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    Acórdão CSM/SP
    Fonte: 46.730-0/8
    Julgamento: 05/11/1998 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 02/02/1999
    Estado: São Paulo | Cidade: Campinas (1º SRI)
    Relator: Sérgio Augusto Nigro Conceição
    Legislação: Art. 28, § 5º da Lei nº 8.078/90; art. 43, inc. III, da Lei nº 4.591/64; entre outras.

    Ementa:

    Registro de Imóveis - Dúvida - Hipoteca judiciária - Mandado judicial de hipoteca judiciária sobre imóveis pertencentes aos sócios da pessoa jurídica vencida na ação - Ausência de pronunciamento judicial impondo aos sócios a responsabilidade pela satisfação da obrigação da sociedade - Inadmissibilidade da personalidade jurídica ser desconsiderada em procedimento administrativo - Ofensa ao princípio registrário da continuidade - Recurso improvido.

    Íntegra:

    ACÓRDÃO

    EMENTA: Registro de Imóveis - Dúvida - Hipoteca judiciária - Mandado judicial de hipoteca judiciária sobre imóveis pertencentes aos sócios da pessoa jurídica vencida na ação - Ausência de pronunciamento judicial impondo aos sócios a responsabilidade pela satisfação da obrigação da sociedade - Inadmissibilidade da personalidade jurídica ser desconsiderada em procedimento administrativo - Ofensa ao princípio registrário da continuidade - Recurso improvido. 

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 46.730-0/8, da Comarca de CAMPINAS, em que são apelantes LUIZ ALVES DE MATOS e sua mulher e apelado o DELEGADO DO 1º REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS local. 

    ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso. 

    Apelam (f. 124/129) Luiz Alves de Matos e sua mulher da sentença (f. 121/122) que acolheu recusa do oficial em registrar mandado judicial relativo à hipoteca judiciária que recaiu sobre imóveis pertencentes aos sócios da pessoa jurídica, ré, vencida em primeira instância. 

    Alegam, em suma, inexistência de ofensa ao princípio registrário da continuidade porque concedida expressamente a hipoteca judiciária sobre os bens dos sócios da pessoa jurídica ré, já concordatária, cuja personalidade jurídica há de ser desconsiderada em razão da alienação de seu patrimônio a terceiros, entre eles seus sócios, o que, aliás, já foi, com fulcro no art. 28 e seu § 5º da Lei nº 8.078/90, decidido no processo jurisdicional. 

    Regularmente processado o recurso, posicionou-se a Procuradoria Geral de Justiça pelo improvimento do recurso (f. 139/142). 

    É o relatório.

    Os ora recorrentes obtiveram sentença que condenou BHM - Empreendimentos e Construções S./A. "a cumprir efetiva e integralmente os termos do contrato que firmou com os autores, entregando-lhes a unidade habitacional adquirida e o restante do empreendimento imobiliário no prazo que foi ajustado, qual seja, até 30 de novembro de 1997, sob pena de, não o fazendo no tempo e na forma devidos, ficar o contrato celebrado desde logo rescindido de pleno direito, impondo-se à ré a obrigação de devolver aos autores a totalidade dos valores que lhe foram pagos por estes últimos, com acréscimo dos encargos contratuais pactuados, e ainda de correção monetária, a contar da data da citação" (f. 94/95). 

    Prolatada a sentença, pendente de julgamento a apelação apresentada pela ré, os autores, ora recorrentes, alegando o estado de insolvência da devedora, que teve seu pedido de concordata preventiva deferido judicialmente, postularam a hipoteca judiciária sobre imóveis pertencentes a sócios da devedora, invocando como fundamento legal da postulação o art. 43, inc. III, da Lei nº 4.591/64. 

    Sobreveio, então, despacho que deferiu tal pedido "se em termos" (f. 77), expedindo-se, em seguida, mandado de registro de hipoteca judicial determinando que se "proceda com as formalidades legais ao registro da sentença, cuja cópia segue em anexo...", nas matrículas imobiliárias nele identificadas. 

    Tal mandado, conquanto redigido com descuido à linguagem técnica, revela por sua denominação o ato registrário a ser praticado, a saber, hipoteca judicial sobre os imóveis nele elencados. 

