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Cessão de crédito imobiliário e alienação fiduciária de bem imóvel objeto de compromisso de compra e venda registrado. - Consulta do Dr. Marcelo Terra, decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de SP e da Eg. Corregedoria-Geral da Justiça de SP.


No curso da AP III, vieram à baila a consulta formulada pelo Dr. Marcelo Terra, seguida de decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo e da Eg. Corregedoria-Geral da Justiça deste Estado.

O tema objeto desta AP está sendo debatido intensamente pelos registradores e demais estudiosos e especialistas de direito registral imobiliário.

Para permitir uma rápida consulta, disponibilizamos a todos os interessados as peças referidas, indicando que proximamente estaremos reunidos para a tomada de posição institucional acerca do tema debatido no âmbito desta Audiência Pública III (SJ).

Consulta do Dr. Marcelo Terra

EXMO. SR. DR. JUIZ DA 1ª VARA DE REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DE SÃO PAULO – SP – DD. JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE DOS REGISTROS DE IMÓVEIS.

BRAZILIAN SECURITES CIA. DE SECURITIZAÇÃO, com sede na Av. Paulista, nº 1.728, Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, inscrita no CPNJ/MF sob nº 03.767.538/0001-14, acompanhada por seus advogados ao final assinados (instrumento de mandato anexo – doc. 1), vem, respeitosamente, submeter à apreciação de V.Exa. o presente requerimento de PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS (Consulta), com a expedição de decisão com força normativa, pelos motivos de fato e de direito a seguir articulados.

I – DA APRECIAÇÃO DO PRESENTE REQUERIMENTO

1.1 Em inúmeras ocasiões, a DD. Corregedoria, quer a Geral, quer a Permanente da Comarca de São Paulo, preocupada com a boa distribuição da Justiça e a excelência dos trabalhos notariais e registrais e em evitar pendências e procedimentos desnecessários, vem atendendo a diversos requerimentos de consulta, inclusive relativos à interpretação de lei em tese, formulados por:

1.1.1 fundações, v.g., consulta formulada pelo PROCON – Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, objeto do parecer com caráter normativo, publicado no DOE – Pod. Jud. Cad. 1 – Parte I – nº 170 – 10.09.98 – pág. 04;

1.1.2 sociedades civis, v.g., consulta formulada pelo Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais – INOCOOP-SP, objeto do despacho normativo da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no Proc. CG 55.239/80, publicado na Revista de Direito Imobiliário vol. 7/143-7;

1.1.3 sindicatos, v.g., consulta formulada pelo SECOVI/SP, objeto da GAB/OFS/MAP – Exp. 1391/98, de 04 de dezembro de 1998;

1.1.4 Oficiais de Registros Imobiliários, v.g., consultas formuladas:

a) pela serventuária Dra. Maria Helena Leonel Gandolfo, do 10º Cartório de Registro de Imóveis, na representação de todos os Cartórios locais, à 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, cuja resposta, em forma de sentença, foi publicada em 14 de março de 1989;

b) pelo serventuário do 4º Registro de Imóveis, igualmente à 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, com resposta à consulta exarada em 29 de julho de 1983;

c) pelo serventuário do 16º Registro de Imóveis de São Paulo, que resultou, após decisão do MM. Juízo Corregedor Permanente, em recurso contra a sentença interposto pelo Dr. Curador de Registros Públicos ao Exmo. Sr. Des. Corregedor Geral de Justiça, com decisum publicado pela Editora Revista dos Tribunais, em edição dedicada às “Decisões administrativas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, 1987”, p. 127-30, coordenada pelo Des. Sylvio do Amaral;

d) pelo serventuário de Registro de Imóveis ao MM. Juiz Corregedor Permanente, que resultou em recurso interposto em Mandado de Segurança julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 13 de outubro de 1992, publicado em JSTJ 44/35;

e) pelo serventuário do 1º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto, perante o MM. Juiz Corregedor Permanente, com posterior remessa dos autos à E. Corregedoria Geral da Justiça, que equacionou a questão na forma da decisão exarada em 29 de dezembro de 1988.

1.1.5 Oficiais de Registros Civis, v.g., consulta formulada pela serventuária do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais à 2ª Vara de Registros Públicos, a respeito de mandado expedido pelo MM. Juiz da Primeira Vara de Família e Sucessões do Foro Regional do Jabaquara, com decisão emitida em 1º de outubro de 1992; solicitando-se, em todos os casos, a interpretação da  Corregedoria Permanente e da Corregedoria Geral de Justiça a respeito de textos de lei, questões doutrinárias, dentre outros.

