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Sala temática - Imóvel rural - Lei 10.267/2001 e Decreto 4.449/2002 

A semana se inicia com duas decisões que põem termo a uma longa discussão travada em seminários, encontros, listas de discussão etc. De registradores imobiliários. Uma, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ostentando caráter normativo; outra, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Ambas feriram aspectos importantes do microssistema do georreferenciamento de imóveis rurais.


Vale a pena conferir o teor de ambas decisões – jurisprudência que já integra a base de dados do Irib em http://www.irib.org.br/asp/pesq_juris.asp

1) Imóvel rural – georreferenciamento - prazos. Títulos judiciais.

Decisão da CGJSP definindo (a) início da contagem dos prazos previstos no art. 10 do Dec. nº 4.449/02 para georreferenciamento dos imóveis rurais. (b) definição de aplicação do cronograma às hipóteses de autos judiciais. (c) Exigência de certificação para o georreferenciamento de imóveis rurais realizado antes do termo do cronograma. (d) Definição de escopo de aplicação do art. 10, § 2º, do Decreto 4.449;2002.

Protocolado CG nº 24.066/2005 - Dois Córregos - Juízo de Direito - PARECER Nº 243/05-E

DESPACHO: 1) Providencie-se o apensamento dos presentes autos ao proc. CG nº 2.863/01.

2) Parecer em separado, em 13 (treze) laudas impressas apenas no anverso. São Paulo, 11 de agosto de 2005. (a) JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO. Juiz Auxiliar da Corregedoria.

REGISTRO DE IMÓVEIS - Georreferenciamento de imóveis rurais - Inteligência dos artigos 176, §§ 3º e 4º, e 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73 (com a redação dada pela Lei nº 10.267/01 ); dos artigos 9º, caput e § 1º, e 10 do Dec. nº 4.449/02 ; da Portaria INCRA nº 1.032/02 e da Portaria MDA nº 1.101/03.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de consulta dirigida pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Dois Córregos ao respectivo Juízo da Corregedoria Permanente acerca de aspectos ligados ao georreferenciamento de imóveis rurais. Questiona: a) se a contagem dos prazos previstos no art. 10 do Dec. nº 4.449/02 deve se iniciar a partir da publicação de tal decreto, ou da Portaria MDA nº 1.101/03 ; b) se esses prazos podem ser estendidos "às hipóteses de autos judiciais"; c) se "aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02 , ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável"; e, infere-se, d) se a vedação contida no art. 10, § 2º, do referido decreto se aplica a "todo e qualquer ato registral".

Obtemperando que o tema é relevante e demanda tratamento uniforme, o MM. Juiz local remeteu os autos a esta Corregedoria Geral.

Relatei.

Passo a opinar.

A matéria, deveras, é de interesse geral, afigurando-se conveniente e oportuno arrostá-la aqui.

Quanto à primeira questão levantada, concernente ao termo a quo para cômputo dos prazos estabelecidos nos incisos I a IV do art. 10 do Dec. nº 4.449/02 , impende ressaltar que a resposta se acha expressamente insculpida no caput do dispositivo em tela. Dele consta que serão "contados a partir da publicação deste Decreto".

Prende-se a discussão ora trazida à baila pelo registrador ao fato de que só com o advento da Portaria nº 1.101, de 19/11/03 , publicada no D.O.U. de 20/11/03, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, foi instituída a "Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais", de modo que, antes disso, não havia condições de levar a efeito identificação de área pelo citado método. Assim, cogita da adoção desse momento como marco inicial para fluência daqueles prazos.

Correto o raciocínio na parte em que se vislumbra a impossibilidade de exigência de descrição georreferenciada antes da necessária definição dos critérios técnicos a serem observados para tanto. Além de configurar exercício de pura lógica, é corroborado pelo próprio texto do Decreto 4.449;2002 , cujo artigo 9º vem assim vazado:

"Art. 9º - A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015 , de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA".

