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    Acórdão STJ
    Fonte: 1.314.520
    Julgamento: 07/05/2015 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 14/05/2015
    Estado: São Paulo | Cidade:
    Relator: João Otávio de Noronha
    Legislação: Art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC e arts. 32, 37 e 39 da Lei nº 4.591/64.

    Ementa:

    PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO. EDIFICAÇÃO DE APARTAMENTOS EM CONDOMÍNIO. QUEBRA DO INCORPORADOR. ASSOCIAÇÃO FORMADA POR ADQUIRENTES DE UNIDADES AUTÔNOMAS PARA CONCLUSÃO DA OBRA. ERRO DE FATO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. 1. Nos termos do art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC, ocorre erro de fato quando, na sentença que se pretende rescindir, afirma-se fato inexistente ou nega-se fato que efetivamente existe. Para que o erro de fato viabilize a rescisão da coisa julgada material, deve ser relevante para o julgamento da questão, sendo apurável pelo simples exame do feito, e não ter havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato. 2. Há violação de lei na hipótese em que, ignorando os arts. 32, 37 e 39 da Lei n. 4.591/64, o incorporador imobiliário deixa de registrar hipoteca legalmente constituída sobre o terreno no qual está sendo edificado prédio de apartamentos, passando a negociar os imóveis sem cientificar os compradores do ônus que sobre eles pesa. A ofensa que autoriza a rescisão de julgado configura-se quando os compradores são obrigados por decisão judicial a honrar, em solidariedade com o incorporador, a obrigação por este assumida e gravada de garantia real, mas sem efeito erga omnes na época da realização da compra e venda. 3. Recurso especial conhecido e desprovido.

    Íntegra:

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.314.520 - SP (2012/0054670-9)

    RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

    RECORRENTE: ALVARO AFONSO TRUITE E OUTROS

    ADVOGADO: HENRIQUE FURQUIM PAIVA E OUTRO(S)

    RECORRIDO: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO NEGRO

    ADVOGADO: JOSINO FERNANDES DE SOUSA E OUTRO(S)

    EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CONSTRUÇÃO E INCORPORAÇÃO. EDIFICAÇÃO DE APARTAMENTOS EM CONDOMÍNIO. QUEBRA DO INCORPORADOR. ASSOCIAÇÃO FORMADA POR ADQUIRENTES DE UNIDADES AUTÔNOMAS PARA CONCLUSÃO DA OBRA. ERRO DE FATO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI.

    1. Nos termos do art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC, ocorre erro de fato quando, na sentença que se pretende rescindir, afirma-se fato inexistente ou nega-se fato que efetivamente existe.

    Para que o erro de fato viabilize a rescisão da coisa julgada material, deve ser relevante para o julgamento da questão, sendo apurável pelo simples exame do feito, e não ter havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato.

    2. Há violação de lei na hipótese em que, ignorando os arts. 32, 37 e 39 da Lei n. 4.591/64, o incorporador imobiliário deixa de registrar hipoteca legalmente constituída sobre o terreno no qual está sendo edificado prédio de apartamentos, passando a negociar os imóveis sem cientificar os compradores do ônus que sobre eles pesa.

    A ofensa que autoriza a rescisão de julgado configura-se quando os compradores são obrigados por decisão judicial a honrar, em solidariedade com o incorporador, a obrigação por este assumida e gravada de garantia real, mas sem efeito erga omnes na época da realização da compra e venda.

    3. Recurso especial conhecido e desprovido.     

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas,  acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Impedido o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

    Dr(a). HENRIQUE FURQUIM PAIVA, pela parte RECORRENTE: ALVARO AFONSO TRUITE

    Brasília (DF), 07 de maio de 2015 (Data do Julgamento)  

    MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Relator

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

    Os autos tratam de recurso especial interposto por Álvaro Afonso Truitte e outros contra acórdão que julgou procedente em parte a ação rescisória proposta pelo Condomínio Edifício Rio Negro.

    Consta dos autos que os ora recorrentes propuseram execução de obrigação de fazer em desfavor do Condomínio Edifício Rio Negro e da Construtora Lacerda Chaves.

    Em síntese, firmaram contrato de compra e venda de terrenos urbanos com a construtora, sobre os quais foi edificado um prédio de apartamentos. No contrato particular,  ficou consignado que a venda perfazia o valor de R$ 190.000,00, a qual os recorrentes quitaram. Mas, no mesmo ato, a construtora confessou a dívida mediante instrumento público, dando em pagamento unidades autônomas que seriam edificadas, tendo os terrenos, depois de incorporados, servido de garantia à transação uma vez que sobre eles foi gravada hipoteca. Esse gravame somente foi registrado pelos recorrentes dois anos depois, quando grande parte das unidades autônomas estavam vendidas.

    Contudo, a construtora, já na fase de finalização de obra, viu-se em dificuldades financeiras, razão pela qual os compradores das unidades autônomas – todas vendidas – uniram-se em assembleia e decidiram fazer um aporte financeiro a fim de que a obra fosse concluída. Assumiram, assim, a responsabilidade pela finalização da obra, ainda que a mão de obra técnica tenha continuado a cargo da construtora.

