BE3023

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Processo e Registro

Presunção de má-fé nas transações imobiliárias?
Marco Antonio Botto Muscari*


SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Responsabilidade patrimonial e fraude de execução. 3. O que trouxe de novo a Reforma da Execução. 4. O cerne do problema. 5. Negligência do credor versus “negligência” do terceiro. 6. Conclusão.

Marco Antonio Botto Muscari em São Paulo (26/5/2007, foto by KPTK)

1. Introdução

A Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, inseriu o art. 615-A no Código de Processo Civil. Doravante, nas execuções por quantia certa, o credor poderá obter certidão comprobatória do ajuizamento da demanda e, com base em tal documento, provocar averbação no Registro de Imóveis e nos registros de outros bens sujeitos a penhora ou arresto (Departamentos de Trânsito, para veículos automotores; Juntas Comerciais, para cotas societárias etc.).

A novidade, que busca “prevenir a fraude a credores praticada no interregno entre a distribuição e a citação válida”[1], reacendeu antiga discussão sobre como deve portar-se aquele que pretenda adquirir um imóvel: basta que se assegure da ausência de restrição na Serventia Predial ou precisa também efetuar pesquisa nos distribuidores judiciais?       

Especialistas em Direito Registral já dissentem: Kioitsi Chicuta nega que a alteração legal dispense o adquirente de exigir certidões dos distribuidores cíveis, trabalhistas e fiscais[2], ao passo que Sérgio Jacomino considera ilógica a manutenção da exigência de um elenco de certidões negativas para a realização de negócios jurídicos imobiliários.[3]

A importância do tema não poderia ser maior, quer pela incidência no dia-a-dia do foro, quer pela repercussão nas vidas de tantos quantos desejem adquirir um bem de raiz.

Ainda hoje, encontram-se decisões que geram extrema insegurança ao mercado e trazem sabor de aventura à empreitada de adquirir um imóvel. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por exemplo, assentou: “Independentemente de boa ou má fé, tendo a alienação do imóvel se dado após a citação em demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, caracteriza-se a fraude à execução, operando-se o decreto de ineficácia. As datas de celebração do contrato de promessa de compra e venda e da outorga da procuração não configuram marco da alienação, porque inábeis para operar transferência de propriedade imóvel, que só se perfectibilizou quando levada a registro a escritura pública. Tal, porém, só ocorreu mais de um ano após a citação dos devedores na ação indenizatória”.[4]

Buscando encontrar o equilíbrio entre os direitos do credor – reforçados, quando o litígio já está submetido ao Poder Judiciário, pela necessidade de preservar a autoridade estatal do juiz – e dos terceiros que se portaram regularmente na transação imobiliária, animei-me a escrever este ensaio. volta

2. Responsabilidade patrimonial e fraude de execução

Nos casos de obrigação por quantia certa, a satisfação do exeqüente se dá mediante expropriação de bens (art. 685, parágrafo único, do Código de Processo Civil),

Em regra, respondem todos os bens do devedor, e somente os seus bens. O imóvel residencial, posto figure no patrimônio do devedor, fica a salvo em virtude da Lei n. 8.009/90. Havendo fraude de execução, excepciona-se a regra de que apenas respondem os bens do devedor.[5]

O Estatuto Processual considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens quando: (a) sobre eles pender ação fundada em direito real; (b) ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 593).

Embora haja bons argumentos para sustentar que ação pendente (figura do inciso I do art. 593) e demanda em curso (hipótese do inciso II) existem desde a propositura da ação (inicial despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara – art. 263)[6], fato é que o Superior Tribunal de Justiça tem como imprescindível o ato citatório.[7]  

À diferença do que ocorre na fraude contra credores, a fraude de execução traduz rebeldia contra a autoridade exercida pelo Estado-Juiz, buscando relegar ao vazio tudo quanto no processo vier a ser decidido, determinado ou comandado.[8] Daí por que se exige redobrada energia do sistema, na repressão dessa prática. volta


3. O que trouxe de novo a Reforma da Execução   

No que interessa ao presente trabalho, a Lei n. 11.382 trouxe uma grande novidade: tornou possível ao credor averbar a distribuição da execução por quantia, no Cartório de Registro de Imóveis.