Delineada, em última análise, norma remissiva, nos contornos do escólio de Rubens Limongi França: "dispositivos existem que, para fazer conteúdo, fazem remissão a outros, que podem ou não constar do mesmo ordenamento" (O Direito, a Lei e a Jurisprudência, RT, São Paulo, 1974, p. 89).

"Para fazer conteúdo". Eis o cerne forte da definição.

Efetivamente, ao se transpor essa doutrina para a realidade em comento, percebe-se que o supra transcrito artigo 9º, dada a inequívoca remissão enunciada, resta vazio se abstraídos o estabelecimento de precisão posicional em ato normativo apartado e a edição de manual técnico específico. Sem a demarcação de tais nortes, não há, por falta de base e referência, como aplicar o comando inserido naquele dispositivo, que deles depende "para fazer conteúdo".

Ora, se o Decreto 4.449;2002 veio a lume antes dessa necessária regulamentação, só se pode entender que o artigo 9º, incompleto sem ela, nasceu com feição de norma de eficácia condicionada.

Inviável, de fato, a identificação de imóvel rural mediante coordenadas georreferenciadas na ausência de critérios técnicos oficialmente uniformizados. E estes só entraram em cena, com implemento da condição de operacionalidade, pela edição da Portaria INCRA nº 954/02 (de 13/11/02, publicada em 18/11/02) e da Portaria MDA nº 1.101/03 (de 19/11/03, publicada em 20/11/03).

A primeira estabeleceu que o "indicador da precisão posicional ... não deverá ultrapassar o valor de 0,50m", enquanto a segunda instituiu o aguardado manual técnico ("Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais"), para entrada em vigor na data de sua publicação.

Publicada, pois, a derradeira portaria em 20 de novembro de 2003, há fundamento para não se exigir especialização georreferenciada antes dessa data. Só então o sentido do art. 9º do Decreto 4.449;2002 se completou e o mandamento ali abrigado teve possibilitada sua correta aplicação, ganhando, ipso facto , eficácia ( ad impossibilia nemo tenetur ).

Isso, todavia, não permite interpretar o art. 10 do mesmo diploma contra sua letra, para entender que todos os prazos nele previstos devem se contar da publicação da Portaria MDA nº 1.101/03. É textual, já se frisou, que os lapsos temporais hão de ser "contados a partir da publicação deste Decreto" (31/10/02).

Mister se faz conciliar as conclusões alcançadas acima. Destarte, que se cumpra a regra expressa quanto ao termo a quo , mas, verificado o escoamento antes da publicação do manual técnico oficial, não se repute exigível, até este desfecho, o georreferenciamento.

É o caso das hipóteses aventadas nos incisos I e II do art. 10 do Decreto 4.449;2002 . Quando editada a norma técnica já haviam expirado, respectivamente, os prazos de noventa dias e um ano ali fixados. Mas, mesmo nestes casos, só aperfeiçoada em 20/11/03, com a publicação da Portaria MDA nº 1.101/03, a condição a que subordinada a obrigatoriedade da identificação georreferenciada, não se pode considerar imperativa tal descrição no tocante aos atos registrários anteriores a tal data.

Contudo, dado à luz o manual, emergiu a partir de então, de pronto, por já anteriormente escoados os interregnos estabelecidos naqueles incisos I e II, a compulsoriedade do georreferenciamento no tocante a novos registros relativos aos imóveis com as dimensões neles indicadas.

Não há como negar a dilação necessária resultante da demora na feitura da Norma Técnica. Porém, inviável se mostra pretender que os prazos só comecem a correr, por inteiro, a partir de sua publicação, ignorando-se a disposição categórica do invocado art. 10. E, quanto aos assinalados em seus incisos III e IV, despicienda se mostra qualquer observação complementar, pois, iniciados com a edição do Dec. nº 4.449/02 , têm termos ad quem preservados, visto que situados depois da data de implantação do manual.