    Daí a insurgência dos recorrentes, que não concordaram com o aporte financeiro que foram convocados a ofertar. Segundo afirmaram, a construtora deu, em pagamento pelos terrenos, unidades autônomas que deveriam ser entregues “prontas e acabadas e em condições de uso e habitabilidade”.

    A sentença excluiu o condomínio da lide pela seguinte razão: “[...] somente à Construtora Lacerda Chaves, na espécie, cabe responsabilidade pelo retardamento ou inexecução das obras, ou mesmo pela cobrança indevida de valores concernentes ao negócio entabulado”. Julgou a ação procedente contra a construtora, determinando que concluísse as obras de acabamento dos apartamentos 31, 32, 42, 61, 72 e 81.

    Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento à apelação dos autores para julgar a ação procedente também em relação ao condomínio. O acórdão foi  assim ementado:

    “OBRIGAÇÃO DE FAZER – Contrato de Venda e Compra – Venda dos terrenos para possibilitar a construção do edifício – Lavratura do instrumento de confissão da dívida com garantia hipotecária sobre os imóveis objeto do negócio – Descapitalização da construtora, não mais suportando os encargos referentes à obra – Administração do final da obra pela comissão de representantes – Aquisição de personalidade própria pelo condomínio formado no curso da obra – Substituição foram da construtora – Inexistência do condomínio formalmente, atuando na informalidade, fazendo-o por conta da construtora – Assunção das obrigações daquela – Construtora que deve responder pelo pedido integralmente, porque está terminando a obra, mesmo com as dificuldades alegadas – Ilegitimidade passiva do condomínio afastada, pelo reconhecimento da relação direta que tem com os autores – Recurso provido.”

    O Tribunal adotou o entendimento de que, apesar de o condomínio não ter sido formalmente regulamentado, tem a chamada personalidade judicial, sendo apto a responder a demandas judiciais. Afirmou que o contrato de empreitada foi transmutado, quase no final de obra, em construção por administração.

    Consta do voto condutor o seguinte:

    “O condomínio não existe formalmente e se está atuando na informalidade, o faz por conta da construtora. Se assim age, é porque evidenciada a assunção também das obrigações daquele” (e-STJ, fl. 131).

    Transitado em julgado o acórdão, o condomínio ajuizou a ação rescisória a que se refere estes autos.

    Sustentou, em primeiro lugar, que não é um condomínio formalmente instituído em decorrência do fato de a construtora, na qualidade de incorporadora, segundo a Lei n. 4.591/64 e o disposto no art. 1.332 do Código Civil, não ter cumprido seu dever legal de constituí-lo. 

    Argumentou que a construtora não agiu de boa-fé, já que vendeu as unidades sem que a hipoteca tivesse sido registrada, o que levou os condôminos que adquiriram apartamentos até o ano de 1998 a acreditar na solvência da empresa.

    Apontou violação do art. 333, I, do CPC já que inexistem provas de que os condomínios devessem honrar sponte própria os compromissos assumidos pela construtora com os vendedores do terreno. Para tanto, esclareceu que o fato de terem os condôminos se unido para concluir a obra não significa que a construção passou a ser “construção a preço de custo”. Afirmou que a hipótese era de incorporação imobiliária e que a união dos condôminos deu-se ao final, apenas para concluir a obra, de forma a salvaguardar os investimentos financeiros.

    Ainda alegou:

    a) no julgamento da apelação, desconsideraram-se todos os argumentos de defesa, e, demonstrando os julgadores desconhecimento da matéria tratada – incorporação imobiliária e hipotecas em lei previstas –, deram provimento ao recurso;

    b) jamais ocorreu, e nenhuma das partes afirmou, a assunção das obrigações da construtora pelos condôminos; apenas terminaram a obra. Entendimento contrário implicou a supressão de instância e a falta de apreciação de toda a documentação existente nos autos.

    Sustentou:

    “[...] se, de fato, fossem os autos examinados com absoluta imparcialidade, bastaria que fosse vista a NOTIFICAÇÃO QUE OS AUTORES FIZERAM À CONSTRUTORA LACERDA CHAVES, EM 18 DE OUTUBRO DE 2001 (doc. anexo n. 09), E QUE ELES PRÓPRIOS JUNTARAM AOS AUTOS (fls. 108 a 111), ONDE DISSERAM: '...POSTO QUE A COMISSÃO DE REPRESENTANTES ASSUMIU APENAS A ADMINISTRAÇÃO DAS OBRAS, E NÃO A SUA EXECUÇÃO QUE CONTINUA SENDO REALIZADA POR ESTA CONSTRUTORA LACERDA CHAVES LTDA.”

