BE1742

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A Aplicabilidade da Lei do Georreferenciamento
Eduardo Agostinho Arruda Augusto *


Introdução

O tema georreferenciamento está causando um grande alvoroço. Profissionais de agrimensura, proprietários e produtores rurais, registradores e tabeliães, juízes, promotores e advogados, empreendedores imobiliários e corretores de imóveis, enfim uma gama de profissionais está se preocupando com as novas regras de descrição tabular do imóvel rural, regras estas que visam a revolucionar e resolver de vez o problema fundiário do País.

Pelo menos estas são as metas dessa novel legislação, que foi inaugurada com a publicação da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, que criou o Cadastro Nacional de Imóveis Rurais - CNIR (pelas regras gramaticais, lê-se kinir e não cenir ) e efetuou alterações em várias leis, em especial na Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).

Desde então, o termo georreferenciamento foi incorporado à linguagem do dia-a-dia de vários profissionais, os quais ainda possuem muitas dúvidas e questionamentos.

Em decorrência da polêmica que cerca esse novo sistema de medição e descrição dos imóveis rurais, o Irib promoveu, em julho de 2004, o Encontro Regional de Araraquara, evento este que gerou a agora famosa Carta de Araraquara , em que foram efetuadas diversas propostas para que a legislação do georreferenciamento fosse viável e atingisse seus nobres objetivos de resolver as questões fundiárias e de promover o desenvolvimento de nosso País.

Convém esclarecer que georreferenciamento é tão somente uma técnica moderna de agrimensura, não sendo de uso exclusivo do Incra para o atendimento da legislação em comento. Apesar disso, apenas para facilitar o entendimento e a construção das frases, a palavra georreferenciamento, neste trabalho, foi utilizada no sentido de “cumprimento integral à nova legislação, com certificação do Incra e ingresso no registro imobiliário”.

O princípio da Especialidade Objetiva

Ao alterar a forma como os imóveis rurais serão descritos na matrícula, a nova legislação aliou-se a um dos mais importantes princípios informadores do direito registral imobiliário, que é o da especialidade objetiva . Numa definição bem singela, especialidade objetiva é a arte de individualizar um imóvel por meio de uma descrição técnica. Possui três distintas faces, cada qual com uma importância bem definida para o sistema registral imobiliário.

A primeira face, a mais conhecida, está prevista no artigo 176 (§1º, inciso II, nº 3) da Lei dos Registros Públicos. Trata-se de uma regra dirigida ao profissional de agrimensura, que deverá utilizar as normas técnicas de sua profissão para que a descrição do imóvel seja suficiente para distingui-lo dos demais e permitir a todos conhecer sua localização, formato e área.

A segunda face, bastante conhecida pelos tabeliães que, não raras vezes, têm que elaborar escritura de re-ratificação para cumprir tal mandamento, está prevista no artigo 225 da mesma Lei dos Registros Públicos. Por essa regra, todos os títulos que se refiram a um bem imóvel devem trazer em seu bojo a descrição precisa do imóvel, nos exatos termos da descrição existente da matrícula, sob pena de não encontrar acesso no fólio real.

Os dois primeiros aspectos do princípio da especialidade objetiva são bem conhecidos e muito comentados na doutrina e na jurisprudência. Ambos estão expressamente previstos na lei e não há muito o que discutir acerca deles.

Existe, entretanto, uma terceira face do princípio da especialidade objetiva que, por não haver qualquer dispositivo legal que a expresse, é por muitos desconhecida e, não raras vezes, até violada. Trata-se do dever do oficial de registro de zelar pela qualidade da matrícula, ou seja, compete ao registrador a difícil e importante tarefa de fazer com que as matrículas representem com clareza e exatidão os bens imóveis e os direitos a eles relativos.

Por esse prisma, compete ao registrador fazer com que a matrícula seja clara, precisa e concisa, escriturada de forma que o usuário comum possa entendê-la. Deve também evitar que o acúmulo de registros e averbações a tornem confusa, efetivando de ofício averbações saneadoras, quando necessário, ou encerramento da matrícula e abertura de nova quando a descrição tabular do imóvel sofrer alterações.

A elaboração de averbação saneadora, por muitos considerada irregular, sendo utilizada apenas nas situações que a exigem, é muito salutar. Um exemplo típico é a matrícula em que há uma pluralidade de hipotecas cedulares em variados graus, outra pluralidade de aditivos sobre algumas das hipotecas e uma boa quantidade de baixas que não coincidem com a ordem cronológica dos registros. Uma averbação esclarecendo o que permanece ativo torna a matrícula clara para o usuário e evita erros e eventuais contendas judiciais. Outra averbação saneadora salutar é a especificação de todos os titulares e de suas respectivas frações ideais, essencial em matrículas em que há muitos registros antigos de sucessão “causa mortis” em que a forma descritiva utilizada na época ainda causa muitas dúvidas (uma legitima de “x” na avaliação de “y”, na parte ideal de “z” dentro do imóvel de “n” alqueires).