Aliás, esta Corregedoria-Geral, conquanto implicitamente, já afastou o cabimento de diferente entendimento, como se infere do item V do parecer nº 01/2004-E , datado de 23/12/03, do MM. Juiz Auxiliar Marcelo Fortes Barbosa Filho, um dos aprovados por Vossa Excelência no proc. CG nº 2.863/01 e publicados no Diário Oficial de 22/04/04. Segundo dele consta, considerado o dia de sua prolação, "é preciso, por fim, esclarecer que, conforme o artigo 10 do Dec. nº 4.449/02 , a nova regulamentação estabelecida já se encontra em vigor para imóveis com área superficial superior a 1.000 (mil) hectares". Para tratos de terra dessa dimensão, lembre-se, foi estabelecido o prazo de um ano, de maneira que, se contado da publicação (20/11/03) da Portaria MDA nº 1.101/03, ainda muito faltaria na data do parecer (23/12/03). Efetuado, entretanto, o cômputo desde a publicação do decreto (31/10/02), compreende-se a assertiva do douto parecerista, que logrou aprovação.

Vale notar que, assim realizada a contagem, para obediência ao ordenamento, avizinha-se o fim do lapso de carência concernente aos imóveis com área inferior a quinhentos hectares, os quais, tomado o contexto paulista, compõem a maioria ( Dec. nº 4.449/02 , art. 10, IV). Não são ignoradas as dificuldades de ordem prática que, dado o volume de atos, certamente surgirão, agora, com muito maior intensidade. Mas o que não se pode é recorrer a violenta interpretação com intuito protelatório, em prejuízo da correta aplicação da legislação vigente. Desviar-se-ia esta Corregedoria-Geral de sua finalidade se, ao arrepio de tudo, buscasse apenas alguma sorte de acomodação.

De bom alvitre, isto sim, a solução aventada pelo IRIB (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil) na chamada Carta de Araraquara , de lege ferenda , no rumo de procurar prorrogar os limites temporais mediante proposta de modificação normativa. Manifestações como a da engenheira cartógrafa Kátia Duarte Pereira, do IBGE, dão bom espeque à postulação: "O cronograma, hoje, com as datas que existem, não pode ser cumprido... O que tem que se fazer é, primeiro, trocar as datas-limite para o georreferenciamento das propriedades, de uma maneira mais realista, considerando o retrato da rede planimétrica hoje" (Boletim do IRIB em Revista, nº 319, p. 83).

Mas, se não falta quem saliente que a "lei, da forma como está, é injusta e merece flexibilização" (cf. artigo de Eduardo Agostinho Arruda Augusto, in Boletim do IRIB em Revista, nº 319, p. 58), é de rigor trazer à baila, uma vez mais, o pensamento de Limongi França: "numa concessão em benefício do próprio respeito à legalidade e ao regime, o rechaçamento da lei injusta deve, em princípio, ser feito através das autoridades competentes, do Legislativo ou do Executivo, conforme se trate de leis ou regulamentos. Para tanto, o particular, o jurista, o magistrado, ou quem quer que seja, deve alertar essas autoridades, através da crítica comedida e construtiva, o que pode e deve ser feito no próprio desempenho das funções do ofício" (ob. cit., p. 93).

O certo é que, por ora, cumpre respeitar os prazos legais tal como estabelecidos, com contagem principiada a partir da publicação do Dec. nº 4.449/02 .

A segunda indagação formulada na consulta diz respeito à possibilidade de serem tais lapsos temporais estendidos "às hipóteses de autos judiciais".

Esclareça-se que, ao serem fixados os interregnos de tolerância no art. 10 do mencionado decreto, determinou-se sua incidência "em qualquer caso de transferência" de imóvel rural.

Em boa hora sobreveio a Portaria INCRA nº 1.032, de 02/12/02, publicada em 09/12/02 , consagrando o posicionamento, já lógico e natural por si só, de que tais prazos "sejam observados, da mesma forma, para os casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais".

