Em 23/04/2018

CNJ - REVISÃO DISCIPLINAR. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. DELEGAÇÃO - PERDA. SANTA CATARINA.


O Conselho Nacional de Justiça, pelo seu pleno, decidiu que a revisão disciplinar, espécie de recurso contra imposição de pena disciplinar no âmbito do Poder Judiciário, somente alcança juízes e membros do tribunal, não titulares de serventias extrajudiciais. A via de recurso contra decretação de perda de delegação será judicial ou administrativa, que deverão ter curso nos respectivos estados. No texto, fundamentos e precedentes. PP 0005954-32.2015.2.00.0000, Santa Catarina, j. 23/5/2017, DJ 24/5/2017, rel. Norberto Campello.


CNJ - PROCESSO: 0005954-32.2015.2.00.0000
LOCALIDADE: Santa Catarina DATA DE JULGAMENTO: 23/05/2017 DATA DJ: 24/05/2017
RELATOR: NORBERTO CAMPELLO
LEI: CF - Constituição da República - 1988 ART: 103-B

REVISÃO DISCIPLINAR. TITULAR DE SERVENTIA JUDICIAL [sic]. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Revisão Disciplinar somente alcança os juízes e membros de tribunais, conforme previsão do artigo 82 do Regimento Interno e artigo 103-B da Carta Magna.

2. Os titulares de serventia extrajudicial, apesar de atuarem na condição de delegatários de serviços públicos, não são considerados membros do Poder Judiciário, mas sim colaboradores da Administração, no exercício de função de caráter privado, razão pela qual o procedimento de Revisão Disciplinar não é a via adequada à hipótese.

ÍNTEGRA

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005954-32.2015.2.00.0000
Requerente: JUSSARA APARECIDA PERGHER GROLLI
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – TJSC
Advogado: SC24703 – GUILHERME STINGHEN GOTTARDI

EMENTA:

REVISÃO DISCIPLINAR. TITULAR DE SERVENTIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Revisão Disciplinar somente alcança os juízes e membros de tribunais, conforme previsão do artigo 82 do Regimento Interno e artigo 103-B da Carta Magna.

2. Os titulares de serventia extrajudicial, apesar de atuarem na condição de delegatários de serviços públicos, não são considerados membros do Poder Judiciário, mas sim colaboradores da Administração, no exercício de função de caráter privado, razão pela qual o procedimento de Revisão Disciplinar não é a via adequada à hipótese.

3. Recurso conhecido, mas, no mérito, desprovido.

ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso administrativo, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 19 de maio de 2017. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros João Otávio de Noronha, Lelio Bentes, Carlos Levenhagen, Daldice Santana, Gustavo Tadeu Alkmim, Bruno Ronchetti, Fernando Mattos, Carlos Eduardo Dias, Rogério Nascimento, Arnaldo Hossepian, Norberto Campelo e Henrique Ávila. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Presidente Cármen Lúcia, Luiz Cláudio Allemand e, em razão da vacância do cargo, o representante da Câmara dos Deputados.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Administrativo interposto por Jussara Aparecida Pergher Grolli em face da decisão monocrática que não conheceu deste procedimento de Revisão Disciplinar (RevDis) (Id 1857692).

Na inicial, a requerente alegou que o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao acolher a Portaria n. 45/2014, aplicou-lhe a pena de perda de delegação da Escrivania de Paz do Distrito de Anta Gorda, Comarca de Videira/SC.

Aduziu haver sido instaurado contra si Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) para apuração de supostas irregularidades praticadas no exercício da função de Escrivã de Paz do Distrito de Anta Gorda, assim descritas, em síntese: (i) prática de atos fora de sua circunscrição; (ii) cobrança indevida e excessiva de emolumentos.

Informou que, durante o trâmite do procedimento, a Corregedoria do Tribunal determinou a suspensão da função de Escrivã de Paz, a nomeação de interventor para responder pela serventia e a investigação acerca da existência de outros procedimentos ou reclamações em face do Registro Notarial.

Sustentou ser “vítima de verdadeira disputa comercial, por faturamento de cartórios”, situação visivelmente constatada na nomeação da interventora, funcionária da titular do Tabelionato de Notas da Comarca de Videira, a qual, por sua vez, denunciou a requerente.

Apontou como legítima e justa a transferência da Escrivania de Paz do Distrito de Anta Gorda, a qual ocorreu nos limites da legalidade.

