BE1432

Compartilhe:


SEMINÁRIO - Política Nacional de Desenvolvimento Urbano


De 24 a 26 de Novembro de 2004, Brasília, DF, Brasil

PROGRAMAÇÃO

POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO

TEXTO PARA OS CADERNOS MINISTÉRIO DAS CIDADES

VERSÃO PRELIMINAR - 17NOV04

ESTRUTURA DO DOCUMENTO:

APRESENTAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

2. DESENVOLVIMENTO URBANO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

3. UM PACTO FEDERATIVO

4. A CRISE URBANA

5. A DESIGUALDADE REGIONAL E AS CIDADES

5.1 Novas dinâmicas regionais e as cidades

5.2 Regiões metropolitanas

6. A DESIGUALDADE URBANA

6.1 Déficits quantitativos e qualitativos na política habitacional

6.2 Insustentabilidade da mobilidade urbana - trânsito e transporte

6.3 Regressividade do investimento em saneamento ambiental

7. PROPOSTAS ESTRUTURANTES DA PNDU

7.1 Implementação dos instrumentos fundiários do Estatuto da Cidade

7.2 Novo Sistema Nacional de Habitação

7.3 Promoção da mobilidade urbana sustentável

7.4 Novo marco legal para o saneamento ambiental

7.5 Capacitar e Informar as cidades

8. A CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA DA PNDU

9. ANEXOS

9.1 Princípios, diretrizes e objetivos da PNDU definidos na 1ª Conferência das Cidades

9.2 População urbana brasileira - Mapas do IBGE

APRESENTAÇÃO

A criação do Ministério das Cidades representa o reconhecimento do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que os imensos desafios urbanos do país precisam ser encarados como política de Estado.

Atualmente cerca de 80% da população do país mora em área urbana e, em escala variável, as cidades brasileiras apresentam problemas comuns que foram agravados, ao longo dos anos, pela falta de planejamento, reforma fundiária, controle sobre o uso e a ocupação do solo.

Com o objetivo de assegurar o acesso à moradia digna, à terra urbanizada, à água potável, ao ambiente saudável e à mobilidade com segurança, iniciamos nossa gestão frente ao Ministério das Cidades ampliando, de imediato, os investimentos nos setores da habitação e saneamento ambiental e adequando programas existentes às características do déficit habitacional e infra-estrutura urbana que é maior junto a população de baixa renda. Nos primeiros vinte meses aplicamos em habitação 30% a mais de recursos que nos anos de 1995 a 2002; e no saneamento os recursos aplicados foram 14 vezes mais do que o período de 1999 a 2002. Ainda é pouco. Precisamos investir muito mais.

Também incorporamos às competências do Ministério das Cidades as áreas de transporte e mobilidade urbana, trânsito, questão fundiária e planejamento territorial.

Paralelamente a todas essas ações, iniciamos um grande pacto de construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU, pautado na ação democrática, descentralizada e com participação popular, visando a coordenação e a integração dos investimentos e ações. Neste sentido, foi desencadeado o processo de conferências municipais, realizadas em 3457 dos 5561 municípios do país, culminando com a Conferência Nacional, em outubro de 2003, e que elegeu o Conselho das Cidades e estabeleceu os princípios e diretrizes da PNDU.

Em consonância com o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares que espelham a diversidade de segmentos da sociedade civil, foram elaboradas as propostas de políticas setoriais de habitação, saneamento, transporte e mobilidade urbana, trânsito, planejamento territorial e a PNDU.

Como mais uma etapa da construção, apresentamos uma série de publicações, denominadas Cadernos MCidades, para promover o debate das políticas e propostas formuladas. Em uma primeira etapa estão sendo editados os títulos: PNDU; Participação e Controle Social; Programas Urbanos; Habitação e Saneamento; Transporte e Mobilidade Urbana; Trânsito; Informações e Capacitação.

Avaliar os caminhos já percorridos e vislumbrar novas possibilidades é a reflexão que convidamos todos a fazer com estas publicações, dentro do nosso objetivo de definir, de forma democrática e participativa, os rumos das políticas públicas, por meio de critérios da justiça social, transformando para melhor a vida dos brasileiros e propiciando as condições para o exercício da cidadania.

Estas propostas deverão alimentar a Conferência Nacional das Cidades, cujo processo terá lugar entre fevereiro e novembro de 2005. Durante este período, municípios, estados e a sociedade civil estão convidados a participar dessa grande construção democrática que é a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.

Olívio Dutra

Ministro de Estado das Cidades volta

1. INTRODUÇÃO

O documento que ora apresentamos dá continuidade à construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU. O seu passo inicial foi dado em 2003 na 1ª Conferência Nacional das Cidades, quando foram definidos, pelos 2510 delegados eleitos nas reuniões realizadas em todo o país, os princípios e diretrizes da política urbana brasileira.

Essa construção democrática terá prosseguimento durante a preparação e realização da próxima conferência que culminará em novembro de 2005. Apresentamos esta proposta para alimentar os encontros municipais, estaduais e também os debates dos vários segmentos envolvidos com o desenvolvimento urbano: movimentos sociais, empresários, parlamentares, universidades, centros de pesquisa, ONGs, sindicatos e entidades profissionais. Como veremos em seguida, assume especial importância a participação dos entes federativos na formulação desta proposta tendo em vista as competências estabelecidas pela Constituição Federal de 1988.