Por força da exigência do ato citatório para a caracterização das hipóteses previstas no art. 593, alienações e onerações havidas entre o ajuizamento da demanda e a citação ficavam fora do conceito de fraude à execução. Noutras palavras, se acaso lograsse retardar o cumprimento do mandado citatório (ocultando-se do oficial de Justiça, por exemplo), o devedor faria com que  alienações e onerações configurassem, quando muito, fraude contra credores, a exigir do credor ajuizamento de ação cognitiva (paulianaou revocatória), prova cabal do concerto malicioso envolvendo o adquirente etc.

A partir de agora, tornou-se mais fácil garantir a satisfação do crédito. Bastará que o seu titular obtenha certidão de distribuição da execução e diligencie a averbação na Serventia Predial, para que negócios posteriores se considerem em fraude à execução (art. 615-A, caput e § 3º, do Código de Processo Civil).

Como o Código dispõe que o credor “poderá” obter certidão comprobatória do ajuizamento (art. 615-A, caput), parece fora de dúvida que não se trata de um dever do exeqüente. A situação é em tudo assemelhada àquela prevista no art. 659, § 4º: realizada a penhora, o exeqüente pode providenciar averbação no Registro Imobiliário, para gerar presunção absoluta de conhecimento de terceiros.[9] volta


4. O cerne do problema

Com espírito desarmado, ninguém aplaudiria a violação – ou a ausência de meios hábeis à proteção – do direito de crédito, mormente por prática subseqüente à propositura de demanda em juízo. Também incomoda a possibilidade de alguém perder o imóvel que adquiriu sem má-fé, ausente qualquer restrição na Serventia Predial, apenas porque o alienante figurava como réu ou executado em ação ignorada.

Aqui reside o problema: temos dois direitos absolutamente legítimos (do credor e do terceiro adquirente), merecedores de simpatia e proteção, mas a defesa de um implica automática vulneração do outro. Identificamos com facilidade aquele que se portou contra ius (o devedor, seja réu ou executado), mas não conseguimos apontar conduta reprovável daqueles que buscam proteção judicial.

Postura até certo ponto simplista, apta a produzir injustiças flagrantes, consiste em afirmar que a fraude de execução prescinde completamente do elemento anímico, de sorte que o terceiro perderá o bem adquirido ainda que esteja de boa-fé. Essa orientação não é nova, e foi endossada há décadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, num caso em que marido e mulher adquiriram lote de quem sequer figurava como parte na ação (alienações sucessivas). Eis a ementa oficial: “Fraude à execução. Nulidade da alienação, quando pendia demanda capaz de alterar o patrimônio do alienante, reduzindo-o a insolvência. Não se requer que em tal demanda haja penhora, e, muito menos, que tenha sido inscrita. Nem há que cogitar de boa ou má fé do adquirente”.[10] 

Há também quem diferencie a hipótese em que o comprador é prejudicado pela existência de uma ação que ele desconhecia por descuido seu, daquela em que ele é prejudicado pela existência de uma ação que não lhe era possível conhecer.[11]

A meu juízo, é preciso avançar no sentido de conferir maior segurança ao tráfico jurídico imobiliário. volta

5. Negligência do credor versus “negligência” do terceiro

Em direito, terceiros de boa-fé não podem ser afetados pelos atos de outrem, se tais atos não chegaram ao seu conhecimento.[12] E mais: a boa-fé se presume.

Cediço que a fraude de execução pode derivar de alienações ocorridas durante processo executivo ou cognitivo, de natureza civil ou mesmo penal[13], a solução do problema de que tratamos passa por uma análise desmembrada das situações possíveis: primeiro, a alienação ou oneração havida no curso de processo de execução; depois, aquela ocorrida durante processo de conhecimento, desdobrando o exame nas figuras previstas nos incisos I e II do art. 593.

