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TV JUSTIÇA

- A experiência de Diadema-SP como verdadeiro laboratório da habitação: vários modelos utilizados em diferentes processos de regularização fundiária urbana  
- Reportagem com os moradores do Sítio Joaninha, ocupação irregular em área de preservação ambiental de Diadema-SP 
- Reportagem no Jardim Portinari, área com risco de desabamento 
- Reportagem com o Jardim das Praias: um modelo de regularização 
- Jardim Campanário, núcleo habitacional regular, centro comunitário 18 de Agosto – Santa Luzia


TV JUSTIÇA

 A experiência de Diadema-SP como verdadeiro
 laboratório da habitação: vários modelos utilizados em diferentes processos de  regularização fundiária urbana

Cartório, o parceiro amigo é o programa da TV Justiça que vai ao ar aos domingos, às 7h30, com reapresentação na terça-feira, às 10h e sexta-feira, às 18h30. Uma iniciativa da Anoreg-BR, o programa é coordenado por seu diretor José Maria Siviero e realizado pelas entidades dos notários e registradores.

O primeiro de uma série de programas realizados pelo Irib sobre o tema da regularização fundiária urbana foi gravado no último dia 3 de junho, em São Paulo, apresentado pela diretora de urbanismo e regularização fundiária, Patrícia Ferraz, para ir ao ar em 7/8/05.

O entrevistado, Josemundo Dario Queiroz, é secretário da Habitação de Diadema. Natural de Parelhas, no Rio Grande do Norte, mora em Diadema há 28 anos. Foi militante do movimento de moradia, coordenou o fórum de habitação da Região Norte, integrou o conselho municipal de habitação e assumiu o departamento de habitação da prefeitura de Diadema em 2001. Em 2005, assumiu a Secretaria de Habitação do Município, que hoje é responsável por todos os projetos de regularização fundiária de Diadema.

A entrevista

Josemundo Queiroz:
– É um grande prazer estar aqui. Primeiramente, gostaria de agradecer o convite do Irib para que a prefeitura municipal de Diadema pudesse estar aqui, contribuindo um pouco com as suas experiências e com a parceria muito bem sucedida que temos no município.

Patrícia Ferraz: – Como se deu o processo de ocupação desordenada no município de Diadema, que é um grande laboratório dessas situações de irregularidades formais existentes em todo o Brasil?

Josemundo Queiroz: – Diadema é uma cidade nova, que se emancipou de São Bernardo do Campo em 1959. Na década de 1970, iniciou-se o processo de ocupação, principalmente na região periférica da cidade. Esse processo teve um crescimento desordenado a partir da década de 1980, justamente o primeiro período de uma administração popular de esquerda. De lá para cá, esse processo de ocupação desordenada teve uma paralisação na década de 1990. Conseguimos parar esse processo mediante a utilização de instrumentos do plano diretor e parcerias com os movimentos organizados. A partir daí começamos a pensar um novo planejamento urbano e de urbanização de diversas favelas do município.

Patrícia Ferraz: –  Para dar uma idéia do que acontece em Diadema, fizemos uma reportagem com moradores do sítio Joaninha. 

 REPORTAGEM COM OS MORADORES DO SÍTIO JOANINHA, OCUPAÇÃO IRREGULAR EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL DE DIADEMA-SP

Anísio de Oliveira Neto:
– Quando eu comprei isto aqui, praticamente todo mundo foi enganado.

Raimunda do Vale: – Eu descobri que aqui era clandestino quando fiz minha casa e fui pedir a luz.

Anísio de Oliveira Neto: – O que ocorreu foi o seguinte. Nós compramos e quando começamos a construir muita gente foi embargada. Hoje eu já estou com 11 anos aqui nessa mesma situação.

Raimunda do Vale: – Eu sou da associação e já impedi muitas vendas quando o pessoal vem aqui para ver terreno. Eu falo: – não compra, porque é fria e você não vai poder construir, se construir a prefeitura vai derrubar.

Anísio de Oliveira Neto: – Todo mundo procura um lugarzinho para se esconder, uma moradia. Boa ou ruim, pelo menos é sua, porque se você vive na cidade seria impossível não ter nenhum lugar para ficar.

Patrícia Ferraz: – Se a senhora tivesse que dar um conselho para alguém que está comprando um imóvel o que a senhora diria?

Raimunda do Vale: – Para procurar um cartório de registro, procurar a prefeitura, para não entrar numa fria como eu entrei.