O caminho adotado para a definição da PNDU, a pactuação democrática, seria certamente mais curto caso esta fosse definida apenas por consultores em seus gabinetes, como ocorreu durante o Regime Militar. Não se trata apenas de amor à democracia, mas de entender que não há outra alternativa para formular uma política urbana sustentável e duradoura. A via da concertação nacional constitui, além de condição política, uma condição técnica para formular políticas públicas num país pouco acostumado a planejar investimentos e com uma sociedade pouco informada sobre tais assuntos. Um grande movimento pedagógico é a forma de assegurar a consciência sobre os problemas urbanos atuais e construir alguns consensos que orientem as ações da sociedade e dos diversos níveis de governo.

Esta Política Nacional de Desenvolvimento Urbano adota uma tese central e diversas teses secundárias. A tese central é que vivemos um CRISE URBANA que exige uma política nacional orientadora e coordenadora de esforços, planos, ações e investimentos dos vários níveis de governo e também dos legislativos, do judiciário, do setor privado e da sociedade civil. O que se busca é a equidade social, maior eficiência administrativa, ampliação da cidadania, sustentabilidade ambiental e resposta aos direitos das populações vulneráveis: crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, negros e índios.

Este documento abre o conjunto de oito cadernos que apresentam o estágio atual desta discussão no Ministério das Cidades e no Conselho das Cidades. São eles:

1. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

2. Participação e Controle Social

3. Programas Urbanos

4. Habitação

5. Saneamento Ambiental

6. Mobilidade Urbana

7. Trânsito

8. Capacitação e Informação.

São propostas de natureza intra-urbana estruturantes da PNDU, que levam em consideração definições emanadas de outros ministérios e ainda o acúmulo de estudos e experiências de outros níveis de governo e também da sociedade.

Além dos temas estruturantes da política urbana ou, mais propriamente, da política intra-urbana, a PNDU trata da inserção das cidades na dinâmica regional e no território nacional. Para tanto, leva em conta a Política Nacional de Desenvolvimento Regional em detalhamento na Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional. Está em elaboração também a pesquisa Brasil: Cidades e Desenvolvimento Regional que tem como objetivo definir uma tipologia das cidades brasileiras, cuja apresentação faz parte desse documento. Ambas as propostas deverão alimentar a elaboração de um Plano Nacional das Cidades em 2005.

Podemos definir o desenvolvimento urbano como a melhoria das condições materiais e subjetivas de vida nas cidades, com diminuição da desigualdade social e garantia de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Ao lado da dimensão quantitativa da infra-estrutura, dos serviços e dos equipamentos urbanos, o desenvolvimento urbano envolve também uma ampliação da expressão social, cultural e política do indivíduo e da coletividade, em contraponto aos preconceitos, à segregação, à discriminação, ao clientelismo e à cooptação.

O objeto de uma política de desenvolvimento urbano é o espaço socialmente construído. Não estamos tratando das políticas sociais, de um modo geral, mas daquelas que estão relacionadas ao ambiente urbano. Considerando esse tema, um novo recorte torna mais objetivo o escopo do trabalho em torno dos temas estruturadores do espaço urbano e de maior impacto na vida da população: habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana e trânsito. Dois temas estratégicos se somam a este conjunto: a política fundiária / imobiliária e a política de capacitação / informações.

Esse recorte remete para uma etapa seguinte outros tópicos não tratados aqui, mas fundamentais para a política urbana, tais como a questão fiscal, tributária e financeira das cidades, a energia no espaço urbano e nas edificações, o desenho urbano, a arquitetura e a produtividade na construção civil, o papel dos governos estaduais no desenvolvimento urbano e até mesmo o conceito de cidade na legislação brasileira, entre outros. São temas que já estão em estudo, mas que compõem uma agenda ainda aberta.

O tema da sustentabilidade ambiental não mereceu um capítulo à parte neste documento, uma vez que permeia todas os programas e ações do Ministério das Cidades, como revelam os cadernos que contém a exposição detalhada das políticas estruturantes. A prioridade para as pesquisas e desenvolvimento tecnológico está presente em alguns cadernos específicos e tem sido objeto de entendimentos entre o Ministério das Cidades e a FINEP / Ministério de Ciência e Tecnologia. Sua formulação completa será lançada em 2005.

Os déficits e metas a serem alcançados pela PNDU estão detalhados nos cadernos específicos. É importante lembrar o compromisso do governo Lula com o Plano Plurianual 2004-2007 do Governo Federal, o Projeto Brasil em Três Tempos, formulado pelo Núcleo Estratégico da Presidência da República, e principalmente as Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas, pelas quais o país, até 2015, deve diminuir pela metade o número de pessoas sem acesso ao saneamento básico e diminuir também o número de pessoas que vivem em condições habitacionais indignas.