    Todavia, não houve, ao contrário do que sustentam os recorrentes, decisão judicial expressa deferindo a hipoteca dos bens imóveis pertencentes aos sócios da ré, não se qualificando como tal o despacho, sem qualquer carga decisória, que condicionou o deferimento de pedido nesse sentido se estivesse em termos a postulação. 

    Não se olvida que, nos termos da legislação substantiva, o administrador das sociedades anônimas, torna-se pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade em virtude de ato irregular de gestão, elencados no art. 158 e seus parágrafos da Lei nº 6.404/76, que o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando: (a) em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, (b) houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração ou (c) sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, "ex vi" do art. 28 e seu § 5º da Lei nº 8.078/90. 

    O procedimento de dúvida, que tem natureza administrativa, não se presta, porém, ao debate e à solução de controvérsia relativa à ocorrência de alguma hipótese autorizadora da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa moral, matéria própria a ser discutida e decidida em processo jurisdicional. 

    Exige-se, apenas, nesse caso e em outras hipóteses similares como a de registro de penhora sobre bem alienado em fraude em execução, se assente o mandado judicial apresentado para ingresso na tábua registral em expresso comando jurisdicional que tenha desconsiderado a personalidade da pessoa jurídica ou reconhecido a alienação fraudulenta à execução, vedado, no procedimento de dúvida, ao registrador, questionar o acerto da matéria soberanamente decidida no âmbito jurisdicional. 

    Vários precedentes deste E. Conselho Superior da Magistratura já firmaram tal entendimento. Assim, na Ap. Cív. 34.336-0/7, da Comarca de Limeira, esse E. Conselho, então composto pelos ilustres Desembargadores Yussef Said Cahali, Dirceu de Mello e Márcio Martins Bonilha, então Presidente do Tribunal de Justiça, Primeiro Vice-Presidente e Corregedor Geral da Justiça, respectivamente, apreciando questão atinente a registro de mandado de arresto sobre imóvel não mais pertencente à requerida no feito cautelar, decidiu que: 

    "O dissenso diz respeito à quebra do princípio da continuidade, porque o imóvel objeto da constrição se encontra registrado em nome de terceiros, que não a pessoa jurídica ré do processo cautelar. 

    É cediço que a origem judicial dos títulos não os isenta do ônus de satisfazer os requisitos registrários. Como tantas vezes já decidido por este Conselho Superior da Magistratura, cumpre novamente ressaltar que o fato de se tratar de título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas a apreciação das formalidades extrínsecas da origem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, Forense, pág. 249). 

    "O clássico Serpa Lopes observa que "se o oficial não pode ingressar na análise dos fundamentos das decisões judiciárias, por outro lado estas não podem compelir a que se torne efetiva a inscrição de título não subordinados à inscrição, ou que contenham defeitos em antinomia à inscrição" (Tratado dos Registros Públicos, Edição 1960, vol. II, pág. 355). 

    "Não se discute, como bem posto na decisão atacada, que ao Juiz compete, com exclusividade, fixar o sujeito passivo e o alcance da execução ou arresto de bens. 

    "Em caso semelhante ao ora em comento, deixou assentado este Conselho Superior da Magistratura ser inteiramente estranha à esfera de atribuições do registrador, ou do Juízo administrativo da Corregedoria Permanente, a questão concernente a se saber se foi - ou não - devida a extensão dos efeitos da execução à pessoa que é mencionada no título. É-lhe, ademais, defesa a indagação, sob pena de intromissão indevida na órbita soberana da atuação jurisdicional (Apelação Cível nº 12.807-0/6, de Limeira, Rel. Des. Onei Raphael). 

    "Exige-se, apenas e tão somente, decisão expressa do Juízo da execução, ou do processo cautelar, estendendo seus efeitos a terceiros com responsabilidade patrimonial, que não o devedor obrigado. Havendo tal decisão, cuja correção não cabe ao registrador discutir, colmatada estará lacuna existente entre o título e o registrado, assim como preservado restará o princípio da continuidade. (...) 

    "Não se exige, em consonância com doutrina e jurisprudência majoritárias, o ajuizamento de ação específica para declaração de ineficácia da alienação, ou extensão da responsabilidade a bens de terceiros, que podem assim, ser reconhecidos nos próprios processos cautelar ou de execução (RT 697/82, RJTJESP 88/283, 139/75). 