1.2 A presente consulta é formulada considerando-se que, a prevalecer o estabelecido de maneira genérica nas normas de Serviço da Corregedoria, a Requerente ver-se-á obrigada a apresentar um título concreto junto ao Registro de Imóveis, demandando, com isto, um dispêndio enorme de tempo e dinheiro, para, na seqüência, ocorrer a suscitação de dúvida, com a possibilidade de ser, ao final, eventualmente declarada a impossibilidade do registro pleiteado, o que lançaria por terra todo o esforço pessoal, econômico e financeiro em vão despendidos.

1.3 De ordinário, o sistema jurídico mostra-se suficiente à aplicação da norma de imediato ao problema a ser solucionado. Contudo, vezes há em que o sistema mostra-se insuficiente ou inadequado, e surgindo a necessidade do recurso aos meios de integração do direito (cf. R. Limongi França “Instituições de direito civil”, p. 39. 4º ed. atual. São Paulo, Saraiva, 1996).

1.4 Almejando alcançar os mesmos desideratos antes indicados – a boa distribuição da Justiça e evitar e procedimentos desnecessários – a Requerente, no texto ora articulado, em primeiro lugar, apresenta a realidade dos fatos jurídicos, que evolveram até a emissão da Cédula de Crédito Imobiliário, demonstrando, na seqüência, as peculiaridades próprias do sistema registrário atinente à espécie, para, em conclusão, requerer a integração da norma de atuação da Corregedoria Permanente à realidade desses fatos.

1.5 Destarte, a Requerente submete à apreciação de V.Exa. o presente requerimento, o qual deverá ser conhecido em face da relevância prática e atual da interpretação perseguida, proferindo-se a sentença respectiva e atribuindo-se-lhe o caráter normativo para o caso concreto, prevalecendo integralmente o teor da decisão a ser exarada, quando da apresentação dos documentos e da realização dos atos registrários especificados adiante.

1.6 Outrossim, igualmente deve ser conhecido o presente requerimento, em face da admissibilidade, pelo nosso ordenamento, da apresentação da “dúvida inversa”.

1.7 Apresentado o título, tem o interessado a possibilidade de suscitação da “dúvida inversa”, por ele próprio, interessado, ocasião em que o título será prenotado e remetido ao Juízo competente, nos termos do item 30.1, do capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria, “in verbis”:

“30.1 Ocorrendo direta suscitação pelo próprio interessado (“dúvida inversa”), o título também deverá ser prenotado, ...”

1.8 Ora, admitida a possibilidade da parte suscitar diretamente à Corregedoria dúvida a respeito de determinado assunto, não existe argumento plausível que possa obstar a apresentação dessa dúvida desacompanhada do protocolo de um documento, qualquer que seja ele, junto ao Registro de Imóveis, razão pela qual, também por isso, a Requerente apresenta a V.Exa. a consulta ora articulada.

II – DOS FATOS JURÍDICO-REGISTRÁRIOS

2.1 Com o registro do Memorial de Incorporação junto ao Oficial de Registro de Imóveis competente, as unidades autônomas são alienadas pela Incorporadora a terceiros, por intermédio de compromissos de venda e compra, celebrados por escritura pública ou instrumento particular.

2.2 Uma vez concluída a construção e estando em dia com o cumprimento de sua obrigação de pagamento das parcelas do preço, os compromissários compradores são imitidos na posse, ainda que provisória, das unidades autônomas.

2.3 Muitas vezes, a Incorporadora não contrata financiamento à produção, encontrando-se o imóvel livre e desembaraçado de quaisquer ônus, pois, nesse caso, a modalidade incorporativa é aquela que o mercado convencionou denominar como “venda direta pelo incorporador”.

2.4 Nessa tipologia negocial, a Incorporadora retém em sua carteira os recebíveis decorrentes da venda e compra, então compromissada, outorgando, no mais das vezes, a escritura definitiva de venda e compra ao compromissário comprador ou a terceiros de sua indicação, ao final do pagamento integral do preço.

2.5 Considerando que a função da Incorporadora é de promover a incorporação e a construção e não a de financiar o pagamento do preço a longo prazo, com a conseqüente descapitalização da empresa e sua inibição a promover mais empreendimentos, há todo um interesse de política governamental macro-econômica em estimular a oxigenação do mercado, mediante atribuir a cada agente econômica o exercício de sua atividade nata.

2.6 Vale dizer, ao incorporador cabe a função de comprar o terreno (sua principal matéria prima!),  sonhar o projeto, elaborá-lo, aprová-lo, registrar o memorial de incorporação, vender as unidades autônomas, edificar o prédio, entregar as unidades aos compradores e a lhes transmitir o domínio, quando do pagamento do preço.

2.7 Não é atividade típica do incorporador a de receber o preço em longo ou longuíssimo prazo. O financiamento a prazo mais cabe às instituições financeiras e a outros entes habilitados para tanto.