    Com base nesses fatos, aduziu que a ação rescisória se apoia na existência de erro de fato e em violação de literal dispositivo de lei  (art. 585, § 1º, do CPC), isso porque não se registrou a penhora, levando os compradores das unidades autônomas a investir sem conhecimento do gravame; os compradores dos apartamentos anuíram ao negócio ofertado, pagaram o que fora acordado e jamais assumiram qualquer espécie de obrigação com os vendedores do terreno; inexiste, portanto, título executivo que possa viabilizar a execução de obrigação de fazer. Isso tudo levou à violação de diversos dispositivos do Código de Processo Civil e da Lei n. 4.591/64.

    O relator a quem a ação foi distribuída determinou que a inicial fosse emendada para que fossem enumerados os “mandamentos legais” de suporte do pedido rescisório e indicado o porquê de a construtora não ter sido chamada para compor um dos polos da ação.

    A inicial foi ementada e determinada a citação da construtora na condição de litisconsorte ativa necessária.

    Feito isso, a ação foi julgada procedente em acórdão assim ementado:

    Ação Rescisória de Acórdão – Obrigação de Fazer – Procedência contra um litisconsorte passivo, com exclusão da lide e extinção do processo em relação ao outro – Reforma da sentença no segundo grau, para inclusão deste – Pretendido cabimento da rescisão, com fundamento  no artigo 485, V e IX, do CPC – Alegada violação disposição literal de lei e erro de fato – Caracterização – Julgamento em afronta a dispositivos da Lei 4.591/64 – Registro da incorporação, depois da escritura de venda e compra, sem menção expressa de hipoteca gravando o imóvel – Necessidade desta não reconhecida no acórdão – Admissão, ademais, como verdadeiro de fato inexistente – Premissa equivocada de assunção pelo condomínio de obrigações próprias e exclusivas da construtora – Ausência absoluta de comprovação desse fato – Instituição de afetação do patrimônio e administração dos recursos financeiros por associação de adquirentes das unidades do prédio não importando em assunção por esta ou pelo condomínio das obrigações e dividas da construtora – Ação a ser voltada, apenas, contra esta, a real devedora – Decisão de primeiro grau correta nesse aspecto, não cabendo reforma pela apelação – Procedência da pretensão rescisória, com substituição do acórdão rescindendo por outro de provimento parcial da apelação.

    Violar literal disposição de lei, nos termos do artigo 485, inciso V, do diploma instrumental, há de ser entendido como o ato judicial contido na decisão combatida que se faz com afronta ao expresso e literal mandamento inserto na norma legal invocada. Não basta a dicção diversa da esperada ou tida por justa, fazendo-se imperioso que a mesma seja contrária ao preceituado pelo legislador. Se a regra comporta diferentes interpretações e estas estão confortadas por posicionamentos jurisprudenciais conflitantes, a opção do julgador por um deles, ainda que minoritário, não importa em decisão contrária à mesma. Mas, havendo desrespeito evidente, autorizada a rescisão do julgado.

    O art. 485, inciso IX, do C.P.C. prescreve que pode ser rescindida a decisão passada em julgado quando fundada em erro de fato, resultante de atos  e de documentos da causa. Estabelecido nos parágrafos primeiro e segundo dessa norma que há erro dessa natureza quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um ato efetivamente ocorrido, desde que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre ele.”

    Essa decisão não foi unânime, razão pela qual os ora recorrentes interpuseram embargos infringentes, que foram rejeitados nos termos da seguinte ementa:

    “AÇÃO RESCISÓRIA DE ACÓRDÃO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO JULGAMENTO DESTA. COISA JULGADA. ALCANCE.

    ‘Não houve nulidade porque a doutra maioria se deteve nos fatos para concluir sobre a incompatibilidade lógica e jurídica entre eles (fatos) e o dispositivos do v. Acórdão rescindido; só faz coisa julgada material a parte dispositiva da decisão, e não o reconhecimento da verdade sobre fatos ou o pronunciamento judicial sobre estes contidos na sua motivação, ainda que importantes para determinar o alcance daquela.’

    Preliminares afastadas.

    EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUPREMACIA DO ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO NO SENTIDO DE QUE NO CASO CONCERTO A COMISSÃO DE REPRESENTANTES QUE CONCLUIU A OBRA DO EDIFÍCIO NÃO RESPONDE POR OBRIGAÇÕES DA CONSTRUTORA.

    ‘A situação-fático-jurídica dos embargantes com relação a construtora e a comissão de representantes – ‘condomínio’ – foi muito bem definida pela r. sentença de primeiro grau, que, com justiça, atribuiu a cada um o que é seu na exata medida dos respectivos direitos. Os adquirentes, cientes da precária situação da construtora, cuidaram em organizar a comissão que, daí em diante, apenas tocou a conclusão da obra, sem nenhum vínculo jurídico com o negócio anteriormente entabulado pela proprietária do imóvel e incorporadora do empreendimento, única que se beneficiou com os pagamentos dos valores relativos às unidades que comercializou. Correta, portanto, a prestação jurisdicional entregue por maioria de votos no julgamento da ação rescisória, quer quanto à relação ao seu novo julgamento (‘judicium rescissorium’).’

    Embargos infringentes rejeitados.”

