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Hernando de Soto fala sobre registros e propriedades


Hernando De Soto é encontrado nos lugares mais destacados. Líder de influência mundial, segundo os rankings internacionais publicados por instituições norte-americanas, seus livros têm batido recordes de vendas em todo o mundo e a demanda de sua assessoria por chefes de Estado se tem produzido desde os 5 continentes. Sua orientação focaliza sempre a criação de sistemas de propriedade organizados como base do desenvolvimento e do progresso.

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Hernando De Soto esteve no Colégio de Registradores da Espanha, interessado em conhecer, em primeira mão, a experiência internacional dos registradores espanhóis. Fernando P. Méndez o recebeu com os braços abertos e passaram longas horas falando – eles e suas respectivas equipes – sobre organização de direitos de propriedade, sistemas contratuais, o papel do Estado na criação de mercados eficientes, da racionalidade subjacente nos sistemas registrais, etc. A coincidência foi completa.

Confira abaixo a entrevista concedida

Revista Registradores – RR: Que impressão o sr. leva do encontro que manteve com os registradores espanhóis?

Hernando De Soto - HS: Foram alguns excelentes dias de trabalho nos quais recebi a hospitalidade dos registradores espanhóis para informar-me de como funciona o Registro aqui e compará-lo com o sistema que minha equipe estabeleceu em outros países. Eu conhecia o sistema registral espanhol de referência. Haviam-me falado de suas virtualidades e particularidades, entre elas, sua organização, que é diferente da que conheci em outros países nos quais trabalhei.

RR: Que peculiaridades o sr. destacaria do sistema registral espanhol?

HS: Destacaria que, sendo os registradores funcionários públicos, tenham uma grande responsabilidade pessoal no ato registral, o que não sucede em outros países. O resultado de sua organização é que encontrei um grupo de pessoas sumamente inteligentes e com muito ânimo empresarial, o que não é usual entre os registradores de outras partes do mundo, onde são essencialmente burocratas. Minha estada em Madri para conhecer o sistema registral espanhol foi uma experiência apaixonante.

RR: Em que lhe parece que o sistema registral espanhol pode contribuir?

HS: Entre outras coisas, o fato de que não sejam conduzidos burocraticamente, mas que sejam profissionais selecionados por concurso. Não conheço outro país onde isto ocorra e vou estudar se esta é uma metodologia que possa ser utilizada em outras partes do mundo. É interessante ver como funciona sistema registral espanhol e comprovar que é motivo de orgulho para os registradores locais.

RR: Que papel prioritário o Registro desempenha na criação de capital?

HS: A publicidade que ele dá a uma transação aumenta enormemente seu valor porque identifica quem são os responsáveis pela transação. Para isto, os Registros são absolutamente indispensáveis. No mundo civilizado, se eu lhe digo que o presenteio com meu automóvel e lhe ofereço as chaves ou o título de propriedade, todo mundo tomaria o título de propriedade e não as chaves, porque a propriedade está representada no título.

RR: O sr. conhece uma infinidade de modelos de sistemas registrais; podem-se unificar critérios para implantar um sistema único?

HS: Há muitos registradores no mundo que servem a propósitos diferentes. Por exemplo, nos países em desenvolvimento necessita-se de mais informação do que se dá na Espanha. Aqui a legislação prevê a proteção de certo tipo de informação por respeito e proteção à intimidade. Em países como o Peru, por exemplo, onde parte da economia está na sombra, a lei tem que atuar, permitir dar o máximo de informação. Por isto, os Registros variam de um lugar para outro atualmente. Talvez, em algum momento, tenhamos em todo o mundo um sistema de padrões que nos permitirá fazer transações menos custosas e aumentará a especialização e a prosperidade internacional.

RR: Existe uma metodologia comum quando se trabalha em diversos países?