Complementam esse caderno dois documentos que estão em anexo: 1) Princípios, Diretrizes e Objetivos da PNDU definidos na 1ª Conferência Nacional das Cidades em outubro de 2003 e 2) População urbana brasileira, contendo informações sobre a medição da população urbana pelo IBGE

Pequeno histórico da política urbana federal: 1964-2002

Em apenas 5 décadas do século passado, a população brasileira passa de majoritariamente rural para majoritariamente urbana. Uma das mais aceleradas urbanizações do mundo aconteceu sem a implementação de políticas indispensáveis para a inserção urbana digna da massa que abandonou e continua a abandonar o meio rural brasileiro, cuja estrutura agrária contribui para essa rápida evasão de população.

No momento de propor uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, é preciso entender as políticas públicas que vigoraram durante esse espantoso movimento de urbanização.

A tentativa mais clara de formulação de uma política urbana na história do país se deu durante o regime militar. O 2º Plano nacional de Desenvolvimento formulou em 1973 diretrizes para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, cuja implementação ficava a cargo da Secretaria de Articulação entre Estados e Municípios, que administrava o Fundo de Participação dos Municípios, e o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, que administrava o Fundo de Financiamento ao Planejamento. Esses órgãos foram sucedidos pela Comissão Nacional de Política Urbana e Regiões metropolitanas, que administrou o Fundo de Desenvolvimento Urbano e o Fundo Nacional de Transporte Urbano, este último transferido posteriormente para a Empresa Brasileira de Transporte Urbano.

Neste período, o planejamento urbano obteve grande prestígio, ainda que fosse marcado por uma acentuada ineficácia. Os planos diretores se multiplicavam, mas sem garantir um rumo adequado para o crescimento das cidades. Da vasta bibliografia que trata desse tema é suficiente reter aqui que a aplicação destes planos a uma parte das cidades ignorou as condições de assentamento e as necessidades de grande maioria da população urbana, que foi relegada à ocupação ilegal e clandestina das encostas e baixadas das periferias ou então, em menor escala, aos cortiços em áreas centrais abandonadas. Inúmeros estudos e planos diretores tiveram as gavetas como destino. A sociedade pouco se envolveu ou teve notícia dessa grande produção intelectual e técnica.

Na década de 70, a marca tecnocrática e autoritária deste planejamento se fez de fato presente nos organismos criados em 1964 para dirigir a política urbana do regime militar. O Sistema Financeiro da Habitação e o Banco Nacional da Habitação (BNH) foram responsáveis pelo maior movimento de construção que o Brasil conheceu nas cidades. Entre 1964 e 1985 foram construídas mais de 4 milhões de moradias e implantados os principais sistemas de saneamento do país. Esse grande movimento de construção foi alimentado pelas contribuições compulsórias dos assalariados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e pela poupança privada relativa à Sociedade Brasileira de Poupança ou Empréstimo. No saneamento, o modelo centralizador do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa) orientava a concessão dos serviços municipais de saneamento para grandes companhias estaduais e o governo federal não hesitou em até mesmo condicionar empréstimos habitacionais a esse propósito.

A imagem das cidades brasileiras mudou devido à vasta construção de edifícios de apartamentos destinados principalmente à classe média, que, como mostram vários estudos, absorveu a maior parte dos subsídios contidos nos financiamentos habitacionais pelo FGTS. A indústria de materiais de construção e as obras civis contribuíram para assegurar altas taxas de crescimento do PIB nos anos 70, especialmente na segunda metade da década, quando declinaram as grandes obras de infra-estrutura para a produção como portos, aeroportos e estradas.

Dentre as críticas mais constantes à ação do BNH, grande parte delas era dirigida à produção de conjuntos habitacionais populares fora do tecido urbano existente e que submetia seus moradores ao sacrifício de viverem "fora da cidade", segregados e isolados, contrariando o adequado desenvolvimento urbano e o mercado de terras. Essa prática tem persistido nas administrações públicas até nossos dias e começa a merecer uma ação estratégica voltada para a política urbana e fundiária.

Nos anos 80 e 90 o país pára de crescer a altos índices e entra em compasso de baixo crescimento. A reestruturação produtiva internacional durante as chamadas “décadas perdidas” impacta fortemente o financiamento público e privado. O crescimento dos setores produtivos ligados à habitação e ao saneamento recua e o BNH, afundado em dívidas, é extinto em 1986.

Com a Caixa Econômica Federal assumindo o espólio do BNH, tem início uma verdadeira via crucis institucional da política urbana, reveladora da pouca importância que ela tem na agenda federal a partir da crise econômica. Em 1985 foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. Em 1987 ele se converte no Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente, ao qual fica subordinada a Caixa Econômica Federal. Em 1988 é criado o Ministério da Habitação e do Bem Estar Social e, em 1990, o Ministério da Ação Social, que vincula a política habitacional às políticas de “ação social”. Ainda que a administração predadora do FGTS possa ser constatada em vários momentos de sua história, em nenhum momento ela foi tão grave quanto no governo Collor, que deixou uma herança de mais de 300 mil unidades habitacionais inacabadas ou invadidas, parte delas sob administração da Empresa Gestora de Ativos por problemas jurídicos e contábeis até nossos dias. Em 1995 foi criada a Secretaria de Política Urbana, subordinada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, secretaria que, ainda na vigência do governo Fernando Henrique Cardoso que a instituiu, foi transformada na Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (SEDU), vinculada à Presidência da República.

