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    Acórdão CSM/SP
    Fonte: 6.808-0
    Julgamento: 16/02/1987 | Aprovação: 09/03/1987 | Publicação: 15/04/1987
    Estado: São Paulo | Cidade: São Paulo (4º SRI)
    Relator: Sylvio do Amaral
    Legislação:

    Ementa:

    EMENTA NÃO OFICIAL: Enquanto estiver registrado em nome de terceiro, o imóvel a ele pertence e não pode, por isso, ser onerado com o registro de medida constritiva imposta ao proprietário anterior, de que adquiriu o imóvel.

    Íntegra:

    Apelação Cível nº 6.808-0 – Capital

    Apte: Banco América do Sul S/A

    Apdo: Sr. Oficial Substituto do 4° Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo

    Não se verga o Banco América do Sul a r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 4º Cartório local de Registro de Imóveis que, em procedimento de dúvida, denegou, com o argumento de maltrato da continuidade, registro de arresto de interesse do ora recorrente (fls. 27/29).

    Em apelação tempestiva, o interessado, com apoio em jurisprudência e doutrina, salienta que a fraude à execução, emergente na espécie e reconhecida incidenter tantum pelo Juízo da causa, não nulifica ou anula o ato alienatório inscrito mas apenas o torna relativamente ineficaz, motivo porque – conclui – não reclama imediata averbação do cancelamento do registro da aquisição, aquisição, admitindo-se a inscrição do arresto, postergando-se o tema do cancelamento para a oportunidade do registro de ulterior alienação judicial (fls. 32/37).

    As manifestações do Ministério Público, em ambas as instâncias, são pelo desprovimento do recurso (fls. 38-v/39 e 43/45).

    É o relatório do necessário.

    1. Ajuizou o ora recorrente ação de execução contra Abdallah Sleiman Helu e Karin Slelman El Helbu, arrestando-se parte ideal da unidade autônoma n° 84 do Edifício “Urussul” (fls. 11/12), objeto da matrícula n° 12.264 do 4° Cartório de Registro de Imóveis (fls. 4/6).

    Perseguindo a inscrição da medida constritiva, o interessado esbarrou em prévio registro de alienação do imóvel em favor de Paulo Roberto dos Santos e D. Sueli Neves dos Santos (r. 6/12.1264), alienação que – consoante r. despacho do MM. Juízo da causa (fl. 12, in fine) -, posterior ao ajuizamento da via satisfativa, parece ter sido fulminada por decreto de fraude à execução.

    Insistiu o ora recorrente em que se registrasse o arresto, invocando inúmeras decisões que se harmonizariam com sua pretensão (fl. 10), chegando a afirmar: “Pacífico é o entendimento de que é possível o registro de penhora/arresto de imóvel que não se encontre em nome do devedor, quando o juiz que determinou a constrição expressamente reconhece que a alienação do bem se deu em fraude de execução” (fl. 18, n° 5).

    O MM. Juízo da Primeira Vara de Registros Públicos, igualmente forte na jurisprudência, denegou a pretensão registrária, exigindo prévio cancelamento do registro da aquisição tida como fraudatória da via satisfativa (fls. 27/29).

    2. O confronto dos julgados referidos nos autos demonstra dissídio da jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura na questão sob exame.

    No julgamento do Agravo de Petição n° 239.927, de Campinas, em 4 de fevereiro de 1975, o Colendo Conselho, invocando lição de Serpa Lopes, afirmava que tranqüila era sua jurisprudência (Agravos de Petição n°s 189.389, 110.008 e 201.377), “no sentido de que ‘pode o Oficial suscitar dúvida’ se a inscrição (de penhora) judicialmente ordenada estiver em oposição com o direito do titular do imóvel” (Re. Des. Márcio Martins Ferreira). Não se versara, é certo, acerca do tema da fraude à execução já reconhecida pelo Juízo da causa, mas se admitira que a continuidade se estendia aos atos de constrição.

    Apoiado na distinção entre a atividade jurisdicional e a administrativa stricto sensu, ven. acórdão do mesmo Egrégio Conselho Superior da Magistratura paulista, sobre abdicar da subordinação registrária das medidas de constrangimento de bens ao princípio do trato sucessivo (Ap. Cív. n° 262851, Capital, 22-08-77, Des. Acácio Rebouças, apud Francisco de Paula Sena Rebouças, “Registros Públicos”, ed. 1978, págs. 188-191), mencionou, de passagem, a admissibilidade do registro de penhora na hipótese de fraude à execução.

    Nessa última direção, o Colendo Conselho insistia:

    “Não é empecilho ao registro a titularidade dominial em nome do terceiro, pois o registro da penhora não importa em cancelamento do domínio, mas sim na sujeição do bem penhorado aos efeitos da penhora (...)” (Processo G. 105.078, Capital, 08-02-84, Des. Batalha de Camargo).

