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    Acórdão CSM/SP
    Fonte: 43.296-0/4
    Julgamento: 05/06/1998 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 03/08/1998
    Estado: São Paulo | Cidade: Monte Aprazível
    Relator: Sérgio Augusto Nigro Conceição
    Legislação: Arts. 592, inciso V, e 593, do Código de Processo Civil.

    Ementa:

    Registro de Imóveis - Dúvida - Ingresso de carta de adjudicação Qualificação registrária - Fraude à execução reconhecida ineficácia de oneração ou alienação - Possibilidade de recepção do título judicial - Recurso provido.

    Íntegra:

    ACÓRDÃO

    EMENTA: Registro de Imóveis - Dúvida - Ingresso de carta de adjudicação - Qualificação registrária - Fraude à execução reconhecida ineficácia de oneração ou alienação - Possibilidade de recepção do título judicial - Recurso provido.

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N. 43.296-0/4, da Comarca de MONTE APRAZÍVEL, em que é apelante PECUÁRIA DAMHA LTDA. (repda. p/s/Sócio Gerente Mário Lúcio Eugênio Damha) e apelado o OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS da Comarca.

    ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso.

    Trata-se de recurso interposto por Pecuária Damha Ltda. contra a r. decisão de primeiro grau, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo oficial do serviço de registro de imóveis e anexos da Comarca de Monte Aprazível, inadmitindo o registro de carta de adjudicação expedida nos autos de execução, processo n. 1.862/88, da 2ª Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto, por divergência entre a descrição constante do título apresentado, relativa à arrematação da metade ideal da integralidade do imóvel, e a descrição tabular atual, expressa na averbação n. 15 da matrícula n. 4.404 e resultante do registro da alienação de parte certa do imóvel, por ofensa aos princípios da continuidade e da especialidade.

    Sustentou a recorrente o provimento do recurso, com a reforma da r. decisão recorrida, afirmando a regularidade do título judicial levado a registro e a existência, no remanescente em nome do executado, de disponibilidade física para o ingresso da metade ideal arrematada. Sustenta, ainda, a ineficácia da alienação parcial do bem penhorado frente à arrematação, pois efetivada em fraude de execução já reconhecida judicialmente, razão pela qual não pode se constituir em óbice ao pretendido registro.

    Contra-razões e parecer da Douta Procuradoria Geral da Justiça, pelo improvimento do recurso.

    É o relatório.

    São duas as questões a serem apreciadas no presente caso, a primeira referente aos efeitos do reconhecimento judicial da ocorrência de fraude à execução e a segunda relativa à necessidade ou não de prévio cancelamento dos registros decorrentes da alienação para assegurar o respeito ao princípio da continuidade registrária.

    A matéria tem sido objeto de inúmeras decisões deste Colendo Conselho Superior da Magistratura e da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, e a orientação atual é no sentido da ineficácia da alienação ou oneração em face do processo de execução, bastando o reconhecimento judicial da ocorrência de fraude de execução para o ingresso do título, não sendo necessário o prévio cancelamento dos registros anteriores. Ilustrativo para demonstrar a evolução desse entendimento o v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n. 24.744-0, da Comarca de São Roque, relatado pelo Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, nos seguintes termos:

    "Volta novamente à discussão a tormentosa questão da penhora de bens de terceiro. Nos casos de mandado de registro da penhora ou do arresto, em havendo reconhecimento judicial da ineficácia da alienação feita em fraude à execução, fértil é a controvérsia e, ao longo dos anos, o Colendo Conselho Superior da Magistratura e a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça têm perfilhado diferentes orientações a respeito da matéria: a) necessidade apenas de ordem do juízo da execução e independentemente de reconhecimento de fraude; b) reconhecimento da fraude à execução; c) reconhecimento da fraude e cancelamento do registro do negócio tido como ineficaz, ainda que não determinada a última providência; d) reconhecimento da fraude à execução e cancelamento do registro da alienação ineficaz só por ordem judicial.

