BE3047

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As recentes reformas introduzidas no CPC pela Lei 11.382/06 e o Registro de Imóveis. Dispositivos relativos ao Registro Imobiliário e requisitos formais para a realização dos atos respectivos
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza*


Trabalho apresentado no 22º Encontro Regional dos Oficiais de Registro de Imóveis, realizado pelo Irib em Caxambu, MG, nos dias 15 e 16 de junho.

Sumário. 1. Controvérsias sobre as novas regras inerentes ao Registro Imobiliário: 1.1 A primeira refere-se à exegese do art. 615-A; 1.2 A segunda diz respeito ao ato a ser praticado quanto às penhoras e ao usufruto judicial, em razão da nova redação do §4° do art. 659 e do §1° do art. 722, respectivamente; 2. Requisitos formais para a realização dos atos no Registro de Imóveis.

1. Controvérsias sobre as novas regras inerentes ao Registro Imobiliário

A Lei 11.382/06 alterou dispositivos do Código de Processo Civil relativos ao processo de execução e, dentre as alterações, duas afetaram o registro imobiliário e têm provocado significativo debate. sumário

1.1 A primeira refere-se à exegese do art. 615-A, de teor seguinte:

Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

1° O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

2° Formalizada a penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

3° Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

4° O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do §2° do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

5° Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.”

Referido acréscimo, ao permitir a chamada averbação premonitória – relativa ao simples ajuizamento de execução – e estabelecer a presunção de fraude à execução para a alienação ou oneração de bens após o averbamento, sinaliza para a concentração dos atos no registro imobiliário – e reacende o debate acerca das certidões de feitos ajuizados.

As discussões sobre a extensão do conteúdo do novo art. 615-A, do seu §3°, e a exigibilidade da apresentação das certidões de feitos ajuizados, vêm se desenvolvendo em ambiente virtual, por meio de debate veiculado pelo Boletim Eletrônico IRIB, BE, editado pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, intitulado “Processo e Registro – A forma além do conteúdo”. Várias edições do Boletim foram publicadas, com artigos e entrevistas.[1]

No texto que produzi e que foi objeto de publicação no BE 2851 abordei vários aspectos do tema, que passo a reproduzir:

Ponto nodal para análise da questão refere-se à boa-fé. O princípio foi reforçado pelo art. 422 do Código Civil de 2.002, sem correspondente dispositivo no Código revogado, obrigando os contratantes a guardar na conclusão e na execução do contrato o princípio da boa-fé, orientador da construção jurídica do novo Código.

Verifica-se, exemplificativamente, que está a salvo da ação pauliana o terceiro adquirente de boa-fé (art. 161); e que se preserva o registro em favor do mesmo (§5° do art.214 da Lei 6.015).

Nos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis (sendo de sua essência a escritura pública - salvo disposições em contrário - art. 108 do Código Civil), a boa-fé objetiva dos contratantes será aferida pela diligência na obtenção das certidões. Agindo com a diligência do bom pai de família, o terceiro adquirente terá reconhecida sua boa-fé objetiva.

Sílvio de Salvo Venosa[2] destaca, ao cuidar da boa-fé objetiva, que “o intérprete parte de um padrão de conduta comum, do homem médio, naquele caso concreto, levando em consideração os aspectos sociais envolvidos. Desse modo, a boa-fé objetiva se traduz de forma mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados padrões sociais estabelecidos e reconhecidos”.

A apuração da boa-fé objetiva nos contratos que têm como objeto direitos reais sobre imóveis não se restringe à obtenção da certidão do registro imobiliário, passa por outras diligências. Embora se reconheça a evolução do sistema registral imobiliário brasileiro, ele ainda não se basta para a segurança jurídica do tráfico imobiliário.

Considerando que há duas fases na aquisição do direito real no direito brasileiro (uma obrigacional e outra real), ao tabelião cabe o controle da legalidade pré-documental, exigindo as certidões, e ao registrador a qualificação do título, quanto à forma e ao fundo, decorrendo da atividade conjunta a segurança que se busca. O duplo controle, no nosso sistema, reforça a segurança jurídica de maneira incontestável.