Patrícia Ferraz: – Vocês estão ocupando uma área de proteção ambiental no sítio Joaninha. Vocês pretendem recuperar esta área ou preservá-la?

Anísio de Oliveira Neto: – Com certeza. Pode ficar ciente disso, porque a gente sempre procura ter um pedacinho para plantar umas árvores.

Raimunda do Vale: – Eu gostaria de saber como é que está o projeto da prefeitura com o juiz para a liberação da área do sítio Joaninha. A vida aqui é muito difícil, só quem mora aqui é que sabe. Principalmente para as crianças, que vão para a escola e chegam sujos de barro, são discriminadas na escola, em qualquer lugar o pessoal daqui é discriminado por causa da vida que a gente vive aqui.

Josemundo Queiroz: – O sítio Joaninha é um grande desafio para a prefeitura municipal e para outros órgãos responsáveis pela aprovação dele. Um empreendimento desse porte e com as irregularidades que tem só terá solução se houver, por parte do poder Judiciário da prefeitura municipal, disposição para se encontrar alternativas. Da forma como a legislação está hoje é impossível regularizar o sítio Joaninha. Estamos trabalhando em parcerias para tentar encontrar solução alternativa para aprovação do loteamento do sítio Joaninha e, também, para que possamos levar rapidamente as obras de infra-estrutura, principalmente o saneamento e o abastecimento de água para os moradores dessa região.

Patrícia Ferraz: – É muito complicada a situação do sítio Joaninha, como todas as ocupações irregulares que existem no Brasil nessas áreas de proteção ambiental. As pessoas estão lá, tiram da terra os meios para sua subsistência e em contrapartida não têm infra-estrutura básica. O caminhão-pipa vai a cada localidade uma vez a cada quinze dias e, o poder público também não pode implantar serviços e infra-estrutura, senão o adensamento populacional dessas áreas vai aumentar e inviabilizar de vez a regularização.

Josemundo Queiroz: – Estamos trabalhando em duas vertentes, a primeira é uma parceria com população no sentido de garantir que não sejam instaladas novas ocupações, ou que a venda de um lote seja imediatamente informada à prefeitura para as medidas legais e cabíveis. A segunda é buscarmos alternativas de fato, porque embora seja uma área de restrição ambiental, é uma realidade que existe, está lá. Se ficarmos com o que estabelece a legislação, não estaremos buscando solução para resolver o problema. O sítio Joaninha é um exemplo que temos no país todo, principalmente na região metropolitana. Temos que buscar mecanismos, alternativas, e estas só serão possíveis se não levarmos friamente o que está estabelecido na legislação e se o poder Judiciário estiver conosco. Em Diadema existe uma grande disposição do poder Judiciário, a promotoria está buscando essas alternativas. Isso é de fundamental importância para a solução do problema.

Patrícia Ferraz: – Como a regularização fundiária pode auxiliar na recomposição dessas áreas e na preservação do que ainda não foi tocado?

Josemundo Queiroz: – Estamos desenvolvendo, em primeiro lugar, um projeto urbanístico que assegure o direito à moradia das famílias que já estão no sítio Joaninha. Afinal de contas, a grande maioria daquelas famílias foi enganada quando da compra de seus lotes de pessoas que agiram de má-fé. Estamos desenvolvendo um projeto de urbanização, de realocação dos lotes, que possibilite a manutenção das famílias na área. Desenvolvemos também um trabalho de recuperação da área degradada. Temos absoluta certeza que da forma como está instalado o loteamento do sítio Joaninha hoje, não vamos conseguir a regularização definitiva. Com um planejamento que leve em conta a questão ambiental, e a garantia de uma forma organizada para que as famílias permaneçam lá, vamos conseguir alcançar nosso objetivo de regularização e manutenção das famílias que residem no local totalmente desprovidas da infra-estrutura básica. Muitas dessas pessoas têm problemas sérios de saúde, em virtude da falta de saneamento na área...

Patrícia Ferraz: – ... e de contaminação das águas, porque ao lado do Sítio Joaninha tem um lixão e, pelo que apuramos no local, vários poços tiveram de ser interditados.

Josemundo Queiroz: – O lixão foi fechado em 2001, graças a intervenção da prefeitura municipal. Mas, durante o tempo em que funcionou o lixão contaminou seriamente o lençol freático daquela região. Os problemas de contaminação existem, já foram identificados em grande escala, portanto não estamos mais tratando apenas de um problema de regularização fundiária, ou de parcelamento irregular do solo, estamos tratando de um problema de saúde pública. Isso tem que ser encarado com sensibilidade e responsabilidade pelos órgãos responsáveis pela aprovação desse loteamento.