Quando se instaura processo executivo, hoje podemos dizer que a ausência de inscrição (rectius: averbação) no Cartório Imobiliário é fruto da desídia do credor. Com efeito, assim que distribuída a petição inicial, antes mesmo de qualquer pronunciamento do juiz[14], pode o exeqüente obter certidão e providenciar a averbação (art. 615-A, caput). A partir daí, o credor ficará absolutamente seguro de que nenhum terceiro surgirá alegando ignorância, dada a presunção de fraude em qualquer alienação ou oneração subseqüente (art. 615-A, § 3º).

Penhora ulterior do mesmo bem pode ensejar nova averbação (art. 659, § 4º, com redação alterada pela Lei n. 11.382/06), muito embora, para fins de caracterização da fraude, seja ela dispensável.[15]

Se o exeqüente dispõe de mecanismo hábil para alertar terceiros quanto à existência do processo, e não lança mão dele, parece indevido que, mais tarde, diante da alienação do bem de raiz, procure beneficiar-se da suposta má-fé do  adquirente. 

Apesar de o art. 615-A referir-se a “distribuição”, e encontrar-se no Livro II do Código de Processo Civil (dedicado, hoje, quase que exclusivamente às execuções fundadas em título extrajudicial), creio que a averbação premonitória tem lugar também na execução de título judicial. Primeiro, porque seria incoerente dotar o credor que detém cheque ou nota promissória dessa poderosa ferramenta, e sonegá-la ao que dispõe de sentença judicial transitada em julgado. Segundo, porque no processo sincrético identificam-se com clareza uma fase de conhecimento (que se finda com a sentença) e outra de execução (que se inicia com o requerimento a que alude o art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil).[16] Terceiro, porque muitas execuções lastreadas em título judicial têm início com petições distribuídas livremente, algo que ocorre quando o título é sentença penal condenatória, sentença arbitral ou sentença estrangeira, por exemplo (art. 475-N, II, IV e VI, respectivamente).

Portanto, nas execuções de título judicial, o credor obterá certidão do início da execução e, com ela, promoverá normalmente a averbação.

Dir-se-á que o terceiro poderia inteirar-se da existência do processo, mediante singela consulta aos distribuidores judiciais. O asserto é em parte verdadeiro, mas exige reflexão.

Se mantemos um serviço concernente ao Registro Imobiliário, que tem como um de seus fins a segurança – “segurança como libertação do risco”[17] –, parece indevida a penalização daquele que se fiou nos dados ali existentes.

Não se nega que a praxe consagra a exigência de certidões dos distribuidores judiciais. Aliás, qualquer de nós que fosse aconselhar um parente ou amigo sugeriria que se munisse de todas as certidões possíveis. Contudo, a lei não exige essa cautela (art. 5º, II, da Constituição Federal) e, se continuamos a perpetuá-la, é apenas porque nós, operadores do Direito, não prestigiamos o Registro Público e jogamos por terra aquela que talvez seja a sua principal missão.

Para a lavratura de atos notariais, a Lei n. 7.433, de 18 de dezembro de 1985, dispõe: “O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão ‘inter vivos’, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição” (art. 1º, § 2º – destaquei). Todavia, a alusão a “feitos ajuizados” refere-se apenas a ações reais e pessoais reipersecutórias concernentes ao imóvel, sendo certo que as certidões reclamadas são aquelas expedidas pelo Registro de Imóveis (cf. art. 1º, IV, do Decreto n. 93.240/86, que regulamentou a Lei 7.433). Ora, se quem expede as certidões exigidas – certidões relacionadas apenas a ações reais e pessoais reipersecutórias, vale insistir – é a Serventia Predial, cai o argumento de que a busca de certidões do distribuidor é exigência legal.