    "Isso, porém, não quer dizer possam ser arrestados ou penhorados indiscriminadamente bens de terceiros, cuja responsabilidade patrimonial secundária está subordinada a prévia decisão, ainda que incidente, nos autos dos processos cautelar ou de execução. 

    "Admitir o ingresso do mandado de arresto diretamente no registro sem prévia decisão judicial reconhecendo a extensão da responsabilidade a terceiros, significaria conferir ao registrador a atribuição de delinear os limites da sujeição passiva da medida cautelar, em manifesta e indevida invasão de matéria típica da seara jurisdicional. (...) 

    "Em resumo, no caso em comento, a inexistência de decisão judicial reconhecendo a responsabilidade de terceiros inviabiliza o registro do mandado." 

    Outra não foi a posição esposada por este E. Conselho Superior da Magistratura, então composto pelos cultos Desembargadores supra mencionados, no julgamento das Apelações Cíveis nºs. 33.110-0/9, 33.111-0/3 e 33.474-0/9, todas da Comarca de Limeira. 

    No caso "sub judice", o despacho proferido no requerimento de hipoteca judicial sobre os bens pessoais dos sócios da ré, ao deferí-lo "se em termos", não contém qualquer carga decisória pois deixou o magistrado de apreciar se tal postulação estava ou não em termos, ou seja, se ocorria uma das hipóteses ensejadoras da responsabilidade pessoal dos administradores da ré ou da desconsideração de sua personalidade jurídica, omissão que, nesta esfera administrativa, não pode ser suprida. 

    Incabível, outrossim, vislumbrar na subscrição do mandado de hipoteca judiciária pelo magistrado decisão jurisdicional expressa relativa à desconsideração da personalidade da pessoa jurídica executada, necessária para estender a responsabilidade patrimonial aos bens dos sócios da devedora, e nem se qualifica como tal decisão a ocasional menção na motivação da sentença ao art. 43, inc. III, da Lei nº 4.591/64. 

    Inexistindo, assim, decisão expressa sobre a responsabilidade pessoal dos sócios pela satisfação das obrigações da sociedade reconhecidas na sentença, o mandado de hipoteca judicial sobre os bens daqueles não poderá ingressar no fólio real sob pena de afronta ao princípio da continuidade. 

    Diante do exposto, negam provimento ao recurso

    Participou do julgamento, com voto vencedor, o Desembargador DIRCEU DE MELLO, Presidente do Tribunal de Justiça. Vencido o Desembargador AMADOR DA CUNHA BUENO NETTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, com declaração de voto. 

    São Paulo, 05 de novembro de 1998. 

    (a) SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, Corregedor Geral da Justiça e Relator

    DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO 

    Vistos, 

    Luís Alves de Matos e sua mulher Patrícia Sabino de Matos moveram ação ordinária de revisão e rescisão contratual contra BHM - Empreendimentos e Construções S.A., alegando que adquiriram uma unidade imobiliária designada pelo nº 52/62 do Bloco "F", com quatro vagas na garagem, do empreendimento imobiliário denominado "Bougainville Fase II", pelo preço de R$ 546.110,00. Após terem pago quase 50% do valor, perceberam que a construção não tinha prosseguimento e, em seguida, constataram que a empresa formulara pedido de concordata preventiva perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Campinas. Desobrigados, pois, de continuar pagando e desejando receber de volta o que já haviam satisfeito, terminaram vencendo a disputa travada. O MM. Juiz da 7ª Vara Cível de Campinas condenou a empresa a entregar-lhes a unidade habitacional ou seu valor em dinheiro devidamente atualizado (fls. 13/18). 

    Enquanto pendentes recurso de apelação da ré, os autores requereram ao Juízo a inscrição de hipoteca judicial no tocante aos imóveis que perteciam à BHM e foram transferidos aos seus sócios. O Oficial do 1º Registro de Imóvel de Campinas, alegando ofensa ao princípio da continuidade, por ser incabível a anotação de hipoteca no registro imobiliário de terceiros que não participaram da ação original, recusou-se a proceder ao determinado, levantando dúvida (fls. 2/11). O MM. Juiz Corregedor Permanente julgou procedente a dúvida, para que a inscrição não fosse realizada. Fundamentou a decisão na impossibilidade de inscrição de hipoteca judiciária sobre bens pertencentes a terceiros em relação ao processo no qual foi determinada. Haveria, no seu entender, quebra do princípio da continuidade, além do que não há, nos autos, qualquer notícia de que a empresa BHM tenha falido. Por outro lado, inaplicável o art. 28 do CDC, com a desconsideração da pessoa jurídica, por não ter havido prévia decisão judicial a respeito(fls. 121/122). 