Havendo desmembramento de uma ou mais partes do imóvel, deve-se encerrar a matrícula-mãe e abrir novas matrículas para as áreas desmembradas e alienadas e também para o remanescente. No caso de retificação de área, quer nos termos do artigo 213 ou mesmo no cumprimento da lei do georreferenciamento, deve-se encerrar a matrícula anterior e abrir nova matrícula com a descrição atualizada e com a averbação saneadora de transporte (hipotecas, servidões, etc.).

Abertura de matrícula tanto para as áreas desmembradas e alienadas como para o remanescente.

A abertura de matrícula para constar a nova descrição tabular do imóvel é relevante, pois uma averbação perdida no meio da matrícula (supondo-se vários outros assentos após a averbação dessa descrição georreferenciada) não é facilmente encontrada, gerando dúvidas sobre qual é a descrição do imóvel e, muitas vezes, até levando o leigo ao equívoco, uma vez que, na primeira folha, ainda consta a descrição original, agora totalmente desatualizada.

Com a nova descrição georreferenciada, é essencial a abertura de nova matrícula para o imóvel, aproveitando a oportunidade para sanear outros problemas, como a correta definição das frações ideais de cada condômino (raramente declaradas nas matrículas antigas) ou identificação dos ônus que ainda oneram o referido imóvel (muito comum a existência de muitos registros de hipoteca e muitas averbações de aditivo e cancelamento, situação que dificulta saber o que continua ativo ou não). Uma averbação de transporte na nova matrícula tornará esta muito mais eficaz.

Portanto, recomenda-se a averbação do encerramento da matrícula do imóvel retificado e a abertura de nova matrícula totalmente saneada para esse imóvel agora bem descrito e caracterizado. Essa é a proposta nº 10 da Carta de Araraquara: “10. Especialidade Objetiva – Abertura de Nova Matrícula para o Imóvel Georreferenciado”.

Modelos de matrículas georreferenciadas

Além de ser importante abrir nova matrícula para o imóvel georreferenciado, convém estudar como esse imóvel será descrito e apresentado para o usuário do sistema, ou seja, como ficará o aspecto da matrícula, de forma a cumprir os princípios e seus atributos essenciais já estudados.

A seguir, um modelo que segue o padrão típico das matrículas existentes, que segue o estilo tradicional dos instrumentos públicos, sem espaços em brancos ou entrelinhas, estilo este oriundo do tempo dos títulos e registros manuscritos, cuja segurança jurídica somente era alcançada com base em rígidas regras de escrituração.

Esse modelo foi incluído no Anexo III da “Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais” do Incra como exigência imposta ao agrimensor para, no ponto-de-vista inicial do Incra, “cumprir as exigências do registro”.

Mas esse modelo apresenta falhas. A primeira: o que o Incra confere é a tabela de dados inserida em um CD-Rom (dados gerados automaticamente pelo software de topografia) e não esse memorial que, na maioria dos casos, foi digitado num processador de textos e não montado automaticamente pelo software. Pela complexidade da descrição, a probabilidade de erros de digitação é enorme. O ideal é que o Incra gere diretamente do CD-Rom (após conferido e aprovado) a tabela dos dados georreferenciados e certifique essa folha e não aquele memorial entregue ao Incra com o CD-Rom cuja conferência não é efetuada.

Outro problema é que essa forma descritiva é confusa, de difícil leitura e entendimento até mesmo para o pessoal técnico. Basta, por exemplo, tentar localizar, numa descrição desse tipo, alguns confrontantes e entender onde se encontram para sentir sua complexidade.

Para exemplificar toda essa problemática, foi eleito um pequeno imóvel rural da Comarca de Conchas, o qual teve sua descrição georreferenciada efetuada de três formas distintas.

Descrição tradicional: muito confusa e de difícil compreensão.

Um modelo mais limpo e de melhor compreensão seria com a inclusão dos dados georreferenciados em uma tabela, que viria logo após um pequeno resumo descritivo do imóvel, atendendo tanto ao usuário comum como aos técnicos.

Essa tabela poderia ser extraída do próprio CD-Rom conferido pelo Incra, ou seja, o Incra faria a impressão dos dados diretamente do CD e certificaria essa folha, o que garantiria maior segurança jurídica ao processo.

Por essa forma de descrição, a matrícula começaria por um pequeno resumo em que constasse a localização genérica do imóvel, sua denominação e área (que são os principais dados buscados pelo usuário do sistema). Após isso, viria a tabela dos dados georreferenciados (ou seja, a descrição precisa do imóvel, estritamente técnica) e, no final, o rol de confrontações (também de interesse do usuário comum do sistema).

Descrição proposta: muito clara e de fácil compreensão.

Não tardará o dia em que as matrículas trarão em seu bojo a planta do imóvel. Com a popularização da informática e com o constante aprimoramento tecnológico, isso pode ocorrer a qualquer momento. Aliás, não há qualquer óbice legal para que isso seja feito hoje pelo registrador que assim desejar. Existem apenas óbices técnicos para que isso seja feito hoje por todos, uma vez que os cartórios teriam que possuir softwares específicos para isso.

