menos instruída é que sempre foi a grande vítima dos maus loteadores.

Para nós, o ponto central do posicionamento das prefeituras municipais está em que elas devem-se conscientizar da importância de assumirem uma atitude positiva e firme, serena e segura na regularização dos loteamentos.

Para tanto, devidamente armadas com o amparo legal acima examinado, podem e devem exigir dos loteadores a execução das obras a que ele está obrigado, podem e devem atuar no resguardo de seus padrões de desenvolvimento urbano.

Mas, em especial, entendemos que as prefeituras municipais estão legitimadas a registrar os loteamentos, sem obediência ao formalismo e ao processo do artigo 18, da referida lei 6.766/79.

A lei, portanto, criou dois tipos de loteamentos, do ponto de vista registrário, a saber, o voluntário, feito a requerimento do proprietário ou do compromissário comprador, e o ex ofício, na feliz expressão do ilustre sub-procurador da Justiça de São Paulo, Àlvaro Pinto de Arruda, um estudioso dos problemas registrários e profundo conhecedor da matéria.

O loteamento é registrado ex oficio, quando a prefeitura municipal se vale dos dispositivos da lei 6.766/79 para obter sua regularização e, além dos aspectos técnicos que ela envolve, sem dúvida ela compreende também o aspecto jurídico.

Do ponto de vista registrário, pouco importam as questões técnicas, as obras e sua execução, de sorte que aos oficiais do registro imobiliário cabe, como realçamos inicialmente, o papel de relevo na consecução dos objetivos da lei.

A aceitação, portanto, dessa proposição, isto é, da possibilidade e legitimidade para que as prefeituras municipais, sem o procedimento do artigo 18, da lei 6.766/79, requeiram o registro de loteamento, esteadas no artigo 40 da mencionada lei, é a conclusão deste trabalho, que submetemos à consideração dos que o examinam.

São Paulo, outubro de 1981.

Anexos

Decisão da 1a Vara RP/SP resguarda o domínio público sobre ruas, espaços livres e áreas institucionais de loteamentos aprovados

Vistos.

1. A Prefeitura Municipal de São Paulo veio a este Juízo requerer a averbação, à margem da transcrição no 85.158 do 11o Cartório de Registro de Imóveis, da abertura de ruas, praças, vielas, espaços livres e faixas reservadas para melhoramentos públicos caracterizados da planta que exibiu.

Alega que no processo administrativo no 8.629/66, A.R.M. e I.D. requereram e obtiveram, dela requerente, aprovação de plano de arruamento-loteamento, em área de sua propriedade, de 75.500 m2, situada na Estrada de Pirajussara, 29o Subdistrito, Santo Amaro, que houveram do espólio de G.M., conforme transcrição no 85.158, do 11o Cartório referido, e que esse arruamento foi executado de acordo com a planta aprovada, achando-se esses logradouros entregues ao uso comum do povo e assim pretendem resguardar os seus direitos sobre tais áreas.

A inicial veio instruída dos documentos de fls. 4/33. A requerimento da Curadoria de Registros Públicos, informou a Sra. Oficial do 11o Cartório de Registro de Imóveis, do que decorreu parecer favorável da Curadoria. Por cautela, foram intimados os titulares da transcrição.

Relatados, decido.

2. Por primeiro, consigne-se que este pedido resultou de longos estudos e entendimentos havidos entre este Juízo, a Prefeitura Municipal e Oficiais de Registro de Imóveis no sentido da regularização dos chamados loteamentos clandestinos.

Com efeito, ninguém desconhece a existência de loteamentos nessas condições, dos quais os maiores prejudicados são os homens simples do povo, que, tendo adquirido, com seus parcos ganhos, pequenos lotes, geralmente na periferia da Capital, não conseguem inscrever ou transcrever seus títulos, a falta de regular inscrição do loteamento no Registro imobiliário, conforme determina o Decreto-Lei no 58/37.

Milhares de casos dessa ordem são levados aos Registros de Imóveis, sem possibilidade de registro porque não consta da transcrição a averbação correspondente às aberturas de ruas, praças etc.