    Assim, os ora recorrentes, autores da ação de execução, interpõem o presente recurso especial, fundado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.

    Sustentam que a decisão recorrida está em confronto com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, citando como paradigma a AR n. 4.277/DF, da relatoria da Ministra Eliana Calmon. Com base nesse precedente, afirmam que, se houve, no acórdão rescindendo, expresso reconhecimento da situação fática de assunção, pelo condomínio, dos direitos e obrigações da construtora, esse posicionamento não pode ser revisto.

    Na verdade, defende que a ação rescisória foi utilizada como recurso na tentativa de se corrigir decisão tida por injusta.

    Também, segundo aduzem, não se pode alegar violação de literal dispositivo de lei, pois a hipoteca sobre os imóveis não era fato determinante para julgamento da ação, até porque não houve pedido para execução da hipoteca. Todavia, logo em seguida, alegam que se desconsiderou “por completo a existência de hipoteca sobre os imóveis alienados pelo Condomínio, de propriedade da Construtora com garantia real aos recorrentes. Estas unidades foram alienadas após o regular registro da hipoteca e os valores revertidos para aporte de obras gerais do condomínio, desconsiderando-se, portanto, que, havendo alienação de propriedade gravada com ônus real o valor deveria ser revertido para quitação do débito” (e-STJ, fl. 856).

    Isso contrariou o disposto nos arts. 676 da Lei n. 3.071/16 e 848 do Código Civil.

    Argumentam, por fim, que a ação do condomínio de alienar as unidades autônomas ainda não compromissadas à venda caracteriza a sucessão da construtora por ele.

    Ao contrário do que consignado no acórdão recorrido, não houve violação dos arts. 32, 37 e 39 da Lei n. 4.591/64 já que, sendo objeto da ação a obrigatoriedade do condomínio de honrar as obrigações assumidas pela construtora, os dispositivos que se aplicam à questão da incorporação não são aplicáveis ao caso.

    As contrarrazões a ambos os recursos foram apresentadas às fls. 883/889.

    Os autos vieram ao STJ por decisão positiva de admissibilidade (fl. 925).

    É o relatório.

    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA (Relator):

    Os recorrentes insurgem-se contra o acórdão que, no Tribunal de origem, julgou procedente ação rescisória de forma contrária a seus interesses.

    Observa-se que a pretensão que informa a ação que se pretende rescindir está embasada no interesse dos recorrentes de receber os apartamentos edificados no prédio Rio Negro que lhes foram prometidos como pagamento pelo terreno sobre o qual o prédio foi construído, sem que precisem fazer aporte financeiro algum, devendo as unidades ser concluídas às expensas dos demais condôminos. Propuseram a ação de execução em desfavor da construtora e do Condomínio Edifício Rio Negro e, no ponto referente à legitimidade do condomínio para responder à ação é que residiu a controvérsia naquele feito instaurada.

    Assim, transitou em julgado acórdão que decidiu pela obrigatoriedade de conclusão desses apartamentos pela construtora solidariamente com o condomínio.

    Essa é a questão contida na ação rescisória, proposta pelo condomínio, a qual está assentada em duas premissas principais:

    I. erro de fato, porque nada do que foi decidido pelo julgado rescindendo condiz com a realidade, inclusive com a verdade possível, tendo em vista os documentos e elementos constantes dos autos;

    II. violação de lei, já que o acórdão rescindendo feriu a literalidade da Lei n. 4.591/64 relativamente à modalidade de contratação de construção.

    Como a rescisória foi julgada procedente, sobreveio este recurso especial, por meio do qual pretendem os recorrentes ver reconhecida a legitimidade passiva do condomínio para responder à ação inicialmente proposta – execução de obrigação de fazer.

    Contudo, o recurso não comporta provimento devendo ser mantido o acórdão recorrido.

    I - Erro de fato

    Não é necessário discussão doutrinária para explicar o erro de fato, já tão bem abordado no acórdão recorrido.

    Acrescento, apenas com o fim de embasar minhas conclusões, a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno, que, ao tratar do erro de fato, conclui:

    “Não se trata, vale a ênfase, de caso de rejulgamento porque mal apreciada a prova que embasa a decisão que se pretende rescindir [...] Trata-se, diferentemente, de rejulgamento calcado na circunstância de que dado indispensável para o deslinde da causa não foi adequadamente atentado quando do proferimento da decisão e, ao que tudo indica, que esse dado tem aptidão, por si só, de alterar a decisão. O material carreado aos autos até o trânsito em julgado da decisão rescindenda deve ser suficiente para a identificação do ‘erro de fato’.” (Curso sistematizado de Direito Processual Civil, p. 338.)

    Conforme registrado anteriormente, a pretensão dos recorrentes é a de que o condomínio arque solidariamente com a obrigação de entrega dos apartamentos a eles devidos.

    Consta dos autos que os terrenos sobre os quais foi edificado o prédio foi objeto de contrato de compra e venda com a construtura e que a “contra-partida à cessão dos terrenos era atribuir a cada um dos vendedores futuras unidades do edifício a ser construído, tudo devidamente descrito no contrato. Esses vendedores, portanto, nada deveriam pagar pelo recebimento dessas unidades” (e-STJ, fl. 130).