    De caminho, entretanto, o tema fora dirimido de modo diverso pelo Egrégio Conselho, tal como, mencionadas na r. sentença, pode verificar-se nas Apelações Cíveis n°s 284.332 (Araraquara, 10-12-79, Des. Andrade Junqueira), 280.847 (Itapetininga, 29-06-79, mesmo Relator) – apud Narciso Orlandi Neto, “Registro de Imóveis”, ed. 1982, págs. 263.265 – 1.949-0 (Limeira, 04-04-83, Des. Affonso de André) e 3.067-0, (Capital, 24-01-84, mesmo relator).

    Muito embora a questão dos autos tenha sido retomada pelo Egrégio Conselho, após a decisão do mencionado Processo G. 105.078, no sentido da inadmissibilidade do registro de constrições em afronta da continuidade (v.g. Ap. Cív. n° 3.935-0, Guarulhos, 02-05-85, Des. Nogueira Garcez – invocada, aliás pelo suscitado, na menção da RJTJESP 95/531, em fl. 10, com patente equívoco quanto ao sentido), foi no julgamento da Apelação Cível n° 4.282-0, de Sorocaba, em 9 de setembro de 1985, que se tratou do tema com particular exame do dissídio. Decidiu, então, o Colendo Conselho:

    “... enquanto não ordenado o cancelamento do registro da alienação celebrada em fraude à execução, já reconhecida na espécie, não há como se pretender o registro da penhora efetuada” (Rel. Des. Nogueira Garcez).

    3. Resumem-se as posições ao longo do tempo adotadas quer pelo Egrégio Conselho Superior da Magistratura do Estado, quer pela Colenda Corregedoria Geral da Justiça, quer ainda pela Corregedoria Permanente dos Cartórios de Registro de Imóveis da Capital, a quatro espécies:

    a) registrabilidade da medida constritiva, tanto que ordenada pelo Juízo da execução e independentemente de reconhecimento da fraude;

    b) registrabilidade da medida de constrangimento de bens, desde que reconhecida, pelo Juízo da causa, a fraude à execução, sem cancelamento do registro da aquisição;

    c) inscritibilidade da constrição, reconhecida apenas a fraude pelo Juízo da causa, cancelando-se o registro da aquisição, ainda que sem ordem expressa do Juízo executivo;

    d) inscritibilidade da constrição, somente, quando ordenada expressamente, pelo Juízo da causa, a averbação cancelatória do registro da aquisição tida como em fraude à execução.

    A primeira das espécies (a, admitida, p.e., no julgamento da Ap. Cív. n° 262.851, cit.) importa em afastar a subordinação registrária dos atos constritivos ao princípio da continuidade. O Egrégio Conselho, contudo, de há muito abdicou desse entendimento, grifando que o trato sucessivo não se estende apenas aos atos translativos de domínio mas a todos os fatos inscritíveis (v.g. Ap. Cív. n° 3.633-0, Guarulhos, 03-12-84, Des. Nogueira Garcez; Ap. Cív. n° 3.935-0, Guarulhos, 02-05-85, mesmo Relator; Ap. Cív. n° 6.010-0, São Vicente, 11-07-86, Des. Sylvio do Amaral).

    A segunda das espécies (b, acolhida no Processo G. 105.078, cit.), embora limite a extensão do tema às hipóteses de expresso reconhecimento de fraude à execução, não elimina, no plano registral, a manifestação de afronta à continuidade, na medida em que se inscreve constrição referente a bem que, na tabula, seja da titularidade de terceiro. Bem por isso, o Colendo Conselho Superior de Magistratura do Estado já acentuou que a solução esposada no mencionado Processo G. 105.078 teve caráter excepcional (Ap. Cív. n° 4.282-0, cit.).

    A terceira das espécies (c, que chegou a admitir-se pela Corregedoria Permanente da Primeira Vara de Registros Públicos) reflete uma tentativa de superação do óbice registrário, com o entendimento de que o reconhecimento judicial da fraude à execução, desde que acompanhada da ordem de registro da medida constritiva, implicitaria ordenação de cancelamento do registro da aquisição tido como fraudatória da via satisfativa. Tratava-se, em verdade, de uma solução de emergência que, de um lado, procurava afeiçoar-se ao vem. entendimento do Processo G. 105.078, eliminando os resistentes obstáculos registrários, e, de outro, diminuir os riscos, então mais presentes, de que as decisões administrativas pudessem tomar-se acaso como revisões judiciais. Em contrapartida, assumida o Juízo administrativo risco maior, porquanto impunha, sem ordem emanada do Juízo competente, um cancelamento de típico matiz jurisdicional.

