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    Acórdão TJSC
    Fonte: 2011.003482-3
    Julgamento: 08/08/2013 | Aprovação: Não disponível | Publicação: 22/08/2013
    Estado: Santa Catarina | Cidade: Porto Belo
    Relator: Jorge Luis Costa Beber
    Legislação: Art. 195 da Lei nº 6.015/73.

    Ementa:

    APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA PELA TITULAR DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE PORTO BELO. APELANTES QUE EXIBIRAM ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA OUTORGADA PELO PROPRIETÁRIO REGISTRAL. OFICIALA QUE CONDICIONOU O REGISTRO À AVERBAÇÃO DE TODOS OS CONTRATOS ANTERIORES. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL RESPEITADO. POSSIBILIDADE DE EVENTUAL VÍCIO EM VIRTUDE DE ORDEM DE INDISPONIBILIDADE ANTES INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL QUE DEVE SER DEBATIDA PELOS INTERESSADOS EM AÇÃO PRÓPRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Se a escritura foi outorgada por aquele que figura como proprietário no álbum imobiliário, não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade registral.

    Íntegra:

    TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    Apelação Cível nº 2011.003482-3, de Porto Belo

    Relator designado: Des. Subst. Jorge Luis Costa Beber

    Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Civil

    Julgado em: 08/08/2013

    Juiz Prolator: Simone Faria Locks Rodrigues

    EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA PELA TITULAR DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE PORTO BELO. APELANTES QUE EXIBIRAM ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA OUTORGADA PELO PROPRIETÁRIO REGISTRAL. OFICIALA QUE CONDICIONOU O REGISTRO À AVERBAÇÃO DE TODOS OS CONTRATOS ANTERIORES. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL RESPEITADO. POSSIBILIDADE DE EVENTUAL VÍCIO EM VIRTUDE DE ORDEM DE INDISPONIBILIDADE ANTES INCIDENTE SOBRE O IMÓVEL QUE DEVE SER DEBATIDA PELOS INTERESSADOS EM AÇÃO PRÓPRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

    Se a escritura foi outorgada por aquele que figura como proprietário no álbum imobiliário, não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade registral.

    Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.003482-3, da comarca de Porto Belo (2ª Vara), em que são apelantes Roberval dos Anjos e outro, e apelada Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo:

    A Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, por maioria, dar provimento ao recurso para julgar improcedente a suscitação de dúvida, vencido o Des. Relator que votou pelo desprovimento do apelo. Custas legais.

    O julgamento, realizado no dia 8 de agosto de 2013, foi presidido pelo Exmo. Des. Victor Ferreira, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Luiz Fernando Boller. Funcionou como Representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa.

    Florianópolis, 12 de agosto de 2013.

    Jorge Luis Costa Beber, Relator DESIGNADO

    RELATÓRIO

    Roberval dos Anjos e Fernanda Silva dos Anjos interpuseram recurso de apelação contra a sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pela Oficial Titular do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo, determinando que esta não procedesse a registro da escritura lavrada em 23.06.2008, no Livro 087, fls. 43, da Escrivania de Paz de Bombinhas, sem todos os contratos de compra e venda anteriores fossem registrados.

    Esclareceram que adquiriram o apartamento referido na inicial em janeiro de 2004, exercendo desde então todos os poderes inerentes ao proprietário sem qualquer restrição. Disseram que o bem foi adquirido de Estela Maria Bassuma, com a anuência do proprietário, que posteriormente outorgou a escritura pública diretamente aos apelantes.

    Contudo, o registro da escritura foi condicionado à averbação dos contratos anteriores, com o recolhimento do imposto respectivo, exigência esta que os apelantes sustentam não ter como cumprir, justo que desconhece as pessoas que firmaram os "contratos de gaveta" anteriores.

    Afirmaram inexistir ofensa ao princípio da continuidade registral, justo que foi a pessoa que figura no álbum imobiliário como proprietária que outorgou a escritura, clamando pela reforma da sentença, para que seja determinado o registro da escritura exibida.

    O Ministério Público ofereceu contrarrazões (fls. 70/75).

