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A Lei nº 11.382/2006 e o Registro de Imóveis.
Valestan Milhomem da Costa*


Lendo a Lei nº 11.382/2006, a primeira questão que surge para os registradores brasileiros é: acabou o registro da penhora? O assunto requer análise cautelosa antes de uma conclusão definitiva.

Pelas disposições da lei, não há nada que aponte de modo claro esse propósito do legislador, nem que o ato do registro seja ou tenha sido óbice à efetividade ou celeridade processual ou que não seja meio próprio à publicidade da penhora.

Na realidade, o que a lei novel deixa claro é que foram acrescentadas medidas visando prevenir, com maior efetividade, a fraude à execução e a conseqüente penhora. 

Da medida preventiva da fraude à execução e da penhora

A prevenção da fraude à execução ocorre com a averbação do ajuizamento da ação (art. 615-A), denominada, pelo douto Sérgio Jacomino, de “averbação  premonitória”, pois, segundo o ilustrado jurista, é “premonitória porque tem a virtude de prevenir a sociedade, e todas as pessoas que eventualmente venham transacionar com imóveis, acerca de circunstâncias que possam pôr em risco a aquisição do bem”. (BE IRIB 2791, 11/01/07). (Grifo acrescentado).

É o que deflui do art. 615-A, caput: “O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do  ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

Veja-se que essa averbação é realizada com a certidão do ajuizamento da execução, quando não há, ainda, PENHORA. Por isso, “premonitória”.

Além dos efeitos de prevenir a sociedade, percebe-se outra finalidade na averbação do ajuizamento da ação: demonstrar em juízo a viabilidade da penhora de bens necessários à garantia da execução, sendo, também, uma espécie de “averbação preparatória” da penhora, que se restringirá aos bens suficientes ao pagamento do quantum da execução, e não necessariamente incidirá sobre todos os bens “preparados para a penhora”, como se pode perceber dos parágrafos 1º e 2º do art. 615-A:

§ 1o  O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2o   Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.


Deve-se destacar que essa nova medida representa um grande avanço na defesa do princípio constitucional da efetividade, que ocorre pela concentração das informações no RGI, prevenindo de forma eficaz a fraude à execução e protegendo a boa-fé de terceiros em relação à real situação jurídica dos bens colocados no comércio, como conseqüência inarredável da publicidade registral. Ao mesmo tempo elide outras providências que antes eram necessárias para que o comprador tivesse conhecimento da solvência do vendedor de um imóvel, ou, ainda, para que o credor caracterizasse a fraude à execução. Ou seja: foram também prestigiados os princípios da celeridade, economicidade, e, mais importante, o da segurança jurídica.

É o que destaca o § 3º do art. 615-A: “Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).”

Do mesmo modo foram prevenidas medidas arbitrárias, como a possibilidade do credor promover “averbação manifestamente indevida” (§ 4º do at. 615-A), podendo-se entender como tal a averbação resultante de ação não fundada em execução de “obrigação certa, líquida e exigível” (art. 580, CPC), ou “em título de obrigação certa, líquida e exigível” (art. 586, CPC).

Assim, é prudente, nesses casos, visando prevenir responsabilidade, que o credor declare, sob as penas da lei, nos requerimentos de averbação, que a ação ajuizada versa sobre execução de título de obrigação certa, líquida e exigível, nos termos dos artigos 580 e 586 do CPC, não se configurando, portanto, a hipótese prevista no § 4º do art. 615-A, do CPC.

Uma vez realizada a averbação “premonitória” e/ou “preparatória” deve o credor comunicar ao juízo a realização da averbação no prazo de 10 (dez) dias (§ 1º, art. 615-A, CPC) para que seja formalizada a penhora necessária, cuja publicidade também se dará no Registro de Imóveis, sendo, nos termos do art. 167, I, 5, da Lei nº 6.015/73, por ato de registro, o qual, uma vez realizado, supera os efeitos da averbação do ajuizamento da ação, pois, a partir daí, a fraude à execução será caracterizada como efeito do registro da penhora, nos termos do art. 240 da Lei nº 6.015/73, e não mais por força da averbação do ajuizamento da ação, sem prejuízo dos efeitos produzidos a partir da averbação da existência da ação.