Alguns pontos merecem destaque no debate:

a)
 O art. 615-A está no Livro II do Código de Processo Civil, Do Processo de Execução. A averbação premonitória acessará o registro imobiliário quando se cuidar de processo de execução, devendo o registrador recusar a averbação quando lhe for apresentada certidão referente a processos cautelares ou de conhecimento (que poderão alcançar o fólio real, como se verá adiante, mas não através de certidão que enuncie a existência da ação, hipótese restrita às execuções).

Carlos Maximiliano[3] ensina que “sofrem exegese estrita as disposições que impõem limites ao exercício normal dos direitos sobre as coisas, quanto ao uso, como relativamente à alienação”. Com efeito, o dispositivo acrescentado pela Lei 11.382/06 restringe o regular exercício dos poderes inerentes ao direito de propriedade, merecendo interpretação estrita.

As demais ações podem e devem ingressar no fólio real, alcançando publicidade registral[4] e, por conseqüência, conferindo maior segurança jurídica ao tráfico imobiliário.

Entretanto, em tais hipóteses, necessário será provimento judicial para constituição de título admitido a registro (em sentido amplo). O registro da citação das ações reais ou pessoais reipersecutórias; das penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis; a averbação das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados; ou mesmo as averbações com esteio no art. 246 da Lei 6.015/73, quando cuidarem de ações judiciais, só ingressarão na tábua registral após manifestação do magistrado, o que é desnecessário quanto à distribuição da execução, e tão somente da execução. Ocorre que, em se tratando de execução, já dispõe o exeqüente de título que consubstancia obrigação certa, líquida e exigível.

Não obstante se mostre viável o acesso ao registro de “todas as vicissitudes judiciais que os possam afetar (os atos ou fatos jurídicos em relação a terceiros)”, no dizer do Dr. Sergio Jacomino, lamentavelmente a obrigatoriedade do registro prevista na Lei 6.015/73 não impõe sanções para seu descumprimento, o que resulta dizer que a interpretação do sistema (notarial-registral) não permite concluir que o descumprimento importará em apurar a boa-fé objetiva exclusivamente pela obtenção da certidão do registro imobiliário. Apesar de decorrerem presunções da prática de atos referentes a feitos judiciais no registro imobiliário, não se nega ao interessado que não adotou a medida exercitar seus direitos com relação a terceiros estranhos ao processo, desde que produza a prova cabível. Ademais, casos há em que a ação pode refletir na segurança do tráfico imobiliário sem que se insira em hipóteses de obrigatoriedade de registro (veremos mais à frente).

Apenas para ilustrar, anote-se o paradoxo que ocorre no Estado de São Paulo. O Dr. Sérgio Jacomino informa que “na esmagadora maioria das transações imobiliárias – ao menos na capital de São Paulo, cidade que representa perto de 15% do PIB nacional (SMF/2005) – as transações se fazem com a dispensa das certidões dos distribuidores, sob estrita responsabilidade dos contratantes”. A Corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo admite a dispensa das certidões dos distribuidores, se assim desejarem os contratantes, mas a ordem judicial de indisponibilidade, que não conte “com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário” (determinada no exercício do poder geral de cautela do juiz), não alcança o fólio real. As normas paulistas distinguem as comunicações administrativas de indisponibilidade com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário (p.ex., Lei 6.024/74, arts. 36 a 38), que devem ser averbadas no Livro 2, dos mandados judiciais que não contem com tal previsão, devendo ser prenotados no Livro 1- Protocolo, e arquivados (itens 102.1 e 102.9 das Normas  de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça/SP). Ora, a dispensa das certidões dos distribuidores deveria ocorrer dentro de contexto no qual não houvesse obstáculos aos registros e averbações das decisões judiciais, permitindo que se concentrassem no registro todos os atos que pudessem nele ou nas pessoas nele interessadas refletir.