Dando um passo adiante, passemos agora às hipóteses de fraude de execução praticadas no curso de um processo de conhecimento.

Na situação prevista no inciso I do art. 593 do Código de Processo Civil (alienação ou oneração na pendência de ação fundada em direito real), vale o mesmo raciocínio exposto para a fraude praticada no curso da execução.

A Lei de Registros Públicos não só admite (art. 167, I, n. 21), como torna obrigatório (art. 169, caput) o registro da citação de ações reais. Se o credor deixa de lado a providência que o sistema coloca ao seu alcance, e com isso expõe terceiros a uma situação de ignorância quanto a aspecto jurídico relevante, não pode depois atribuir-lhes má-fé. Discorrendo sobre essa hipótese, Alcides de Mendonça Lima observa: “Será temerário, assim, não ser procedida à inscrição da citação naquelas ações [fundadas em direito real], pelo risco que o autor possa correr”.[18]

A situação do inciso II do art. 593 é, por certo, a que apresenta maior grau de dificuldade, pois, em termos de processo cognitivo, a Lei de Registros Públicos só autoriza inscrição quando se trate de ação real ou pessoal reipersecutória (art. 167, I, n. 21).

Se na execução e nas ações reais/pessoais reipersecutórias é possível afirmar que o credor contribuiu para a ignorância do terceiro, ao não provocar o registro (lato sensu), em ações cognitivas de natureza outra, tais quais as de indenização, não se avista com facilidade como poderia o credor tornar pública, via Cartório de Imóveis, demanda capaz de reduzir à insolvência o devedor. Daí por que ainda existe quem advogue a necessidade das certidões de distribuição judicial.  

Ocorre que, mesmo em processos de conhecimento incoados por ação que não é  nem real, nem pessoal reipersecutória, há providência à disposição do credor, para levar à Serventia Predial a notícia de que existe demanda pendente. Trata-se do protesto contra a alienação de bens.

Muito embora a Lei n. 6.015/73 não preveja a averbação do protesto, e haja bons argumentos para negá-la de lege data[19], em 16 de agosto de 2006 o Superior Tribunal de Justiça, responsável pela  última palavra em termos de direito federal infraconstitucional, tomou decisão histórica: à vista da divergência no entendimento das quatro Turmas que integram as 1ª e 2ª Seções, a Corte Especial pacificou a questão, no sentido da possibilidade da averbação na Serventia Predial. Lê-se na ementa oficial: “A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bens, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes”.[20]  

Podemos discordar dessa orientação uniformizadora, mas não é razoável que continuemos a insistir na tese vencida. Vale recordar, no ponto, a advertência de Calmon de Passos: “Falar-se em decisão de tribunal superior sem força vinculante é incidir-se em contradição manifesta. Seriam eles meros tribunais de apelação, uma cansativa via crucis imposta aos litigantes para nada, salvo o interesse particular do envolvido no caso concreto, muito nobre, porém muito pouco para justificar o investimento público que representam os tribunais superiores”.[21]

Objetar-se-á que, em alguns Estados, há vedação administrativa ao ingresso de protesto contra alienação de bens no Cartório Imobiliário.[22] Contudo, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que, se existe mandado expedido por juiz no exercício de sua jurisdição, nem mesmo o corregedor permanente pode negar-lhe acesso.[23] 

Considerando que o ordenamento sempre põe à disposição do credor, em processos de execução (averbação premonitória; averbação da penhora) e de conhecimento (registro da citação de ações reais/pessoais reipersecutórias; averbação do protesto contra alienação de bens), mecanismos hábeis a noticiar a existência da demanda por intermédio da Serventia Predial, é dele o ônus de provocar a inscrição no Cartório de Registro de Imóveis. Omitindo-se, dá sinal de negligência e fica impedido de, mais tarde, atribuir conduta “negligente” a terceiro que não estava obrigado, por lei, a efetuar pesquisa em distribuidores judiciais. volta