III – DA BRAZILIAN SECURITIES, ENQUANTO COMPANHIA SECURITIZADORA

3.1 Nessa linha, a Lei 9.514/97, que “Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências”, disciplina, pela primeira vez na história legislativa brasileira, as companhias securitizadoras de créditos imobiliários, classificadas como instituições não financeiras, constituídas sob a forma de sociedade por ações, tendo por finalidade a aquisição e securitização desses créditos e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários, podendo, ainda, emitir outros títulos de crédito, realizar negócios e prestar serviços compatíveis com suas atividades (art. 3º), podendo o Conselho Monetário Nacional – CMN fixar condições para seu funcionamento (art. 3º, parágrafo único).

3.2 A Brazilian Securities, ora Requerente, é uma companhia securitizadora, estando espelhado em seu objeto social (estatuto social anexo – doc.2), que

“Artigo3º. A Companhia tem por objeto: I) Aquisição e securitização de créditos hipotecários e de créditos imobiliários, assim compreendida a compra, venda e prestação das respectivas garantias em créditos hipotecários e imobiliários. II) Emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI’s), podendo emitir outros títulos de crédito; III) Prestação de serviços e realização de outros negócios referentes a operações no mercado secundário de hipotecas e de créditos imobiliários, de acordo com a Lei 9.514 de 20/11/1997 e das normas que vierem alterá-la ou complementá-la.”

3.3 No alcance de seu objeto social, a Requerente exerce uma função de intermediária. De um lado, adquire recebíveis imobiliários originados de contratos de venda e compra (definitivos ou preliminares) celebrados por empresas incorporadoras. De outra banda, emite, com lastro naqueles recebíveis, certificados de recebíveis imobiliários (“título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro”, segundo a dicção do art. 6º, da Lei 9.514/97).

3.4 Adquirindo os recebíveis imobiliárias de suas originadoras, as incorporadoras imobiliárias, a Requerente solicita à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) o registro provisório de emissão dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), legitimando-se a negociar tais CRI no mercado de valores mobiliários e financeiro.

3.5 Em seqüência, a Requerente emite o respectivo Termo de Securitização de Recebíveis, instituindo, sobre os CRI de sua emissão, o competente regime fiduciário, mediante seu registro na matrícula de cada unidade autônoma, tudo para garantia do investidor comprador do CRI, pois, com o regime fiduciário, ocorre uma segregação patrimonial, a constituição de um patrimônio separado, isolando o CRI adquirido pelo investidor, que não se confundirá com o patrimônio geral da Requerente, nem com qualquer outra emissão de CRI de alguma outra origem.

3.6 Finalizando o rol de garantias do investidor, comprador do CRI, são contratados os serviços de um “trustee” da operação, que exercerá a função de sua gestão sob a ótica daquele investidor e, na hipótese de má gestão, da Requerente, assumir a administração dos recebíveis, dando continuidade a todas as atividades necessárias para assegurar o regular pagamento dos CRI a seus portadores.

3.7 Ao final dessa estruturação, o investidor, adquirente do CRI, alcança seu objetivo triplo:

a) – investe seu capital em garantia imobiliária e com as vantagens decorrentes da alienação fiduciária de coisa imóvel;

b) – não assume o risco de eventual quebra da Incorporadora, originadora dos recebíveis imobiliários, que lastrearam a emissão da Cédula de Crédito Imobiliário (CCI);

c) – não assume o risco de eventual quebra da Companhia Securitizadora, originadora dos Certificados de Recebíveis Imobiliários, que se encontram lastreados na Cédula de Crédito Imobiliário (CCI).

3.8 De todo o exposto, é muito fácil de se perceber que a securitização atende, fundamentalmente, do ponto de vista do tomador de recursos

“...ao objetivo de obtenção de uma fonte alternativa de recursos, com redução de custos, seja por via direta, mediante diminuição da taxa de juros, ou por via indireta, com o encurtamento dos prazo de retorno de ativos imobilizados, por meio de títulos de dívida, e, do ponto de vista do investidor, pode viabilizar o objetivo de dispor de uma modalidade de investimento que pode oferecer vantagens, comparativamente com outros papéis do mercado, em razão da maior rentabilidade e maior segurança, pois a redução de riscos, ou sua relativa eliminação, é um dos propósitos fundamentais do processo de securitização” (“Negócio Fiduciário”, págs. 268/269, Melhim Namem Chalhub, Renovar, 1.998).

3.10 Se o investidor, adquirente do Certificado dos Recebíveis Imobiliários (CRI), sentir confiança no investimento de longo prazo, mais recursos advirão à Companhia Securitizadora, destas para a Incorporadora e destas para novos empreendimentos, ajudando, assim, a não desejada diminuição do conhecido “déficit” habitacional, com possível redução nas taxas de juros hoje praticadas (maior oferta de recursos), além de aumentar significativamente a oferta de empregos para a mão de obra menos qualificada.