    A doutrina e a jurisprudência, a propósito da aplicabilidade dos artigos 592, inciso V, e 593, do Código de Processo Civil, são unânimes em afirmar que a alienação de bem imóvel em fraus executionis não é nula ou anulável, mas tão-somente ineficaz em relação ao exeqüente, ou seja, como destaca o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira "não há indisponibilidade do bem sujeito à fraude de execução. A alienação ou oneração do bem em fraude de execução não é inexistente, nula ou anulável, mas ineficaz, isto é, embora válida entre alienante e adquirente, ou beneficiário, não produz efeitos em relação ao credor, sequer exigindo a prova do consilium fraudis, haja vista que a fraude está in re ipsa. Não obstante a disponibilidade, porém sujeita-se o bem alienado à execução" (cf. "Fraude de Execução", in "RT", vol. 609/7-14). No mesmo sentido são as lições de JOSÉ DA SILVA PACHECO (cf. "Tratado das Execuções", vol. 2/490), HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (cf. "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. IV/209), RONALDO BRETAS DE CARVALHO FILHO ("Da Fraude à Execução", in "RF", vol. 290/67-80), VICENTE GREGO FILHO (apud "Direito Processual Civil Brasileiro", vol. 3/42), PEDRO DOS SANTOS BARCELOS ("Fraude de Execução", in "RT", vol. 654/43-51).

    O bem continua de propriedade de terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito ou de situação denominada por CELSO ALVES de insensibilidade processual, em face de atos não processuais, que só fora do processo são eficazes e atuam.

    O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 96.365-1, Goiás, em voto do Ministério Rafael Mayer, deixou assentado que, "mesmo admitindo que a penhora não retira do executado a disponibilidade do bem, pacífico é o entendimento de que a sua alienação, ainda que produza efeitos entre alienante e adquirente, nenhuma eficácia tem com relação ao exeqüente, prosseguindo a execução sobre ele, como se não houvesse alienação".

    Salta evidente que se cuida de hipótese que PONTES DE MIRANDA denomina de ineficácia relativa, que ocorre "quando o negócio jurídico é ineficaz para um, ou para algumas pessoas, e eficaz para outra, ou para outras" (cf. "Tratado de Direito Privado", t.V/73). Assim, a ineficácia da alienação de bens em fraude de execução só se dá com referência ao credor, devedor e adquirente, permanecendo válida a venda ou oneração do bem com referência a terceiros não envolvidos no negócio jurídico ou no processo em questão. Tanto é assim que, se ocorrer transação entre as partes do processo, válido e eficaz é o negócio realizado entre devedor e adquirente. A execução só ocorre com uma determinada demanda e não interessa se outras estão ou serão ajuizadas, ou seja, consoante lição sempre citada de LIEBMAN a venda de bem penhorado é ineficaz por força de vinculação dele ao processo executivo, a não ser que o ato superveniente, desfazendo a penhora, convalide aquele negócio jurídico."

    A partir deste precedente uniformizou-se a orientação deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, como expresso no v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n. 33,111-0/3, da Comarca de Limeira, relatado pelo Desembargador Márcio Martins Bonilha:

    "Na esteira de recente precedente deste Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível n. 21.506-0/3 de Atibaia, Rel. Des. Alves Braga), em orientação que merece ser mantida, cumpre frisar que, após reconhecimento por decisão judicial da fraude de execução possível será o registro da penhora, sem vulneração ao princípio da continuidade.

    Isso porque a alienação ou oneração de bens em fraude de execução, realizados pelo obrigado, se ostentam ineficazes (Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, Ed. RT, 3ª Edição, pág. 327; Cândido Rangel Dinamarco, Execução Civil, 2ª Edição RT, 1987, pág. 136; Alcides de Mendonça Lima, Comentários ao Código de Processo Civil, 5ª Edição, Forense, pág. 387).

    Não haverá, por conseqüência, necessidade de cancelamento do registro de eventual alienação fraudulenta. O negócio é valido, mas ineficaz. Não se pode equiparar a invalidade do ato jurídico com a sua ineficácia, institutos que se situam em planos diversos, gerando efeitos inconfundíveis (Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico, Editora Saraiva, pág. 72).

    É tema absolutamente tranqüilo, como decidido em inúmeras oportunidades na esfera jurisdicional, à qual deve se afeiçoar o direito registrário, que a alienação ou oneração de bens em fraude de execução é ineficaz em relação ao exeqüente, embora válida quanto ao demais, razão porque não há necessidade de cancelamento do registro imobiliário (RT 60/117, 639/119, JTA 92/175; RSTJ 20/282).

    O negócio jurídico que frauda a execução gera plenos direitos entre adquirente e alienante. Apenas não pode ser oposto ao exeqüente. Assim, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido. O bem será de propriedade de terceiro, num autêntico exemplo de responsabilidade sem débito (Humberto Theodoro Júnior, Processo de Execução, 7ª Edição, Leud, 1987, pág. 155).