    Com as dificuldades financeiras da construtora, os demais compradores se reuniram, nomearam uma comissão de representantes e passaram a administrar o final da obra. Assim, realizados os ativos, houve necessidade do aporte de R$ 10 mil de cada condômino para conclusão da obra, com o que os recorrentes não concordam.

    De acordo com o que noticiam os autos, o prédio foi concluído, mas os recorrentes, na inicial da ação executiva, afirmaram que suas unidades estavam inconclusas.

    O acórdão rescindendo concluiu que o condomínio não existe formalmente e que, nada obstante, se está atuando “é porque evidenciada a assunção também das obrigações daquela [construtora]” (e-STJ, fl. 131). Assim, considerou o condomínio solidário no tocante à obrigação de terminar a obra dos recorrentes sem que estes despendessem quaisquer valores, como fizeram os demais condôminos.

    O acórdão ora recorrido, ao rever esse posicionamento, com acerto julgou procedente a ação rescisória embasado em dois fundamentos: a) os compradores das unidades autônomas não tinham informação sobre hipoteca que pendia sobre o terreno, porque não registrada; e b) não houve constituição de condomínio, nem substituição da construtora por este, tendo havido aqui o reconhecimento de fato inexistente.

    Com relação à hipoteca, é incontroverso que somente foi registrada quando faltavam apenas quatro apartamentos para ser negociados, ou seja, todos os compradores (que estão aqui representados pelo condomínio) adquiriram suas unidades acreditando que não pedia nenhum ônus sobre o imóvel ou que não havia ônus assumido pela incorporadora em relação aos vendedores do terreno. O acórdão não adentrou a questão dos efeitos do registro ou não da hipoteca, mas atribuiu ao fato relevância no sentido de que isso foi determinante no ato de negociação, pois os compradores honraram as obrigações assumidas diante da incorporadora, acreditando que não havia nenhuma hipoteca constituída, ou seja, não pendia mais nenhuma dívida garantida.

    No segundo ponto, o da inexistência do condomínio – ponto fulcral da rescisória –, conforme consta do acórdão, quando a construtora viu-se em dificuldades financeiras, os compradores dos apartamentos, visando resguardar seus investimentos e não perdê-los para terceiros, reuniram-se e deliberaram continuar a obra com recursos próprios. Para tanto, além do preço pago por força do contrato, precisaram de um aporte de R$ 10 mil, com o qual os recorridos não concordaram. Assim, como houve recusa ao pagamento, os recursos adicionais passaram a ser direcionados apenas para finalização das unidades daqueles que aceitaram contribuir com tal acréscimo. Assim, o fato assumido como existente foi o de que os recorridos, compradores dos apartamentos em condomínio, substituíram formalmente a construtora.

    Na verdade, não havia um condomínio formalmente constituído, isso foi o que os recorrentes afirmaram sem trazer aos autos do processo que se pretende rescindir os comprovantes de sua assertiva. Houve, sim, associação dos compradores que não poderia substituir formal ou informalmente a construtora, senão apenas concluir a obra com recursos próprios. Observe-se:

    “Assim, os aqui demandados reconhecem que a comissão de representantes assumiu apenas a administração dos recursos destinados à finalização das obras, não a execução delas, que continuou sendo realizada pela construtora” (e-STJ, fl. 716).

    Completa o acórdão dos embargos infringentes:

    “Esses adquirentes, quando também tomaram ciência da precária situação da construtora, cuidaram em organizar a comissão que, daí em diante, apenas tocou a conclusão da obra, sem  nenhum vínculo jurídico com o negócio anterior entabulado pela proprietária do imóvel e incorporadora do empreendimento, única que se beneficiou com os pagamentos dos valores relativos às unidades que comercializou” (e-STJ, fl. 795).

    Portanto, essa situação amolda-se às disposições do art. 485, IX, do Código de Processo Civil, de forma que o provimento da ação rescisória foi adequado. Confiram-se precedentes do STJ sobre a matéria:

    "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL.  SOLIDARIEDADE PASSIVA. PRAZO DECADENCIAL. INÍCIO. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO PROFERIDA NO ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO. SÚMULA 401/STJ. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO QUANDO DA PROPOSITURA DA AÇÃO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO CONFIGURADO. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA PROCEDENTE.

    [...]

    4. Nos termos do art. 485, §§ 1º e 2º, do CPC, ocorre erro de fato quando, na sentença que se pretende rescindir, se afirma fato inexistente ou é negado fato que existe. Nesse passo, para que desafie ação rescisória e se dê causa à rescisão do julgado, é indispensável que o erro de fato seja relevante para o julgamento da questão, apurável mediante simples exame e que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato.

    5. Destarte, observa-se ter havido erro de fato no julgado rescindendo, pois sentença e acórdão do Tribunal estadual reconheceram a obrigação solidária entre os litisconsortes passivos. Assim, cabível o reconhecimento da antinomia no julgado rescindendo.