Em verdade, a ausência de regulamentação de normas legais relativas à atividade faz vicejar um cipoal de normas administrativas que, variando entre as unidades da federação, exige que as cautelas sejam maiores no que respeita ao tráfico imobiliário, ante a falta de uniformidade. Neste aspecto, permito-me dizer que andou mal o legislador ao estabelecer no §5°do art. 615-A que “os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo”. Abre uma porta para regulamentações diversas, causando insegurança.

b) Muito se fala da impossibilidade de obtenção de inúmeras certidões, numa peregrinação onerosa e interminável. Não se pode negar que são diligências que oneram a transação, numa visão inicial, mas os bônus das diligências superam os ônus de modo também indiscutível. São medidas preventivas que impedirão seja o adquirente surpreendido e que permitirão comprove, irrefutavelmente, sua boa-fé objetiva, a merecer toda a proteção da lei substantiva civil.

Efetivamente não se exigem certidões unicamente dos distribuidores cíveis estaduais, mas também dos juízos federais. Contudo o que poderia parecer diligência extrema, inatingível, não o é. Apenas para exemplificar, as certidões da justiça federal podem ser obtidas gratuitamente via internet[5]; os serviços de registro de distribuição da capital do Estado do Rio de Janeiro criaram uma central permitindo aos interessados obter de modo mais simples e célere as certidões referentes à justiça estadual[6].

As certidões devem ser obtidas no local de situação do imóvel e no lugar de domicílio dos transmitentes, em razão das regras de competência territorial estabelecidas pela lei processual civil (arts. 94 e 95)[7]. Aquele que o fizer terá agido com a diligência do homem médio, e a mais não estará obrigado. Inconteste será sua boa-fé objetiva. A providência é absolutamente segura? Havemos que concordar que não, face à possibilidade de propositura de ação em outro foro. Entretanto, considerado o arcabouço legal vigente, é suficientemente segura e bastante para o reconhecimento da boa-fé objetiva. As transações imobiliárias que tiveram na fase obrigacional o exame da documentação pelo tabelião, nela incluídas as certidões dos distribuidores e do registro imobiliário, com eficácia para ingressar no fólio real, terão sido realizadas com a segurança necessária para os contratantes.

c) Por fim, abordemos a lei cuja exegese se discute, em última análise, a Lei 7.433/85.

Dentre outros documentos, exige a lei enfocada a apresentação das certidões de feitos ajuizados (§2º do art. 1º) para a lavratura de atos notariais.

Parece claro que as certidões de feitos ajuizados devem ser expedidas pelos registros de distribuição, e sua dispensa não fica a critério das partes. Cuida-se de norma cogente, de interesse público.

No texto antes mencionado[8], afirmei que a referida norma é de ordem pública, cogente. Miguel Reale[9] leciona, ao tratar das regras jurídicas cogentes, que “quando certas regras amparam altos interesses de ordem pública, NÃO É LÍCITO ÀS PARTES CONTRATANTES DISPOREM DE MANEIRA DIVERSA” (nossas as versais). Vale dizer, não podem os contratantes dispensar a apresentação das certidões de feitos ajuizados.

Carlos Maximiliano[10], por seu turno, discorre que nas prescrições de ordem pública “o interesse da sociedade coletivamente considerada sobreleva a tudo, a tutela do mesmo constitui o fim principal do preceito obrigatório” (grifo original). Prossegue o autor para asseverar que dentre os domínios do Direito Privado há disposições de ordem pública, nas quais predomina o objetivo de tutelar o interesse geral, a ele subordinado o do indivíduo, entre as quais aquelas que visam “regular os bens na sua divisão e qualidade, ou a forma e a validade dos atos, e salvaguardar os interesses de terceiros”. Indubitavelmente aqui se incluem as normas da Lei 7.433.