No tocante à suposta cobrança irregular de emolumentos, argumentou que todas as alegações restaram afastadas na fase de instrução do procedimento disciplinar, por depoimento das testemunhas e pelos documentos analisados. Ademais, se acaso houvesse comprovação do excesso de cobrança dos emolumentos, os valores indevidos deveriam ser devolvidos ao término do procedimento, o que não ocorreu.

Entendeu ter havido ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa, assim como aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, norteadores da Administração, circunstâncias que, analisadas conjuntamente, tornam desarrazoada a condenação imposta à requerente – perda da delegação.

Ao final, requereu a concessão de liminar para que fosse atribuído efeito suspensivo a este procedimento, com o impedimento da publicação do ato de perda de delegação, até a decisão final. No mérito, requereu: (i)a improcedência das acusações que lhe foram imputadas, sua absolvição e o arquivamento definitivo do PAD; ou (ii) a reclassificação da imputação e adequação da sanção.

No Id 1857692, foi proferida decisão monocrática pelo não conhecimento da Revisão Disciplinar, por se tratar de procedimento destinado apenas aos membros do Poder Judiciário.

Interposto o Recurso (Id 1874613), sustenta a recorrente que o CNJ possui a função de fiscalizar a legalidade dos atos administrativos do Poder Judiciário, no exercício da função de controle interno, bem como a atuação de seus membros e servidores e a dos delegatários de serviços públicos.

Ao final, requer a reconsideração da decisão de não conhecimento deste procedimento ou a submissão do Recurso Administrativo à apreciação do Plenário do CNJ.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso por ser tempestivo e próprio.

Insurge-se a recorrente contra a decisão que não conheceu desta Revisão Disciplinar por se tratar de procedimento incabível, no âmbito do CNJ, em face de titulares de serventia extrajudicial.

Como se extrai da decisão monocrática, a Revisão Disciplinar somente alcança os juízes e membros de tribunais, conforme previsão do artigo 82 do Regimento Interno, in verbis:

“Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano de pedido de revisão.” (g. n.)

Cabe frisar que o dispositivo citado apenas transcreveu o preceito constitucional contido no artigo 103-B daCarta Magna, o qual prevê a Revisão Disciplinar como uma das competências do CNJ e estabelece as hipóteses de sua aplicação, senão vejamos:

“§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(...)V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;”

Os titulares de serventia extrajudicial, apesar de atuarem na condição de delegatários de serviços públicos, não são considerados membros do Poder Judiciário, mas sim colaboradores da Administração, no exercício de função de caráter privado, razão pela qual o procedimento de Revisão Disciplinar não é a via adequada à hipótese, conforme jurisprudência deste Plenário:

“RECURSO ADMINISTRATIVO NO PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – PROCESSO DISCIPLINAR – TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL – QUESTÃO JURISIDICIONALIZADA – INCOMPETÊNCIA DO CNJ – IMPROVIMENTO

I. Jurisdicionalizada a questão, há óbice de conhecimento da questão jurídica sub judice pelo CNJ, sob pena de obtenção de resultados conflitantes. Precedentes (PCAs 578 e 631; PPs 1400 e 2956).

II. Os titulares de serventias extrajudiciais, por serem delegatários de serviços públicos, i.e., particulares que atuam em colaboração com a Administração, por desempenharem suas funções em caráter privado (ADI 2602), não são considerados membros do Poder Judiciário, faltando absoluta competência ao CNJ a instauração, de ofício, ou a revisão de processo disciplinar em que figuram notários ou registradores. Precedente (RA no PCA 15193).

III. Recurso administrativo no procedimento de controle administrativo a que se conhece, por tempestivo, mas nega-se provimento.”

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002529-41.2008.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 77ª Sessão - j. 27/01/2009).

Diante do exposto, conheço do recurso, mas, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto.

Brasília, 22 de fevereiro de 2016.

Conselheira DALDICE SANTANA

Relatora

VOTO CONVERGENTE

Acompanho o voto da eminente Conselheiro Daldice Santana, relatora do feito, embora ressalvando meu entendimento acerca da possibilidade de conhecimento por este Conselho de procedimentos de controle de atos de Tribunais no bojo de procedimentos administrativos disciplinares instaurados contra titulares de serventias extrajudiciais.