    6. Ação rescisória julgada procedente." (AR n. 5.064/ES, relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 3.3.2015.)

    “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, IX, CPC. ERRO DE FATO CONFIGURADO. AUXÍLIO-ACIDENTE. CUMULAÇÃO. LESÃO INCAPACITANTE ANTERIOR A 11/11/97. SÚMULA 507/STJ. POSSIBILIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE.

    I - A rescisão do julgado fundada no inciso IX do art. 485 do CPC pressupõe a ocorrência de equívoco na apreciação ou de percepção equivocada da prova trazida aos autos, embora seja afastada a interpretação sobre a subsistência ou relevância de um fato (art. 485, § 2º) (AgRg na AR 3731/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, DJ de 4/6/2007).

    II - A Súmula n. 507/STJ enuncia que a acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.

    III - Ação rescisória procedente.” (AR n. 4.016/SC, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 25.2.2015.)

    Importante destacar – embora não toque diretamente ao mérito do presente recurso especial, mas sim reforce a questão de inexistência do condomínio formalmente constituído – a parte do acórdão estadual que feriu o ponto que diz respeito à essência do que se discute na lide:

    “[...] a partir do momento que os credores da construtora – aqui entendidos não somente os credores iniciais, que alienaram os terrenos, mas todos que contrataram a compra de apartamentos no prédio a ser construído – organizaram-se, para dar prosseguimento à obra, esse esforço adicional, extraordinária, não planejado e não provisionado, verdadeiro responsável pela posterior possibilidade de ingresso no prédio, evidentemente deveria ser conjunto, de absolutamente todos os interessados. Claro que aqueles credores que não quisessem participar, que não quisessem contribuir com tal esforço comum e extraordinário, teriam todo o direito de não o fazer, devendo, porém, cobrar resultado da real devedora, a construtora, não de quem quis 'arregaçar as mangas' e minimizar prejuízos. Do mesmo modo, não podem reclamar deles – adquirentes, associação ou condomínio – do fato de as obras, consequentes de um esforço adicional para o qual não contribuíram, não avançarem nas suas unidades. Inadmissível que, sem contribuir para tanto, pudessem tirar proveito de dita mobilização extraordinária, sob pena de estarem experimentando um enriquecimento ilícito” (e-STJ, fl. 717).

    Arrematou o acórdão dos embargos infringentes:

    “Esses adquirentes, quando também tomaram ciência da precária situação da construtora, cuidaram em organizar a comissão que, daí em diante, apenas tocou a conclusão da obra, sem nenhum vínculo jurídico com o negócio anteriormente entabulado pela proprietária do imóvel e incorporadora do empreendimento, única que se beneficiou com os pagamentos dos valores relativos às unidades que comercializou.

    [...]

    Sem o esforço da comissão de representantes os aqui embargantes não teriam – DE FATO! – os apartamentos que juridicamente lhes foram prometidos, apenas e tão somente, pela incorporadora e construtora. Quer dizer: eles (embargantes) só puderam postular pela efetivação das obras de acabamento interno de suas unidades autônomas porque a comissão de representantes empenhou-se por concluir o edifício” (e-STJ, fl. 795).

    Assim, nego provimento ao recurso neste ponto.

    II - Violação de literal disposição de lei

    Os recorrentes afirmam que não havia espaço para conhecimento da demanda sob fundamento do art. 485, I, do Código de Processo Civil. Argumentam que a hipoteca não era fato determinante para o julgamento da demanda, já que resolvida em momento posterior. Citam parte do voto vencido do acórdão recorrido, no qual se registrou que, se os compradores se viram prejudicados com a hipoteca, deveriam voltar-se contra a construtora, já que isso não prejudicaria o acolhimento da obrigação de fazer. 

    Sem razão os recorrentes.

    Primeiramente, observo que há certa contradição no discurso dos recorrentes. A questão da hipoteca foi por eles mesmos invocada na inicial da ação de execução de obrigação de fazer.  Mesmo de forma confusa, extrai-se daquele feito que apresentaram o argumento como se lhes fosse favorável; contudo, na ação rescisória, sustentaram o contrário, buscando a desconsideração do argumento.

    De qualquer forma, o argumento é vazio, pois nada foi decidido sobre a hipoteca em si. A questão foi levantada apenas como uma razão de decidir. Confira-se excerto do acórdão:

    "Somente em 16.06.1998, ou seja, dois anos e meio após o registro da incorporação e com várias unidades autônomas prometidas a venda, os embargantes, cientes de que a construtora tangenciava a quebra, registraram a escritura de hipoteca, lavrada anos antes e na mesma época da escritura de venda e compra por eles outorgada com preço quitado em favor da comprovadora. Por outras palavras, nesse lapso de cerca de 30 meses a publicidade sobre o empreendimento não anunciou a existência de quaisquer restrições ou ônus e os adquirentes das futuras unidades não tinham condições de conhecer do fato até então não registrado" (e-STJ, fls. 794/795).