Diante da fragilidade da SEDU e das restrições orçamentárias do governo federal, a Caixa Econômica Federal termina por conduzir, ainda que sem uma orientação formal e explícita, o rumo da política urbana, tendo em vista seu poder como agente operador do FGTS, a maior fonte de recursos para o financiamento público da habitação e do saneamento.

O corte dos investimentos públicos e a restrição de crédito para o setor público, conforme orientação do FMI, promoveram um forte recuo das ações nas áreas do saneamento ambiental, especialmente entre 1998 e 2002. No mesmo período, 70% dos recursos federais para habitação (majoritariamente do FGTS) foram destinados à população com renda superior a 5 salários mínimos, quando o acúmulo de décadas de exclusão nas cidades criou um déficit habitacional composto em 92% por famílias com renda abaixo destes mesmos 5 salários mínimos. Esse foi o resultado da falta de políticas setoriais claras e de uma gestão macroeconômica que priorizou a ajuste fiscal.

Mas nem tudo deixou de avançar ao longo do período.

O movimento pela reforma urbana e a conquista do Ministério das Cidades

Em 1963, o Encontro Nacional de Arquitetos, que contou com representação de outras categorias de profissionais, lança um tema inédito nos debates sobre as Reformas de Base que mobilizaram a sociedade brasileira: a Reforma Urbana. Depois dos desfechos políticos que se seguiram ao golpe de 1964, este foi o tema que, em meados dos anos 70, mobilizou os movimentos comunitários urbanos apoiados pelas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica.

O crescimento das forças democráticas durante os anos 80 alimentou a articulação dos movimentos comunitários e setoriais urbanos com o movimento sindical. Juntos, apresentaram a emenda constitucional de iniciativa popular pela Reforma Urbana na Assembléia Nacional Constituinte de 1988. A incorporação das questão urbana em dois capítulos da Constituição Federal permitiu a inclusão nas constituições estaduais e nas leis orgânicas municipais de propostas democráticas sobre a função social da propriedade e da cidade.

A regulamentação desses capítulos constitucionais, no entanto, levou 13 anos. Nesse período o Movimento Nacional pela Reforma Urbana, reunido no Fórum Nacional pela Reforma Urbana, não deu trégua ao Congresso Nacional. Foram muitas ações e manifestações, idas e vindas de militantes (de movimentos sociais, entidades profissionais, ONGs, entidades universitárias e de pesquisa e mesmo de prefeito e parlamentares) que buscavam a aprovação do Projeto de Lei denominado Estatuto da Cidades. Em 2001 esse projeto de importância ímpar é aprovado no Congresso Nacional e se torna a Lei Federal 10.257.

Articulados à luta pelo Estatuto da Cidade, diversos movimentos urbanos organizam ocupações e protestos contra a falta de habitação e elaboram o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular, tal como previsto na nova Constituição Federal, propondo a criação do Fundo Nacional de Moradia Popular, a ser formado por recursos tanto orçamentários quanto onerosos e controlado democraticamente por um Conselho Nacional de Moradia Popular. Esse Projeto de Lei foi subscrito por 1 milhão de eleitores de todo o país e entregue ao Congresso Nacional em 1991. Em 2004, um texto substitutivo instituindo o fundo foi aprovado pela Câmara Federal após entendimentos havidos entre deputados federais, governo federal e representantes das entidades que elaboraram o Projeto de Lei original. Em novembro de 2004, ele ainda aguarda sua aprovação no Senado Federal. O Legislativo Federal, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, se torna receptivo à luta do Movimento Nacional de Reforma Urbana e realiza 4 Conferências das Cidades, sendo a primeira fundamental para a aprovação no Congresso Nacional da nova Lei do Desenvolvimento Urbano.

O começo dos anos 90 também se caracterizou pela mobilização das entidades do saneamento em torno do Projeto de Lei 199/91, que propunha uma nova política nacional para o setor em substituição ao Planasa. O projeto foi aprovado no Congresso Nacional e vetado no quinto dia do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o que deixou o setor sem um marco regulatório até a presente data. O saldo organizativo dessa mobilização, no entanto, deu origem à Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, que reuniu 17 entidades nacionais da sociedade civil, de gestores a trabalhadores, passando por movimentos sociais, associações profissionais e entidades de defesa do consumidor.

O tema do transporte urbano permanece sem muita repercussão nos anos 90 (em contraste com as revoltas e depredações dos anos 70), embora mostrasse uma forte e progressiva degradação de serviços. Em 2003, as mobilizações emergem sob a forma de protestos de estudantes contra os aumentos de tarifas em várias cidades brasileiras. Uma articulação suprapartidária ocupa a cena política com a criação do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte e da Frente Parlamentar de Transporte Público.

Várias experiências sociais relevantes ocorreram nas cidades brasileiras durante a redemocratização iniciada com as eleições diretas para prefeitos e vereadores de capitais em 1985. Experiências como o Orçamentos Participativo (que projetou internacionalmente a cidade de Porto Alegre), os planos diretores participativos, programas de regularização fundiária, urbanização de favelas, conselhos setoriais, audiências públicas, relatórios de impacto ambiental, implementação do IPTU progressivo e criação de ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social - marcaram diversas administrações locais nas décadas de 80 e 90.