Patrícia Ferraz: – Além do sítio Joaninha, outros locais em Diadema também são objeto de intervenção pela prefeitura municipal para regularização fundiária. 

A entrevista

 REPORTAGEM NO JARDIM PORTINARI, ÁREA COM RISCO DE DESABAMENTO

Patrícia Ferraz:
– As imagens estão mostrando a ocupação Vinicius de Moraes. Vemos a precariedade das construções e, no fundo, uma encosta ocupada com moradias. Qual o plano da prefeitura para essa área?

Josemundo Queiroz: – Essa área mostra a diversidade dos problemas que temos no município de Diadema. Inicialmente essa área era totalmente industrial, como podemos perceber nas imagens. As famílias fizeram uma ocupação próxima a um loteamento que foi promovido pela prefeitura, inicialmente. Houve a descaracterização de área industrial mediante a implantação de um loteamento e, hoje, temos toda a encosta ocupada. Estamos promovendo a regularização desse condomínio industrial mediante acordo que estamos realizando com todo o entorno. Estamos conseguindo uma doação de uma área de 10 mil metros e essa área será utilizada para a remoção das 135 famílias que estão nessa encosta.

Patrícia Ferraz: – No Jardim Portinari vemos um dos aspectos complicados da regularização fundiária que é a necessidade da remoção de algumas famílias. Temos aquelas moradias precárias, todas em áreas de encosta com evidente risco para aquela população. Como a prefeitura tem enfrentado a questão de remoção das famílias?

Josemundo Queiroz: – A busca de alternativas é quase que diária, uma vez que por Diadema ser a segunda maior densidade demográfica do Brasil e a primeira do estado de São Paulo, temos poucas áreas livres no município. As alternativas de urbanização que procuramos desenvolver são as que mantêm as famílias no local. Mas, em casos como este, de ocupação de encosta, não existe a menor possibilidade de mantermos as famílias no local. São situações de extremo risco e cabe ao poder público a remoção. Estamos trabalhando com um banco de terras. A Secretaria da Habitação sempre procura ter um banco de terras que possa atender prioritariamente as questões de risco.

Patrícia Ferraz: – No caso do Sítio Joaninha, a sorte foi poder contar a ajuda da indústria que está ao lado e que se dispôs a fazer uma doação de parte de sua área para a implantação de uma área verde e de um conjunto habitacional que vai receber as pessoas que serão removidas.

Josemundo Queiroz: – No caso dessa área, especificamente, o conjunto de ações para regularização do condomínio inteiro possibilitou que parte da área a ser doada fosse utilizada para empreendimento habitacional, e parte para um parque que vai facilitar muito a vida dos moradores, uma vez que não serão removidos para outro local fora da sua origem, da estrutura tanto de atendimento da rede pública quanto de escola, enfim, eles estão residindo ali, eles criaram vínculos ali e isso facilitou bastante a resolução do problema.

Patrícia Ferraz: – Esse caso, por exemplo, mostra que a regularização fundiária precisa do envolvimento de todos os tipos de parceiros.

Josemundo Queiroz: – É fundamental entender que a regularização fundiária não é uma questão especifica e exclusiva de habitação. Temos diversas situações de irregularidades nas cidades e a busca de soluções pode envolver não só a indústria, como o comércio, enfim uma série de atores da composição urbana do município.

Patrícia Ferraz: – Qual a compreensão que têm as indústrias vizinhas do Jardim Portinari quanto à importância dos processos de regularização fundiária?

Josemundo Queiroz: – Elas sabem da importância de abraçar a causa da função social da terra numa situação como essa que pode atender não só a regularização das indústrias, como também possibilita a resolução das situações habitacionais.

Patrícia Ferraz: – No fim há o reconhecimento de que a sociedade como um todo ganha com esse processo.

Josemundo Queiroz: – É de fundamental importância essa parceria e a compreensão de que o problema é maior, a regularização fundiária não é tema específico de um determinado local. Numa cidade como Diadema onde o crescimento desordenado deixou em segundo plano a regularização fundiária, é essencial que todos se envolvam e contribuam para resolver o problema.

Patrícia Ferraz: – Vamos mostrar imagens de outro modelo de parceria instituída pela prefeitura municipal com os moradores do Jardim das Praias. 