    Interessante é que, apesar de afirmarem que o acórdão incorrera em equívoco por trazer à baila questão sobre a hipoteca, logo em seguida, alegam que esse mesmo acórdão  desconsiderou a existência da hipoteca sobre os imóveis alienados pelo condomínio. Mas, nesse ponto, falam da venda das quatro unidades que faltavam quando a hipoteca fora registrada, que, na verdade, não é objeto de controvérsia nos autos. 

    Observa-se, daí, que os recorrentes aduzem que a questão sobre a hipoteca é despicienda para o deslinde da controvérsia no ponto em que, quando faltavam quatro unidades para serem vendidas, registrou-se a hipoteca. Com isso, buscam aparentar que não há importância alguma no fato de a maioria dos condôminos ter sido chamada ao feito rescindendo para cumprir obrigação garantida por direito real, garantia essa sem publicidade, porque não registrada, o que, ao fim e ao cabo, significa que foram chamados a cumprir obrigação pessoal da construtora.

    Ademais, buscam destacar o fato de que quatro apartamentos foram vendidos – as últimas unidades – após o registro da hipoteca, sem explicitar exatamente em que isso é importante para o deslinde da ação rescisória, sendo argumento que, a meu ver, busca confundir a questão, tangenciando a má-fé processual.

    Entretanto, o que se conclui mesmo do acórdão recorrido (estou considerando aqui o acórdão primeiro, já que o dos embargos infringentes mantiveram aquele) é que a lei foi vulnerada (arts. 32, 37 e 39 da Lei n. 4.591/64) na medida em que obriga o incorporador a fornecer certidões informando sobre os ônus reais relativos aos imóveis como condição de negociação das unidades autônomas. Não tendo sido observado tal dever, não podem agora os compradores ser obrigados ao cumprimento de obrigação pela inexistência de efeito erga omnes da garantia instituída quando realizaram o negócio com a construtora. Soma-se a isso outro fato esclarecido no acórdão:

    "Ademais, além de ser esse fato incontroverso, a incorporadora-construtora também assevera que esses adquirentes não tinham conhecimento do contrato entre ela e os donos do terrenos [...]" (e-STJ, fl. 715).

    Não fosse por isso, há ainda outro fator a ser observado.

    A divergência entre os ora recorrentes e o condomínio surgiu não enquanto se realizavam ativos e passivos do condomínio, mas quando se resolveu fazer aporte de recursos próprios de cada condômino.

    Nesse ponto, não posso deixar de fazer referência à Lei n. 4.591/64, com as alterações da Lei n. 10.931/04, que dispõe sobre o regime da afetação patrimonial na incorporação imobiliária, permitindo aos adquirentes de apartamentos em construção destituírem a incorporadora doempreendimento a fim de darem continuação às obras quando haja quebra da empresa. Essa lei visou dar credibilidade ao mercado imobiliário, abalado com tantas quebras e consequentes prejuízos financeiros para milhares de pessoas. Então, deixa a opção aos adquirentes de minimizarem seusprejuízos, tocando a obra a fim de concluí-la.

    Nesse regime, deve-se instituir patrimônio de afetação, destacando-se os bens relativos à incorporação dos demais bens do incorporador, de forma que aqueles passam a ser  indisponíveis, embora possam ser objeto de garantia real. Observe-se:

    "Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)"

    Assim, na hipótese de falência ou insolvência do incorporador, esse patrimônio não será afetado. Os adquirentes dos imóveis realizarão assembleia geral para eleger uma comissão de representantes que deliberará pela liquidação desse patrimônio ou pela continuação da obra. Na segunda hipótese, os condôminos ficam sub-rogados nos direitos, obrigações e encargos relativos à incorporação. Os custos para conclusão da obra, após realizados ativos e passivos, serão objeto de deliberação:

    "Art. 31-F. Os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)

    [...]

    § 11. Caso decidam pela continuação da obra, os adquirentes ficarão automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação, inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)"

    Quando essa comissão assume a conclusão da obra e ainda haja unidades autônomas por vender, deverá realizar leilão público, mas o reembolso aos proprietários dos terrenos, quando distintos do incorporador, somente será feito se a opção foi pela liquidação do patrimônio de afetação, pois, se a opção for pela conclusão da obra, os valores apurados serão a ela destinados. 