É certo que o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, eu seu art. 82, prevê a revisão de procedimentos disciplinares “de juízes e membros de tribunais”, em transcrição do que estabelecido no inciso V, do § 4º, do art. 103-B da Constituição, porém também é certo que no inciso III do mesmo dispositivo insere na competência do CNJ “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso”.

Demais disso, tem-se do mesmo § 4º que o CNJ realizará o controle da atuação administrativa do Poder Judiciário, controle este que reputo de amplitude tal a possibilitar a atuação excepcional do Conselho no controle de atos praticados no bojo de procedimentos disciplinares em face de delegatários de serviços notariais e de registro em casos de flagrante violação do devido processo legal. Com efeito, se pode o Conselho Nacional de Justiça conhecer de reclamação contra titulares de serventias extrajudiciais e avocar processos disciplinares, pode conhecer, excepcionalmente, repiso, de procedimentos que visem ao controle de atos de Tribunais locais em procedimentos disciplinares. Quem pode o mais, por autorização constitucional, pode, certamente, o menos.

Não à toa este Conselho já admitiu a avocação de procedimento disciplinar contra servidor do Poder Judiciário, embora não esteja inserida expressamente na competência do Conselho Nacional de Justiça o processamento originário de procedimento disciplinar contra servidor pelo Conselho. Nesse sentido, recentíssimo julgado, realizado na 241ª Sessão:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. SERVIDOR PÚBLICO. AVOCAÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. PROCESSO CRIMINAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. FATOS INCONTROVERSOS. AFIRMAÇÃO DE INTERFERÊNCIA EM DECISÃO JUDICIAL. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM A MORALIDADE ADMINISTRATIVA. DEMISSÃO.

1. O Processo Administrativo Disciplinar foi instaurado visando a apuração da conduta de servidor público, ocupante do cargo de Assistente Judiciário, vinculado ao Poder Judiciário estadual, consistente na solicitação de vultosa quantia em dinheiro, sob a promessa de interferência e reversão de decisão judicial desfavorável.

2. É cediço que o servidor público responde civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições. Na análise desta tríplice dimensão, ante a ilicitude imputada, a independência das instâncias (administrativa e penal) deve ser observada.

3. A promessa de interferência e modificação no conteúdo de decisão judicial, notadamente para atender os interesses econômicos de uma ou outra parte, bem ainda quando envolver ajuste pecuniário para “compra” de decisão judicial, constitui conduta a ser firmemente rechaçado pelo Conselho Nacional de Justiça.

4. Como consequência da responsabilização administrativa do servidor infrator, prescreve o Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais, em seu art. 134, inciso XIII, que as respectivas transgressões desafiam aplicação da pena de demissão.

5. Fatos incontroversos. Prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores. Regularidade.

6. Procedência das imputações que ensejaram o presente procedimento disciplinar. Pena de demissão. (PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - 0003248-76.2015.2.00.0000, rel. Cons. Carlos Levenhagen. j. 16/5/2017) No caso dos autos, porém, a recorrente quer fazer do procedimento de revisão, via de estreita cognição, verdadeiro instrumento recursal, o que incabível. Nesse sentido:

REVISÃO DISCIPLINAR. ART. 83, I DO RICNJ. DECISÃO CONTRÁRIA A TEXTO DE LEI. DECISÃO FUNDAMENTADA. ENTENDIMENTO RAZOÁVEL. PRECEDENTES STJ E STF. PRETENSÃO MERAMENTE RECURSAL. DESCABIMENTO.

1. O CNJ tem entendimento consolidado no sentido de que a Revisão Disciplinar não se presta para a veiculação de pretensão recursal contra toda e qualquer decisão dos Tribunais em matéria disciplinar, mas é instrumento autônomo de impugnação da coisa julgada administrativa, devendo estar calcada nas hipóteses do art. 83 do RICNJ.

2. Decisão do Tribunal devidamente fundamentada e que veicula entendimento razoável harmônico com precedentes dos Tribunais Superiores acerca do direito à liberdade sindical.

3. Recurso conhecido e improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003814-59.2014.2.00.0000 - Rel. GISELA GONDIN RAMOS - j. 04/08/2015 ).

Ante o exposto, ressalvado meu entendimento sobre a matéria, acompanho a relatora.

Norberto Campelo

Conselheiro

Brasília, 2017-05-23.

 



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