 REPORTAGEM COM O JARDIM DAS PRAIAS: UM  MODELO DE REGULARIZAÇÃO

Ronaldo Lacerda
,  presidente da Associação Leste de Diadema: – Primeiramente, é importante dizer que essa foi uma área de interesse social no plano diretor da cidade. Isso facilitou o acesso à moradia, senão hoje não existiriam essas residências. Em 1996, famílias que não tinham onde morar buscaram o apoio das associações para encontrar um lugar onde construir sua moradia. Fomos à prefeitura, conversamos com a Secretaria da Habitação e fizemos uma parceria. 

 JARDIM CAMPANÁRIO , NÚCLEO HABITACIONAL REGULAR, CENTRO COMUNITÁRIO 18 DE AGOSTO – SANTA LUZIA

Francisco Vicente Alves
, representante do núcleo comunitário do Jardim Campanário em Diadema-SP: – As famílias aqui são de baixa renda, mas querem pagar o seu lote de forma parcelada, como puderem. Eles querem pagar, mas sonham em ter a sua escritura.

Patrícia Ferraz: – Vocês gostariam de poder adquirir as propriedades dos imóveis que ocupam, desde que houvesse financiamento para a aquisição. Qual é a renda média das pessoas no loteamento 18 de Agosto – Santa Luzia?

Francisco: A renda média varia de dois a três salários mínimos.

Patrícia Ferraz: – Você disse que o sonho das pessoas aqui é ter a escritura de seus imóveis. O que você vai fazer com essa escritura?

Francisco: Eu vou ter que registrar em cartório, para ter garantia. Aí sim, a gente teria a garantia de moradia, definitivamente. As pessoas sabem que a concessão de direito real de uso não é um documento definitivo, não garante definitivamente o seu loteamento.

Patrícia Ferraz: – Essa é uma ocupação que foi feita, informalmente, de uma desapropriação de área pela prefeitura de Diadema. Foram emitidos títulos de concessão de direito real de uso. O Paulo mora aqui. Há quanto tempo?

Paulo : Vai fazer 16 anos.

Patrícia Ferraz: – E você tem certificado da prefeitura?

Paulo : Tenho um certificado que está no meu nome e de minha esposa.

Patrícia Ferraz: – Para você e para as pessoas que moram aqui, o que significaria ter a certidão do título de propriedade do seu imóvel em mãos?

Paulo: Para mim seria como se um filho nascesse e eu registrasse em meu nome para dar valor àquilo que eu tenho. Isso é muito importante.

Patrícia Ferraz: – Josemundo, depois dessas duas imagens de casos tão complexos de irregularidade fundiária, olhar para os loteamentos Jardim das Praias e 18 de Agosto – Santa Luzia, é um alívio, não é?

Josemundo Queiroz: – É verdade, são modelos distintos, mas os dois modelos muito bem sucedidos, ambos mostram que quando existe parceria, principalmente entre a comunidade dos movimentos organizados e a prefeitura, que tem como prioridade esse tipo de trabalho, os objetivos são alcançados.

O Jardim das Praias é um modelo que gostaríamos muito de reproduzir na cidade inteira. É um modelo muito bem sucedido de como o poder público mediante intervenção e com a parceria da comunidade pode alcançar resultados.

Patrícia Ferraz: – Como foi essa parceria? A prefeitura desapropriou a terra, mas quem fez a implantação da infra-estrutura?

Josemundo Queiroz: – A implantação da infra-estrutura, num primeiro momento, foi feita pelas associações de moradores. São quatro associações no Jardim das Praias, eles fizeram todo o investimento em infra-estrutura e esse valor foi ressarcido no encontro de contas que fizemos agora na quitação final dos lotes de cada morador.

Patrícia Ferraz: – Por que no loteamento 18 de Agosto – Santa Luzia foram dados títulos de concessão de direito real de uso?

Josemundo Queiroz: – O Jardim das Praias é projeto modelo, por isso já adotamos a titularidade em definitivo como parte desse modelo de empreendimento habitacional, ou seja, a compra e venda para cada morador. O loteamento 18 de Agosto – Santa Luzia era uma favela. A prefeitura está investindo na urbanização e, no primeiro momento, o título de concessão a ser entregue fez parte do processo de discussão com os moradores. Mas a reportagem mostrou que os moradores anseiam pela titularidade da propriedade. São muitas as alternativas, não tenho dúvida de que os vários modelos que utilizamos em diferentes processos de urbanização é que fizeram de Diadema um laboratório da habitação. 



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