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    Acórdão CSM/SP
    Fonte: 1024081-02.2014.8.26.0100
    Julgamento: 19/12/2014 | Aprovação: Não disponível | Publicação: Não disponível
    Estado: São Paulo | Cidade: São Paulo (5º SRI)
    Relator: Hamilton Elliot Akel
    Legislação: Art. 64 da Lei nº 8.934/94; art. 108 do Código Civil; entre outras.

    Ementa:

    REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – TRANSFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS (RESERVA TÉCNICA) DE ENTIDADE CIVIL PARA SOCIEDADE ANÔNIMA, EM RAZÃO DE NEGÓCIO FEITO ENTRE ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA – NÃO INCIDÊNCIA DE NORMAS QUE REGULAM SITUAÇÕES DISTINTAS – IMPOSSIBILIDADE, EM FACE DO ART. 108 DO CÓDIGO CIVIL, DE UTILIZAÇÃO DA ANALOGIA OU DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – RECURSO DESPROVIDO.

    Íntegra:

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1024081-02.2014.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante INVESTPREV SEGUROS E PREVIDÊNCIA S/A, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

    ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

    O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

    São Paulo, 19 de dezembro de 2014.

    ELLIOT AKEL, RELATOR

    Apelação Cível nº 1024081-02.2014.8.26.0100

    Apelante: Investprev Seguros e Previdência S/A

    Apelado: Oficial do 5º Cartório de Registro de Imóveis da Capital

    Voto nº 34.136

    REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – TRANSFERÊNCIA DE BENS IMÓVEIS (RESERVA TÉCNICA) DE ENTIDADE CIVIL PARA SOCIEDADE ANÔNIMA, EM RAZÃO DE NEGÓCIO FEITO ENTRE ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA – NÃO INCIDÊNCIA DE NORMAS QUE REGULAM SITUAÇÕES DISTINTAS – IMPOSSIBILIDADE, EM FACE DO ART. 108 DO CÓDIGO CIVIL, DE UTILIZAÇÃO DA ANALOGIA OU DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – RECURSO DESPROVIDO.

    Investprev Seguros e Previdência S/A requereu ao 5º Oficial do Registro de Imóveis da Capital o registro da documentação societária destinada a possibilitar a transferência dos imóveis objetos das matrículas n° 18.840, 31.048, 31.049, 31.052, 31.053, 31.054 e 31.057.

    A transferência decorreu de “instrumento particular de cessão e transferência de carteira de planos de previdência complementar”, firmado entre RS Previdência (entidade aberta de previdência complementar, sem fins lucrativos) e a recorrente, Sociedade Anônima.

    Após assembléia geral extraordinária, que autorizou a transferência, a RS obteve, junto com a recorrente, o aval da SUSEP para realização do negócio, que implicou, também, a alienação de reserva técnica, consistente em bens imóveis.

    A recorrente entende que se trata, aí, de uma incorporação de imóveis ao seu patrimônio, cuja transferência de domínio deu-se pela mera tradição. Registrado o negócio perante a JUCESP e o Oficial de Registro de Pessoas Jurídicas, o ato societário estaria apto a ser registrado no Registro de Imóveis, aplicando-se, por analogia, o art. 64, da Lei n° 8.934/94. A analogia poderia ser feita também, a seu sentir, com os artigos 89 e 98 da Lei das Sociedades Anônimas.

    O Oficial do Registro de Imóveis afastou a possibilidade de analogia, argumentando que as situações expostas nos artigos mencionados são distintas e que o art. 108 do Código Civil torna necessária a lavratura de escritura pública para a transferência dos imóveis entre as interessadas.

    O entendimento do Oficial foi sufragado pelo Juízo de Primeiro Grau e pela Procuradoria de Justiça.

    A interessada, em seu recurso, volta a se utilizar dos mesmos argumentos.

    É o relatório.

    O recurso não comporta provimento.

    O negócio jurídico realizado foi de transferência de carteira de planos de previdência complementar. Em virtude desse negócio, alienou-se, da RS Previdência (entidade aberta de previdência complementar, sem fins lucrativos) para a recorrente, Sociedade Anônima, a reserva técnica, consistente em diversos imóveis.

    A questão a ser respondida é: a transferência da reserva técnica, ou seja, a alienação dos bens imóveis, prescinde de escritura pública?

    Desde já afasta-se a afirmação de que a alienação se deu pela mera tradição. Tratando-se de bens imóveis, a transferência da propriedade só ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245, do Código Civil).

    A recorrente postula a aplicação analógica do art. 64, da Lei nº 8.934/94 ou dos artigos 89 e 98 da Lei das Sociedades Anônimas. Isso, porém, não é viável, e por duas razões.

