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Decisão 1ª VRPSP
Fonte: 1119385-28.2014.8.26.0100
Julgamento: 08/01/2015 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 20/01/2015
Estado: São Paulo | Cidade: São Paulo (14º SRI)
Relator: Tânia Mara Ahualli
Legislação: Arts. 195 e 203, I, da Lei nº 6.015/73.Ementa:
Registro – Escritura de Inventário e Partilha – violação ao princípio da continuidade – divergência em relação à qualificação civil de uma das herdeiras – Dúvida procedente.Íntegra:
1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
Processo Digital nº: 1119385-28.2014.8.26.0100
Classe - Assunto Dúvida - Registro de Imóveis
Requerente: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Requerido: ALICE DA CRUZ AMADEU
Juíza de Direito: Dra. Tânia Mara Ahualli
Registro – Escritura de Inventário e Partilha – violação ao princípio da continuidade – divergência em relação à qualificação civil de uma das herdeiras – Dúvida procedente.
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de Alice da Cruz Amadeu, ante a negativa em efetuar o registro da escritura de partilha dos bens de Elvira Lucas Cruz, genitora da suscitada.
O óbice registrário refere-se à irregularidade na qualificação de uma das herdeiras filhas, tendo em vista que consta na matrícula nº 206.956 (registro 9) que Rosa da Cruz Rolim, casada sob o regime da comunhão de bens, adquiriu a fração ideal ideal de 1/6 decorrente do falecimento de seu pai, sendo que na escritura de inventário de sua genitora, figura como Rosa da Cruz, divorciada e beneficiária de outra fração ideal de 1/6. Vieram aos autos os documentos de fls.03/40.
A suscitada não apresentou impugnação, deixando transcorrer o prazo "in albis", conforme certidão de fl. 41.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 45/46).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Oficial Registrador e a Douta Promotora de Justiça.
O registro de imóveis é fundamentalmente um instrumento de publicidade.
Portanto, é necessário que as informações nele contidas coincidam com a realidade para que não se converta em elemento de difusão de inexatidões e fonte de insegurança jurídica, contrariando, dessa forma, sua finalidade básica.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real.
O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7).
Cite-se, a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.
Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que:
REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado (HC 85911/MG - MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicionalizado para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular.
No mais, de acordo com Afrânio de Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).
Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.
Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem:
“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).
Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73:
“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.
Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito.
No caso posto, o imóvel matriculado sob nº 206.956, por ocasião do falecimento de Joaquim da Cruz da Cunha Viana (genitor) da requerente, foi partilhado entre a viúva meeira (Elvira Lucas Cruz) e suas três filhas herdeiras, constando como uma das filhas Rosa da Cruz Rolim, casada sob o regime da comunhão universal de bens com Paulo de Barros Rolim (r.9/206.956) – fl. 35. Contudo, com o falecimento da genitora da suscitada, constou do título (fls. 05/10) como Rosa da Cruz, na qualidade de divorciada, sem haver qualquer menção deste fato na matrícula do imóvel.
A averbação do divórcio de Rosa é imprescindível para que se assegure o perfeito encadeamento de titulares da cadeia dominial do imóvel. Essa omissão, impede que a escritura de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Elvira Lucas Cruz, ingresse no fólio real.
Afinal, não se pode registrar um título sem que se conheça, com segurança, a cadeia de titulares de domínio.
Diante do exposto, julgo procedente a dúvida pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Alice da Cruz Amadeu e mantenho o óbice registrário.
Sem custas ou honorários decorrentes deste procedimento.
Oportunamente, cumpra-se o artigo 203, I, da Lei 6.015/73.
Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 08 de janeiro de 2015.
Tânia Mara Ahualli, Juíza de Direito
(DJe de 20.01.2015)
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