Portanto uma outra possibilidade da matrícula seria a seguinte:

Descrição com a planta do imóvel: não tardará sua obrigatoriedade.

Toda essa discussão acerca da forma como inserir a nova descrição georreferenciada na matrícula tem apenas um único escopo, comprovar a necessidade de que a matrícula, instrumento principal da atividade do registrador imobiliário, receba o tratamento devido. Nunca é excessivo repetir: a matrícula deve ser clara , precisa e concisa , ou seja, ela deve ser escriturada de forma que o usuário possa entender, garantindo a publicidade e a segurança jurídica dos registros públicos.

Hipóteses que exigem a descrição georreferenciada

A Lei nº 10.267/2001 efetuou algumas alterações na Lei dos Registros Públicos. Dessas alterações, são extraídas as hipóteses que geram ao proprietário rural a obrigação de adaptar a descrição de seu imóvel ao modelo georreferenciado.

As hipóteses legais são as seguintes:

- desmembramento;
- parcelamento;
- remembramento;
- transferência; e
- autos judiciais que versem sobre imóveis rurais.

A obrigatoriedade para as hipóteses de desmembramento, parcelamento e remembramento está prevista no §3º do artigo 176 da LRP, enquanto que a de transferência, no §4º do mesmo artigo. No § 3º do artigo 225 encontra-se a obrigatoriedade para os atos judiciais que versem sobre imóveis rurais.

Quanto aos atos judiciais, convém esclarecer que não se trata de toda e qualquer ação judicial em que haja referência a imóvel rural, mas apenas àquelas em que o imóvel rural é o objeto central da jurisdição (usucapião, retificação judicial de registro, desapropriação, divisão, demarcação, etc.), desde que suas decisões tenham ingresso no fólio real (reintegração de posse, apesar de ter o imóvel como objeto central, não depende de descrição georreferenciada, por não gerar título registável em sua matrícula).

Salvo essas hipóteses legais, qualquer outro ato registral terá acesso ao fólio real independentemente de o imóvel rural estar ou não com sua descrição tabular georreferenciada e certificada pelo Incra.

Assim, não faz sentido o teor do §2º do artigo 10 do decreto regulamentador, que prevê: “após os prazos assinalados nos incisos I a IV, fica defeso ao oficial do registro de imóveis a prática de  quaisquer atos registrais  envolvendo as áreas rurais de que tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto.”

Há vários métodos para se interpretar uma lei. A exegese deve abstrair a justiça da norma, a suposta intenção da lei e ser adaptada aos valores sociais de cada momento histórico, com base em uma interpretação progressiva. A inteligência da lei, o seu sentido, o modo como deve ser entendida, enfim, a “mens legis ” não deve ser confundida com a “mens legislatoris” (a inteligência do legislador, o que ele quis dizer) nem com a “verba legis” (palavra da lei, seu sentido meramente gramatical).

A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, é a “lex legum” brasileira, ou seja, a legislação que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal.

O inciso III do artigo 11 trata da coerência posicional, geográfica dos dispositivos. A alínea “c” define que “os parágrafos têm a função de complementar a norma expressa no  caput ou expor as exceções à regra por ele estabelecida” .

B = Conjunto dos Atos Registráveis (artigo 167 da LRP)
C = Subconjunto dos Atos que exigem o Geo (artigos 176 e 225)
B d C, portanto C e B

O §2º do artigo 10 do Decreto regulamentador está contido no subconjunto C, portanto seu universo limita-se aos atos que exigem a certificação do imóvel rural pelo Incra e não a todos os atos registráveis.

Dessa forma, uma leitura mais coerente do §2º do artigo 10 leva à conclusão de que, após os prazos carenciais do caput , fica proibido ao registrador a prática dos seguintes atos registrais: desmembramento, parcelamento, remembramento, transferência e as resultantes de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais.

Assim, o registro de hipoteca não se subordinaria à prévia adaptação da descrição tabular do imóvel ao georreferenciamento, mesmo após os prazos carenciais, salvo para aqueles que interpretam que hipoteca é um início de alienação e, em virtude disso, estaria subordinada às novas regras como hipótese de “transferência”.

Um dos argumentos sustentados por essa corrente encontra guarida no artigo 1.420 do Código Civil que diz: “só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca.”

Entretanto, o mesmo dispositivo legal serve para a argumentação contrária, que sustenta que tal artigo se refere à inexistência de indisponibilidade do bem de raiz, e não quanto às regras específicas para cada ato negocial, pois as regras para efetivar uma alienação não são as mesmas para hipotecar, empenhar ou dar o bem em anticrese.

A falta da descrição georreferenciada não torna o imóvel irregular, indisponível. A lei não diz isso. Trata-se apenas de uma exigência a ser cumprida quando o proprietário desejar alienar, desmembrar, parcelar ou remembrar seu imóvel rural.