Em 1996, é realizada em Istambul a Habitat II, a 2ª Conferência Mundial das Nações Unidas pelos Assentamentos Humanos. Essa grande reunião culminou uma mudança nos paradigmas da questão urbana e fortaleceu cada vez mais as campanhas da Agência Habitat da ONU. Desde 1976, ano da Habitat I ocorrida em Vancouver, as administrações locais e as organizações não-governamentais ganharam importância na gestão das cidades e promoveram um avanço da consciência política sobre a “urbanização da pobreza” e a insustentabilidade ambiental no crescimento das cidades, especialmente nos países desenvolvidos.

Esta consciência política da questão urbana se fez presente na criação em 2003 do Ministério das Cidades pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva. É a realização de uma proposta lançada em 2000 através do Projeto Moradia, documento elaborado com a promoção do Instituto Cidadania e a participação de um grande número de consultores e lideranças sociais e empresariais. De acordo com o Projeto Moradia, não há solução para o problema da habitação senão por meio da política urbana. O projeto desenvolveu ainda uma proposta para o financiamento habitacional e uma proposta de caráter institucional.

O Ministério das Cidades foi estruturado levando em consideração a reunião das áreas mais relevantes (do ponto de vista econômico e social) e estratégicas (sustentabilidade ambiental e inclusão social) do desenvolvimento urbano. Foram criadas 4 Secretarias Nacionais: Habitação, Saneamento Ambiental, Mobilidade e transporte urbano e Programas Urbanos. Foram transferidos ao Ministério das Cidades o Departamento Nacional de Trânsito, do Ministério da Justiça, além da Companhia Brasileira de Trens Urbanos e a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre S.A., ambas do Ministério dos Transportes. A transversalidade é um paradigma que o Ministério das Cidades carrega em sua própria estrutura para ser o formulador, naquilo que é de competência do governo federal, das políticas de saneamento ambiental, habitação e mobilidade/transporte urbano e trânsito, o definidor de diretrizes e princípios da política urbana, conforme norma constitucional, e o gestor da aplicação e distribuição de recursos do FGTS e do Orçamento Geral da União aos temas concernentes. A Caixa Econômica Federal é a principal operadora da política urbana e das políticas correlatas. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDS) também opera políticas urbanas, em especial saneamento e transporte.

O Ministério das Cidades possui um quadro enxuto de funcionários e cargos de livre provimento, motivo pelo qual o papel dos operadores é absolutamente fundamental para a descentralização e a viabilidade da ação em todo o território nacional. Ainda em 2003, ele promove a Conferencia Nacional das Cidades, evento que foi precedido de reuniões em 3400 municípios em todos os estados. Na ocasião é criado o Conselho das Cidades, que se reúne pela primeira vez em março de 2004. Ainda nesse ano o Ministério das Cidades cria os Comitês Técnicos do Conselho das Cidades: Habitação, Saneamento Ambiental, Transporte/Mobilidade e Trânsito e Planejamento Territorial. volta

2. DESENVOLVIMENTO URBANO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

O difícil reconhecimento da questão urbana como ponto da agenda política nacional, pode ser comprovado com o rumo errático, resumido acima, tomado pelas políticas do governo federal para o desenvolvimento urbano (com destaque para habitação e saneamento). Foi exatamente nesse período que as cidades mais se expandiram e seus problemas mais se agravaram, mas nem isso fez com que fossem vistas como essenciais para o crescimento econômico ou para o desenvolvimento do país nos documentos que tratam do assunto. O pensamento econômico freqüentemente ignora as cidades.

Essa é uma constatação surpreendente. Como não reconhecer a importância econômica de gigantescas ocupações ilegais e informais do território urbano, que colocam em risco mananciais de água potável como acontece em São Paulo e mesmo em Curitiba? Qual o custo do tratamento dessa água crescentemente poluída? Qual o custo de buscar fontes de água em bacias mais distantes? Qual o custo de manter essa população em condições precárias de vida? E em relação à questão fundiária urbana, quanto custa manter áreas servidas de infra-estrutura em condições ociosas devido ao espraiamento horizontal das cidades? Quanto se perde pela ilegalidade fundiária de áreas de ocupação consolidada que, em alguns municípios periféricos metropolitanos, ultrapassam em muito a metade da área urbana total? Quanto se perde no sistema de saúde devido a doenças ligadas à falta de saneamento ambiental? Quanto se perde em negócios, empregos, arrecadação e recursos naturais pela ausência de uma política urbana e metropolitana? Quanto se perde na falta de coordenação e planejamento dos investimentos dos 3 níveis de governo nas cidades?

Vamos tomar os dados sobre a crise que está afetando os transportes públicos para dar um exemplo concreto das deseconomias, com suas evidências empíricas. A pesquisa “Redução das deseconomias urbanas com a melhoria do transporte público no Brasil” (IPEA/ANTP, 1998), realizada em Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, João Pessoa, Juiz de Fora, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, estimou de forma conservadora que os gastos excessivos devido a congestionamentos severos atingem a cifra de 506 milhões de horas por ano, 258 milhões de litros de combustível, 123 mil toneladas de monóxido de carbono, 11 mil toneladas de hidrocarbonetos, 8,7 milhões de m² em espaço viário pavimentado para circular e estacionar veículos e 3.342 ônibus a mais que são colocados em circulação para compensar a queda de velocidade. Uma projeção destes desperdícios para as demais cidades médias e grandes permite estimar que até 2% do PIB é perdido nos congestionamentos das cidades brasileiras.