Inconcebível outro caminho, até porque as três hipóteses aludidas já se encontravam, quanto à previsão de georreferenciamento, entrelaçadas com aquela de transferência bem antes de engendrado o próprio Dec. nº 4.449/02 , como dimana da redação conferida pela Lei nº 10.267/01 aos parágrafos 3º e 4º do art. 176 da Lei nº 6.015/73 .

E, por isso mesmo, caracterizada a paridade, constou do item IV do parecer nº 94/04-E , desta equipe, também aprovado por Vossa Excelência no proc. CG nº 2.863/01 , o que segue: "Fica especificado neste parecer, para vigência em caráter normativo no caso de sua aprovação, que, quanto aos atos citados no item supra ('transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento'), deverão ser observados os prazos estabelecidos no artigo 10 do Dec. nº 4.449/02 , de 30 de outubro de 2002".

Contudo, não por acaso, não foram estendidos, naquela oportunidade, os mesmos lapsos de tempo aos casos de atos judiciais. E não o foram porque não o permitem as considerações de ordem sistemática e teleológica, nem os termos em que lançado o dispositivo legal correspondente.

Trata-se do parágrafo 3º do art. 225 da Lei de Registros Públicos , com o texto instituído pela já citada Lei nº 10.267/01 . É disposição peculiar e específica, apartando a hipótese daquel'outras agrupadas no art. 176, cujo parágrafo 4º prevê carência "nos prazos fixados por ato do Poder Executivo".

Ausente igual previsão quanto ao objeto do parágrafo 3º do art. 225:

"Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidas a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais, cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais".

Na falta de qualquer menção, depreende-se que não há vacatio legis .

O que se pode avistar, sob diferente prisma e com outro fundamento, é a não configuração da obrigatoriedade enquanto não publicada a imprescindível Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, em 20/11/03, veiculada pela Portaria MDA nº 1.101/03. Isto pelos motivos mais atrás explicados e que é escusado repetir. Desde então, todavia, preenchida a condição de eficácia da norma impositiva, tornou-se exigível a identificação pela novel metodologia.

Efetivo, in casu , o princípio da incidência imediata, que remonta ao Fuero Juzgo (Código Visigótico do ano 671), dos alvores da hispanidade: " Quaecunque causarum negotia inchoata sunt, nondum vero finita, secundum has leges determinari sancimus " (Capítulo XII do Título I do Livro II).

Curioso verificar que nossa Lei de Introdução ao Código Civil ( Decreto-lei nº 4.657/42 ) se distancia da Lex Wisigothorum no tempo, mas não no conteúdo, ao estabelecer, em seu artigo 6º, a regra segundo a qual "a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

Portanto, não há base para postergar a aplicação do atual texto do parágrafo 3º do art. 225 da Lei de Registros Públicos . E isto é perfeitamente compreensível, pois nele se contempla hipótese bem diversa daquelas alcançadas pelos prazos do art. 10 do Dec. nº 4.449/02 , o que deixa desautorizado o emprego de analogia. Análogas não são. Mirados no dispositivo regencial "autos judiciais" que digam respeito, precisamente, à definição das situações de imóveis rurais, possibilitando que se cogite, inclusive, de levantamentos periciais, racional que a avaliação técnica seja realizada, desde logo e sob a égide do magistrado, com base na nova e obrigatória sistemática, adotando-se a linguagem hodierna de referência.

Se a perfeita descrição da área terá, forçosamente, de ser levada a efeito, que o seja, desde logo, nos termos da nova exigência legal: georreferenciada.

Do contrário, poder-se-ia chegar ao despautério de, v.g., findando o feito judicial e querendo o proprietário vender o imóvel em data pouco posterior, mas quando já expirado o prazo, se recomeçar obrigatoriamente o trabalho de identificação (duplicado o esforço), desta vez para georreferenciamento, sob pena de não se formalizar a transferência.