A regulamentação da Lei 7.433/85 pelo Decreto 93.240/86 permitiu discussão quanto à interpretação relativa às certidões de feitos ajuizados. O referido decreto, pelo que pode ser atribuído a falha de redação, refere-se “a certidão de ações reais e pessoais reipersecutórias, relativas ao imóvel, e a de ônus reais, expedidas pelo Registro de Imóveis competente...” (art. 1º, IV). Uma primeira leitura, açodada, ou uma interpretação apenas literal, podem levar à conclusão de se tratar de duas certidões, distintas, o que não faz sentido. A lei regulamentada refere-se à certidão de ônus reais, que deve enunciar eventual registro de citação de ação real ou pessoal reipersecutória, com ingresso no registro imobiliário amparado no art. 167, I, 21, da Lei 6.015.

Em razão de uma interpretação sistemática, afirma-se com segurança que a certidão expedida pelo registro imobiliário para a lavratura dos atos notariais é única, de ônus reais (se houver registro de citação de ação real ou pessoal reipersecutória, constará da certidão). As certidões de feitos ajuizados não se confundem com tal certidão e, como já afirmado, são expedidas pelos serviços de registro de distribuição. Devem ser apresentadas, portanto, as certidões de feitos ajuizados e a de ônus reais para a prática de atos notariais relativos a imóveis.

Frise-se, por exemplo, que uma ação de indenização (processo de conhecimento) passível de reduzir o réu à insolvência, durante o curso da qual poderá haver uma alienação ou oneração em fraude à execução (art. 593, II, do CPC), não conta com previsão legal específica de acesso ao fólio real. Não se trata de ação real ou pessoal reipersecutória, bem como não diz respeito a execução. Poderá o interessado obter provimento judicial para levar a registro a existência da ação, considerando que o elenco das averbações é meramente exemplificativo, ou mesmo utilizar-se de cautelares (arresto, por exemplo), mas não se aplica à hipótese qualquer obrigatoriedade. A existência da ação será enunciada pelo serviço de registro de distribuição e o autor se valerá da ineficácia da alienação ou oneração com relação a ele.

O tema comporta, verifica-se, discussões múltiplas. O texto do Dr. Sérgio Jacomino analisa a matéria com a competência que lhe é peculiar, trazendo importantes subsídios para o debate e afirmações que são incontestáveis: devem se concentrar “no registro imobiliário todas as circunstâncias, fatos e atos jurídicos que, relacionados com o bem, possam afetar terceiros”; a atração para os livros fundiários de tais circunstâncias, fatos e atos jurídicos “visa a tutelar a boa-fé, dar impulso ao comércio jurídico, diminuir custos transacionais e blindar o credor nas execuções contra a dissipação patrimonial que pode calhar no encaminhamento das demandas”.  Não obstante, a segurança jurídica nas transações imobiliárias ainda depende de mecanismos estranhos ao registro de imóveis. É inegável que o registro imobiliário vem sendo fortalecido, é inegável também que caminhamos para uma nova conformação do sistema de publicidade registral imobiliária; por outro lado, é inegável que o percurso deva ser trilhado com prudência, de forma realista. Em 1976 entrou em vigor a Lei 6.015/73, que criou a matrícula do imóvel, sua principal inovação. Decorridos mais de trinta anos de vigência da lei, encontramos com freqüência enorme registros no chamado “livrão” (o livro 3 da legislação anterior, transcrição das transmissões), ainda não transpostos para o novo sistema. O paulatino aprimoramento do sistema registral pátrio não tem experimentado retrocessos, e certamente serão vencidas resistências ao reconhecimento da relevância do sistema registral imobiliário na conferência de total segurança jurídica ao tráfico imobiliário.

Anote-se, por fim, que não se trata de subalternação do registro ou mera praxe, mas sim de exigência legalde certidões de feitos ajuizados expedidas pelos serviços de registro de distribuição para a prática de atos notariais referentes a imóveis (assim como na contratação por instrumento particular, quando autorizada), necessárias dentro do contexto que ora se apresenta sem que se fira a lógica do sistema de publicidade registral imobiliária, tal como posto na atualidade.” sumário

1.2 A segunda diz respeito ao ato a ser praticado quanto às penhoras e ao usufruto judicial, em razão da nova redação do §4° do art. 659 e do §1° do art. 722, respectivamente:

Art. 659, §4° A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, §4°), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”.