    Após, os autos ascenderam a esta Corte, tendo a Procuradoria-Geral de Justiça se posicionado pelo desprovimento do apelo.

    VOTO

    Conheço do recurso porquanto satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

    Conforme se infere do autuado, os recorrentes, em 23.01.2004, adquiriram de Estela Maris Bassuma o apartamento de nº 206 do edifício Ilha dos Corais, nos termos do "contrato de compra e venda com pacto comissório e reserva de domínio" encartado às fls. 23/24.

    Estela, de sua vez, havia adquirido o aludido imóvel em 23.06.2000, da Stella Maris Construtora e Incorporadora Ltda, conforme contrato particular acostado às fls. 20/22.

    Sucede que, perante o registro de imóveis de Porto Belo, quem figura como proprietário do bem, matriculado sob n. 02338, é a Constutora VIPE Ltda, conforme registro efetuado em 11.09.2001 (fls. 30).

    Por força de decisão proferida em ação civil pública aviada contra a referida construtora, foi determinada a indisponibilidade do imóvel, averbada sob nº AV-1-02338, em 21.03.2005, gravame que veio a ser cancelado em 07.07.2006, conforme AV-2-02338, por ter sido reconhecido que os bens não mais integravam o patrimônio daquela empresa.

    Os apelantes, então, apresentaram para registro escritura pública lavrada em 23.06.2008 diretamente pela Construtora VIPE Ltda, no entanto, a Oficial negou o registro por entender que a construtora só poderia outorgar a escritura "dos bens liberados da indisponibilidade para os compradores OU primeiros compradores da cadeia de contratos 'de gaveta' apresentados nos autos da decisão que revogou parcialmente a indisponibilidade dos bens, os quais adquiriram os imóveis anteriormente à decretação da indisponibilidade dos bens da construtora VIPE".

    É dizer, a notária entende que devem ser levados a registro todos os contratos particulares de compra e venda, respeitando-se, assim, a cadeia de transferências e o princípio da continuidade registral, até porque a Construtora VIPE Ltda não poderia ter alienado o imóvel diretamente aos recorrentes em 23.06.2008 sem que isso afrontasse a ordem de indisponibilidade antes decretada.

    Sabe-se que, pelo princípio da continuidade, o registro imobiliário deve observar o encadeamento das titularidades. É dizer, somente aquele que figura no fólio imobiliário como proprietário ostenta legitimidade para transmitir ou onerar os direitos envolvendo aquele bem.

    A propósito, Narciso Orlandi Neto leciona:

    "No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet. 'Sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir o imóvel nem, tampouco, onerá-'lo" (Das Inexatidões Registrais e sua Retificação, Revista de Direito Imobiliário, n.11, p.53).

    Assim, a rigor, não vislumbro ofensa ao princípio da continuidade, justo que a escritura foi outorgada por aquele que figura como proprietário no álbum imobiliário, e não por pessoa estranha ao registro.

    A Lei de Registros Públicos, em seu artigo 195, preceitua que,

    "Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro" (Sublinhei).

    O imóvel, repito, encontra-se registrado em nome da outorgante da escritura, de modo que não há, penso eu, ofensa à continuidade do registro.

    Além da suposta ofensa ao princípio da continuidade, a Oficial alega que na ação civil pública tombada sob nº 139.04.02254-1 ficou reconhecido que a propriedade do imóvel não mais pertencia à outorgante, tanto que foi determinado o levantamento da indisponibilidade que pendia sobre o bem, de modo que não podia ela ter transferido o bem aos recorrentes.

    Penso, contudo, que não compete ao Oficial do Registro enveredar por tal seara. Se a pessoa que outorgou a escritura figura no registro de imóveis como proprietária do bem, legítimo se perfaz o registro. Se há ou não a possibilidade de reconhecimento de algum vício em virtude da ordem de indisponibilidade antes referida, é questão a ser debatida pelos interessados em ação própria.

    Forte em tais considerações, estou em dar provimento ao apelo para julgar improcedente a suscitação de dúvida, determinando o registro da escritura pública referida na inicial.

    É como penso. É como voto.

    Declaração de voto vencido do Exmo. Sr. Des. Luiz Fernando Boller.

    APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA PELA TITULAR DO OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE PORTO BELO.

    PRETENDIDO REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA OUTORGADA POR CONSTRUTORA QUE, CONQUANTO CONSTE NA MATRÍCULA DO IMÓVEL COMO SENDO A PROPRIETÁRIA DO APARTAMENTO RESIDENCIAL, NÃO DETÉM, DE FATO, O DOMÍNIO PLENO DA UNIDADE.

    CIRCUNSTÂNCIA COMPROVADA NOS AUTOS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, NA QUAL FOI DETERMINADA A INDISPONIBILIDADE DE TODOS OS BENS DA SOBREDITA SOCIEDADE EMPRESÁRIA.

    CANCELAMENTO DO ÔNUS NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, DIANTE DA COMPROVAÇÃO DE QUE A RESPECTIVA PROPRIEDADE NÃO MAIS LHE PERTENCIA NO MOMENTO DA PROPOSITURA DA AÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.

    NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DE TODA A CADEIA CONTRATUAL DE COMPRA E VENDA ATÉ CHEGAR-SE AOS ATUAIS PROPRIETÁRIOS. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. EXEGESE DO ART. 195 DA LEI Nº 6.015/73.

    "O sistema de registro de imóveis funda-se na cadeia de titularidades que deve ser respeitada e, portanto, somente o titular da propriedade ou do direito real sobre determinado imóvel pode dele dispor ou aliená-lo"(Apelação Cível nº 2006.017397-8, de Pinhalzinho. Relator: Des. Jaime Luiz Vicari. Julgada em 05/11/2009).

    DEVER DA OFICIALA EM ZELAR PELO REGISTRO CONTÍNUO, SOB PENA DE RESPONDER PELA OMISSÃO OU PELA AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO.

    TRIBUTOS INCIDENTES QUE, COMO CONSECTÁRIO LÓGICO, DEVERÃO SER RECOLHIDOS AOS COFRES PÚBLICOS.

    INVIÁVEL ACOLHIMENTO DO PLEITO RECURSAL. SENTENÇA MANTIDA.

    RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

    VOTO

    Consoante o disposto no art. 195 da Lei n° 6.015/73, "o princípio fundamental dos assentamentos imobiliários, no Brasil, é o da continuidade" (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 535).

    Segundo o sobredito dispositivo, "se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro" (grifei).

    Acerca do assunto, da doutrina de Walter Ceneviva colhe-se que:

    Um dos princípios fundamentais do registro imobiliário, o da continuidade, determina o imprescindível encadeamento entre assentos pertinentes a um dado imóvel e às pessoas nele interessadas.

    A preocupação pela observação do princípio se retrata no número dos dispositivos que lhe são consagrados: o art. 197 quer que, estando o velho título registrado em cartório, o novo seja acompanhado de certidão atualizada daquele; os arts. 222 e 223 estabelecem a obrigatoriedade de referência à matrícula ou aos registros anteriores, na escritura ou no instrumento particular; art. 225, § 2º, afirma irregular o título em que a caracterização do imóvel não coincida com registro existente; finalmente, o art. 237 nega registro, mesmo a imóvel matriculado, sem apresentação do título precedente, não registrado, de modo a assegurar a continuidade. [...]

    O princípio da continuidade percorre duas linhas: a do imóvel, como transposto para os livros registrários, e a das pessoas com interesse nos registros. Ambas devem ser seguidas de modo rigoroso e ininterrupto, pelo sistema criado em lei.

    A continuidade do imóvel corresponde à persistência de matrícula inalterada ou, se o assento for anterior a 1º de janeiro de 1976, de transcrição ou inscrição precedente. Subsistem os mesmos característicos e a definição perimetral, mesmo que mudem os confrontantes.

    É continua a linha pessoal quando qualquer alteração do direito real registrado se relaciona com a pessoa em cujo nome o bem está lançado no cartório imobiliário. (CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos comentada. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 434/435).

