Em 16/05/2011

“O principio da concentração no registro de imóveis”


Artigo de autoria o presidente do IRIB, Francisco Rezende, publicado na Revista do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário



"Los princípios de derecho registral son las orientaciones fundamentales que informan esta disciplina y dan las pautas en la solución de los problemas jurídicos planteados en el derecho positivo".[1]

Na expressão de Francisco Meton Marques de Lima, "princípio é o momento em que alguma coisa tem origem; é a causa primária; é o elemento essencial na constituição de um corpo".[2]

Os princípios são os pilares de um ordenamento jurídico, são as regras gerais e básicas que nos orientam para compreensão de determinado ordenamento jurídico. Servem para compreender a ordem jurídica que se analisa, oferecendo uma determinada orientação.

Esta é a concepção de princípio: o início, o apoio, o pilar, a sustentação de tudo, o fundamental. No Direito é a sustentação de todo o ordenamento jurídico.

Os princípios são, assim, as normas elementares que servem de apoio a todo o ordenamento jurídico, e neles encontramos o sentido e a finalidade da norma jurídica em exame.

O conhecimento e o domínio dos princípios do Registro de Imóveis permitem ao estudioso a compreensão do sistema, facilitando o sentido e a aplicação das normas legais que o disciplinam, atingindo, com isso, o aprimoramento do Direito Registral Imobiliário, visando, ora a sua acomodação ao contexto, ora a sua adaptação às novas circunstâncias que acontecem dia-a-dia, em virtude dos modernos institutos que, a todo momento, surgem para regular as transformações da economia e da sociedade.

Toda interpretação jurídica transita pelos caminhos delineados pelos princípios, que devem ser considerados como as grandes regras que representam as idéias gerais, admitidos não apenas para serem formadores da legislação, mas que são sempre solicitados quando o Direito positivo não atende à necessidade de aplicação da justiça ao caso concreto.

“O princípio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico: ele é de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples atos normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo por um princípio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o Direito forma um sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já porque axioma (de universal acatamento, diga-se de passagem), já pela proibição lógica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas).” [3]

O sistema registral imobiliário brasileiro, como não poderia deixar de ser, se apoia em princípios. Os princípios registrais são muitos e todos fundamentais para o funcionamento desta fantástica máquina, que tem por finalidade dotar de segurança jurídica os negócios imobiliários. A relação e enumeração dos princípios registrais não são taxativas, mas os doutrinadores entendem que os principais princípios são:

a) Princípio da Publicidade: por intermédio dele o registro torna público e dá conhecimento a todos dos atos, fatos e negócios ali registrados. No sistema brasileiro a publicidade é ampla, não existindo restrições quanto à publicidade dos negócios imobiliários.   
b) Princípio da Fé Pública: seu fundamento está na necessidade que a sociedade tem de estabilidade, certeza e autoridade do que está escrito pelo registrador. O que é certificado pelo registrador se prova contra e ante todos, e é uma garantia de estabilidade dos negócios jurídicos imobiliários. Esta prova, no nosso Direito, é relativa, o que chamamos de presunção “juris tantum”, pois tal atributo pode ser destruído por sentença judicial, havendo vício insanável no título que deu origem ao registro. Tal presunção decorre do registro.
c) Princípio da Prioridade: o título registrado em primeiro lugar obtém a proteção oferecida pelo sistema registral quanto aos direitos ali constantes. A prioridade é determinada pela apresentação do título para registro no Cartório de Registro de Imóveis.
d) Princípio da Especialidade: o princípio da especialidade obriga à identificação precisa e minuciosa do objeto do contrato, das cláusulas e condições do contrato, das partes contratantes e do tipo negocial.
e) Princípio da Disponibilidade: seu fundamento é o de que ninguém pode transferir mais direito do que tem. Por este princípio verifica-se se o imóvel está disponível, ou seja, se o mesmo está em condição de ser alienado ou onerado sob o aspecto jurídico.
f) Princípio da Continuidade: quer dizer que em relação a cada imóvel deve existir uma cadeia de titularidades, à vista da qual só se fará o registro de um direito se o transmitente for realmente titular daquele direito. As sucessivas transmissões se apoiam umas nas outras, como se fossem elos de uma corrente.
g) Princípio da Legalidade: impede o registro de títulos inválidos ou imperfeitos, fazendo com que o Registro de Imóveis dê a presunção jurídica de validade  e segurança dos negócios, pois ao serem registrados os títulos, estes foram compatibilizados com o registro anterior e com a lei,  pois o exame do registrador estabelece a correspondência entre a situação jurídica e a situação registral, de modo que o público possa confiar plenamente no registro, evitando litígios.  