    Em primeiro lugar, nenhum dos dispositivos guarda uma relação de semelhança relevante com o caso concreto, apta a fazer incidir a analogia para colmatação de lacuna. Conforme ensina Norberto Bobbio, “entende-se por analogia o procedimento pelo qual se atribui a um caso não regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante”. Logo em seguida, o autor esclarece que não é qualquer semelhança que autoriza o uso da analogia para a superação de lacuna: “para fazer a atribuição ao caso não regulamentado das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências." (BOBBIO, Norberto, Teoria do ordenamento jurídico, Editora UNB, T ed., 1996, páginas 151 e 153)

    Ora, o art. 89 da Lei 6.404/76 trata da formação do capital social das sociedades anônimas. Dispensa-se a escritura pública na incorporação de imóveis para a formação do capital social. O dispositivo está inserido na Seção IV, do Capítulo VII, da Lei das S/A, que cuida da constituição das companhias.  Portanto, dispensa-se a escritura pública, quando da constituição da companhia, para a incorporação de imóveis com vistas à formação do capital social. A situação, evidentemente, nada tem que ver com a hipótese dos autos. O mesmo se diga do art. 98, §2°, que trata da certidão dos atos constitutivos da companhia e da formação do seu capital social.

    O art. 64, da Lei nº 8.934/94, disciplina a formação ou o aumento do capital social das sociedades mercantis. Como visto, porém, a recorrente é uma sociedade anônima, regulamentada, portanto, por lei própria. Não fosse apenas isso, o dispositivo diz: “a certidão dos atos de constituição e de alteração das sociedades mercantis, passadas pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social”. Ainda que se admitisse que uma sociedade anônima pudesse ser submetida a outro regime, que não a Lei nº 6.404/76, o fato é que o que se negociou não foi exatamente a formação ou aumento do capital social. Houve, na verdade, uma transferência de carteira de planos de previdência complementar, com a conseqüente alienação da reserva técnica.

    Não existe, assim, a mencionada semelhança relevante, por meio da qual se possa identificar uma qualidade comum a ambos os casos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual aos casos regulamentados foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências.

    A segunda razão pela qual não é possível lançar mão da analogia, no presente caso, é a redação do art. 108, do Código Civil: “Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.”

    Bem vistas as coisas, aliás, não é exatamente a analogia que a recorrente pretende aplicar aqui, mas a interpretação extensiva. De acordo com Bobbio, a diferença reside no fato de que, frente a uma lacuna, na analogia, tem-se, como efeito, a criação de uma nova norma jurídica para regulamentar o caso; na interpretação extensiva, não se cria uma nova norma, mas estende-se uma norma já existente para casos não previstos por ela (ob. cit., página 155). Em obra a propósito da criação da norma individual, observei que, “considerando seus pressupostos, temos analogia quando nos encontramos diante de uma lacuna, enquanto a interpretação extensiva pressupõe a existência da norma. Enquanto a interpretação extensiva é apenas ‘interpretação’, a analogia é algo mais, tendo caráter integrador. A interpretação extensiva desenvolve-se em torno de uma disposição normativa para nela compreender casos não expressos em sua letra, mas virtualmente incluídos em seu espírito, enquanto a analogia pressupõe que o caso em questão se encontra ‘fora do espírito’ da disposição de que se trata. Afirma De Diego que, enquanto a interpretação extensiva restabelece o equilíbrio entre o pensamento e a palavra da norma, a analogia restabelece o equilíbrio entre a norma e a vida. Além disso, a analogia é um procedimento posterior à interpretação extensiva. Esgotada esta, cabe a extensão analógica da norma. (AKEL, Hamilton Elliot, O poder judicial e a criação da norma individual, São Paulo:Saraiva, 1995, página 79).

    A recorrente deseja, de fato, a extensão de norma já existente para regulamentar o caso concreto. A dicção do art. 108, do Código Civil, contudo, não fossem somente as razões expostas acima acerca da falta de semelhança relevante entre as normas e o caso concreto, impede a possibilidade de extensão.

    Ao prescrever que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial”, o dispositivo determina que, caso haja lacuna (ausência de disposição de lei que excepcione a regra geral), aplica-se a regra geral. Isso traduz, aliás, a própria inexistência de lacuna, porque, na falta de lei específica que excepcione a regra, há, sempre, a necessidade da própria aplicação dessa regra.

    E como se o artigo 108 dissesse ao interprete que, não havendo lei que dispense a escritura pública, ao invés de buscar o preenchimento de eventual lacuna, ele – o interprete – deve, necessariamente (porque e lei o determina), aplicar a regra geral. Não cabe estender a norma existente ou criar uma norma individual. Portanto, também por esse ângulo, a escritura não poderia ser dispensada.

    Nesses termos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

    HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

    (Data de registro: 15.01.2015)

    (v. Decisão 1ª VRPSP nº 1024081-02.2014.8.26.0100)

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