    E segue o aludido jurista avultando que:

    O registro é sequencial, como deflui do princípio da continuidade, sobre o qual se assenta o núcleo da segurança a que faz menção o art. 1º da LRP. É reiterado, direta ou indiretamente, nos arts. 195, 197, 222, 223, 225, § 2º, 236 e 237. O rigoroso afeiçoamento a esse princípio dá característica distintiva ao sistema brasileiro.

    Desde 1928, quando editado o Decreto nº 18.542, a seqüencialidade está inserida expressamente no ordenamento nacional regulador do registro de imóveis, e em constante aperfeiçoamento. O decreto nº 4.857 a enunciava no art. 214, em 1939, ao dispor que, se o imóvel não estivesse lançado em nome do outorgante, o oficial exigiria a prévia transcrição do título antecedente, qualquer que fosse a sua natureza, para assegurar a continuidade do registro. No mesmo sentido dispunha o art. 244, vedando, "em qualquer caso", transcrição ou inscrição sem prévio registro anterior, com o declarado propósito de "assegurar a continuidade de cada prédio" (op. cit. p. 534/535).

    Sob tal premissa, após analisar detidamente o conjunto probatório encartado nos autos, constato que a Escritura Pública de Compra e Venda outorgada pela Construtora Vipe Ltda. a Fernanda Silva dos Anjos (fl. 29), não reflete a realidade dos fatos, desrespeitando o sobredito princípio da continuidade do registro imobiliário, circunstância que, via de consequência, impede o acolhimento das razões recursais.

    Isto porque, perscrutando-se os documentos de fls. 23/25, extrai-se que, em verdade, quem alienou para os apelantes o Apartamento nº 206 do edifício "Ilha dos Corais", localizado na avenida Leopoldo Zarling, em Bombinhas-SC, registrado sob a Matrícula nº 02338 no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo, foi Estela Maris Bassuma, que, por sua vez, adquiriu-o anteriormente de Stella Maris Construtora e Incorporadora Ltda. (fls. 20/22).

    Demais disto, conquanto a unidade residencial ainda encontre-se registrada em nome da Construtora Vipe Ltda., denoto que a respectiva propriedade não lhe pertence, conjuntura que restou evidenciada nos autos da Ação Civil Pública nº 139.04.002254-1 (disponível em <http://esaj.tjsc.jus.br/cpo/ pg/search.do?paginaConsulta=1&localPesquisa.cdLocal=139&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=SAJ&numeroDigitoAnoUnificado=&foroNumeroUnificado=&dePesquisaNuUnificado=&dePesquisa=139040022541> acesso nesta data), onde foi comandada a indisponibilidade de todos os bens da sobredita sociedade empresária.

    E justamente por ter restado comprovado que o imóvel foi vendido para terceiros de boa-fé antes da propositura da demanda pelo Ministério Público, é que o respectivo título foi cancelado, repercutindo no acerto da conduta da Oficiala Titular do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo-SC, ao negar o registro da escritura em análise, visto que a Construtora Vipe Ltda. não mais figurava como proprietária do referido bem, sendo este, em verdade, o único motivo para o cancelamento da Averbação nº av-1-02338 (fl. 30).

    Diga-se, a propósito, que por ocasião do julgamento de casos análogos, este pretório tem reiteradamente decidido que:

    [...] O registro de imóveis tem como finalidade tornar público, no plexo das relações jurídicas, os atos negociais dos indivíduos, perpetuando sua validade através do tempo e servindo como prova perante terceiros no que se refere à aquisição, transferência ou perda de direitos e obrigações. Um dos princípios basilares do Direito Imobiliário é o contido no art. 195 do referido diploma legal - o princípio da continuidade, que exige do registrador que não proceda qualquer ato sem que o imóvel esteja previamente matriculado e registrado em nome do outorgante. O art. 235 e seu parágrafo único da Lei n. 6.015/73 prevêem que o parcelamento do solo urbano, da qual são espécies o loteamento e o desmembramento, não prescinde da matrícula. O registro de qualquer destes tipos deve ser pedido ao respectivo cartório imobiliário dentro de 180 dias a partir da sua aprovação pela autoridade competente. O loteamento urbano, então, deve ser antecipadamente aprovado pelos órgãos competentes, e a inexistência de matrícula e a não regularização do loteamento impedem a venda ou promessa de venda de parcela sua, tal como dispõe o art. 37 da Lei n. 6.766/79, ad litteram et verbis: "É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento não registrado". Ainda que jurisprudência tenha se pacificado no que se refere à desnecessidade de prévio registro do compromisso de compra e venda para a propositura da ação de adjudicação compulsória, o mesmo não se pode dizer quando inexistente o registro do próprio loteamento, ou seja, quando é patente a sua irregularidade. Conforme já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça: "A disciplina do registro imobiliário homenageia, sobretudo as pessoas que adquirirão os lotes resultantes do parcelamento. É necessário que as pessoas - sobretudo aqueles mais pobres - tenham em perpétua segurança a propriedade que adquiriram" (REsp126372/SP - Apelação Cível nº 1998.015902-4, de Criciúma, rel.: Des. Carlos Prudêncio, j. 08/06/1999 - grifei)