Dos casos de averbação e de registro

Sem dúvida, houve um aperfeiçoamento na defesa dos direitos do credor sem descuidar da proteção do devedor, pois, ao passo que num primeiro momento é possível ao credor  prevenir a certeza da execução do seu crédito pela averbação da existência da ação, fundada em título de obrigação certa, líquida e  exigível, a penhora somente ocorrerá num segundo momento, ou seja: depois de ultrapassadas as matérias de defesa do executado, quando, então, não logrando êxito o devedor, o juízo formalizará o auto ou o termo de penhora com vista à constituição do ônus, o qual, para efetiva publicidade, deverá ser inscrito no Registro de Imóveis.

Há, portanto, nítida distinção entre os atos levados a efeito no Registro de Imóveis: um é de risco do ônus; o outro, de constituição do ônus.

Sem prejuízo da relevância da publicidade do risco do ônus, mediante a averbação da existência da ação no Registro de Imóveis, como destacado, esta é preliminar e precária, pois será cancelada pela simples constatação do excesso ou de ser manifestamente indevida, nos termos dos §§ 2º e 4º, art. 615-A, do CPC, introduzidos pela Lei nº 11.382/06. Ou seja: o risco depende de ser confirmado.

A confirmação do risco ocorrerá pela formalização da penhora, ato definitivo de  constituição do ônus, o qual, com maior razão, deverá ser inscrito no Registro de Imóveis para a necessária publicidade do  ônus (a penhora).

Se a publicidade da existência da ação, ato precário e preliminar de risco do ônus, ocorre mediante averbação no Registro de Imóveis, a publicidade da penhora, ato constitutivo do ônus, não poderá ocorrer também por averbação. Ou seja: não se pode adotar o mesmo procedimento para situações distintas no seu grau de relevância e efeitos.

Assim, considerando-se que o ato judicial de confirmação do risco é distinto e tem maior relevância que o ato que previne o risco, é inegável que, no Registro de Imóveis, o ato da publicidade do ônus (penhora) sobreleva-se ao ato da publicidade do risco do ônus (existência da ação), não podendo, destarte, ocorrer também por averbação. Ou seja: a publicidade da penhora deve ocorrer mediante registro.

Ademais, malgradas as referências incidentais à averbação da penhora de bens imóveis, pela nova redação dos §§ 4º e 6º do art. 659, e do art. 698, CPC, não parece que tais referências tenham modificado a natureza do ato registrário a ser praticado para a publicidade da penhora, conforme estabelecido na lei especial, sendo tais referências consideradas “disposições gerais a par das já existentes”, que “não revoga nem modifica a lei anterior”, conforme dispõe o § 2º, art. 2º, da LICC.

Nota-se, ainda, que o art. 7º da Lei nº 11.382/2006 revogou expressamente apenas artigos da Lei nº 5.869/73, mas não fez referência ao inciso que trata do registro da penhora, nem o podia fazer, posto que não seria possível revogar o inciso apenas quanto à penhora.

De sorte que, não havendo declaração expressa de revogação de artigos da Lei nº 6.015/73, nem incompatibilidade entre os fins pretendidos na Lei nº 11.382/2006 e o ato de registro indicado nos arts. 167, I, 5, e 240 da Lei nº 6.015/73, nem tampouco havendo a Lei nº 11.382/2006 regulado inteiramente a matéria, há que se entender que a publicidade do ônus da penhora no Registro de Imóveis ocorre por ato de registro.

O mesmo se pode dizer em relação ao usufruto, o qual, não obstante a nova redação do § 1º do Art. 722, do CPC, requer ato de registro, tantos pelos fundamentos acima, como em razão da regra do art. 1.227 do Código Civil.

É a minha opinião, sub censura dos doutos registradores.

(*) Valestan Milhomem da Costa, tabelião e oficial substituto do 1º Ofício de Cabo Fro, e pós-graduando em Direito Registral Imobiliário pela PUC-Minas.



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