O Dr. Francisco Rezende dos Santos, presidente da Serjus-MG, entende o seguinte:

“A Lei 10.267 prevê apenas a obrigatoriedade do georreferenciamento para os casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e transmissão. Não prevê tal obrigatoriedade nos casos de hipotecas, penhoras e outras atos registrais. Assim, o §2° do artigo 10 do decreto, que prevê que fica defeso ao oficial a prática de quaisquer atos registrais sem o georreferenciamento após os prazos, há que se entender que a proibição alcança apenas os atos registrais de desmembramento, parcelamento, remembramento e transmissão, não impedindo o registro dos demais atos, como a hipoteca, o arresto, a penhora, etc.”

Considerando correta essa interpretação, hipoteca, arresto, penhora e seqüestro teriam acesso ao fólio real sem a nova descrição georreferenciada. Mas surge uma dúvida: se o proprietário do imóvel não cumpre suas obrigações e o imóvel é alienado judicialmente, como fica a situação do arrematante? Deverá ele providenciar o georreferenciamento do imóvel arrematado judicialmente para registrá-lo em seu nome? Afinal, trata-se de uma forma de transferência do imóvel do antigo proprietário ao arrematante, apesar de sua forma coercitiva.

O §4º do artigo 176 deveria ter se referido a “transferência voluntária” e não a toda e qualquer transferência, sob pena de beneficiar os maus pagadores em detrimento do credor e de toda a economia nacional, uma vez que, da forma como está, a hipoteca perderá seu real valor, resultando em dificuldade ao crédito e em juros mais altos para cobrir os riscos gerados por essa deficiência legislativa.

Também não seria justo nem coerente exigir o georreferenciamento para o registro de uma transmissão “causa mortis” . Essa transferência ocorreu não por vontade de seu antigo titular, mas por motivo de força maior. Além disso, o registro pretendido nem tem o condão de transferir a propriedade do imóvel, uma vez que pelo instituto da "saisine" , o domínio e a posse da herança se transmitem desde logo aos herdeiros legítimos e testamentários, a partir da data da abertura da sucessão, conforme previsto no artigo 1.784 do Código Civil. O registro serve apenas para dar cumprimento aos princípios da publicidade, continuidade e plena disponibilidade.

Mas a “mens legis ” não é compatível com a interpretação literal desse dispositivo. Fica claro que a intenção tanto do legislador como da própria lei (que depois de entrar em vigor passa a ter vida própria) é exigir o georreferenciamento nas hipóteses de transferência voluntária, ou seja, na compra e venda, na doação, na permuta, na dação em pagamento.

Em decorrência do exposto, as hipóteses que geram ao proprietário rural a obrigatoriedade de georreferenciar seu imóvel e, em contrapartida, geram ao registrador imobiliário a proibição de praticar os atos antes da certificação do Incra, são as seguintes:

- desmembramento, parcelamento e remembramento;
- transferência voluntária; e
- decisões em ações judiciais que versem sobre imóveis rurais.

Essa é a proposta nº 3 da Carta de Araraquara: “3. Prazos – Definição do Objeto da Proibição de Atos Registrais após seu Decurso”.

Prazos carenciais para adaptação dos imóveis ao novo sistema

A lei delegou ao Poder Executivo a obrigação de definir os prazos carenciais para que os imóveis rurais tivessem sua descrição tabular georreferenciada ao Sistema Geodésico Brasileiro. Esses prazos foram incluídos no artigo 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, que definiu quatro faixas, de acordo com a área total do imóvel, estipulando os intervalos de 90 dias, um ano, dois anos e três anos.

O decreto estipulou expressamente que o termo “a quo” dos prazos é a sua própria data de publicação, ou seja, 31 de outubro de 2002. Entretanto as regras de como deveriam ser feitos os trabalhos técnicos de georreferenciamento e de como o Incra procederia as certificações somente foram publicadas um ano depois, em 20 de novembro de 2003, quando o Diário Oficial da União tornou público as portarias 1.101 e 1.102 e as instruções normativas 12 e 13.

Diante desse anacronismo, a única interpretação justa é considerar o termo inicial dos prazos a data de publicação desses atos normativos que estipularam claramente as regras do jogo, ou seja, os prazos passariam a ser contados da seguinte maneira:

- área igual ou superior a 5.000 hectares: ....90 dias....(18/02/2004)
- área de 1.000 a menos de 5.000 hectares:.1 ano......(20/11/2004)
- área de 500 a menos de 1.000 hectares:....2 anos... (20/11/2005)
- área inferior a 500 hectares:......................3 anos....(20/11/2006)

Isso não resolve o problema da inflexibilidade da legislação. Os prazos são muito exíguos, ousados, de cumprimento praticamente impossível, quer pelo proprietário rural, quer pelo Incra que necessita analisar os trabalhos e emitir as certificações. A ampliação mais realista dos prazos, pelo menos por 10 anos, é a melhor saída para a viabilização do programa nacional de cadastro de terras e regularização fundiária.

A Lei dos Registros Públicos, que criou a matrícula, entrou em vigor em janeiro de 1976. Em quase 30 anos de vigência, muitos imóveis ainda não foram matriculados, estando ainda descritos nos velhos livrões.