Falta, enfim, supedâneo para que caiba estender à hipótese de "autos judiciais" os lapsos do art. 10 do Dec. nº 4.449/02 . Só de iure constituendo se pode aventar a concepção de algum interregno. Mas, no âmbito do ordenamento efetivamente em vigor, uma vez implantada a Norma Técnica pela Portaria MDA nº 1.101/03, não é dado reconhecer qualquer carência quanto à aplicação do comando do art. 225, § 3º, da Lei nº 6.015/73 . Ressalve-se, contudo, que embora pareça ser esta a posição correta, há de ser cumprida, em se tratando de matéria jurisdicional, determinação decorrente de entendimento diverso expressamente consignado na decisão do Juiz do feito, proferida, com arrimo em sua convicção, ao apreciar caso concreto.

Foi questionado, outrossim, se "aqueles que optarem pelo georreferenciamento já, deverão atender de imediato a certificação de que trata o § 1º do artigo 9º do Decreto 4.449/02 , ou poderão fazê-lo dentro do prazo que for entendido como aplicável".

Obviamente, a providência deverá ser imediata. A obtenção do certificado de não sobreposição emitido pelo INCRA é parte integrante e relevante do sistema de individualização imobiliária disciplinado no dito decreto. Logo, não é de se admitir o ingresso, no fólio real, de identificação truncada; incompleta. Nem parceladamente, a prestações. Configura a certificação verdadeiro requisito a ser observado. Aliás, sua exigência é um dos aspectos essenciais do mapeamento cadastral que se almeja erigir. Destarte, a bem da própria higidez do Registro Imobiliário, deverá ser desqualificado o ingresso da nova descrição quando o memorial não vier devidamente certificado. Do contrário, ferir-se-ia a lógica da estrutura concebida e se correria o risco, até, de permitir a vulneração da tábua por modificação aventureira das características da área rural, uma vez que sem a chancela de segurança do órgão oficial responsável. Além disso, a certificação diferida para o futuro poderia nunca chegar, criando-se perplexidade acerca do destino a ser dado àquela descrição precipitadamente abrigada.

Por fim, pergunta-se se a vedação contida no art. 10, § 2º, do Decreto nº 4.449/02 se aplica a "todo e qualquer ato registral".

Sobre o tema, a Carta de Araraquara traz algumas considerações interessantes: "A Lei nº 10.267/2001 exigiu o georreferenciamento apenas nos casos de transferência, desmembramento, remembramento e parcelamento dos imóveis rurais, além das hipóteses dos casos judiciais. Entretanto, uma leitura apressada do § 2º do artigo 10 do Decreto nº 4.449/02 poderia levar à equivocada conclusão de que se está proibindo a prática de todo e qualquer ato registral nas matrículas dos imóveis não georreferenciados, cujo prazo tenha se exaurido. Em decorrência dessa interpretação, ficaria impedido o oficial de registrar, por exemplo, uma hipoteca cedular, prejudicando o acesso do proprietário ao crédito rural sem qualquer fundamento legal".

Impende trazer à colação, para correta exegese, a própria letra do aludido parágrafo 2º: "Após os prazos assinalados nos incisos I a IV, fica defeso ao oficial do registro de imóveis a prática de quaisquer atos registrais envolvendo as áreas rurais de que tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto".

Não se perca de vista que se está em face de parágrafo subordinado ao art. 10 do decreto em foco, com expressa remissão aos prazos estabelecidos em seus incisos I a IV. Logo, é evidente que a proibição comentada diz respeito, precisa e exclusivamente, aos casos que constituem a própria razão de ser de tais lapsos temporais e por estes são atingidos. Ou seja, tão-somente aos atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, consoante retro demonstrado com fulcro no teor do art. 176, §§ 3º e 4º, da Lei nº 6.015/73 , do art. 10, caput, do Decreto nº 4.449/02 e do art. 1º da Portaria INCRA nº 1.032/02. Tendo em vista estas situações típicas é que adrede engendrados os interstícios.

Eis o parecer que, mui respeitosamente, com o fito de enfrentar os quesitos elencados, submeto à elevada consideração de Vossa Excelência, propondo que sejam aprovadas, em caráter normativo, as conclusões nele expostas.

Sub censura.

São Paulo, 11 de agosto de 2005.