HS: O que há são princípios comuns. Em primeiro lugar, assistimos em todos os países à organização do sistema de propriedade, embora estes sistemas não sejam legais. Encontrei o sistema de Registro da Propriedade, em pequeno nível, em povoados, desde o Haiti até a Tanzânia que, sem serem legais, provam que as pessoas querem o Registro para poder organizar-se melhor e ter transações seguras. Em segundo lugar, como partimos de realidades diferentes, que vão desde a transformação de um país feudal como o Afeganistão ou de planificação central como a Georgia, à uma economia de mercado, o que há que fazer sempre é liquidar o regime antigo antes de passar para o regime legal novo.

RR: Regimes tão distintos podem chegar a aproximar-se?

HS: Embora os pontos de partida sejam diferentes, os objetivos são os mesmos: destruir o sistema antiquado que já foi superado. O objetivo é chegar a uma economia de mercado e, quanto mais progresso fazem os distintos sistemas, mais se parecem um com o outro. A única diferença, no final, é o ponto de partida.

RR: O sr. acorre continuamente à chamada de chefes de Estado que pedem conselho para sair de situações em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvimento?

HS: Os chefes de Estado são os únicos que podem entender o projeto de mudança no regime de propriedade de seu país, porque isto é uma decisão essencialmente política. Se em um país eu não puder falar com um chefe de Estado, é porque não há interesse em mudar, uma vez que as decisões devem ser tomadas no mais alto nível.

RR: Como se desenvolve seu trabalho nos diferentes países?

HS: Minhas entrevistas com presidentes e primeiros-ministros se iniciam com o envio de uma equipe de profissionais para detectar os problemas que encontram na governabilidade do território. Uma vez detectados estes problemas, que são muito amplos, os relaciono à organização da propriedade. Aos meus interlocutores lhes digo que, com a propriedade, eles podem estabelecer um sistema de propriedade viável tanto quanto países viáveis .

RR: Um regime de propriedade correto é o primeiro elo da cadeia?

HS: Não é que a propriedade seja a única coluna sobre a qual descansa o início da civilização, porém, é uma coluna fundamental e indispensável. Sem ela não pode funcionar o crédito, nem o sistema hipotecário, nem a polícia e nem sequer se pode combater o terrorismo. Demonstrei o papel fundamental que representa o sistema de propriedade nos países que hoje são desenvolvidos. Disto foram conscientes os chefes de Estado europeus nos séculos XVII, XVIII e XIX, porém hoje já o esqueceram.

RR: Seus livros “El otro Sendero” e “O Mistério do Capital”, têm tido grandes êxitos de venda em todo o mundo. O sr. tem em perspectiva alguma nova publicação?

HS: Escrevo livros apenas na medida em que tenho algo novo a dizer. Por isso, entre a publicação de meus dois livros anteriores, transcorreram quase doze anos. Meu próximo livro terá muito a ver com os fatores legais para a formação de uma empresa e de uma corporação. São elementos que não existem nas organizações mais simples. Estudo como os seres humanos se organizavam desde o princípio dos tempos passando por hordas, tribos, etc., e como a corporação é uma das últimas formas de cooperar que tem peso acima do Estado. Há alguns elementos que têm muitíssimo mais valor do que se suspeita, começando pela Responsabilidade Limitada e vou escrever sobre isso.

RR: A observação da realidade é o laboratório de seus livros...

HS: A vantagem é que, para fazer estas coisas, não necessito buscar documentos. O interessante é que não há necessidade de regressar ao passado. Se alguém crê que todos os seres humanos somos mais ou menos iguais, basta visitar uma tribo para ver como estão fazendo a transição de uma economia privada para uma economia moderna. Entre a observação da transição que está tendo lugar em países primitivos consigo ter uma idéia do que é necessário para guiar-se para a modernidade. Resumindo: é um pouco de história e um pouco de observação e, partindo disto, poder estabelecer uma metodologia.

RR: Seu trabalho é mais empírico do que teórico?

