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Café ultramarino - Elogio do quinto cartório de São Paulo - Paulo Ferreira da Cunha*
A noção que as pessoas da minha terra e da minha geração têm de um cartório, de uma conservatória de registRo, de um departamento relacionado com esses sacrossantos títulos jurídicos que permitem atribuir o seu de cada um, é deveras deprimente.
A simples imagem do lugar, do “antro”, nos dá calafrios ou nos faz ficar possuídos de uma alergia profunda, dessas de muitos dias de quarentena.
A perspectiva de ter de enfrentar casarões bafientos, úmidos, de íngremes e intermináveis escadas de altos degraus sem elevador (no mínimo 4 pisos) delícia de teias de aranha e ratazanas de meio metro, não é o pior. A esses atributos circunstanciais acresce sobretudo, e avulta, o tenebroso elemento humano. Os funcionários, veste visível desse monstro multi-pessoal (o diretor não é sequer acessível – morando no último andar, na única sala com varandim (de meio metro) para a rua - mas presume-se que venha a ser o mais alto expoente das características do seu pessoal) vestem todos de cinzento ou castanho escuro, pela moda dos anos cinqüenta, e o pessoal feminino usa carrapito ou puxo, e óculos pesados de muitas dioptrias. As gravatas são coçadas de gastas, como a voz, roufenha ou afunilada, ferindo sempre os tímpanos dos utentes.
O clima é triste, soturno, a burocracia acumula-se em pilhas de papéis sem norte, sem dono, e os dias decorrem sempre iguais, cinzentamente iguais, em rotinas incompreensíveis. Os cidadãos são mal atendidos em guichets pequenos onde se recortam olhos perscrutadores de funcionários enfadados ou agressivos, que consideram cada pessoa que lhes bate à portinhola de vidro ou de madeira como um intruso que se deve enxotar com rapidez, e muitos pedidos de documentos, selos, emolumentos e certidões de outras repartições públicas.
Nos cartórios é-se infeliz e faz-se o cidadão miserável.
O Brasil será em muita medida o exagero dos nossos defeitos, mas é sobretudo o pleno espraiar das nossas qualidades. O brasileiro é português à solta (não só português, mas muito português) e por isso também na burocracia terá aí coisas demenciais, mas tem sem dúvida muitas outras que precisamente revelam a reação contra a velha burocracia e antipatia documentaria reinol.
No Quinto Cartório de registro Imobiliário de São Paulo, dirigido pelo meu Amigo Dr. Sérgio Jacomino, eu esperava realmente ver um humanista sitiado, cercado de dossiers, estiolando nas horas de serviço e esperando o tocar das badaladas salvadoras que o levariam a ler, a pensar, a viver…
Mas enganei-me. O Dr. Sérgio trabalha num paraíso. A espera é feita por senhas, e as poltronas cômodas lembram apenas as de laboratórios de análises clínicas abastados…
Jamais uma repartição pública das que conheço mandaria sentar os seus utentes. Começa por aí… Na verdade, começa pelo sorriso e pela juventude simpática e solícita dos seus colaboradores, que dão ao cartório um ar de universidade prática.
As similitudes não acabam aí. O Dr. Sérgio promove palestras, cafés com direito e cultura, convida juristas, e no seu amplo salão (que é gabinete e biblioteca) aloja depois do tempo de serviço aquele grupo fraterno e convivencial, que teve até a simpatia de me ouvir com um sorriso e se despedir de mim com um aplauso sincero.
A biblioteca do Dr. Sérgio no seu cartório faria inveja a muitos investigadores puros e muitos práticos do Direito. Aí encontrei preciosidades. E uma passagem secreta (não tão secreta, porque ma permitiu referir na minha palestra) comunica com mais livros e mais colaboradores. Uma passagem secreta que é símbolo de que há mais livros e mais mundos ainda…
Não invejo o Dr. Sérgio porque ele é meu amigo. Mas é invejável o mundo que à sua volta construiu. Por ele, que deve ser feliz ali trabalhando, pelos funcionários, e pelo público, que certamente não tendo visto nem a biblioteca, de certeza reparou que as paredes têm quadros e fotos de alta qualidade, e sobretudo notou que os funcionários não vociferavam, rosnavam ou arranhavam – antes pelo contrário, sorriam e atendiam solicitamente.
Este Cartório é o único no mundo a que tenho vontade de voltar!
Paulo Ferreira da Cunha é professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
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