Art. 722, §1° Após a manifestação das partes sobre o laudo, proferirá o juiz decisão; caso deferido o usufruto do imóvel, ordenará a expedição de carta para averbação no respectivo registro”.

Teria sido alterado art. 167, I, 5, da Lei 6.015, que determina o registro (em sentido estrito) das penhoras, arrestos e seqüestros de imóveis? E quanto ao usufruto judicial, seria caso de averbação, apesar do art. 167, I, 7, da Lei 6.015?

O Projeto de Lei 20/07, em tramitação no Congresso Nacional (é uma reedição do PL 3057/00), propõe alterações na Lei 6.015 mas mantém o usufruto e a penhora como hipóteses de registro. O PL 20/07 propõe a seguinte redação para os incisos I e X do art. 167: “Art. 167. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos os registros: I – das aquisições e das transmissões de bens imóveis, dos direitos reais sobre esses, assim como dos direitos pessoais sobre imóveis registrados que, pela sua natureza, sejam oponíveis a terceiros; X – das penhoras, arrestos, seqüestros, medidas judiciais acautelatórias e medidas administrativas previstas em lei”. O referido projeto confere, ainda, nova redação ao art. 168 da Lei 6.015, nos seguintes termos: “Art. 168. A qualificação dos atos como de registro ou de averbação será feita de acordo com a sua natureza jurídica e de conformidade com o previsto nesta Lei, independentemente da denominação empregada nas leis civis (NR)”.

Humberto Theodoro Júnior[11] leciona que, em razão da função do ingresso da penhora no fólio real ser “puramente de publicidade perante terceiros”, não se tratando de ato constitutivo de direito real ou do gravame judicial, “é evidente que a averbação se mostra suficiente e adequada, além de ser mais prontamente factível”. Quanto ao usufruto judicial, afirma que, tal como se deu com a penhora, a inovação tem propósitos de simplificação do ato de publicidade e que, em se tratando de usufruto judicial, o mesmo tem eficácia desde o momento da publicação da decisão que o conceda (art. 718 do CPC [12]), não havendo necessidade de registro “já que não se trata de constituição de um gravame real, nos moldes do direito privado. O assento no registro público somente tem a eficácia de publicidade erga omnes, e isto pode ser alcançado, com maior economia, por meio de simples averbação”.

Valestan Milhomem da Costa sustenta que os atos a serem praticados, não obstante a nova redação do §1° do art. 722 e do §4° do art. 659, são de registro em sentido estrito[13].

Parece-nos acertada a segunda posição, os atos registrários adequados ao ingresso do usufruto e da penhora no fólio real, analisando os dispositivos legais vigentes aplicáveis, devam ser de registro em sentido estrito.

A averbação do usufruto fere todo o sistema registral. Não obstante serem constitutivos os efeitos da publicidade registral para aquisição de direitos reais, em regra, há hipóteses em que são declaratórios, como na aquisição por usucapião ou sucessão causa mortis. Ainda assim o ato a ser praticado é de registro em sentido estrito, em razão da natureza da mutação jurídico-real ocorrida. Embora tenha eficácia o usufruto judicial desde a decisão que o concede, a própria lei processual determina o ingresso no registro imobiliário, ou seja, este é indispensável para a publicidade e oponibilidade, e deverá ocorrer por registro, pois o proprietário deixa de ter a propriedade plena e passa a tê-la limitada pelo direito real de usufruto.

Por seu turno, admitir a averbação para a penhora e registro para arresto e seqüestro, atos que têm a mesma natureza jurídica, seria criar uma situação contraditória e paradoxal.

A nova redação do §1° do art. 722 e do §4° do art. 659 do CPC não tem o condão de alterar a natureza dos atos registrais a serem praticados quanto ao usufruto e às penhoras.