IV – DA CESSÃO DOS RECEBÍVEIS

4.1 Objetivando agilizar e prover ainda mais esse mercado, editou-se recentemente (4 de setembro de 2001), a Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001, permitindo que na qualidade de credora da carteira de recebíveis imobiliários corresponde aos créditos correspondentes aos contratos de venda e compra das unidades autônomas, as Incorporadoras, as Construtoras e a própria Requerente emitam Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) para representar esses créditos imobiliários, segundo seu art. 7º.

4.2 Nos termos do §3º do art. 7º  da Medida Provisória nº 2.223/01, poderá a CCI ser emitida com garantia real, hipótese em que essa emissão será averbada no Registro de Imóveis da situação do imóvel, na respectiva matrícula, sendo considerados, a averbação da emissão CCI e o registro da garantia do crédito respectivo, quando solicitados simultaneamente, ato único para efeito de cobrança de emolumentos (§§ 5º e 6º).

4.3 A emissão e a negociação da CCI, qualquer que seja a modalidade de garantia estabelecida, independe de autorização do devedor do crédito imobiliário que ela representa, in verbis:

“A emissão e a negociação de CCI independe de autorização do devedor do crédito imobiliário que ela representa”  ( art. 10 da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001).

4.4 A cessão de crédito será regularmente notificada aos condôminos para os fins e efeitos de direito e averbada em cada matrícula das unidades autônomas (Lei de Registros Públicos, art. 167, II, alínea 21, acrescentada pelo art. 21, da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001), sendo vedada a averbação de sua emissão com garantia real quando houver prenotação ou registro de qualquer outro ônus real sobre os direitos imobiliários respectivos, inclusive penhora ou averbação de qualquer mandado ou ação judicial (art. 14, da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001).

4.5 Mediante a utilização do processo de securitização de recebíveis, previsto na forma da Lei Federal nº 9.514/97, os créditos representados pela Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) serão expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, denominados Certificados de Recebíveis Imobiliários, lavrados por  companhia securitizadora, como a Requerente, deles constando, dentre outros elementos, a forma de garantia de resgate dos títulos série emitida (art. 8º).

4.6 O art. 17 da Lei nº 9.514/97  estabelece, por outro lado, as espécies de garantia que poderão respaldar as operações de financiamento imobiliário, quais sejam: hipoteca, cessão fiduciária de direitos creditórios, caução de direitos creditórios ou aquisitivos, alienação fiduciária de coisa imóvel.

4.7 Outrossim, realizada a securitização dos recebíveis, em face das peculiaridades da negociação, a Incorporadora pode não responder pela solvência do condômino-devedor, ressalvada, por evidente, a responsabilidade daquela quanto à existência do crédito à época da cessão (art. 1.073 do Código Civil).

4.8 Portanto, a emissão da Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), realizada com base na carteira de recebíveis imobiliários da Incorporadora, objetiva a cessão do crédito para a Requerente.

4.9 Diante das garantias enumeradas na lei, na maior parte das vezes o Crédito Imobiliário não possui outra garantia, além da transferência da propriedade resolúvel da coisa imóvel, conforme previsto nos artigos 22 e seguintes da Lei nº 9.514/97, que prevê, diante da constituição em mora do fiduciante, a consolidação da propriedade em nome do fiduciário (art. 26), ficando assegurado a ele, fiduciário, seu cessionário ou sucessores, inclusive ao adquirente do imóvel por força do público leilão, a reintegração na posse do imóvel (art. 30).

V – DA ESTRUTURAÇÃO JURÍDICA DAS OPERAÇÕES

5.1 Como antes explanado, quando da alienação de unidade autônoma em edifício a construir ou em construção, a  Incorporadora assume, perante o condomínio, duas obrigações básicas, a de construir o prédio e entregar a posse da unidade na forma e no tempo combinados em contrato e a de lhe transferir o domínio, outorgando-lhe a correspondente escritura de venda e compra, uma vez pago o preço.

5.2 Cumprida pela Incorporadora a obrigação de construir e entregar a posse da unidade autônoma, sem qualquer ressalva pelos condôminos, resta-lhe a obrigação de transferir domínio (art. 29 da Lei nº 4.591/64).