Mas o Direito Registral Imobiliário brasileiro está a exigir uma regra mais clara, que ao mesmo tempo proteja os direitos registrados, como hoje já acontece, mas que também ao mesmo tempo, determine que somente aqueles direitos, fatos ou situações que foram levados pelos interessados ao registro poderiam ser válidos para o mundo jurídico. Assim, situações que não constassem do registro, não poderiam ser opostas.

A segurança jurídica de um negócio imobiliário deveria ser dada apenas pelas situações constantes do registro, e não de outras situações que, mesmo se existentes no mundo administrativo ou processual, não fossem levadas e não constassem do registro do imóvel. Essa é a ideia e a finalidade da concentração dos atos na matrícula do imóvel, o chamado Princípio da Concentração.  Os fatos que possam produzir efeitos no imóvel, no registro ou nos seus proprietários, devem ser lançados na matrícula do imóvel, sob pena de não serem considerados pelo mundo jurídico.

Tal situação é muito parecida com o chamado Princípio da Oponibilidade a terceiros, constante do Direito Português, que determina que “os factos sujeitos a registos produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”, conforme art. 5º do seu Código Predial.

Mas a proposta que se pretende no Direito brasileiro deve ser mais forte. Segundo João Pedro Lamana Paiva, registrador brasileiro, e um dos mais ardorosos defensores e divulgadores de tal princípio,
“nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que diga respeito à situação jurídica do imóvel ou às mutações subjetivas, pode ficar indiferente à inscrição na matrícula. Além dos atos traslativos de propriedade, das instituições de direitos reais, a ela devem acorrer os atos judiciais, os atos que restringem a propriedade, os atos constritivos (penhoras, arrestos, sequestros, embargos), mesmo de caráter acautelatório, as declarações de indisponibilidade, as ações pessoais reipersecutórias e as reais, os decretos de utilidade pública, as imissões nas expropriações, os decretos de quebra, os tombamentos, comodatos, as servidões administrativas, os protestos contra a alienação de bem, os arrendamentos, as parcerias, enfim, todos os atos e fatos que possam implicar na alteração jurídica da coisa, mesmo em caráter secundário, mas que possa ser oponível, sem a necessidade de se buscar alhures informações outras, o que conspiraria contra a dinâmica da vida.” [4]

Defendem alguns doutrinadores que a regra que autoriza tal princípio já está embutida no art. 246 da Lei n. 6.015/73, a nossa lei registral, quando diz que “serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que por qualquer modo alterem o registro”. Mas, a nosso ver, falta dar dimensão a este ato de obrigatoriedade e certeza jurídica, o que só faríamos se o mandamento fosse imperativo e absoluto. Se não registrado ou averbado na matrícula do imóvel o ato “inexistiria” para o direito.

A melhor proposta seria uma modificação legislativa que fosse mandamental, no sentido de que se constasse no texto legal a determinação, ou seja, a indicação, com exatidão, de que os negócios jurídicos celebrados com base nas informações do Registro Imobiliário estariam protegidas pelo princípio da boa-fé e que as informações ali constantes seriam suficientes para atestar tanto a titularidade do proprietário quanto os ônus, encargos ou gravames existentes sobre os imóveis.  

Com isso ocorreria uma diminuição de custos para aqueles que estivessem negociando a propriedade imobiliária, com redução de certidões e documentos que hoje estão a dificultar e encarecer os negócios, aliada à certeza necessária de informações precisas e no lugar próprio, que é o álbum imobiliário, o que proporcionaria uma negociação segura juridicamente.

Assim, o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel seria mais um ator, dentre os demais princípios registrais, a governar e orientar os pressupostos registrais para uma inscrição segura.
*Francisco José Rezende dos Santos é oficial do 4º Registro de Imóveis de Belo Horizonte (MG) e presidente do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil.

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 [1] Declaração firmada por ocasião do I Congresso Internacional de Direito Registral, realizado em Buenos Aires, em 1972.
2  LIMA, Francisco Meton Marques. Interpretação e aplicação do direito do trabalho à luz dos princípios jurídicos. Fortaleza, Ioce Editora. p. 99.
[3] MELO FILHO, Álvaro. Princípios do direito registral imobiliário. Revista de Direito Imobiliário 17-18. Janeiro a Dezembro de 1986.
[4] LAMANA PAIVA, João Pedro. Revista de direito imobiliário n. 49. Julho a dezembro de 2000.


Fonte: Revista do SFI - Sistema de Financiamento Imobiliário - Ano 15 - Nº 33 - 12/05/2011.



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