A imperfeição da redação de parte de alguns dispositivos da Lei 11.382/06, como os ora em comento, não poderia ser objeto de veto, posto que o § 2º do art. 66 da Constituição Federal veda o veto parcial de artigo, parágrafo, inciso ou alínea. Não se justificaria o veto ao projeto ou ao texto integral de partes dele, em prejuízo do avanço que as mudanças representam, em face de algumas imperfeições. Assim, sancionada a lei, resta aos exegetas dar-lhe a correta interpretação, sem se apegar à literalidade.

Afranio de Carvalho[14] discorre com brilhantismo sobre os atos de averbação e de registro, para definir que, no sistema vigente, as penhoras e a constituição de direito real ou ônus a ele equiparado devem ser inscritos (registrados), e não averbados.

Por fim, não é demais submeter à reflexão a divisão dos atos registrários em registro e averbação. Com efeito, a prática dos mesmos, em termos de escrituração, se equivale. No preenchimento dos livros, após o lançamento da matrícula, são lançados por ordem cronológica e na forma narrativa os registros e averbações, precedidos pela letra R ou pelas letras AV, respectivamente. No sistema atual, não há mais que se falar em averbação à margem do registro, expressão que cabia quando da utilização dos antigos livros, nos quais as averbações eram lançadas na coluna respectiva dos livros de registro. sumário

2. Requisitos formais para a realização dos atos no Registro de Imóveis:

O art. 221 da Lei 6.015 arrola os títulos, em sentido formal, que têm acesso ao registro imobiliário. Apesar de dispor que “somente” são admitidos a registro (em sentido amplo) os títulos ali mencionados, certamente a norma em foco não exaure os títulos que acedem ao registro. Regnoberto M. de Melo Junior[15] comunga de tal opinião afirmando que “o termo ‘somente’, ali existente, não deve ser lido como pretensor de exaurir as hipóteses documentais nos quatro incisos seguintes. O limite do SRI é o ordenamento positivo, não a LRP isoladamente. O efetivo sentido do verbete aludido é afirmar que o SRI trabalha unicamente com a conservação do ato escrito”.

Ao acrescentar o art. 615-A ao Código de Processo Civil, a Lei 11.382 criou hipótese expressa de averbação fundada em título, em sentido formal, que não consta do rol do art. 221 da Lei de Registros Públicos.

Para a averbação premonitória, o título a ser apresentado ao registro de imóveis é a certidão do distribuidor enunciando o ajuizamento da execução.

O oficial do registro imobiliário, na qualificação do título, deverá verificar se lhe foi apresentada certidão (documento público), se consta da mesma a natureza da ação (execução), se estão identificadas as partes, e se está indicado o valor da causa. São os requisitos formais exigidos pelo art. 615-A da lei processual civil.

Serão, certamente, observados os princípios registrais aplicáveis, em especial o da especialidade subjetiva. A averbação só se admitirá se o imóvel pertencer ao executado.

Ulysses da Silva[16] defende que, por cautela, deva ser aguardado pronunciamento judicial para a averbação premonitória, e que nada impede seja a certidão fornecida pelo escrivão judicial da vara onde tramitar o feito. Merece acolhida o argumento que refere à possibilidade do escrivão do feito expedir a certidão, ante às normas substantivas e adjetivas que tratam da prova. Porém, aguardar a manifestação judicial fere por completo o objetivo da alteração legislativa em comento. Sergio Jacomino[17] refuta o argumento de Ulysses da Silva com precisão.

Dessa forma, podemos afirmar que o título a ser apresentado é a certidão do distribuidor, sendo admissível a certidão do escrivão do feito, constando quer de uma quer de outra os requisitos do art. 615-A. Preenchendo o título tais requisitos e pertencendo o imóvel ao executado, a qualificação será positiva. Descabe ao registrador, como assinalado, impedir o acesso ao fólio real por falta de pronunciamento judicial.

Importante destacar que o exeqüente decidirá quanto aos imóveis que serão atingidos pela averbação, podendo promover mais de uma averbação apesar de se tratar de uma única execução. Humberto Theodoro Júnior se manifestou em tal sentido[18]. Não cabe ao registrador ingressar nesta seara. Penhorados bens suficientes para cobrir o valor da dívida, cancelam-se as averbações premonitórias relativas aos bens que não foram objeto de constrição judicial (§2° do art. 615-A do CPC).