Ainda segundo a mesma pesquisa, a cada ano mais de 33 mil pessoas são mortas em acidentes de trânsito no Brasil. Dos cerca de 400 mil feridos, 120 mil pessoas tornam-se inválidas permanentes. De 1961 a 2000, o número de feridos no trânsito multiplicou-se por quinze, o de mortos por seis, e, quantitativamente, os acidentes de trânsito representam o segundo maior problema de saúde pública no Brasil, só perdendo para a desnutrição. Os custos correspondem a perdas das horas de trabalho das pessoas mortas ou feridas - que podem ficar permanentemente incapacitadas para o trabalho, internações médico-hospitalares, suporte previdenciário, recuperação ou perda dos veículos, entre outros. O total de gastos decorrentes de acidentes de trânsito nas áreas urbanas brasileiras é de R$ 5,3 bilhões por ano ou 0,4% do PIB do país. Desses, R$ 3,6 bilhões concentram-se em 49 aglomerações urbanas. Este custo sobe para R$ 10 bilhões por ano somando-se os custos dos acidentes rodoviários.

A queda da mobilidade é geral nas metrópoles brasileiras e atinge ricos e pobres, embora estes sejam impactados mais fortemente pela má qualidade dos transportes coletivos: nas últimas décadas aumentaram suas viagens a pé ou por bicicleta e diminuíram os usuários de transporte coletivo. Segundo pesquisa da Cia do Metropolitano de São Paulo, em alguns bairros da periferia de São Paulo mais de 50% das viagens são feitas a pé. Isso significa que grande parte da população - lembremos os jovens - não saem de bairros pobres e mal equipados.

Nossas grandes cidades estão na iminência de um apagão logístico.

Em que pese este quadro, há muito tempo o desenvolvimento urbano e as políticas setoriais incidindo sobre as cidades - habitação, saneamento, transporte - são implementadas como um capítulo das chamadas “políticas sociais”, isto é, políticas que operam antes nos efeitos que nas causas das desigualdades social e territorial que constituem a característica principal de nossa sociedade.

Apesar de tudo e mesmo percebendo que nossas cidades são fortemente, cruelmente injustas, o que implica em reconhecer que alguns ganham com as carências sociais ou com as valorizações geradas pelo investimento público, é preciso reconhecer que a radicalização dos problemas urbanos, principalmente a questão falta de mobilidade, acarreta prejuízo a todos, aos trabalhadores principalmente, mas também aos demais aspectos da atividade produtiva e a circulação de mercadorias.

Para muitos, a cidade é apenas reflexo  passivo das condições macroeconômicas, numa posição que não é restrita aos conservadores de direita. Para outros, ela é palco de acontecimentos sociais e políticos importantes, uma grande arena para o exercício do poder seja para os grupos locais, seja em relação ao cenário nacional quando se trata de uma metrópole. Para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, a cidade não é neutra e pode ser vista como uma força ativa , uma ferramenta eficaz para gerar empregos e renda e produzir desenvolvimento econômico.

Quando se trata das regiões metropolitanas, a interdependência entre urbano e econômico é mais forte e desfaz o mito de sua obsolescência econômica difundido nos anos 80, segundo o qual a revolução dos meios de transportes e comunicações iria tornar autônomas as empresas em relação à economia de aglomeração fornecida pelas grandes áreas urbanas. Muitos estudos demonstram, ao contrário, que as metrópoles continuam a oferecer as maiores vantagens de aglomeração para os circuitos dinâmicos da economia. Elas concentram o poder econômico e político, as capacidades de inovação e as forças de trabalho necessárias para dirigir e coordenar os fluxos produtivos do país. Ainda assim, as cidades são oferecidas pelos governos locais como mera plataforma de vantagens fiscais para os capitais voláteis, ao invés de territórios de ancoragem duradoura dos circuitos econômicos em ambiente de cooperação federada.

Várias pesquisas mostram que as metrópoles com vantagens na competição pela atração dos fluxos econômicos são as de menor índice de polarização social e não as de menores custos salariais. Ou seja, as cidades competitivas são as que se recusam a desmontar os seus sistemas de proteção social. Aquelas que buscam oferecer a desregulamentação como vantagem, tiveram seu crescimento limitado pela própria queda na qualidade de vida.

É nas metrópoles onde se produz a maior parte do PIB brasileiro. Na sociedade contemporânea, que é antes de mais nada uma sociedade urbana, elas constituem vetor decisivo do processo de desenvolvimento. Visto sob essa ótica. o financiamento ao desenvolvimento urbano, longe de ser uma alocação de recursos compensatórios, é uma condição sine  qua non da própria continuidade do crescimento econômico que teve sua retomada em 2004.

As cidades não são marcadas apenas pela questão social. Existe no universo urbano grandes desafios à Nação: o desenvolvimento do país, a cooperação federativa, a desigualdade regional e urbana e a ampliação da democracia.

O financiamento da política urbana

Como já foi alertado anteriormente, as propostas para a política fiscal e tributária que dizem respeito ao desenvolvimento urbano serão formuladas, debatidas e divulgadas a partir de 2005. No entanto, a importância do tema do financiamento da política urbana exige uma introdução. Considere o leitor que ela é bastante preliminar.