    Bem como,

    AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE - ESCRITURA PÚBLICA - REGISTROS SUCESSIVOS NÃO COINCIDENTES - DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA ESPECIALIDADE E DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS - BOA-FÉ DOS ADQUIRENTES QUE NÃO É CAPAZ DE CONVALIDAR O VÍCIO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - APELOS DESPROVIDOS (Apelação Cível nº 2002.007809-9, de Joinville, rel.: Des. Orli Rodrigues, j. 20/04/2004).

    Igualmente,

    APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA REFERENTE À COMPRA DE IMÓVEL - PEDIDO REALIZADO CONTRA PESSOA QUE NÃO É O PROPRIETÁRIO DO BEM - OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. O sistema de registro de imóveis funda-se na cadeia de titularidades que deve ser respeitada e, portanto, somente o titular da propriedade ou do direito real sobre determinado imóvel pode dele dispor ou aliená-lo. PEDIDO SUCESSIVO - CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO OU, NO CASO DE IMPOSSIBILIDADE, RESCISÃO CONTRATUAL COM DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - COMPATIBILIDADE - CASSAÇÃO DA SENTENÇA - RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO. Não há incompatibilidade entre os pedidos sucessivos de cumprimento de um contrato e, não sendo isso possível, que esse mesmo contrato seja rescindido e o dinheiro pago devolvido (Apelação Cível nº 2006.017397-8, de Pinhalzinho, rel.: Des. Jaime Luiz Vicari, j. 05/11/2009 - grifei).

    No mesmo rumo:

    APELAÇÃO CÍVEL. OBRIGAÇÕES E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COMINATÓRIA. OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA E IMISSÃO NA POSSE. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. - PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL. PRETENSÃO CONTRA QUEM NÃO É PROPRIETÁRIO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS. VIOLAÇÃO. CARÊNCIA DE AÇÃO PRONUNCIADA EX OFFICIO. PRECEDENTES. - SENTENÇA DE OFÍCIO REFORMADA. RECURSO PREJUDICADO.

    A escritura pública somente pode ser outorgada por aquele que figura como proprietário do imóvel no registro imobiliário, sob pena de violação do princípio da continuidade.

    Se a integrante do polo passivo da demanda não é proprietária do bem - pois que titular apenas de contrato de compra e venda -, não há dizer-se que a pretensão é possível, eis que escritura apta a registro não pode emitir. Ademais, a cadeia de titulares foi desconstituída em ação declaratória cuja sentença passou em julgado, retornando a propriedade ao primitivo dono, fazendo imperiosa a extinção do processo, sem resolução de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido (art. 267, VI, do CPC - Apelação Cível nº 2009.005095-4, de São Francisco do Sul, rel.: Des. Henry Petry Junior, j. 14/07/2011 - grifei).