O cumprimento da lei do georreferenciamento é bem diferente, pois representa uma mudança muito mais drástica. A transposição dos “livrões” para as matrículas foi um ato mecânico quase automático, pois era um mero ato registral efetuado pelo oficial de registro quando do primeiro registro envolvendo o imóvel. Com o georreferenciamento, a situação é outra. Devem ser feitas novas medições, há que se contratar profissionais competentes e cadastrados no Incra, exige-se a utilização de equipamentos de última geração disponível a poucos, e trata-se de um sistema sofisticado, ultramoderno, que para ser implantado requer grandes mudanças de paradigmas. Além disso, os custos são altíssimos, muitas vezes impeditivos para o pequeno e médio proprietário rural.

Ou seja, os prazos estipulados pelo decreto regulamentador não espelham a necessidade nem a realidade do País, tornando-se, em vez de um motivador para o cumprimento da lei, em sérios entraves no tocante ao direito de propriedade, cujo exercício é garantido pela Constituição do Brasil.

Esse é o teor da proposta nº 1 da Carta de Araraquara: “1. Prazos – Redefinição de seu Escalonamento para o Georreferenciamento”.

Gratuidade dos trabalhos técnicos

O legislador já estava consciente de que os trabalhos técnicos de georreferenciamento seriam custosos para o proprietário rural e, para minorar tal problemática, criou uma espécie de isenção. O § 3º, in fine , do artigo 176 da Lei dos Registros Públicos dispõe que é “garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.”

A definição do tamanho do módulo fiscal (M.F.) varia de município para município e é determinado com base em fatores locais, como a exploração predominante, a renda resultante dessa atividade e a influência de outras explorações expressivas em função da renda ou da área territorial utilizada.

Valor do módulo fiscal em alguns municípios brasileiros.

Num primeiro momento, pode-se entender que, em Conchas-SP, por exemplo, apenas os imóveis com área de até 120 hectares estão abrangidos pelo direito à gratuidade. Mas a exata determinação de quais imóveis estão amparados pela gratuidade é bem mais complicada.

O termo “módulo fiscal” foi criado pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), em seu artigo 50, que cuida do cálculo do ITR (imposto territorial rural). Módulo fiscal é, portanto, uma forma de catalogação econômica dos imóveis rurais, variando com base em indicadores econômicos e de produtividade de cada região e indicadores específicos de cada imóvel.

O aspecto econômico-social do módulo fiscal é facilmente verificado nos parágrafos do artigo 50 do Estatuto da Terra, tanto que o imposto nem incide sobre área igual ou inferior a um módulo fiscal, desde que em tal área haja cultivo estritamente familiar (§1º).

O cálculo de quantos módulos fiscais possui cada imóvel rural leva em consideração dois aspectos: a região em que se encontra (aspecto geral) e as particularidades do imóvel (aspecto particular).

O aspecto geral está expresso no parágrafo segundo do artigo 50, que define a determinação do módulo fiscal por município, que será expresso em hectares e quantificado com base nos seguintes fatores:

a) o tipo de exploração predominante no município;

b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;

c) outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; e

d) o conceito de "propriedade familiar".

Quanto ao aspecto particular do imóvel, o §3º do artigo 50 prevê que “o número de módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área aproveitável total pelo módulo fiscal do Município”. O §4º do mesmo artigo estabelece: “constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestal”.

Continua ainda o §4º: “não se considera aproveitável: a área ocupada por benfeitoria; a área ocupada por floresta ou mata de efetiva preservação permanente ou reflorestada com essências nativas; e a área comprovadamente imprestável para qualquer exploração agrícola, pecuária ou florestal”.

A definição da gratuidade dos trabalhos técnicos do georreferenciamento também seguiu a mesma lógica: critério econômico, que deve levar em consideração não apenas o aspecto geral (tamanho do imóvel divido pelo módulo fiscal da região), mas também o aspecto particular do imóvel, ou seja, devem ser desprezadas as áreas economicamente não aproveitáveis.

Para efetuar tal cálculo com segurança, bastaria consultar a declaração do ITR (DIAC-DIAT), em que constam tais informações.

Assim, é bem possível que um imóvel rural com área total de 200 hectares localizado em Conchas, tenha apenas 4 módulos fiscais (120 hectares de área aproveitável), em virtude do desconto das áreas economicamente prejudicadas, e seja, então, beneficiário da gratuidade legal.

Portanto, não basta apenas dividir a área total do imóvel pelo módulo fiscal do município, mas sim levar em consideração todos os aspectos previstos no artigo 50 do Estatuto da Terra, único diploma legal que definiu o que vem a ser “módulo fiscal”, e o fez de forma exaustiva, não deixando margem a outras interpretações.

Desoneração dos imóveis abrangidos pela gratuidade legal

O artigo 10 do decreto regulamentador definiu os prazos carenciais. O §2º do mesmo artigo impôs uma regra que proíbe ao oficial do registro de imóveis a prática de quaisquer atos registrais envolvendo imóveis rurais após os prazos sem que estejam eles adaptados às novas regras do georreferenciamento.