    Os autores da ação ordinária, insatisfeitos, apelaram, afirmando que, ao ingressarem com a ação, já haviam pago 45% do imóvel e a empresa começou a transferir os bens de seu nome para os dos sócios. Patente ficou a situação de enfraquecimento dos apelantes diante da conduta da ré, naquela demanda, em oposição ao preceituado no Código de Defesa do Consumidor. Argumentam que o fim do processo é "fazer justiça", de modo que a inscrição das hipotecas tem por finalidade garantir um futuro triunfo na ação principal. Requerem a anotação, desconsiderando-se a personalidade jurídica, o que é autorizado, expressamente, pelo CDC (fls. 124/129). 

    O Ministério Público de 1º grau apresentou parecer contrário ao pedido dos apelantes (fls. 132/134). No mesmo sentido manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 139/142). 

    É o relatório do necessário. 

    A função do processo, de fato, é realizar Justiça e não simplesmente coordenar atos encadeados e uniformes, dentro de regras preestabelecidas, que valham por si mesmas, sem qualquer finalidade útil. O mesmo se diga das demais normas de direito material. É preciso harmonizá-las para atender ao escopo do legislador e, em última análise, dos destinatários da norma, que são os membros da sociedade. 

    Após a edição do Código de Defesa do consumidor ficou bem clara a intenção legislativa de fortalecimento da parte mais fraca na relação contratual, que é o consumidor em face da empresa. No caso presente, está evidente o desequilíbrio entre as partes contratantes, pois a empresa BHM recebeu 45% do valor de um imóvel de mais de R$ 500.000,00 e não entregou a unidade, nem devolveu o montante pago. Aliás, ao invés de fazê-lo, preferiu ingressar com concordata preventiva, bem como passou a transferir bens da empresa para os nomes dos seus sócios. Sabia, portanto, que não honraria seus compromissos e que os autores, ora apelantes, já lhe haviam entregue quase 50% do valor do imóvel adquirido. Nesse caso, a existência e o reconhecimento da personalidade jurídica só prejudica os consumidores, fazendo com que fiquem sem qualquer proteção do Judiciário. 

    O art. 28 do Código de Defesa do Consumidor expressamente estipula que "o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração." E mais: "§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores". 

    Está, pois, patente a intenção do legislador de, em caso de insolvência ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração ou em qualquer caso, cuja personalidade seja um obstáculo ao ressarcimento dos consumidores, seja referida personalidade jurídica desconsiderada. Lei mais antiga, mas já prevendo problemas semelhantes ao apresentado pelos apelantes - Lei nº 4.591/64 - preceitua no art. 43, III, que, em caso de falência do incorporador, os bens pessoais deste respondem subsidiariamente pelas dívidas. 

    Ora, o ordenamento jurídico, coeso e uniforme, está a evidenciar o direito dos apelantes de obter o ressarcimento do seu patente prejuízo. O próprio Juízo Corregedor Permanente, que deliberou a respeito da dúvida levantada, reconheceu que seria possível desconsiderar a pessoa jurídica, para salvaguardar direito do consumidor, mas tal situação não seria acolhida porque não teria havido "prévia decisão judicial" a esse respeito, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa. É preciso frisar que o devido processo legal é garantia fundamental do homem e não existe para proteger quem age de má-fé, nem se vale do volume excessivo de normas que regem o Direito pátrio, prejudicando terceiros. Além do mais, houve, sim, decisão judicial a respeito da desconsideração da personalidade jurídica. Embora não se possa extrair de ambas o modelo ideal de decisão judicial, fundamentada, clara e minuciosa, o MM. Juiz da 7ª Vara Cível de Campinas, sustentando a procedência da ação ordinária original , mencionou o art. 43, III, da Lei nº 4.591/64, pretendendo evidenciar que os bens particulares do incorporador respondem por suas dívidas. De outra parte, ao deferir o pedido de anotação no registro dos imóveis transferidos indevidamente do patrimônio da empresa-ré para o dos sócios, também emitiu um juízo de valor, aceitando todos os argumentos expostos pelos apelantes, no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica da incorporadora. Deveria ter sido mais preciso nas suas decisões, mas essa situação, gerada por órgão do Poder Judiciário, não pode prejudicar os apelantes. 