Em nenhum país do mundo houve desenvolvimento urbano num contexto econômico de restrição ao investimento público. Essa tendência se agrava quando se trata de países como o Brasil, onde a produção de infra-estrutura urbana não tem tradição de investimento privado e o mercado residencial se restringe, acentuadamente, aos imóveis de luxo.

Sem o investimento público, o crescimento econômico é insuficiente para promover o desenvolvimento social e, portanto, para promover o desenvolvimento urbano. O Brasil cresceu a taxas médias de 7% ao ano entre 1940 e 1980, mas deixou como herança desse período cidades marcadas por uma desigualdade social cada vez mais agravada pelas crises financeiras dos anos seguintes.

Com as políticas de ajuste fiscal, o financiamento ao desenvolvimento urbano encontra, ao longo dos últimos anos, duas ordens de constrangimentos. Em primeiro lugar, a pura e simples retração dos investimento públicos diretos. Em segundo, a restrição da capacidade de endividamento de estados e municípios, que leva ao contingenciamento de recursos destinados ao financiamento do setor público.

Este impedimento de segunda ordem mostra que não houve e não há propriamente uma falta de recursos, como atestaram e atestam atualmente as fontes do FGTS e do Fundo de Amparo do Trabalhador operadas pela Caixa Econômica Federal e pelo BNDES. Também as agências internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento encontram dificuldades para fechar novos contratos de financiamentos governamentais. Na América Latina, estas agências recebem desde 2000 muito mais recursos com pagamento de dívidas do que desembolsam com empréstimos.

Nos anos de 2003 e 2004 o contingenciamento de empréstimos ao setor público dificultou a contratação de parte do investimento de R$ 600 milhões inicialmente previsto para o programa Pró-Moradia. O mesmo aconteceu com os outros R$ 600 milhões do Programa Pró-Transporte, destinado ao financiamento do transporte público. Os recursos foram então transferidos para a área de saneamento até o limite previsto pelas normas que regem o FGTS.

Os governos brasileiros em seus diversos níveis, especialmente o federal, contrataram, nos anos 90 recursos internacionais além da capacidade de bancar as contrapartidas (aproximadamente US$ 600 milhões). São recursos internacionais que, mesmo parcialmente ociosos, custam a todos os brasileiros o pagamento de taxas de permanência.

Como enfrentar a restrição de recursos ao desenvolvimento urbano diante do ajuste fiscal?

O Ministério das Cidades tem buscado várias alternativas.

Já no início de 2003 o Ministério das Cidades, por intermédio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, contratou R$ 1,6 bilhão em recursos do FGTS para o setor público através de dispositivos vigentes na resolução 2827/01 do Conselho Monetário Nacional . A partir de dezembro de 2003, um acordo entre o Fundo Monetário Internacional e o Governo Federal permitiu a liberação de R$ 2,9 bilhões de recursos do FGTS e FAT para contratos na área de saneamento. Nos anos de 2003 e 2004 o total de contratações com recursos do FGTS e do FAT atingiu cerca de R$ 4 bilhões . Mesmo com a obrigatoriedade do retorno fiscal dos investimentos por meio da cobrança de tarifa plena, instituída pelas Portarias 2827/01, 3153/03 e 3173/04 do Conselho Monetário Nacional, a retomada do financiamento para esta área de fundamental importância para o desenvolvimento urbano começa a reverter o quadro de baixíssimo investimento dos anos anteriores.

A esses recursos onerosos se somaram, nos dois primeiros anos do governo Lula, recursos do Orçamento Geral da União, em especial da Fundação Nacional de Saúde. Até junho de 2004 foram contratados R$ 5,1 bilhões em abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo e drenagem urbana, a maior parte pelo Ministério das Cidades em conjunto com os ministérios de Meio Ambiente, Integração Nacional e Saúde.

Na área de habitação, houve um esforço bem sucedido para ampliar as fontes de investimentos. Em 2003, o orçamento total do governo federal para a habitação ultrapassou R$ 5 bilhões, valor 25% superior ao de 2002. Em 2004, os recursos somam R$ 8,8 bilhões, provenientes das seguintes fontes:

Recursos financeiros para habitação (em R$ 1 milhões) - Governo Federal 2003/2004

A maior parte desses recursos vem do FGTS, seguindo orientação de seu Conselho Curador, em que tomam assento governo e sociedade civil. O desempenho notável deste fundo é indicativo da recente recuperação dos empregos formais no país.

Além destes recursos, as aprovações em 2004 da Lei Federal 10.931 (Lei do Patrimônio de Afetação) e da Resolução 3.177 do Conselho Monetário Nacional asseguram para o setor habitacional investimentos a partir de poupança privada da ordem de R$ 12 bilhões anuais para 2005 e 2006, segundo estimativa do Ministério da Fazenda e da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. São iniciativas que promovem o reaquecimento da atividade produtiva na construção civil, setor que gera empregos ao longo de uma extensa cadeia produtiva de base nacional, e que expandem a produção de habitação pelo mercado para um segmento populacional até então excluído dos financiamentos privados: a classe média, com renda entre 5 a 10 salários mínimos.