O cancelamento das averbações relativas a bens não penhorados será, nos termos do §2° do art. 615-A do CPC, “determinado”, o que permite concluir que o juiz que presidir o processo de execução, a quem foram comunicadas as averbações efetuadas (§1° do art. 615-A do CPC), deverá determinar o cancelamento quando formalizada a penhora. O título para o cancelamento será, portanto e a princípio, judicial. No entanto, considerando que as averbações são promovidas pelo exeqüente e no seu interesse (a causar a ineficácia das alienações ou onerações do bem em face do exeqüente), entendo que a requerimento do mesmo também possa ser promovido o cancelamento, com amparo no art. 250 da Lei 6.015. Assim procedendo, o exeqüente se acautelará contra eventual alegação de abuso do direito de averbação. Promovido o cancelamento, deverá ser comunicado ao juízo do processo, assim como o são as averbações.

No que concerne à penhora, a Lei 11.382 não inovou quanto ao título em sentido formal. A penhora acessará o registro imobiliário “mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial” (§4° do art. 659 do CPC).

O art. 239 da Lei 6.015 relaciona os requisitos para o registro da penhora, devendo a certidão enunciar o fim especial a que se destina; os nomes do juiz, do depositário e das partes; e a natureza do processo.

Evidentemente que a inexigibilidade de mandado judicial não afasta a possibilidade de ser o ato praticado à vista do mandado, ou mesmo de ofício do juiz determinando que acesse a penhora o registro imobiliário. Não obstante “ofícios” não constem do rol do art. 221 da Lei 6.015, desde que contenham inequívoca determinação e indiquem os requisitos necessários para a prática do ato o mesmo deve ser realizado. Não se deve privilegiar a forma em detrimento do conteúdo. Tal posicionamento encontra amparo nas manifestações doutrinárias[19].

Estas são as considerações que me parecem pertinentes como contribuição à discussão do tema. sumário

Notas

*Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza é titular do Segundo Ofício de Teresópolis, RJ.

[1] Artigos de Ulysses da Silva, BE 2810 e BE 2838; Sérgio Jacomino, BE 2834; Joaquim Falcão, BE 2850; Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, BE 2851; Fernando P. Méndez González, BE 2862; Marcelo Augusto Santana de Melo, BE 2865; Francisco Ventura de Toledo, BE 2882.  Entrevistas de Décio Antonio Erpen, BE 2870; e Ovídio Baptista da Silva, BE 2887. Todos os acessos em 3/4/2007.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2005.

[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 17ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[4] A publicidade registral, segundo Alvaro Delgado Scheelje (“La Publicidad Jurídica Registral en el Perú. Eficácia material y Princípios Registrales”, Revista Crítica de Derecho Inmobiliario, año LXXV, n° 650. Madrid, 1991), não é apenas um princípio, senão é “objeto mismo de la función registral, la razón de ser de todo registro público y la base sobre la cual se apoyan todos y cada uno de los principios registrales”.

[5] No sítio http://www.jfrj.gov.br/nsiapro/jfrj/certidao/emissao_cert.asp se obtém as certidões da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

[6] Central de Certidões, que fica na Rua Almirante Barroso 90, 2° andar, Centro.

[7] No Estado do Rio de Janeiro a Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça, no parágrafo único do art. 422 estatui que: certidão relativa à distribuição de feitos ajuizados será fornecida pelos cartórios das Comarcas em que o titular do domínio ou direito real tenha domicílio, salvo se este não coincidir com o local da situação do imóvel objeto da escritura, caso em que serão necessárias certidões dos cartórios distribuidores de ambas as Comarcas.

[8] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, Boletim Eletrônico IRIB, nº 159, 9/1/2000.

[9] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 1981.

[10] MAXIMILIANO, Carlos. Obra citada.