Apesar de a lei ter conferido a gratuidade a uma parcela dos imóveis rurais, na tabela de prazos do artigo 10 do decreto não constou expressamente qualquer exceção, o que leva a concluir que, mesmo os imóveis com área de até 4 módulos fiscais devem estar com a descrição tabular atualizada nos termos da nova lei no último prazo ali fixado, ou seja, 31 de outubro de 2005.

E, para sacramentar tal entendimento, o decreto colocou o registrador no pólo passivo dessa proibição, incumbindo-lhe não apenas da fiscalização, mas de seu efetivo cumprimento. Com base nessa interpretação, todos os imóveis rurais cuja descrição tabular não estiver certificada pelo Incra, após os prazos do decreto, terão suas matrículas automaticamente bloqueadas, somente voltando a circular juridicamente após o integral cumprimento da legislação do georreferenciamento.

Esse é o pior dos óbices e das injustiças que pode ocorrer diante da inflexibilidade da legislação do georreferenciamento. É o desrespeito ao direito legal da gratuidade. Como fica a situação do pequeno proprietário rural que necessite retificar sua área judicialmente? Não tem ele direito à gratuidade? Por que então exigir o georreferenciamento à sua custa? Vamos prejudicá-lo porque o Estado não teve condições de cumprir sua parte da obrigação?

Pelos estritos termos da lei, não pode o registrador, invocando falha operacional do Incra, supri-la com o entendimento de que tais imóveis estariam automaticamente desonerados de tal obrigação. Da forma como está escrito, sobra apenas ao proprietário rural prejudicado ajuizar ação em face do Incra, para compeli-lo a cumprir sua parte ou para ter decisão judicial de reconhecimento de sua desoneração em georreferenciar seu imóvel. Essa ação é de competência da justiça federal.

No fundo, isso seria o caos: toneladas de processos inúteis atravancando o Judiciário. Inúteis porque as decisões seriam pontuais (inter partes), a previsão de colapso é óbvia e a solução desse problema é muito simples, ou seja, basta uma pequena e justa alteração na legislação.

Portanto, por pura coerência, devem ser expressamente desonerados do georreferenciamento todas as propriedades rurais com área não excedente a quatro módulos fiscais, as quais deveriam ser paulatinamente atualizadas pelo Incra de acordo com sua disponibilidade operacional. Essa é a proposta nº 4 da Carta de Araraquara: “4. Prazos – Não Devem Prejudicar os Imóveis Beneficiários da Gratuidade”.

Interconexão Incra – Registro de Imóveis

De acordo com o artigo 4º do decreto regulamentador, compete ao registro de imóveis o envio das modificações ocorridas nas matrículas, decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, unificação de imóveis, retificação de área, reserva legal e particular do patrimônio natural, bem como outras limitações e restrições de caráter dominial e ambiental, para fins de atualização cadastral. Se alguma dessas modificações resultar na descrição georreferenciada, deverá também enviar certidão da matrícula, nos termos do item 6 do roteiro para troca de informações, anexo à Instrução Normativa nº 12, de 2003.

Pela legislação em vigor, a contrapartida do Incra nessa interconexão é tão somente o envio dos novos códigos dos imóveis rurais, para serem averbados de ofício, sem a cobrança de emolumentos.

Será o registro imobiliário o maior responsável pelo sucesso desse programa, em virtude da fiscalização que será exercida pelo oficial de registro. Justo portanto que todas as informações geradas pelo programa, que se resumem na correta descrição e localização do imóvel, sejam disponibilizadas ao registro. Assim não basta apenas a entrega do mapa e memorial certificados, mas é essencial que sejam ofertadas todas as bases gráficas que serão geradas pelo sistema informatizado daquela autarquia.

Para tal, é necessária a criação de um “software” de envio de informações pela Internet ao Incra, nos moldes da Declaração sobre Operações Imobiliárias hoje enviada à SRF, em substituição à atual forma de envio de documentação em papel. Esse mesmo software poderia ser utilizado para resgatar as informações do Incra para a serventia imobiliária referente aos imóveis de sua circunscrição.

Essa é a proposta nº 5 da Carta de Araraquara: “5. Troca de Informações Incra e Registro de Imóveis – Criação de um Software (“DOI/Incra”)”.

Escritura Pública para Imóvel não georreferenciado

Outra grande discussão gerada pela nova legislação é quanto a possibilidade ou não da lavratura de escritura pública de alienação para imóveis rurais sem a descrição georreferenciada cujo prazo carencial já tenha vencido. Para encontrar uma resposta com maior segurança mister se faz uma minuciosa análise em toda a legislação acerca da elaboração do instrumento público e das regras do georreferenciamento.

Esse assunto está afeto ao tabelião de notas. Será que compete ao Irib, que é um instituto de direito registral imobiliário, entrar nessa seara?