5.3 A Requerente, enquanto companhia securitizadora de recebíveis imobiliários, está planejando a aquisição de créditos imobiliários de algumas empresas incorporadoras, que tenham as seguintes características básicas:

a) – que os contratos de compromisso de venda e compra estejam regularmente formalizados, inclusive com a prova da apresentação e/ou da dispensa da exibição das certidões da Receita Federal e/ou do INSS, estando ou não registrados;

b) – que o prédio esteja construído, com sua construção devidamente averbada e regularmente registrada a instituição e a convenção condominiais;

c) – que o condômino esteja imitido na posse do imóvel;

d) – que a empresa Incorporadora tenha emitido a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) na forma da lei;

e) – que a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) seja registrável na matrícula da cada unidade autônoma;

f) – que a forma de pagamento do preço (valor global, condições, valor de cada parcela, modo de correção monetária, de cálculo de juros compensatórios) ajustada entre a Incorporadora e o compromissário comprador se mantenha integralmente sem qualquer alteração ou modificação;

g) – que em garantia do pagamento do preço pelo compromissário comprador, tal como contratado originalmente, seja transmitida em garantia à Requerente a propriedade fiduciária daquela unidade autônoma;

h) – que, como outorgante da garantia (propriedade fiduciária) compareça a empresa Incorporadora, como terceira garantidora, exatamente como permitido pelo art. 19, da Medida Provisória 2.223/01, sem que ela, empresa Incorporadora, assuma qualquer responsabilidade pelo pagamento do débito;

i) – que, no mesmo ato, a Incorporadora outorgue mandato à Requerente, em caráter irrevogável e irretratável, como condição de negócio, na forma do art. 1.317, I e II, do Código Civil Brasileiro, com a finalidade especial e única de representá-la em escritura de venda e compra a ser lavrada em favor do condômino, se e quando paga a totalidade do preço da venda e compra, de modo que não mais se necessite o comparecimento pessoal da Incorporadora, evitando-se, assim, a necessidade de o comprador ajuizar ação de adjudicação compulsória ou de execução de obrigação de fazer ou qualquer outra assemelhada e com o mesmo objetivo.

5.4 Concretizada a cessão do crédito, mediante a prévia emissão da Cédula de Crédito Imobiliário e sua posterior negociação pela Incorporação à Requerente, o pagamento do preço, pelo compromissário comprador, tem como garantia o próprio imóvel por ele adquirido.

5.5 Para que dúvidas não pairem, a Requerente esclarece, de pronto, que a obrigação do condômino, compromissário comprador, continua exatamente a mesma, quer na sua extensão ou intensidade. Em outras palavras, em momento algum, o compromissário comprador assume qualquer responsabilidade outra que não aquela por ele voluntariamente contratada, quando de seu ingresso no empreendimento.

5.6 A garantia outorgada em favor da Requerente é, como se disse, a propriedade fiduciária regrada na Lei 9.514/97, com as alterações introduzidas pela Medida Provisória 2.223, tantas vezes aqui citada.

5.7. Tal garantia assegura o pagamento do preço da venda e compra, então compromissada, pelo condômino adquirente, nem mais, nem menos.

5.8 A Requerente se obrigará, expressamente, a respeitar o contrato de compromisso de venda e compra, reconhecendo aquele determinado condômino como único e exclusivo titular do direito de aquisição, ainda que seu respectivo contrato não se encontra inscrito.

5.9 Ao fim e ao cabo do cumprimento integral da obrigação de pagamento do preço, será conferida ao condômino a competente escritura de venda e compra pela Incorporadora, esta representada pela Requerente, como sua bastante procuradora e mandatária.

5.10 Se e quando ocorrer a mora do condômino, este será notificado para purgar sua mora, sendo certo que o procedimento respectivo se processará perante o Oficial Registrador, exatamente nos limites e para as finalidades da Lei 9.514/97.

5.11 Na hipótese de o condômino não purgar sua mora, esta se converterá em inadimplemento absoluto e, após o recolhimento do imposto de transmissão, a propriedade plena se consolidará na pessoa da Requerente, que deverá, na forma da lei, tentar vender em leilão extrajudicial o imóvel e estará apta, então, a ingressar com a competente ação de reintegração de posse.

5.12 Mesmo em face da volumosa legislação específica a respeito, mas certamente por força de sua novidade, as Normas de Serviço da Corregedoria não fazem qualquer expressa ressalva para a hipótese de ocorrência das particularidades antes apontadas, o que certamente pode ocasionar dúvidas nos Srs. Oficiais de Registro de Imóveis.

VI – DA CONSULTA

6.1 Diante das lacunas verificadas nas Normas de Serviço da Corregedoria, conforme acima exposto, resultam as seguintes questões jurídicas, objeto de consulta a V.Exa., assim expressas:

a) – é possível a transferência dos créditos de titulação do Incorporador à Companhia Securitizadora, mediante a instituição da alienação fiduciária do imóvel e o registro da Cédula de Crédito Imobiliário, independentemente da expressa a concordância do compromissário comprador?

b) – é possível o registro da Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) mesmo sem o antecedente registro do contrato de compromisso de venda e compra, originador do crédito representado na CCI e cedido?

c) – aplica-se a ele, compromissário comprador, o procedimento previsto na Lei nº 9.514/97, na hipótese de seu próprio inadimplemento?