HS: Minha experiência é que, das coisas práticas, vêm as idéias. Trabalhar com os atores mais pobres da sociedade me permite ver um material que não é acessível a um acadêmico. Minha equipe de investigação, que trabalha no recolhimento de dados, é de mais de cento e cinqüenta pessoas. Comecei a escrever quando me dei conta de que tinha uma pá mecânica para obter dados. Tenho outra vantagem, isto é, que minha investigação se dirige para que as pessoas possam emancipar-se e, para isto, as pessoas estão dispostas a dar-me todo o seu tempo.

RR: Como o sr. se define politicamente?

HS: Creio em uma democracia econômica aberta. Nesse sentido, sou o mais parecido a um liberal do século XVIII, porém não do século XXI, porque muitas vezes as bandeiras e as posições políticas dos liberais de hoje foram roubadas pelos conservadores. O ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, é para mim uma pessoa próxima. Ele pertence à esquerda americana e quando conversamos sobre a responsabilidade do Estado e outros assuntos, estamos concordes. Sou mais bem um centrista em economia de mercado, com responsabilidade social.

RR: Quais são seus projetos imediatos neste momento?

HS: São minha ilusão os projetos dos quais sei muito pouco e têm a ver com minha profissão. Agora, pela primeira vez, vamos trabalhar em países com tribos. Vamos começar em cinco países africanos: Etiópia, Tanzânia, Nigéria, Gana e Madagascar. Meu grande interesse é detectar como se faz o salto da tribo para a economia de mercado. É uma coisa que ainda não sei. Tenho que fazer essa investigação e comprovar se sou capaz de colocar a chavinha e abrir o cadeado. Os sabores que mais me apetecem são os que ainda não provei.

Trajetória Profissional

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Hernando De Soto nasceu em Arequipa, Peru, em 1941, e fez seu pós-graduação no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais de Genebra. Foi economista no Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), presidente do Comitê Executivo da Organização de Países Exportadores de Cobre (CIPEC), diretor-gerente da Universal Engineering Corporation, membro do Swiss Bank Corporation Consultant Group, e diretor do Banco Central de Reserva do Peru.

Atualmente, Hernando de Soto é presidente do Instituto Liberdade e Democracia (ILD), com sede em Lima. Recentemente, a revista Time o incluiu em sua prestigiosa lista das 100 pessoas mais poderosas e influentes do mundo em 2004. Sua principal atividade é planejar e implementar programas de formação de capital para os pobres da Ásia, América Latina e do Oriente Médio.

De Soto publicou dois livros sobre a economia e política do desenvolvimento: El otro sendero , em meados dos anos 80, e O mistério do capital: porquê o capitalismo triunfa no ocidente e fracassa no resto do mundo , no final de 2000. Ambos os livros são best sellers e foram traduzidos para cerca de 20 idiomas. Entre alguns dos prêmios que Hernando de Soto recebeu, destacam-se o Prêmio pela Liberdade (Suíça) e o Prêmio Fisher (Reino Unido). Em 2002 recebeu o Prêmio Goldwater (USA), o Prêmio Adam Smith da Association of Private Enterprise Education (USA) e o Prêmio CARE Canadá para o Pensamento Destacado sobre o Desenvolvimento (Canadá). Em 2003, a Universidade Yale o nomeou o Downey Fellow de 2003 (USA) e a National Graduate University o incorporou ao Salão da Fama da Democracia Internacional (USA). Em 2004, recebeu o Prêmio Templeton pela Liberdade (USA) e o Prêmio Milton Friedman pela Liberdade (USA).

(Entrevista concedida à Revista Registradores de Espanha e publicada na edição 23, jul-ago de 2004, II época. Agradecemos ao Colégio de Registradores de Espanha e a Leonor Recio a autorização para reprodução da entrevista nestas páginas eletrônicas. A Tradução é de Francisco Tost e as fotos de Nacho Ballesteros).



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