6. Conclusão

Do direito se espera que, além de proporcionar a realização do justo, assegure bom grau de segurança ao meio social.[24]

Há muito se verifica, em trecho relevante do tráfico jurídico, situação de extrema insegurança: nas transações imobiliárias, por mais que se esforce o adquirente na adoção de cautelas prévias à celebração do negócio, é sempre possível que venha, mais tarde, a perder o bem.[25]

A praxe consagra pesquisa junto aos distribuidores judiciais, mas essa providência longe está de tranqüilizar por completo o adquirente. Ainda que este se muna de certidões dos distribuidores dos foros do domicílio do alienante (art. 94 do CPC) e da situação do imóvel pretendido (art. 95 do CPC), tantas são as possibilidades de processos em trâmite noutras comarcas (o art. 100, V, “a” do Código é exemplo típico) que chega a ser natural a existência de demandas ignoradas.

Na fraude de execução se exige processo pendente. E o credor dispõe de meios para levar a existência daquele ao conhecimento de terceiros, por intermédio do Cartório de Registro de Imóveis (na execução, averbação premonitória e averbação da penhora; no processo cognitivo, averbação do protesto contra alienação de bens e registro da citação em ações reais/pessoais reipersecutórias). 

Se não adota mecanismo apto a assegurar a ineficácia de quaisquer transações imobiliárias futuras, não é razoável que o credor, mais tarde, venha a atribuir má-fé ao terceiro que celebrou negócio baseado em informações contidas na Serventia Predial.

Impor-se aos terceiros uma busca adicional – e insuficiente para pôr cobro à insegurança – nos distribuidores judiciais significa tutelar direito daquele que não exauriu os mecanismos legais postos ao seu dispor, em detrimento daqueles que se fiaram em informações obtidas no serviço (Registro de Imóveis) que se destina justamente a conferir segurança jurídica.

No confronto entre a “negligência” do adquirente (falta de busca nos distribuidores judiciais) e a negligência do credor (falta de providência tendente à inscrição no Cartório de Imóveis), deve ser prestigiada a solução que mais tranqüilize a sociedade, transmitindo segurança ao mercado imobiliário.

Por óbvio, sempre será possível ao credor provar que o adquirente sabia da demanda capaz de levar à insolvência o devedor-alienante.[26] Deixaremos, aí, o campo da presunção de ma-fé. volta



Confira também:

JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA
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Protesto contra a alienação de bens – averbação – admissibilidade.

EMENTA: PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS. AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. ADMISSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ. - "A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes." (REsp nº 146.942-SP). Recurso especial conhecido, ao qual se nega provimento. (Recurso Especial nº 440.837, Rio Grande do Sul, julgado em 03/10/2002, publicado no D.J. de 16/12/2002).

Embargos de Divergência em REsp. Protesto contra alienação de bens – averbação – admissibilidade.

EMENTA: PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS. AVERBAÇÃO NO REGISTRO IMÓVEIS. ADMISSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA DO JUIZ. - "A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes" (REsp n. 146.942-SP). Embargos de divergência conhecidos e rejeitados. (Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 440.837, Rio Grande do Sul, julgado em 16/08/2006, publicado no D.J. de 28/05/2007).

Protesto judicial – cancelamento – impossibilidade. Prequestionamento – ausência.

EMENTA: AÇÃO PRETENDENDO O CANCELAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL DEFERIDO EM MEDIDA CAUTELAR ANTERIOR. IMPROCEDÊNCIA EM FACE DA NECESSIDADE DO PROTESTO PARA PREVENÇÃO DE LITÍGIOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. Carece de prequestionamento o recurso especial quando os temas insertos nos artigos apontados como violados não foram apreciados pela Corte de origem. Diversas as situações julgadas nos acórdãos confrontados, não se tem dissídio apto à admissibilidade do especial. A averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798, CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 146.942, São Paulo, julgado em 02/04/2002, publicado no D.J. de 19/08/2002).