O Irib foi oficialmente legitimidado a tratar desse polêmico assunto pelo Dr. José Flávio Bueno Fischer, Presidente do Colégio Notarial do Brasil, que efetuou a seguinte questão:

“O Colégio Notarial do Brasil gostaria de saber o posicionamento do Irib quanto à necessidade do georreferenciado para o ato da escritura pública após o término dos prazos. Porque o Colégio, visando a emitir a sua nota oficial, diante das dúvidas que têm surgido, não quer fazê-lo sem o apoio claro do Irib a respeito.”

Um primeiro item a ser analisado é o artigo 16 do decreto regulamentador da lei que criou a obrigatoriedade do georreferenciamento:

“Art. 16 - Os títulos públicos, particulares e judiciais, relativos a imóveis rurais, lavrados, outorgados ou homologados anteriormente à promulgação da Lei nº 10.267, de 2001, que importem em transferência de domínio, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, e que exijam a identificação da área, poderão ser objeto de registro, acompanhados de memorial descritivo elaborado nos termos deste Decreto.”

A contrario sensu, a leitura do artigo 16 conduz à seguinte interpretação: “os títulos lavrados após à promulgação da Lei nº 10.267, de 2001, NÃO poderão ser objeto de registro, acompanhados ou não de memorial descritivo elaborado nos termos deste Decreto.”

Essa interpretação encontra guarida no artigo 225 da Lei dos Registros Públicos, o qual exige a perfeita identidade do título com a descrição tabular do imóvel, pois, para o registro da alienação, deve-se antes atualizar a descrição tabular do imóvel nos termos da nova legislação, o que causará divergência entre a descrição antiga do título e a nova descrição georreferenciada inserida na matrícula do imóvel.

Entretanto, com o advento da Lei nº 10.931/2004, que alterou os artigos 212 a 214 da LRP, tal interpretação não mais prevalece, pois hoje a regra é o total aproveitamento dos títulos cuja descrição do imóvel estava adequada ao registro da época, desde que não haja dúvida quanto à identificação do imóvel.

“§13 - Não havendo dúvida quanto à identificação do imóvel, o título anterior à retificação poderá ser levado a registro desde que requerido pelo adquirente, promovendo-se o registro em conformidade com a nova descrição.”

Mas a pesquisa não pode parar por aí. Há outras regras que citam o ato notarial no cumprimento da legislação do georreferenciamento. A Instrução Normativa nº 12, de 17/11/2003, editada pelo Incra, trata do roteiro para a troca de informações entre o Incra e o Registro de Imóveis. Em duas passagens, citou a participação do notário no programa:

2. Órgãos diretamente envolvidos nos procedimentos

- Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária -INCRA; 
- Serviços de Registro de Imóveis; 
- Serviços notariais.

5. Da Lavratura da Escritura

Com a finalidade de lavrar a escritura na forma prevista no § 6º do artigo 22, da Lei nº 4.947/66, com a nova redação dada pela Lei nº 10.267/01, os interessados deverão comparecer ao serviço notarial munidos do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural - CCIR em vigor, do memorial descritivo da área objeto da transação, da Certificação expedida pelo INCRA, do comprovante de quitação do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR relativamente aos últimos 5 exercícios e, quando for o caso, do Ato Declaratório Ambiental - ADA, expedido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.

O notário deverá indicar na escritura, no ato da lavratura, os endereços completos do adquirente e quando for o caso, do transmitente.

Em primeiro lugar, a IN inseriu os serviços notariais como órgãos diretamente envolvidos nos procedimentos… mas que procedimentos? O referido roteiro, segundo o inteiro teor de seu item nº 1, tem por objetivo estabelecer os procedimentos administrativos relativamente à troca mensal de informações entre o Incra e os Registros de Imóveis, nos termos da Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001.

O roteiro trata da interconexão Incra-Registro e inseriu o tabelião como órgão envolvido. Entretanto não há nenhuma norma legal que surgira a obrigação do Tabelião em passar qualquer tipo de informação ao Incra.

Quanto ao item nº 5, consta ali a obrigação de os interessados apresentarem ao tabelião “o memorial descritivo da área objeto da transação e a certificação expedida pelo Incra”.

Essa regra seria o indicativo de que não se poderia lavrar escritura de imóvel não georreferenciado após o término do prazo de carencial. Mas há que se investigar qual o embasamento jurídico para justificar essa imposição numa instrução normativa, haja vista que apenas lei em sentido estrito tem o condão de criar obrigações.

Voltando ao texto do item nº 5, encontramos: “com a finalidade de lavrar a escritura na forma prevista no § 6º do artigo 22, da Lei nº 4.947/66, com a nova redação dada pela Lei nº 10.267/01…”

O §6º do artigo 22 da Lei nº 4.947/66 traz o seguinte:

§ 6º - Além dos requisitos previstos no artigo 134 do Código Civil e na Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, os serviços notariais são obrigados a mencionar nas escrituras os seguintes dados do CCIR:

I - código do imóvel;

II - nome do detentor;

III - nacionalidade do detentor;

IV - denominação do imóvel;

V - localização do imóvel.