[11] JÚNIOR, Humberto Theodoro. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

[12] Art. 718 do Código de Processo Civil: O usufruto tem eficácia, assim em relação ao executado como a terceiros, a partir da publicação da decisão que o conceda.

[13] COSTA, Valestan Milhomem.  Boletim Eletrônico do IRIB 2800, acesso em 3/4/2007.

[14] CARVALHO, Afranio. Registro de Imóveis, 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

[15] JUNIOR, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.

[16] SILVA, Ulysses.  Boletim Eletrônico do IRIB 2810, acesso em 3/4/2007 – “Relativamente ao teor inicial do referido artigo 615-A, segundo o qual ‘o exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução’, verifica-se haver, o legislador, atribuído, ao distribuidor, competência para expedir o aludido documento, nada impedindo, evidentemente, que ele seja fornecido pelo escrivão da vara para a qual foi destinado o feito. Aliás, e bem a propósito, considero medida de prudência, para tal fim, aguardar a autuação da ação e o despacho inicial do juiz, tendo em vista a possibilidade de a execução não prosperar, em face de algum impedimento, como, por exemplo, aquele previsto no artigo 572, de acordo com o qual o credor não poderá executar sentença condenatória sem provar que se realizou condição, eventualmente reconhecida pelo magistrado que a presidiu, ou que ocorreu o termo acordado.”

[17] JACOMINO, Sérgio.  Boletim Eletrônico IRIB 2834, acesso em 3/4/2007 – “Ora, mas foi justamente para dar maior velocidade, simplicidade e agilidade à publicidade registral da pendência judicial que se deslocou do juízo para o instante seguinte à distribuição a providência publicitária acautelatória de terceiros – sabedores que é crítico o período que medeia a distribuição e as providências de autuação, citação e penhora (ou pré-penhora, nos casos cabíveis). Esse interregno pode demorar meses nos grandes centros urbanos – o que tem dado ensanchas à dissipação patrimonial pelo executado, colocando em risco a efetividade do processo executório, as pretensões do exeqüente e fragilizando os direitos de terceiros. Salvo melhor juízo, esse argumento investe contra o sentido mais essencial da reforma neste particular aspecto.”

[18] JÚNIOR, Humberto Theodoro, obra citada.

[19] CHICUTA, Kioitsi, e outros. Títulos Judiciais e o Registro de Imóveis, Diego Selhane Pérez (coordenador). Rio de Janeiro: Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, 2005.
 

 


 

Portal Domínio Público: compartilhamento de conhecimentos e cultura

 


Para quem aprecia literatura, poesia, estórias infantis, pintura, música erudita e popular

O que tem em comum Machado de Assis, Leonardo da Vinci, Carlos Gomes, Shakespeare, Van Gogh, Fernando Pessoa, Alberto Nepomuceno, Emily Dickinson, Dante Alighieri e Francisco Braga?

Todos podem ser ouvidos, lidos ou vistos no site http://www.dominiopublico.gov.br/, administrado pela Secretaria de Educação a Distância do MEC, que divulga reproduções de obras clássicas da literatura Ocidental, poesia, estórias infantis, pintura, música erudita e popular.

Em dois anos e meio de funcionamento, o Domínio Público registrou mais de três milhões de acessos. Seu acervo de mais de 36 mil obras em texto, som, imagem e vídeo é composto, em sua grande maioria, por obras que se encontram em domínio público ou que contam com a devida licença dos titulares dos direitos autorais pendentes.

São dez mil teses e dissertações dos programas de pós-graduação reconhecidos pela Capes e dez mil obras literárias em várias línguas, além de quase 500 vídeos de conteúdo educativo, produzidos pelo programa TV Escola e especialmente compactados para a internet.

 


 

Portal de acesso livre da Capes: informação científica

 


O portal de acesso livre da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES – http://acessolivre.capes.gov.br/ –, disponibiliza textos completos, bases de dados referenciais com resumos, patentes, teses e dissertações, estatísticas e outras publicações de acesso gratuito, selecionados pelo nível acadêmico e mantidos por importantes instituições científicas e por organismos governamentais e internacionais.



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