Com estes estímulos ao mercado habitacional, espera-se que os recursos do FGTS possam ser dirigidos às faixas mais baixas de renda e que cumpram, assim, o importante papel social que deles se espera há décadas. O Ministério das Cidades, que é gestor da política urbana, está propondo ao Conselho Curador do FGTS, com o apoio do Ministério do Trabalho e da Caixa Econômica Federal, respectivamente gestor e operador dos recursos, esta reorientação dos financiamentos habitacionais.

É preciso lembrar que é importante para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano a ampliação dos investimentos públicos por meio das Parcerias Público-Privadas, conforme projeto de lei em debate no Congresso Nacional neste ano de 2004. As Parcerias Público-Privadas constituem uma alternativa importante de financiamento da infra-estrutura em transportes, saneamento e habitação e o Ministério das Cidades já estuda algumas possibilidades. Esses recursos, no entanto, deverão complementar o papel insubstituível do poder público em sua responsabilidade de atender à população mais vulnerável, que não tem condições de pagar o preço do mercado pelos serviços.

Apesar do aumento significativo de seus recursos federais se comparado aos anos anteriores, o Ministério das Cidades considera urgente a expansão dos investimentos públicos em habitação e em infra-estrutura urbana nos três níveis de governo e sua destinação não-onerosa às famílias com renda mensal inferior a 3 salários mínimos, a imensa maioria dos brasileiros que compõem o déficit de moradias e infra-estrutura em nossas cidades.

A absoluta necessidade destes recursos públicos levou o Ministério das Cidades a propor no Fórum Urbano Mundial, realizado em outubro de 2004 em Barcelona, a exclusão dos investimentos em habitação e infra-estrutura urbana do cálculo do superávit primário dos países não desenvolvidos, proposta já defendida pelo presidente Lula junto às Nações Unidas e que resultou em documento aprovado pelos países latino-americanos reunidos no Grupo do Rio.

A Carta de Compromissos das Cidades, elaborada em 2003 em encontro da Frente Nacional de Prefeitos e do Fórum Nacional de Reforma Urbana, adota esta proposta e observa que a “as normas de acesso ao crédito não fazem diferença entre municípios cujas finanças já estão organizadas e aqueles que não conseguiram esse equacionamento”. Os subscritores da carta insistem que as operações de créditos para investimentos visando o desenvolvimento social deveriam merecer um tratamento contábil diferenciado.

É preciso rever os acordos internacionais para que os investimentos no desenvolvimento urbano - especialmente aqueles necessários para o cumprimento das metas em saneamento e moradia previstas nas Metas do Milênio - sejam excluídos do conceito de dívida para efeito dos cálculos do superávit primário, sem o que o cumprimento das metas está comprometido. volta

3. UM PACTO FEDERATIVO

A Constituição Federal de 1988 talvez não tenha similar internacional na sua distribuição de competências aos entes federados. A característica básica de uma federação está em cada um dos entes federados deter para si um feixe de competências e atribuições exclusivas e que não podem ser invadidas ou usurpadas pelos demais. No Brasil, as competências e atribuições exclusivas foram reduzidas, enquanto que se tornaram preceitos constitucionais diversas competências que são comuns entre os órgãos executivos da União, estados, municípios e Distrito Federal, e competências que são concorrentes entre os órgãos legislativos da União e dos estados.

Nessa estrutura complexa de competências e atribuições comuns, concorrentes e complementares entre entes federados, a cooperação e a coordenação intergovernamentais ganha uma importância fundamental , especialmente nas bacias hidrográficas, nas microrregiões pouco dinâmicas, nas aglomerações urbanas e nas regiões metropolitanas, onde os grandes problemas urbanos dependem de gestão compartilhada, faz-se necessário a cooperação administrativa ou gestão compartilhada.

Do modelo fortemente concentrador ao nível federal, característico do Regime Militar, quando até mesmo a delimitação das regiões metropolitanas e seu organismo gestor eram realizadas por lei federal, passamos a um desenho oposto, que concede aos municípios autonomia inédita sobre o desenvolvimento urbano por meio da lei do Plano Diretor e da regulação sobre a edificação e o uso e ocupação do solo, desde que não envolva matéria de meio ambiente.

A necessidade de uma ação intergovernamental cooperada e coordenada entre os entes federados fica evidente tanto na formação de municípios em regiões metropolitanas quanto no demembramento e criação de novos municípios.

Em relação às regiões metropolitanas, sua delimitação e forma de gestão foi remetida às legislações estaduais. No entanto, a ausência de uma conceituação em nível nacional de metrópole provoca uma incoerência de critérios entre estados brasileiros na definição das regiões metropolitanas. Assim, o Estado do Rio de Janeiro tem apenas uma única região metropolitana, enquanto Santa Catarina tem cinco.

Em relação ao desmembramento para criação de municípios, que passaram de 4189 em 1988 para 5561 em junho de 2000, a maior parte dos novos municípios sobrevive apenas devido ao Fundo de Participação dos Municípios e possui baixa capacidade institucional, com dificuldades de ordem técnica e gerencial além de financeira. A busca pela partilha de recursos arrecadados orienta também desvios na definição por legislação municipal do território municipal rural ou urbano. Esses aspectos, que podem ser observados também em alguns novos estados, exigem um esforço de coordenação federativa para bem implementar a Constit



Últimos boletins



Ver todas as edições