6.2 Para o auxílio no enfrentamento dessas questões, em especial no que concerne à possibilidade da transferência dos créditos de titulação da Incorporadora à Companhia Securitizadora, mediante a instituição da alienação fiduciária do imóvel e o registro da Cédula de Crédito Imobiliário sem a expressa concordância do compromissário comprador, a Requerente apresenta as considerações seguintes.

VII – DA REGISTRABILIDADE DO CCI

7.1 A emissão e a negociação da CCI, qualquer que seja a modalidade de garantia estabelecida, independe de autorização do devedor do crédito imobiliário que ela representa, in verbis:

“A emissão e a negociação de CCI independe de autorização do devedor do crédito imobiliário que ela representa”  (art. 10 da Medida Provisória nº 2.223, de 4 de setembro de 2001).

7.2 Isto porque, com a averbação da emissão da CCI e o registro da garantia do crédito respectivo, dá-se, por intermédio da averbação e do registro no fólio real, a publicidade erga omnes, de maneira que a presunção de conhecimento da emissão da Cédula de Crédito Imobiliário alcance todos os terceiros. Nessa linha de pensar, Augustin Washington Rodríguez define a publicidade formal como

“o meio pelo qual se leva ao conhecimento do público o estado jurídico dos bens imóveis”  (Publicidad immobiliaria, p. 15. Buenos Aires, Depalma, 1974).

7.3. Nesse processo de emissão da Cédula de Crédito Imobiliário, garantida pelo direito real consubstanciado na alienação fiduciária, a Incorporadora comparece como constituinte da garantia, mas não como devedora da obrigação. Vale dizer, a Incorporadora aliena fiduciariamente (isto é, transmite em garantia) o imóvel para garantir uma prestação devida pelo adquirente da unidade condominial, sem que ela, alienante e Incorporadora, assuma qualquer solidariedade com o compromissário comprador ou responsabilidade pela dívida deste último.

7.4 Ainda que ponderável parte da doutrina ensine que o compromisso de venda e compra tenha o conteúdo e o alcance de uma “quase transferência de domínio”, restando ao compromitente vendedor uma quase nua-propriedade”, a realidade formal e registrária é uma somente: enquanto não inscrito qualquer título transmissivo de domínio (e não o mero registro de um contrato de compromisso de venda e compra) a propriedade é daquele que ali se apresenta como tal.

7.5 Destarte, a alienação fiduciária, pela vendedora e Incorporadora, do imóvel anteriormente compromissado, mesmo diante do registro do título (contrato de compromisso de venda e compra) em nada, absolutamente nada, ofende aos princípios registrários da prioridade e da continuidade.

7.6 Isto porque, o direito real gerado pelo registro do compromisso de venda e compra e o direito real da garantia correspondente à alienação fiduciária não são incompatíveis reciprocamente, não existindo obstáculo a que a incorporadora transfira a propriedade resolúvel, a título de garantia fiduciária, em favor da Requerente imóvel por aquela anteriormente compromissado à venda ao candidato a titular do domínio.

7.7 Deveras, se a alienação fiduciária em garantia objetiva garantir o cumprimento da obrigação do adquirente (e somente dele), não existe qualquer restrição legal à instituição da garantia sem a expressa anuência do compromissário comprador; vale dizer, se o adquirente pagar o preço à Requerente, que se sub- rogou nos direitos e obrigações inerentes à propriedade, nos termos do art. 28 da lei 9.514/97, terá direito à escritura de venda e compra e à liberação da garantia estabelecida, não se lhe impondo qualquer risco jurídico decorrente de eventual inadimplemento da Incorporadora.

VIII – DA INTEGRAÇÃO DAS NORMAS DE SERVIÇO DA CORREGEDORIA

8.1 Ao elaborar as normas de serviço, com reflexos na órbita jurídica civil e registrária, o legislador pretendeu construir um arcabouço de preceitos para um futuro à evidência não previsível, preceitos estes que, dada a infinita complexidade da praxis e à constante inovação legislativa, não consegue abranger todas as hipóteses possíveis de conduta. Quando uma circunstância não contemplada pela norma surge, a solução do caso concreto constitui para os aplicadores do direito, em especial para os magistrados, desafio de escol. Nas palavras de Maria Helena Diniz:

“... o juiz encontra-se, algumas vezes, de fato, ante a questão problemática, de decidir casos não previstos pelas normas jurídicas (lacuna normativa), normados injustamente (lacuna axiológica), ou estabelecidos em preceitos não correspondentes à realidade fático-social (lacuna ontológica). Daí a importante missão dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução, que dão ao magistrado, que não pode furtar-se a uma decisão, a possibilidade de integrar essa lacunas, de forma que possa chegar a uma solução adequada.