    A derradeira das espécies, perfilhada pelo Colendo Conselho no julgamento da Apelação Cível n° 4.282, cit., reflete a mais recente solução da matéria para o registro de medida constritiva, cabe a resguardo da continuidade, e não basta que na própria se reconheça fraudatória a aquisição inscrita, senão que se exige comando expresso de cancelamento do registro da alienação.

    4. Publicidade-notícia, sem eficácia ressonante no fato inscritível, o registro de arrestos, penhoras e seqüestros participa da relativa autonomia de eficácia que deve reconhecer-se no direito registral. A falta de inscrição não atinge a constitutividade do fato jurídico nem sua oponibilidade a terceiros, de sorte que os efeitos da fraude à execução, restritos que se entendam (consoante a doutrina e a jurisprudência dominantes mas não pacíficas) ao plano da ineficácia relativa, em nada repercutem na questão registrária: a continuidade é matéria intrínseca do sistema registral, ao passo que a apontada ineficácia não seria constituída, declarada ou modificada por sua eventual inscrição, efeito extrínseco ao registro e dele independente.

    A razão desse impedimento de maltrato da continuidade repousa na tradução técnico-registrária da legitimidade das alienações e onerações (isto é, limita-se a admissibilidade a registro aos fatos jurídicos em que o disponente do direito coincida com seu titular secundum tabulas; cfr. a propósito: Carlos Ferreira de Almeida, “Publicidade e Teoria dos Registros”, ed. 1996, pág. 233). Expressa-o Cano Tello de modo claro: “El fundamento del principio de tracto secesivo se encuentra em el conocido aforismo de que nadie puede transmitir más derechos los que tiene (nemo dat quod nom habet)” (“Iniciación al Estúdio Del Derecho Hipotecário”, ed. 1982, pág. 249).

    Por ser o registro imobiliário um sistema formal de garantias, deve afirmar-se a indeclinável exigência de observância da continuidade, pena de, sobre desdobra a qualificação administrativa os limites do princípio da legalidade a que subordinada, frustrar-se a teleologia registral, voltado às seguranças estática e dinâmica.

    Lacruz Berdejo, antes de acenar para uma duvidosa hipótese de exceção da continuidade (registro de alienação judicial em que os disponentes sejam herdeiros indeterminados de executado falecido), assevera, em lição aplicável ao direito brasileiro, que, a rigor, não há qualquer exceção substancial ao trato sucessivo registrário (“Lecciones de Derecho Inmobiliario Registral”, ed. 1959, pág. 386) e Rifa Soler, em obra específica sobre o tema (“La anotación preventiva de embargo”, ed. 1983, pág. 493), leciona que a afronta da continuidade representa “Vício insanável” para o registro da constrição. Nessa direção o entendimento de Serpa Lopes (“Tratado dos Registros Púbicos”, ed. 1960, vol. II, n° 344), de Afrânio de Carvalho (“Registro de Imóveis”, ed. 1977, pág. 299) e de Lysppo Garcia (citado e apoiado por Amaral Gurgel, “Registros Públicos”, ed. 1929, págs. 120-122).

    Nenhum reparo, pois, merece a fundamentada sentença do MM. Juízo Corregedor Permanente do 4º Cartório local de Registro de Imóveis, harmonizado com a doutrina registrária e com a mais recente orientação do Egrégio Conselho Superior da Magistratura de São Paulo.

    DO EXPOSTO, o parecer, sub censura, é pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a r. sentença de origem pelos seus jurídicos fundamentos.

    São Paulo, 16 de fevereiro de 1987.

    (a) Ricardo Henry Marques Dip - Juiz de Direito Corregedor

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL, n.° 6.808-0, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante BANCO AMÉRICA DO SUL S/A e apelado o SR. OFICIAL SUBSTITUTO DO 4° CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SÃO PAULO.

    ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento à apelação. Custas na forma da lei.

    A sentença decidiu de conformidade com a jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura, como fundamentadamente demonstre o parecer do M. Juiz Auxiliar da Corregedoria.

    Enquanto estiver registrado em nome de terceiro, o imóvel a ele pertence (art. 859 do Cód. Civil) e não pode, por isso, ser onerado com o registro de medida constritiva imposta ao proprietário anterior, de quem adquiriu o imóvel. O título do registro é inteiramente alheio à execução promovida contra o proprietário anterior e, assim, só com o cancelamento do registro da venda, fundado na afirmação de fraude à execução e determinado em processo de que participe o novo dono, será possível registrar-se a constrição lançada sobre o imóvel.

    Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência do Conselho, revendo orientação adotada expressa ou implicitamente em alguns julgados alguns julgados anteriores.

    Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MARCOS NOGUEIRA GARCEZ, Presidente do Tribunal de Justiça e MILTON EVARISTO DOS SANTOS, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

    São Paulo, 09 de março de 1987.

    (a) SYLVIO DO AMARAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

    (D.O.E. de 15.04.1987)

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