(a) JOSÉ ANTONIO DE PAULA SANTOS NETO

Juiz Auxiliar da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo com força normativa, por seus próprios fundamentos, que adoto, o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e determino sua publicação, na íntegra, para conhecimento geral.

Publique-se.

São Paulo, 19/08/05

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE- Corregedor Geral da Justiça

(D.O.E. de 22.08.2005)

2) Retificação judicial de registro. Imóvel rural. Georreferenciamento - gratuidade.

Às retificações de registro judiciais se aplica o cronograma previsto no Decreto nº 4.449/02 obrigando o georreferenciamento dos imóveis rurais.

ACÓRDÃO

Retificação de área – Exigência de descrição pelo método de “georreferenciamento” – Inconformismo – Acolhimento – Providências que ainda não pode ser exigida, posto não transcorrido o prazo de carência – Tratamento administrativo que também deve ser observado nas retificações judiciais – Inteligência dos arts. 176, § 3º, 225, § 3º, da Lei 6015/73 , com a redação da lei 10767/01 , e art. 10, do Decreto nº 4.449/02 – Decisão reformada – Recurso provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 388.029-4/8-00, da Comarca de CÂNDIDO MOTA, sendo agravante IRANY ANTONIO E SUA MULHER e agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao recurso.

1) Trata-se de agravo de instrumento tirado de decisão que, em ação de retificação de área, proposta por IRANY ANTONIO e EVA MARTINS DA SILVA ANTONIO, acolheu cota do Ministério Público, no sentido de exigir a descrição georreferenciada da área, por não constar, no Decreto nº 4.449/02 , a hipótese de retificação, pleiteada nos autos, determinando a providência aos autores (fls. 29 e 30).

Inconformados, recorrem os mesmos, alegando, em resumo, a necessidade de retificação da área do imóvel rural, de sua propriedade, em virtude de desapropriação da CESP – Companhia Energética de São Paulo de 6,58 hectares, do total de 7,0871 hectares, remanescendo área de 0,5071 hectares. Esclarecem ter apurado através de “levantamento topográfico planimétrico” área de 0,5082 hectares, que seria a mesma da matrícula, não constando, todavia, no registro do imóvel, as divisas, com distâncias e orientações magnéticas corretas, a impossibilitar a apuração exata de seu domínio. Aduzem a não aplicação dos prazos previstos no artigo 10, do Decreto nº 4.449/02 , em razão da falta de normatização e estruturação por parte do INCRA (certificadores do georreferenciamento), na implantação do sistema gratuito de georreferenciamento, ao qual o imóvel, objeto da lide, está incluído, por não exceder 4 módulos fiscais, estando cada módulo em Cândido Mota, fixado em 20 hectares. Pede efeito suspensivo.

O recurso foi processado com a concessão do efeito pretendido (fls. 59), dispensando-se as informações do Juízo a quo , por desnecessárias. O Ministério Público opinou pelo provimento do recurso (fls. 66/68). A r. decisão agravada, a prova da intimação e as procuração encontram-se, por cópia, a fls. 30, 31, e 22. O preparo foi recolhido (fls. 54/56). É o relatório.

A retificação judicial de área, tem previsão na Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31.12.73), sendo necessária em diversas hipóteses (art. 212 – com redação da Lei n. 10.931 , de 02.08.04) e, no caso, por não traduzir o registro as divisas com suas orientações de rumo, que possibilitem sua clara identificação. Na hipótese dos autos, houve, ainda, a necessidade de se obter a área real, uma vez que a propriedade dizia respeito a área maior, parcialmente desapropriada pela CESP – Companhia Energética de São Paulo.

Ocorre que, com o advento da Lei n. 10.267 , de 28.08.01, a Lei de Registros Públicos sofreu alteração, ficando estabelecido no seu artigo 225, § 3º, o seguinte:

“Art. 225...