Protesto contra alienação de bens – averbação - admissibilidade. Publicidade.

EMENTA: Direito processual civil. Protesto contra alienação de bens. Averbação no registro imobiliário. - O poder geral de cautela do juiz, disciplinado no art. 798 do CPC, é supedâneo para permitir a averbação, no registro de imóveis, do protesto de alienação de bens, e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, servindo, desse modo, como advertência a pretendentes à aquisição dos imóveis do possível devedor, resguardando, portanto, os interesses de eventuais adquirentes e do próprio credor. Precedente da Corte Especial. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 695.095, Paraná, julgado em 26/10/2006, publicado no D.J. de 20/11/2006).

Notas

* Marco Antonio Botto Muscari é Juiz de DIreito no Estado de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo. Professor do Curso de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.

** Verbetação: Daniela dos Santos Lopes e Fábio Fuzari. Orientação Geral e Revisão crítica: Sérgio Jacomino.

[1] CARNEIRO, Athos Gusmão. Cumprimento da sentença civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 181.

[2] “Averbação do ajuizamento da execução no Registro de Imóveis. Reflexos da alteração do CPC pela Lei n. 11.382/2006”. Revista do Advogado 90 /81.

[3]“Processo e registro. A forma além do conteúdo”. Disponível em: <http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel2834.asp>

[4] Ap. Cív. 70011382710, 9ª Câm. Cív., unânime, 31.05.2006, rel. Des. Marilene Bonzanini Bernardi.

[5] Pacificado o entendimento de que a alienação em fraude de execução não gera anulabilidade do negócio (STJ, REsp. 506.312-MS, unânime, 15.08.06, rel. Min. Teori Albino Zavascki), conclui-se que a mera declaração judicial de ineficácia permite a constrição de bem que já não integra o patrimônio do devedor.

[6] Yussef Said Cahali (Fraude contra credores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 461-462) tacha de “equivocado” o entendimento de que não basta o simples ajuizamento da ação contra o devedor.

[7] ASSIS, Araken de. Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 247.
[8][8] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004, v. IV, p. 372.

[9] A penhora considera-se completa com o respectivo auto, objetivando a inscrição no Registro Imobiliário divulgá-la erga omnes (Cf. Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. II, p. 174).

[10] RE 75.349-PR, unânime, 28.11.1972, rel. Min. Luiz Gallotti.

[11] SILVA, Bruno Mattos e. “Fraude à execução, registro imobiliário e boa-fé objetiva”. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=574>

[12] Com inteira razão, Décio Antônio Erpen (“A fraude à execução e a publicidade registral”, Ajuris 28/59) lembra que este é um “princípio curial no direito”.

[13] Quanto ao processo criminal, todavia, a configuração da fraude reclama trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme advertem Alcides de Mendonça Lima (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991, v. VI, p. 453) e Teori Albino Zavascki (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, v. 8, p. 284).

[14] PALHARINI JÚNIOR, Sidney. Nova execução de título extrajudicial. São Paulo: Método, 2007, p. 52.

[15] Nesse sentido, Ulysses da Silva. “O registrados imobiliário em face da lei 11.382, de 2006”. Disponível em: <http://www.irib.org.br/biblio/boletimel2810.asp>

[16] Segundo José Carlos Barbosa Moreira (O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 203), “o antigo processo de execução, consecutivo ao de conhecimento, perdeu a autonomia e transformou-se em mera fase  de um processo sincrético”.

[17] CENEVIVA, Walter. Lei dos registros públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 5.

[18]  Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991, v. VI, p. 449.

[19] No sentido da impossibilidade de averbação, à luz do direito posto, confira-se Ricardo Henry Marques Dip. “Do protesto contra alienação de bens e o registro de imóveis”. Disponível em: <http://www.irib.org.br/rdi/rdi24-25-068.asp>

[20] Embargos de Divergência no REsp. 440.837-RS, maioria de votos, red. p/ acórdão Min. Barros Monteiro. Para conhecimento do iter trilhado pela jurisprudência do STJ, até a pacificação, confira-se o voto da Ministra Nancy Andrighi, proferido no REsp. 695.095-PR, unânime, 26.10.2006.