Não seria possível, como reiteradamente tem este Juízo decidido, averbar-se à margem das transcrições, pura e simplesmente, a abertura dos logradouros públicos, com esteio em sua oficialização ou reconhecimento pela Municipalidade, em vez que faltariam ao Cartório de Registro de Imóveis elementos seguros quanto à área destinada a tais espaços, com a finalidade de fazê-la subtrair da transcrição e verificar, ao depois, a disponibilidade de área em poder dos loteadores.

Daí, porque se entendeu que a única forma possível de se atingir o fim colimado seria a do presente procedimento, tendo em vista a conjugação de dois princípios já reconhecidos na sistemática do registro imobiliário, qual seja, o da afetação e o da destinação.

Estabelece o art. 3o do Decreto-Lei no 58/37 que a inscrição do loteamento torna inalienáveis, por qualquer título, as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e da planta.

Ora, o descumprimento, pelo loteador, de obrigação que a ele se impunha por força desse texto legal não pode, à evidência, beneficiá-lo.

Como pondera Waldemar Ferreira: “O ato registro (inscrição ou averbação, pelo na lei disposto, no art. 3o torna inalienável, por qualquer título, as vias de comunicação, e os espaços livres constantes do memorial e da planta). Padece, pois, em tais termos, restrição insigne o direito de propriedade do loteador sobre as vias de comunicação e espaços livres, conservando-o em inteira plenitude quanto aos lotes, estes sim, destinados à venda, mediante o pagamento do preço em prestações periódicas e contínuas”.

Por outro lado, como escreve Carvalho dos Santos, “A verdade, a nosso ver, está com aqueles que sustentam que bens de uso comum do povo são todos aqueles destinados ao uso direito e imediato da coletividade em virtude de uma afetação formal. Esta afetação ou destinação tanto pode ser resultado de fatos naturais, como o movimento das águas para o rio, mar, etc., como pode ser de um dispositivo expresso de lei” (Código Civil Interpretado. Freitas Bastos, v.2, p.101).

Ora, o art. 3o do Decreto-Lei no. 58/37 estabeleceu que os espaços livres constantes do memorial e da planta se tornam inalienáveis. Está exatamente aí o dispositivo expresso de lei transformando o espaço livre em bem público de uso comum.

E, relembrando Waldemar Ferreira, no artigo supra citado: “Declarando inalienáveis, por efeito do registro do memorial e da planta, as vias de comunicação e os espaços livres deles constantes, colocou-os a lei fora do comércio, com torná-los inegociáveis”.

De se recordar também que:

“Quando um particular obtém licença administrativa, para arruar e lotear, com a condição de transferir para o patrimônio público as áreas reservadas para ruas, praças e espaços livres, o negócio pelo qual se opera essa transferência não é de estatuto civil, mas de direito administrativo e denomina-se concurso voluntário e esse concurso, como modo de aquisição de bens pelo poder público independe de forma especial e transcrição no registro; basta que haja inequivocidade quanto à oferta pelo particular e aceitação pelo poder público”.

Não se deve perder de vista que: “Aunque las tierras reservadas para calles hayan continuado en poder de quien acordó la reserva (no otra cosa que acordar importa señalar las calles en el plano, dividir las manzadas em lotes sobre esas calles, pedirlo así durante la vigencia de una ordenanza que impone la condición de dar gracia la tierra para calles) ellas han estado virtualmente afectadas para ese uso público desde la fecha del decreto que aprobó el plano y la división en lotes. No existirá en el caso escritura pública traslativa de dominio de la superficie relativa a las calles hecha por los propietarios del terreno dividido en lotes a la Municipalidad, pero es visible en presencia de los antecedentes referidos que la Municipalidad puede, si lo desea, requerir esa escritura pública en cualquier momento. Lo que si no puede es retirar la autorización que dió para la división en lotes en forma condicional, por el prejuicio que ella significaría para la comunidad. Le autorizado es de derecho administrativo, la condición impuesta es, en cierto aspecto, de derecho privado” (La Ley, v.29, p.377/8).

Essa transferência do bem, do particular para o uso público, segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, “exatamente porque são bens de uso comum do povo, desgarram-se das regras de direito civil e se submetem a regime jurídico especial do direito público” (MARIENHOFF, Domínio Público, p. 45 seg.). Atentamos a essa realidade, os Tribunais vêm sufragando a mesma doutrina, valendo citar recente acórdão do Tribunal de Alçada que sustentou ser dispensável a existência de título aquisitivo de via p&ua



Últimos boletins



Ver todas as edições