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A aquisição de bens pelo mandatário - Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza [i]*
Às vésperas de completar um ano de vigência, o novo Código Civil vê muitas de suas inovações alvo de debates e críticas, longe de se chegar a um entendimento harmônico. Outras têm passado desapercebidas entre os operadores do direito.
Em vários serviços extrajudiciais de notas e registros uma relevantíssima alteração não tem sido observada, conclusão a que chegamos em razão de nossa atuação profissional.
O Código Civil de 1.916, no inciso II do art. 1.133, vedava a compra de bens pelos mandatários, de cuja alienação estivessem encarregados. Não podia o procurador, portanto, adquirir bens utilizando o mandato que lhe outorgava poderes para alienar a coisa.
O dispositivo em foco criava alguns empecilhos nas transações imobiliárias.
Por vezes, não estavam as partes contratantes em condição de celebrar de imediato o contrato de compra e venda, por lhes faltar algum documento, mas, decidindo por concluir o negócio, optavam pela nomeação de um mandatário pelo vendedor para que, coligida toda a documentação, fosse lavrada a escritura de compra e venda. Não podendo o mandatário comprar o bem, em razão da proibição do inciso II do art. 1.133 do C.C. de 1.916, era comum a outorga de poderes a um terceiro, para que se efetivasse a compra e venda. A outorga de mandato a um terceiro envolvia na transação mais uma pessoa, o que se tornava um elemento complicador e que seria desnecessário não houvesse a proibição legal, pois em se tratando de contrato, querendo o outorgante permitir a transferência do bem ao mandatário bastaria pactuar em tal sentido ao fixar a extensão dos poderes concedidos.
Ao mandatário que decidisse pela compra do bem de cuja alienação estava incumbido, mas que no momento da celebração do contrato de mandato não lhe interessava, outra opção não restava senão contratar diretamente com o mandante, face à proibição legal. Contudo, muitas vezes a nomeação de um procurador se fundava em necessidade do outorgante de se ausentar do Município, do Estado ou mesmo do País.
Editado o Código Civil, Lei 10.406/02, encontramos como dispositivo correspondente ao art. 1.133 do C.C./16 – o art. 497, que trata de restrições à compra e venda. E não há, nos incisos do art. 497 do novo diploma, dispositivo correspondente ao inciso II do art. 1.133 do C.C./16. Portanto, não acolheu a legislação em vigor a proibição de compra pelo mandatário do bem de cuja alienação esteja encarregado.
Neste ponto andou bem o legislador, cabendo aos contratantes estabelecer os limites do mandato. Dentro da liberdade de contratar, devem as partes decidir quando contratar, com quem contratar e em que termos. Aquele que quiser outorgar poderes para que o mandatário adquira o bem, não está proibido.
Decidindo o representado permitir que o representante adquira o bem de cuja alienação estiver encarregado e não mais existindo a vedação legal, basta que inclua a autorização entre os poderes outorgados. Estará o mandatário, portanto, autorizado a celebrar o autocontrato ou contrato consigo mesmo, nos termos do art. 117 do Código Civil em vigor.
A alteração foi consignada por diversos autores, dentre eles Maria Helena Diniz, Roberto Senise Lisboa e pelos atualizadores da obra de Washington de Barros Monteiro. Contudo, a não consagração do inciso II do art. 1.133 do C.C./16 pelo novo Código não foi mencionada pelo atualizador do vol. III, Contratos, das Instituições de Direito Civil, do Prof. Caio Mario da Silva Pereira, confirmando o que foi assinalado inicialmente, de que a mudança passou desapercebida a muitos.
A outorga de mandato concedendo poderes para que o representante aliene bens (especificados ou não), ao próprio ou a terceiros, com obrigação de prestar contas, mantendo a característica da revogabilidade e sujeito às demais causas de extinção, não se confunde com a procuração em causa própria.
Mesmo na vigência do C.C./16, no qual havia a proibição do inciso II do art. 1.133, admitia-se o mandato em causa própria, com características diferentes do mandato para alienação de bens. O art. 1.317, I, do código revogado, estabelecia a irrevogabilidade da procuração em causa própria, correspondendo ao referido dispositivo o art. 685 do código vigente.
O mandato em causa própria é verdadeiro contrato pelo qual o mandatário recebe poderes exclusivamente para adquirir certo e determinado bem de propriedade do mandante, sem obrigação de prestar contas, irrevogável e não sujeito às causas de extinção do mandato, nem mesmo a morte de qualquer das partes (art. 685). A procuratio in rem suam se equipara e vale pelo próprio contrato, desde que observadas as formalidades exigidas para o contrato a que se destina, “podendo ser levada a registro como se fosse o ato definitivo”, segundo ensinamento de Caio Mario da Silva Pereira.
A Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhece com clareza a distinção ao determinar a distribuição da procuração em causa própria (arts. 417 e 496).
Portanto, conclui-se que na legislação vigente o contrato de mandato pode permitir a aquisição de bens pelo outorgado quando expressamente admitido pelo mandante (mantendo o mandato seus caracteres jurídicos), ou quando a procuração é outorgada em causa própria com características diversas.
Quanto à forma do mandato, o Código Civil de 2.002 definiu no art. 657 que “a outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado” (atração de forma), pondo fim às discussões existentes na da vigência do C.C./16.
Assim, em se tratando de mandato para alienação ou aquisição de bens imóveis, a forma deve ser a pública, por força do art. 108 do C.C./02, admitindo-se o instrumento particular apenas quando incidir uma das exceções legais (ex.: imóvel de valor igual ou inferior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no País; imóvel adquirido pelo S.F.H., Lei 4.380/64).
Nada impede, no entanto, que aquele que represente outrem por intermédio de outorga por instrumento particular (em face da ocorrência de uma das exceções legais) opte pelo instrumento público no momento da lavratura da escritura de alienação, pois é forma mais solene.
Por fim, registre-se que aos mandatos outorgados na vigência do C.C./16 aplicam-se as normas do diploma revogado, prevalecendo a proibição do inciso II do art. 1.133, em respeito ao ato jurídico perfeito.
[i]* EDUARDO PACHECO RIBEIRO DE SOUZA é Titular do 2º Ofício de Teresópolis – RJ, Ex-magistrado no Estado do Rio de Janeiro.
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