BE758
Compartilhe:
O Mito da Zona Rural - Edésio Fernandes*
Muitos têm sido os avanços dos Municípios na ultima década na busca do pleno reconhecimento de seu lugar no contexto da federação brasileira.
De fato, a Constituição Federal de 1988 definiu de maneira explícita a autonomia municipal em termos políticos, legais e financeiros; posteriormente, as Leis Orgânicas Municipais consolidaram tal quadro. O fato é que, em que pesem as restrições do quadro nacional mais amplo e a herança pesada dos regimes anteriores, os Municípios brasileiros nunca foram tão ricos e politicamente fortalecidos.
Contudo, uma última barreira parece persistir: a noção - equivocada - de que o Município não tem competência para agir dentro das suas próprias zonas rurais. Em outras palavras, existe por todo lado um entendimento de que os Municípios não teriam jurisdição sobre a parte do território municipal reservada para atividades rurais, as quais seriam campo exclusivo da ação da União Federal, notadamente no que toca a disciplina do uso do solo.
Tal noção errônea tem gerado todo tipo de aberrações - da falta de concessão de alvarás de construção e de licenciamento de atividades na área rural a proliferação de assentamentos ilegais tais como muitos dos chamados "loteamentos fechados", "granjeamentos" e "condomínios horizontais", reconhecidamente para fins urbanos, além da freqüente localização de equipamentos institucionais do Estado e da União sem qualquer consulta aos Municípios.
Tentando evitar tais problemas e de forma a exercer maior controle sobre seus territórios, muitos Municípios têm optado por abolir totalmente as zonas rurais, abrindo a ocupação urbana - e a especulação imobiliária - mesmo àquelas áreas onde há genuína atividade agropecuária e/ou vocação rural. Além de afetar diretamente a produção rural, tais medidas têm também implicado, dentre outras coisas, em um maior comprometimento das áreas de preservação de mananciais e da cobertura vegetal existentes nas zonas rurais.
A grande ironia, contudo, e que cabe ao próprio Município delimitar tais zonas rurais (juntamente com as áreas urbanas e de expansão urbana) por lei municipal. Ora, um princípio básico do regime jurídico é o de que quem pode mais, pode menos: como, então, justificar a falta de competência municipal para agir sobre aquelas zonas criadas por lei municipal?
Na verdade, são duas as principais restrições do quadro legal vigente na ação dos Municípios nas zonas rurais: a determinação do tamanho mínimo do lote rural e a cobrança do imposto territorial rural (de cuja arrecadação o Município participa). No mais, toda e qualquer atividade que implique uso e ocupação do solo rural deve ser submetida a aprovação dos Municípios, com o que se faz necessária, além da formulação de uma política rural municipal, também a aprovação de diretrizes e critérios de uso e ocupação do solo.
O "mito da zona rural" tem origem na história de centralismo e autoritarismo do país e precisa ser corrigido com urgência. Ao invés de entregar seus territórios a ação ineficaz e incompetente do distante INCRA, transformando as zonas rurais em verdadeiras terras-de-ninguém; ao invés de ignorar a necessidade de enfrentar as questões rural e ambiental, facilitando a especulação imobiliária; ao invés de abolir as zonas rurais, os Municípios deveriam talvez acabar com as "Secretarias Municipais de Desenvolvimento Urbano", tal como elas existem, de forma a que elas se transformem em agências modernas de planejamento e promoção do desenvolvimento municipal integrado e sustentável.
* Edesio Fernandes é Advogado, Planejador Urbano, Pesquisador há 10 anos radicado na Inglaterra, onde conta com mestrado e doutorado pela Universidade de Warwick. Atualmente é Research Fellow da Universidade de Londres, onde trabalha com planejamento, políticas, legislação urbana e ambiental em países em desenvolvimento, inclusive Brasil. Trabalhou no PLAMBEL – Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, na Assembléia Constituinte. Outros artigos: "Law and Urban Change in Brazil" (Avebury, 1995), "Illegal Cities" (Zed Books, 1998), "Direito Urbanístico" (Del Rey, 1998) e "Enviromental Strategies for Sustainable Development in Urban Areas" (Ashgate, 1998)
Últimos boletins
-
BE 5576 - 14/05/2024
Confira nesta edição:
Terras públicas serão destinadas para regularização fundiária de territórios quilombolas | PL cria censo específico para identificar déficit habitacional | Homologado o resultado final do concurso para Serventias Extrajudiciais de Goiás | CENoR: IX Encontro de Direitos Reais, de Direito Registal Imobiliário e de Direito Notarial | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | A importância do registro do memorial de incorporação na incorporação imobiliária – por Debora de Castro da Rocha e Edilson Santos da Rocha | Jurisprudência do TJRJ | IRIB Responde.
-
BE 5575 - 13/05/2024
Confira nesta edição:
Entidades se mobilizam para auxiliar Serventias Extrajudiciais gaúchas | IRIB presta homenagem ao Dia das Mães | NOTA DE PESAR – AMÁLIA SCUDELER DE BARROS SANTOS | Solução de Consulta n. 128, de 09 de maio de 2024 | Circular CEF n. 1.054, de 10 de maio de 2024 | Seminário do STJ sobre mercado de carbono no Brasil será na quinta-feira | PL pretende afastar penhorabilidade de pequena propriedade rural atingida por calamidade | PQTA 2024: conheça os critérios de avaliação | Clipping | CENoR: SAVE THE DATE: IX Encontro de Direitos Reais, de Direito Registal Imobiliário e de Direito Notarial | XXIII Congreso Internacional de Derecho Registral IPRA-CINDER | Oficina notarial e registral: Cancelamento de hipotecas – Assinatura avançada versus qualificada – Parte I – por Sérgio Jacomino | Jurisprudência do CSMSP | IRIB Responde.
-
BE 5574 - 10/05/2024
Confira nesta edição:
Entidades se mobilizam para auxiliar Serventias Extrajudiciais gaúchas | Vice-Presidente do IRIB é convidado para conferência na Università degli Studi di Salerno | Decisões CN-CNJ | CINDRE aprova PLP sobre simplificação de procedimentos para solucionar disputas territoriais entre Municípios | Congresso Nacional derruba Vetos da Lei n. 14.756/2023 | Lei n. 14.757/2023 tem maior parte dos Vetos Presidenciais derrubados pelo CN | CENoR: SAVE THE DATE: IX Encontro de Direitos Reais, de Direito Registal Imobiliário e de Direito Notarial | O Registo Civil e a Cidadania Europeia | Os custos da escritura pública – e da falta dela: Ciência e senso comum na análise econômica do notariado – Parte 1 – por Alexandre Gonçalves Kassama | Jurisprudência do TJDFT | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
Últimas Notícias
- Formal de Partilha. Compra e venda – escritura pública – lavratura. Continuidade registral.
- Formal de Partilha. Divórcio consensual. Indisponibilidade – ex-cônjuge – varão. Imóvel adquirido pela ex-cônjuge virago a título de herança. Incomunicabilidade.
- A importância do registro do memorial de incorporação na incorporação imobiliária