    Por fim:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA DE ARRESTO. IMÓVEL JÁ TRANSFERIDO NO CRI PARA A PROPRIEDADE DE TERCEIRO. TRANSFERÊNCIA OCORRIDA ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO E, PORTANTO, ANTES DA LIMINAR DE ARRESTO. PEDIDO DE AVERBAÇÃO/REGISTRO DO ARRESTO INDEFERIDO PELO JUÍZO A QUO. INVIABILIDADE DO REGISTRO SOB PENA DE FERIR-SE O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE REGISTRAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 237 DA LEI N. 6.015/1973. ALEGAÇÃO DE SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA. A simulação e a fraude contra credores, com o fim de anulação de atos jurídicos, devem ser objeto de ação própria, de modo que se possa alcançar todos os intervenientes do negócio questionado. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Agravo de Instrumento nº 2009.043980-6, de Tubarão, rel.: Des. Dinart Francisco Machado, j. 25/09/2012).

    Sobre a responsabilidade do serventuário pelo registro contínuo, Walter Ceneviva ensina que:

    O fiel garantidor da continuidade do registro é o oficial. Cabe-lhe exigir, ainda, a matrícula, que vale mesmo para o imóvel adquirido antes do CC/16. Elementos transpostos para a matrícula são os que constam do título, do registro anterior no mesmo cartório ou de certidões fornecidas por outras serventias sob cuja atribuição, anteriormente, esteve o registro. Prévia é adjetivo feminino, modificando matrícula, para afirmar seu imprescindível lançamento no registro imobiliário na vigência da LRP.

    O registro do título anterior será feito, se houver.

    Despertou controvérsia a dispensa de registro de compromisso particular referido no corpo de escritura definitiva de venda e compra, e nesta considerando cumprido. Não parece, hoje, que essa orientação seja a melhor. Quando o negócio definitivo mencione compromisso particular anterior, este deve ter seu registro exigido. A opção contrária frustra o princípio da continuidade. É o que resulta da amplitude irrestrita da expressão qualquer que seja a sua natureza. Natureza, neste artigo como no art. 194, vem no mesmo sentido de espécie. (Lei dos Registros Públicos comentada. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 435 - grifei).

    Segue o aludido doutrinador bradando que:

    O encadeamento necessário dos sucessivos registros é confiado à cuidadosa vigilância do oficial, que observará o "título anterior" e respectivos antecentes até atingir um que esteja registrando, até 1917, quando entrou em vigor o CC/16, tornando obrigatório o registro. Mesmo título anterior a 1917 pode ser exigido para exame, pelo oficial, embora não registrável compulsoriamente. (op. cit. p. 435).

    Ademais, o art. 289 da Lei nº 6.015/73 estatui que, "no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos imposto devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício".

    Ao comentar o aludido dispositivo legal, Walter Ceneviva leciona que:

    A leitura do art. 289 deve ser completada com a dos arts. 30 e 31 da LNR - Lei nº 8.935/94 -, que impõe a estes, enquanto delegados do Poder Público, a fiscalização do recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devam praticar.

    A tarefa deles é difícil em termos quantitativos (o número de leis fiscais nos três planos de governo, vigentes no mesmo dia, é em rigor, impossível de determinar), qualitativos (algumas são mal redigidas e contraditórias) e no da velocidade da transformação (continuam a ser editadas, sobretudo nos últimos meses do ano, com remissões confusas, que a jurisprudência absorve depois de muitos anos - op cit. p. 644).

    Em sendo assim, como bem ressaltou a togada singular,

    [...] os oficiais de registro de imóveis não podem ir contra o princípio da continuidade registral, uma vez que podem responder por omissão ou ausência de fiscalização, já que incidirão, assim, em falta funcional e estarão sujeitos ao ressarcimento aos cofres públicos dos impostos que deixaram de ser recolhidos (fl. 47).

    E, como consectário lógico da imposição do registro imobiliário dos contratos de cessões de direito de compromisso de compra e venda, deverão ser recolhidos aos cofres públicos os tributos concernentes, especialmente o ITBI-Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, visto que

    Ao lado da transmissão da propriedade, que configura o traspasse a terceiro do domínio pleno, também constitui hipótese de incidência do ITBI a transmissão de certos direitos, designados direitos reais limitados. [...]

    Terceira variável de hipótese de incidência do ITBI é a cessão de direitos à aquisição de imóveis. Ficam submetidas ao imposto, por exemplo, as cessões de compromisso de compra e venda, em que não se pactuou arrependimento, uma vez que se trata de cessão irretratável de direitos sobre a propriedade imobiliária (art. 1.417 do CC). Nestes específicos casos, a materialidade da hipótese de incidência do ITBI já não é mais a transmissão, mas apenas a cessão desse direito. [...]