    Na hipótese dos autos, verifica-se que, quando a construtora anunciou que estava com dificuldades financeiras, os condôminos, num primeiro momento, elegeram a comissão de representantes, que passou a "acompanhar intensamente as atividades da construtora, objetivando assegurar a rigorosa administração dos recurso obtidos" (fl. 714). Num segundo momento, formaram, conforme consta do acórdão, o patrimônio de afetação imobiliária, composto,  principalmente, dos valores das quatro unidades que ainda seriam vendidas. Realizaram a venda e retomaram as obras, embora esse não seja exatamente o patrimônio de afetação na lei referido, senão uma providência para continuidade da obra. Veja-se o que estabelece o § 14 do artigo acima citado:

    "§ 14. Para assegurar as medidas necessárias ao prosseguimento das obras ou à liquidação do patrimônio de afetação, a Comissão de Representantes, no prazo de sessenta dias, a contar da data de realização da assembléia geral de que trata o § 1o, promoverá, em leilão público, com observância dos critérios estabelecidos pelo art. 63, a venda das frações ideais e respectivas acessões que, até a data da decretação da falência ou insolvência não tiverem sido alienadas pelo incorporador. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004)"

    Portanto, todo o ativo que puderam realizar foi injetado na obra. Mas, ainda assim, precisaram de mais capital para conclusão e deliberaram em assembleia o aporte, com recursos próprios, de R$ 10 mil para cada condômino. Esse foi o ponto de discordância dos recorrentes. Não concordaram em realizar o pagamento e, faltando apenas acabamento interno das unidades autônomas, o condomínio destinou o dinheiro à conclusão das unidades daqueles que haviam feito o aporte de dinheiro.

    Os recorrentes somente se insurgiram com a parte dos valores individualmente colocada pelos particulares, pois pretendem que estes arquem com o término de suas unidades. Não se indispuseram contra a administração da obra, a forma com foi feita ou a venda dos apartamentos. 

    Na realidade, a situação que se verifica é que cada condomínio negociou com a incorporadora um montante de dinheiro em troca de apartamentos. Nesse tipo de empreendimento, há os que pagam tudo à vista, há os que financiam uma parte e há os que financiam tudo. Seja como for, cada um negocia dinheiro em troca de imóvel. Os recorrentes também negociaram algo em troca de apartamentos, só que sua "moeda de troca" foram outros imóveis, os terrenos, de forma que a maioria dos compradores trocou dinheiro por imóvel enquanto os recorrentes trocaram imóvel por imóvel.

    Seja qual for a "moeda de troca" utilizada, em caso de quebra, todos teriam prejuízos. A organização dos adquirentes e a venda dos quatro apartamentos faltantes minimizaram isso, de modo que a obra foi praticamente finalizada. Aí termina o compromisso assumido pela associação, e a lei não obriga que seja diferente. Todos tiveram suas unidades autônomas finalizadas devido ao aporte financeiro que fizeram, equalizando-se os prejuízos depois de minimizados. 

    O que cada condômino fez, ao resolver injetar recursos próprios, foi pagar mais R$ 10 mil além do que haviam contratado com o incorporador, aproveitando a mão de obra que a construtora ainda disponibilizava, já que ela não havia abandonado a construção. 

    Nesse ponto, além do preço ajustado em troca das unidades autônomas, pagaram mais R$ 10 mil. Não poderia ser diferente com relação aos recorrentes, cuja moeda de troca não foi dinheiro, mas imóvel.

    Na prática, pode-se ver a situação da seguinte maneira. Todos, inclusive os recorrentes, viram-se na seguinte situação: os valores negociados não foram suficientes para que a construtora honrasse o contrato e entregasse as unidades autônomas conforme o ajustado. Cada um, indistintamente, teve que "pagar um pouco mais" a fim de que a incorporadora pudesse terminar os imóveis.

    Hipótese diferente seria se a opção tivesse sido pela formação do patrimônio de afetação e sua liquidação; aí sim, os recorrentes seriam indenizados em dinheiro, não no valor mensurado dos terrenos, mas no que sobejasse depois de pagamento dos créditos preferenciais, ou seja, muito provavelmente os prejuízos seriam bem maiores.

    Então, correto o acórdão ao reconhecer, na questão, violação da lei, já que a Lei n. 4.591/64 não obriga a formação de patrimônio de afetação, de forma que a associação aqui demandada não estava jungida à forma da lei, tanto que a obra foi concluída em decorrência de decisões dos condôminos em assembleia, formando um misto entre administração, fiscalização e afetação. 

    Ante o exposto, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.

    É como voto.

    CERTIDÃO DE JULGAMENTO

    TERCEIRA TURMA

    Número Registro: 2012/0054670-9

    PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.314.520/SP

    Números Origem:  18444432007826  184444320078260000  71387752  991070184448  99107018444850000

    PAUTA: 07/05/2015 - JULGADO: 07/05/2015

    Relator: Exmo. Sr. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

    Ministro ImpedidoExmo. Sr. Ministro: MOURA RIBEIRO

    Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

    Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO

    Secretária: Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

    AUTUAÇÃO

    RECORRENTE: ALVARO AFONSO TRUITE E OUTROS

    ADVOGADO: HENRIQUE FURQUIM PAIVA E OUTRO(S)

    RECORRIDO: CONDOMÍNIO EDIFÍCIO RIO NEGRO

    ADVOGADO: JOSINO FERNANDES DE SOUSA E OUTRO(S)

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos

    SUSTENTAÇÃO ORAL

    Dr(a). HENRIQUE FURQUIM PAIVA, pela parte RECORRENTE: ALVARO AFONSO TRUITE

    CERTIDÃO

    Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

    A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Impedido o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

    (DJe: 14/05/2015)

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