    Se eles efetivamente pagaram quase 50% do imóvel que lhes fora prometido, não receberam a unidade, venceram a demanda contra a empresa BHM, não lhes pode se negada as anotações das hipotecas judiciais, a pretexto de "ofender o princípio da continuidade", pois esse princípio tem sua existência fundamentada na boa-fé e no bom Direito, não em atos ilícitos, geradores de fraude. 

    A empresa não deveria ter transmitido, a qualquer título, bens de sua propriedade a terceiros, quando percebeu seu estado de insolvência. E pior: não deveria ter transmitido os bens aos seus próprios sócios, demonstrando intenção de não satisfazer suas dívidas. 

    Logo, não se trata de anotar uma hipoteca no registro de proprietários de boa-fé, que não participaram da ação original, nem mesmo sabendo a origem desse direito real. Os atuais proprietários dos imóveis em questão são sócios da pessoa jurídica e, por conseqüência, tinham ciência não somente do estado de insolvência, mas da lesão aos consumidores, justificadora da transferência dos bens para o seu nome. Desconsiderando-se a personalidade jurídica, fica evidenciado que não se está afetando o princípio da continuidade, mas somente reiterando o propósito do legislador de resguardar os direitos do consumidor, acima de qualquer outro. 

    Ante o exposto, o meu voto é pelo provimento do apelo, determinando-se a inscrição da hipoteca judiciária, tal como requerido pelos apelantes e deferido pelo juízo da 7ª Vara Cível de Campinas. 

    São Paulo, 05 de novembro de 1998. 

    (a) AMADOR DA CUNHA BUENO NETTO, Desembargador Revisor 

    DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR 

    Vistos, 

    Adotado o relatório do Senhor Desembargador Relator, e sem embargo do respeitável posicionamento do Senhor Desembargador Vice-Presidente, voto, também, pelo desacolhimento do reclamo. 

    O raciocínio desenvolvido pelo Senhor Desembargador Vice-Presidente não merece qualquer reparo. A L.Fed. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, efetivamente prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade, nas hipóteses que elenca, tudo com o fim de coibir os abusos que se verificavam - e ainda se verificam - nas relações de consumo. 

    Ocorre, apenas, que este procedimento administrativo de dúvida não é o foro adequado para aplicação do disposto pelo artigo 28, da citada L.Fed. 8.078/90. 

    Como bem sublinhou o Senhor Desembargador Relator, não houve, ao contrário do que sustentam os recorrentes, decisão judicial expressa deferindo a hipoteca dos bens imóveis pertencentes aos sócios da ré, não se qualificando como tal o despacho, sem qualquer carga decisória, que condicionou o deferimento de pedido nesse sentido se estivesse em termos a postulação. 

    A propósito, se decisão expressa nesse sentido houvesse, por certo que sequer teria sido levantada a dúvida ora sob exame. Diante então da ausência de deliberação a respeito, não estava mesmo o Delegado da Serventia Predial autorizado a proceder à inscrição da hipoteca pretendida. Porque isso implicaria, induvidosamente, na quebra do princípio da continuidade dos registros públicos. Daí a procedência da dúvida que se suscitou. 

    Ressalve-se, expressamente, que não se quer com isso dizer que os apelantes encontram-se desprovidos de mecanismo jurídico para garantirem a execução da sentença que lhes foi favorável, ainda pendente de recurso. Há providência jurisdicional que pode lhes assegurar a pretensão. A questão - como já anotado no início - é que este procedimento não comporta, por sua própria natureza, qualquer discussão que extrapole o seu estreito âmbito administrativo. Por isso, desmerece acolhida a irresignação. 

    São Paulo, 05 de novembro de 1998. 

    (a) DIRCEU DE MELLO, Presidente do Tribunal de Justiça

    (D.O.E. de 02.02.1999)

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