    É certo que as cessões, juridicamente, não configuram transmissão da propriedade. Bem por isso, foram destacadas pela Constituição como variável para a criação do ITBI. O texto constitucional encampou expressamente essa terceira modalidade quando, ao discriminar a competência tributária do legislador municipal em matéria de ITBI, fixou a materialidade passível a ser descrita em lei, colocando ao lado da "transmissão da propriedade" e da "transmissão de certos direitos, designados direitos reais limitados", a variável"cessão de direitos a sua aquisição". Com essa atribuição de competência, previne a Carta Magna a possibilidade de sucessivas cessões de compromisso ficarem à ilharga do campo impositivo. Assim, também as cessões de direito de posse, bem assim as cessões de direitos hereditários, ficam submetidas ao imposto (BARRETO, Aires Fernandino. Curso de Direito Tributário. Coordenador Ives Gandra da Silva Martins. 10 ed. rev e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 944/946).

    Diante disso, não há que se falar em desacerto por parte da julgadora de 1º Grau, visto que não se evidencia a ocorrência de qualquer circunstância capaz de viabilizar o registro da aludida Escritura Pública sem que, antes, sejam inscritos todos os contratos pretéritos no registro do imóvel objeto da negociação, com o devido pagamento do imposto incidente, observando-se o princípio da continuidade registral, atendendo-se às determinações da Lei nº 6.015/73.

    Aliás, neste sentido, é a manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça:

    A sentença determinou que o registro não fosse feito sem que todos os contratos de compra e venda anteriores fossem registrados no Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo, em respeito ao princípio da continuidade registral, ratificando o proceder do oficial.

    Como razão de decidir, a magistrada entendeu que o caso comporta ferimento ao princípio da continuidade registral, uma vez que não registrar os contratos de compra e venda anteriores dá azo aos chamados "contratos de gaveta", o que é vedado pela Lei nº 6.075/73, além de comprometer negativamente o pleno exercício fiscalizatório próprio dos Oficiais.

    Penso que agiu corretamente a Juíza, bem como a Promotora de Justiça em exercício no primeiro grau.

    Isso porque, in casu, depreende-se que a notícia acerca da existência de contratos de compra e venda pretéritos não registrados (os chamados "contratos de gaveta") emergiu da ordem que cancelou a indisponibilidade lançada sobre os bens da Construtora Vipe Ltda., dentre eles o bem ora sob discussão, no bojo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Catarinense.

    Restou comprovado, portanto, que, anteriormente à decretação de indisponibilidade, alguns bens da construtora ré na ação civil pública já haviam sido transferidos para outros proprietários, o que motivou o cancelamento da citada indisponibilidade.

    Este fato, chegando ao conhecimento da Oficial, provocou a postura de que nenhuma escritura oriunda desses imóveis seria registrada sem que toda a cadeia de transferências até a alienante originária (Construtora Vipe Ltda.) fossem registrados, o que me parece completamente correto.

    Com efeito, a Oficial do Registro, ao tomar conhecimento de fato passível de averbação na matrícula do imóvel, e que pode, inclusive, interferir em direitos reais de terceiros, tem o dever de exigir o registro de toda a história registral do imóvel, sob pena de ferimento ao princípio da continuidade registral, o qual restou insculpido no artigo 195 da Lei de Registros Públicos, [...].

    Por fim, adicione-se que, muito embora esse posicionamento não represente a prática diuturna dos contratos de compra e venda imobiliários realizados pelo país, [...], penso que a solução vergastada indica o melhor caminho para a segurança registral dos imóveis, de modo que a prática de "contratos de gaveta" seja gradualmente eliminada (fls. 83/86).

    Dessarte, pronunciei-me no sentido de se conhecer e negar provimento ao reclamo, mantendo íntegro o decisum combatido.

    Florianópolis, 15 de agosto de 2013.

    Luiz Fernando Boller, Desembargador

    (D.J.E. de 22.08.2013)

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