[21] “Súmula vinculante”. Genesis – Revista de Direito Processual Civil n. 06. Embora a Constituição só atribua efeito vinculante às súmulas do Supremo (art. 103-A), o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça deve nortear pronunciamentos de autoridades administrativas e judiciais, pois: a) é a última palavra do Poder Judiciário sobre o tema; b) tantos quantos batam às portas do STJ, ainda que depois de anos de litígio, verão consagrada essa diretriz.

[22] Caso de São Paulo, em que as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça dispõem: “O protesto contra alienação de bens, o arrendamento e o comodato, são atos insuscetíveis de registro, porque não elencados no art. 167, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973” (Tomo II, Cap. XX, subitem 68.3). Já no Rio Grande do Sul, a Consolidação Normativa Notarial e Registral adota posição diametralmente oposta: “No Registro de Imóveis averbar-se-ão os protestos, notificações e interpelações normativizadas no art. 867 e seguintes do CPC, mediante ordem judicial” (art. 387, XVIII).

[23] Julgando o Conflito de Competência 30.820-RO, a 2ª Seção deliberou: “Não deve o Juiz Corregedor, em atividade administrativa, recusar cumprimento de mandado expedido por Juiz no exercício de sua jurisdição, sob pena de invadir-lhe a competência. Precedentes” (unânime, 22.08.2001, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro). Ricardo Henry Marques Dip esclarece: “A partir do desenvolvimento dessa jurisprudência do STJ começou a entender-se que qualquer decisão jurisdicional precludida, ou seja, contra a qual não caiba recurso, superaria o óbice administrativo. Na prática, isso quer dizer, por exemplo, que ao se apresentar uma penhora para registro o registrador examina e percebe que não pode registrar porque há um vício de continuidade e devolve o título. O apresentante pode tanto provocar um julgamento administrativo, em particular a citação de dúvida, como voltar ao processo de origem, ou seja, reapresentar o título e pedir ao juiz que decida se a recusa está certa ou não está certa. Se a decisão não for atacada por recurso de agravo, a decisão tem de ser cumprida. O contrário seria que o cartório negasse o cumprimento de uma ordem jurisdicional.” O procedimento de dúvida no registro de imóveis. Palestra proferida no XI Seminário de Direito Notarial e Registral, Ribeirão Preto, 21.04.2007. Disponível em <http://www.irib.org.br/notas_noti/boletimel2960.asp> (sem destaques no original).

[24] Paulo Nader (Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 117) observa: “O conflito entre segurança e justiça é comum na vida do Direito e quando este fenômeno ocorre é forçoso que prevaleça a segurança, pois, a predominar o idealismo de justiça, a ordem jurídica ficaria seriamente comprometida e se criaria uma perturbação na vida social”.

[25] À indagação de qual é a segurança proporcionada pelo exame da documentação imobiliária, Marcelo Terra disparou: “Infelizmente, a resposta há de ser: nenhuma. Inobstante a burocracia criada, achar-se-á o adquirente passível de ver sua aquisição anulada ou por fraude contra credores, ou por fraude de execução, ou por qualquer outra causa, mesmo tendo observado todos os requisitos legais, restando-lhe, apenas, o abrigo de sua boa-fé” (“Temas jurídicos nos negócios imobiliários”. Apud Carlos Augusto de Assis, “Fraude à execução e boa-fé do adquirente”. Revista de Processo 105/233).

[26] Tema que está a merecer reflexão aprofundada é a necessidade de processo autônomo – em vez de mera discussão incidental, como usualmente se prega – para o debate e demonstração da má-fé do adquirente, mesmo na fraude à execução.



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