Trata-se de um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente. É nesse desenvolvimento aberto que o aplicador adquire consciência da modificação que as normas experimentam, continuamente, ao serem aplicadas às mais diversas relações da vida, chegando a se apresentar, no sistema jurídico, omissões concernentes a uma nova exigência da vida. Essa permissão de desenvolver o direito compete aos aplicadores sempre que se apresentar uma lacuna”  (“As lacunas no direito”, p. 279.4.ed. São Paulo, Saraiva, 1997).

8.2 Dentro desse encadeamento de idéias, adverte Eduardo Espínola:

“Não podem as relações sociais, pela exuberância e pela rebeldia da sua natureza, sujeitar-se a ficarem manietadas pelo espartilho de aço, que lhes queiram aplicar preceitos atrasados; se isso fosse possível, todas as aspirações da vida real seriam esmagadas, o comércio jurídico ficaria entravado e a ordem jurídica, falhando à sua missão de, com a sábia disciplina, incrementar o progresso das sociedades, transformar-se-ia num entrave, num deplorável elemento constritor”  )”(“A lei de introdução ao Código Civil brasileiro”, p. 186. vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1995).

8.3 Isto porque, como exposto por Miguel Reale, o Direito não é só norma, mas constitui um processo de natureza integrante, cada norma representando, em dado momento histórico e em função de determinadas circunstâncias, a compreensão operacional compatível com a incidência de certos valores sobre fatos múltiplos, que condicionam a formação dos modelos jurídicos e a sua aplicação (“Teoria tridimensional do direito”, p. 74. 5º ed. rev. e reestruturada. São Paulo, Saraiva, 1994). Utilizando da experiência jurídica acumulada em sua prática forense, o jurista expôs o seguinte exemplo:

“...meu cliente resolveu derrubar uma parede para aumentar sua oficina. Sabendo disso, o locador entrou na mesma hora com uma ação de despejo, porque havia uma cláusula no contrato que proibia alterações no imóvel locado. ... disse ao Tribunal de São Paulo mais ou menos o seguinte: “Ilustres Desembargadores, o que houve foi uma mudança essencial no plano dos fatos. O Código Civil brasileiro foi feito numa época em que as paredes sustentavam edifícios, mas, hoje em dia, quando os edifícios têm estrutura metálica, ou de cimento armado, as paredes internas são removíveis com se fossem tapumes, não afetam a estrutura do edifício. ... E eu ganhei a causa e ainda mais experiência jurídica” (Miguel Reale, op. cit., p. 127).

IX -  DA CÉDULA DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO – CCI

9.1 Na hipótese jurídica posta, que constitui o objeto da presente consulta, efetuada a cessão de crédito pela Incorporadora, os créditos são da titularidade da Requerente. Desse modo, o adquirente há de continuar pagando as parcelas do preço à cessionária dos recebíveis imobiliários exatamente mas mesmas condições (prazo e valores) que contratara; seu inadimplemento gera, na modelagem proposta, a execução extrajudicial prevista na Lei nº 9.514/97.

9.2 A Cédula de Crédito Imobiliário – CCI, emitida com a garantia da alienação fiduciária do imóvel incorporado, possui todos os elementos do compromisso de venda e compra que representa, constituindo, seu registro, reconhecimento da obrigação da Requerente de outorgar a escritura definitiva do imóvel ao término do pagamento das obrigações prometidas.

9.3 Com a transferência do crédito para a Requerente, a incorporadora recebe ao preço da unidade condominial e transfere a ela, Requerente, a propriedade resolúvel dessa unidade. Portanto, não restou à incorporadora nenhum direito sobre o imóvel ou sobre o crédito, o que significa eliminar, para o adquirente, os riscos provenientes de uma eventual insolvência da empreendedora.

9.4 Resta gizar que, no regime fiduciário, o patrimônio constituído pelos recebíveis não se confunde com o patrimônio da securitizadora, ora Requerente, o que garante o adquirente, também por isso, de eventuais dificuldades surgidas na economia. Além disso, nas escrituras de cessão de direitos, o incorporador outorga poderes específicos à securitizadora para outorgar a escritura definitiva de venda e compra.

X – DO REQUERIMENTO

10.1 Em face do exposto, a Requerente espera que V.Exa. acolha o entendimento expresso na presente consulta, de acordo com o qual, com fulcro na necessidade adequada das normas de atuação da Corregedoria, deverá ser determinada a averbação da Cédula de Crédito Imobiliário – CCI, emitida pela Incorporadora, representativa da cessão de crédito imobiliário, sem que exista a necessidade de concordância do compromissário comprador, bem como o registro prévio do respectivo contrato de compromisso de venda e compra.