§ 3º Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

O decreto n. 4.449 , de 30.10.02, que regulamenta a Lei n. 10.267 , estabeleceu, a propósito da identificação do imóvel rural, na forma do citado § 3º, do artigo 225, o seguinte:

“Art. 9º A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015 , de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.”

O artigo 10, do Decreto , de seu turno, fixou prazo para a exigência da identificação do imóvel na forma georreferenciada, sendo esse de “três anos, para os imóveis com área inferior a quinhentos hectares” (inciso IV), como a área objeto de retificação possui 0,5082 hectares, enquadra-se nessa hipótese.

Por outro lado, é certo que o caput do citado artigo 10, do Decreto nº 4.449/02 , alude apenas às hipóteses do artigo 176, da Lei de Registros Públicos , com a redação da Lei n. 10.267 , que não diz respeito às retificações judiciais. Nada obstante, não se justifica o tratamento diferenciado, já que a situação prática é a mesma e o objetivo volta-se, em qualquer hipótese, á uniformização do registro e à melhor identificação dos imóveis.

A propósito, aliás, de ser reproduzido a parte conclusiva do parecer da Dra. Silvana Buogo, Ilustre Procuradora de Justiça, ora adotado como razão de decisão, em face da clareza e excelência da exposição:

“De fato, dispensável a providência determinada pelo ilustre Magistrado que prolatou a decisão recorrida.

O Oficial de Registro de Imóveis observou que por se tratar de ação de retificação de área de imóvel rural tem lugar a aplicação da Lei 10.267 de 28.08.2001, que foi regulamentada pelo Decreto nº 4.449/02 , de 30.10.2002, que, por seu turno, exige a apresentação de geo-referenciamento de todos os vértices dos imóveis rurais existentes no território brasileiro, observando-se, ainda, a necessidade da devida aprovação da planta e memorial pelo INCRA.

O magistrado da Primeira Instância, adotou a fundamentação exposta pela Oficial, no sentido de que se o legislador não estabeleceu prazo para os casos de retificação judicial, há de se observar que a exigência passou a existir a partir de novembro de 2003, quando o INCRA estabeleceu normas em relação a matéria de que tratou a aludida Lei 10.267/2001 .

A nosso ver, a providência não pode, ainda, ser exigida, posto que não decorrido o prazo estabelecido no artigo 10 do Decreto 4.449/2002 .

Com efeito, o artigo 10º dispõe que a identificação do imóvel rural, na forma estabelecida na nova legislação, inclusive no Decreto regulamentador, será exigida dentro de prazos que variam em função da dimensão do imóvel rural.

No caso especifico do imóvel retificando, que consta ter 7,0871 hectares, o prazo para a identificação do imóvel é o de três anos, contados da data de publicação do Decreto (art. 10, inciso IV), o que significa que esse prazo se esgotará apenas 31 de outubro de 2005, circunstância que demonstrada a desnecessidade da providência preconizada pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Nos parece lógico que se é omissa a regra em relação às retificações judiciais, as situações postas nestas devem receber o mesmo tratamento disciplinado para a retificação administrativa, sob pena de criar tratamento desigual em situações que nos parecem absolutamente idênticas, no que diz respeito à forma de identificação junto ao registro imobiliário.

Assim, a providência determinada na respeitável decisão agravada deve, a nosso ver, ser afastada, razão pela qual nos posicionamos no sentido do provimento do recurso.” (destaque original).

Finalmente, resta anotar que, se confirmando o módulo fiscal de 20 hectares, no caso do Município de Cândido Mota, o georreferenciamento passa a ser de responsabilidade da União, uma vez “garantida a isenção de custas financeiras aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória de área não excede a quatro módulos fiscais” ( Lei n. 6.015/73 c/c redação da Lei n. 10.267/01 – art. 225, § 3º).

Concluindo, fica afastada a exigência de descrição geo-referenciada para a retificação em apreço.

3) Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento, com voto, o Desembargador ANTONIO VILENILSON e dele participou o Desembargador SÉRGIO GOMES.

São Paulo, 14 de junho de 2005.

DES. GRAVA BRAZIL
Relator



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