    Em suma, embora mantido o entendimento de que o registro do mandado de penhora de bem alienado em fraude de execução seja possível, sem vulneração ao princípio da continuidade, exige-se expressa a prévia decisão judicial reconhecendo a ineficácia do negócio.

    No mesmo sentido o decidido no v. acórdão proferido nos autos da Apelação Cível n. 33.807-0/0, da Comarca de Limeira, também relatado pelo Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos:

    "O dissenso diz respeito à quebra do princípio da continuidade, porque um dos imóveis objeto da constrição foi alienado e já se encontra registrado em nome de terceiros adquirentes.

    Bate-se o recorrente pelas teses de que não pode haver desqualificação administrativa de título judicial e que a alienação foi feita em fraude de execução, ou seja, ineficaz em relação ao exeqüente.

    Como tantas vezes já decidido por este Conselho Superior da Magistratura, cumpre novamente ressaltar que o fato de se tratar o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental (AFRÂNIO DE CARVALHO, Registro de Imóveis, Forense, pág. 249).

    No caso concreto, não houve, ou ao menos disso não há prova nos autos, qualquer decisão reconhecendo de modo expresso a ocorrência de fraude de execução e, por conseqüência, à ineficácia da alienação ou oneração de bens em relação ao exeqüente. Inexiste, por conseqüência, qualquer comando jurisdicional objeto de desqualificação pelo registrador, que se ateve, de modo correto, ao exame formal do título e de sua adequação aos princípios registrários.

    Não se exige, em consonância com doutrina e jurisprudência majoritárias, o ajuizamento de ação específica para declaração de ineficácia da alienação que pode, portanto, ser reconhecida no processo de execução (RT 697/82, RJTJESP 88/283, 139/75). Isso, porém, não quer dizer possam ser penhorados indiscriminadamente bens de terceiros, cuja responsabilidade patrimonial está subordinada a prévia decisão, ainda que incidente, reconhecendo a fraude de execução. A ausência de decisão judicial expressa sobre a ineficácia da alienação inviabiliza o almejado registro.

    No caso destes autos, no entanto, diversamente do mencionado nos precedentes transcritos, existe o prévio reconhecimento judicial de que ocorreu em fraude de execução a alienação de parte certa do imóvel que deu origem às averbações ns. 14 e 15 da matrícula n. 4.404 e à abertura da matrícula n. 12.296 do serviço de registro imobiliário da Comarca de Monte Aprazível, conforme decisão proferida nos autos do processo n. 1862/88 pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de São José do Rio Preto, datada de 22 de agosto de 1996 (fls. 105), o que viabiliza o ingresso do título, no qual consta a descrição do imóvel anterior ao destaque, dada sua ineficácia em face do processo de execução que deu origem à carta de arrematação.

    Por se revelarem, portanto, ineficazes em face da carta de arrematação em questão, tanto a Av. 14/4.404, que noticia a venda de parte certa do imóvel, quanto a Av. 15/4.404, que apresenta a nova descrição do remanescente, inexiste óbice ao ingresso do título no registro imobiliário. Inexiste, ainda, ofensa ao princípio da continuidade registrária, pois se refere à metade ideal do imóvel originariamente descrito na matrícula, inclusive porque as onerações e adjudicação posteriores, objeto dos registros de ns. R. 16/4.404, R. 17/4.404, R.18/4.404 e R. 19/4.404, tratam de partes ideais pouco significativas do imóvel, e não interferem na disponibilidade quantitativa.

    Mostra-se necessária, apenas, em razão do aqui decidido e da necessidade de que os interessados oportunamente busquem, nas vias adequadas, a regularização dos direitos incidentes sobre o imóvel, a averbação, na matrícula n. 12.296 do referido serviço imobiliário, da ineficácia das averbações que lhe deram origem, garantindo a publicidade dessa circunstância aos que adquiriram em reconhecida fraude de execução e a terceiros.

    Ante o exposto, conhecem do recurso e lhe dão provimento, para permitir o registro, nas condições expressas neste acórdão.

    Custas na forma da lei.

    Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores DIRCEU DE MELLO, Presidente do Tribunal de Justiça, e AMADOR DA CUNHA BUENO NETTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

    São Paulo, 05 de junho de 1998.

    (a) SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, Corregedor Geral da Justiça e Relator

    (D.O.E. de 03.08.1998)

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