Esse dispositivo legal também nada tratou da obrigatoriedade do georreferenciamento para a lavratura das escrituras públicas. Mas fez menção a dois outros diplomas legais, o Código Civil, de 1916, e a Lei nº 7.433, de 1985.

O artigo 134 da código anterior equivale ao artigo 215 do atual Código Civil, que, ao tratar da prova, estabeleceu regras gerais para a lavratura de instrumentos públicos. Por seu turno, a Lei nº 7.433, de 1985, e seu decreto regulamentador nº 93.240, de 1986, cuidam das regras específicas para a lavratura de escrituras públicas. Em todos esses diplomas legais, nada foi encontrado sobre o georreferenciamento.

Ou seja, teria o item nº 5 do roteiro extrapolado a legislação ao prever a obrigação de os interessados apresentarem ao tabelião “o memorial descritivo da área objeto da transação” e a “certificação expedida pelo Incra” ? Depende da interpretação a ser dada a esse item do roteiro de troca de informações.

Não há lei que exija o prévio georreferenciamento do imóvel para a lavratura de escritura pública. As hipóteses geradoras da obrigação de georreferenciar são apenas aquelas previstas nos artigos 176 e 225 da LRP, ou seja, atos registrais (e não notariais) que acarretem desmembramento, parcelamento, remembramento e transferência voluntária (além do registro resultante de ações judiciais cujo objeto seja o imóvel rural).

Na verdade, a instrução normativa não extrapolou sua competência. Uma leitura mais atenta e menos preconceituosa é suficiente para verificar que o item nº 5 não diz ser obrigação do tabelião exigir memorial e certificação para lavrar escrituras, mas trata apenas do roteiro do programa do georreferenciamento, em que o interessado (que já efetuou os trabalhos técnicos de acordo com a novel legislação) deverá comparecer ao tabelionato com o memorial descritivo georreferenciado e a devida certificação expedida pelo Incra. Ou seja, o roteiro diz apenas como deve ser efetuada a escritura se o imóvel estiver georreferenciado, não cabendo ali tratar de outras hipóteses pois não seriam integrantes do dito roteiro.

Superada essa questão jurídica, deve-se também analisar o caso sob a ótica social, econômica e da segurança jurídica, uma vez que tais escrituras, se elaboradas, não terão acesso ao fólio real antes do cumprimento integral das regras do georreferenciamento.

Não é a proibição do registro ou da escritura pública que irá impedir as negociações imobiliárias. Poderá prejudicar o mercado, influenciar em seus preços, mas as negociações ocorrerão, pois as necessidades existem independentemente da vontade do legislador.

Entre a elaboração de contratos particulares de gaveta, cuja negociação fica adstrita às partes, longe das estatísticas e fora do controle tributário dos governos, e uma escritura pública, cujo ato negocial é comunicado à Receita Federal e cujos tributos são integralmente fiscalizados, não há dúvida de que o instrumento público traz maior segurança jurídica aos contratantes, ao Estado e à própria comunidade.

Como não há qualquer diploma legal que exija a descrição georreferenciada para a elaboração da escritura pública, esta torna-se um ato jurídico perfeito quando de sua lavratura, não necessitando de novo instrumento de re-ratificação quando da retificação da descrição do imóvel para sua adaptação às regras do georreferenciamento.

Entretanto, como o tabelião é um profissional do direito que tem por obrigação orientar as partes contratantes, convém que, no corpo da escritura, conste expressamente a declaração de que “as partes contratantes foram orientadas pelo tabelião e declaram conhecer o inteiro teor do Decreto nº 4.449/2002, especialmente do artigo 10, § 2°, que impõe o dever de apresentar a documentação georreferenciada por ocasião do registro desta escritura”.

O Dr. João Pedro Lamana Paiva, Vice-Presidente do Irib no Rio Grande do Sul, entende o seguinte:

“ Com referencia à possibilidade da lavratura de escritura pública de imóvel não georreferenciado, nós devemos ter muita cautela, tanto registradores quanto notários, pois o artigo 16 do decreto se refere apenas às escrituras anteriores à Lei nº 10.267 e a instrução normativa nº 12 estabelece a necessidade da apresentação da certificação do Incra para a lavratura da escritura. Mas, por outro lado, todos os demais diplomas legais, Código Civil, Lei das Escrituras, nada prevêem sobre essa obrigatoriedade. Portanto, nós do Irib preferimos que o negócio jurídico entre na formalidade, lavrando-se o ato notarial, pois não haverá prejuízo a ninguém, havendo uma maior segurança jurídica a todos, pois certidões serão apresentadas e todos os tributos serão recolhidos. Após a certificação do Incra, essa escritura estaria apta a ingressar no registro imobiliário, e não cairia na informalidade como os contratos particulares causando prejuízo a todos.

Pelo exposto, conclui-se pela possibilidade de lavratura de escritura pública para a alienação de imóveis rurais sem o georreferenciamento, mesmo após os prazos carenciais, não necessitand



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