10.2 Com a recepção desse entendimento por V.Exa., a Requerente requer, após manifestação do Ministério Público, o acolhimento da presente consulta, proferindo-se a respectiva sentença, decisão esta que deverá, para a espécie, preenchidos os demais requisitos legais, atribuir caráter normativo ao caso concreto, no que respeita aos Registros de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Paulo, 23 de setembro de 2002.

BRAZILIAN SECURITES CIA. DE SECURITIZAÇÃO

p.p.
Marcelo Terra
OAB/SP nº 53.205

p.p.
Everaldo Augusto Cambler
OAB/SP nº 68.312

Decisão da 1ª Vara de Registros Públicos – SP

Processo nº 000.02.185341-0

Vistos, etc...

Cuida-se de procedimento administrativo intentado por BRAZILIAN SECURITES CIA. DE SECURITIZAÇÃO. Sob a forma de consulta, informa que com o registro do memorial de Incorporação junto ao RI, a incorporadora promove a alienação das unidades autônomas, por compromissos de compra e venda. Com a conclusão da edificação se materializa a imissão, desde que exista o cumprimento das obrigações pecuniárias. A requerente, nos termos da Lei 9.514/97, tem incumbência da aquisição e securitização dos recebíveis dos imóveis incorporados, e a emissão e colocação no mercado financeiro dos CRIs, exercendo uma função intermediária. A legitimidade para negociar os CRIs, decorre de registro provisório junto à C.V.M.. A requerente emite o TERMO DE SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS instituindo sobre os CRIs, o regime fiduciário, mediante seu registro na matrícula de cada unidade autônoma, para a constituição desta forma de segregação patrimonial. Que nos termos da MP 2223 foi permitida às Incorporadoras, às Construtoras e à requerente, a emissão de Cédulas de Crédito Imobiliário – CCI, sendo que a emissão destas e a negociação, independe da autorização do DEVEDOR IMOBILIÁRIO. Requer que sejam disciplinadas e estabelecidas as regras para a averbação das CCIS emitidas pelas Incorporadoras. Entende que este ato registral independe da concordância do promitente comprador, bem como, independe do registro do respectivo compromisso.

Instada a se manifestar a ARISP apresentou parecer elaborado por sua Assessoria Jurídica.

O Ministério Público em seu parecer, sustentou a inviabilidade do pedido, pugnando pela extinção da ação.

É o relatório.

DECIDO:

Pretende o requerente que seja previamente esclarecida a sistemática REGISTRAL necessária para a AVERBAÇÃO das CÉDULAS DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO, emitidas em compasso com a Lei 9.514/99 e Medida Provisória 2.223/01.

A requerente suscita questões registrais basicamente de duas ordens. Em primeiro lugar indaga sobre a necessidade da CONCORDÂNCIA ou anuência dos compromissários compradores com a cessão e averbação dos títulos em referência. O segundo aspecto questionado, diz respeito à necessidade de prévio registro dos compromissos de compra e venda para emissão das CCIs.

Inicialmente é de se observar que muito embora a função correcional não se estenda além da análise dos casos concretos e efetivos que envolvam questões intrínsecas registrais, é correto entender que a função fiscalizadora das CORREGEDORIAS PERMANENTES, bem como da mais alta Corte Censora da Justiça Comum, a E. CORREGEDORIA GERAL, possuem atributos de conteúdo normativo e geral, porquanto a tarefa de melhor orientar os serviços extra-judiciais que afetam o Judiciário, bem assim, a missão de apoiar os usuários dos serviços na conquista do mais correto atendimento, adequando e eficiente serviço, exige a edição de atos genéricos de conteúdo regulamentar ou complementar da legislação de regência.

Aliás, não sem propósito que a E. CORREGEDORIA GERAL editou as NORMAS DE SERVIÇO, e as atualiza permanentemente.

O dinâmico procedimento de ajuste das NORMAS DE SERVIÇO, destarte, se inicia a partir de casos concretos, mas comportaram acionamento através de CONSULTAS que envolva e abarquem situações com grande potencialidade de concreção. No caso, a consulta versa sobre procedimento que representa a base das operações da REQUERENTE, o que afastada a idéia de consulta meramente hipotética e abstrata.

Assim, a partir dos casos concretos ou das situações de concreção presumida, a Corregedoria Permanente fixa seu posicionamento, fincando posição geral que deve ser confirmada ou reformada pela E. Corregedoria Geral. Este deve ser o percurso administrativo necessário para conferir dinamismo e fluidez ao necessário regramento complementar ou regulamentar.

Nestes termos, afasto a argüição de carência procedimental lançada pelo Ministério Público, conhecendo o conteúdo da consulta.

Assim, quanto a questão de fundo, que envolve a complexa operação imobiliária desenhada na Lei 9.514/97, complementada pela Medida Provisória 2.223/01, em que pese a minuciosa e competente descrição de suas etapas feita na inicial, é de se destacar alguns aspectos gerais que melhor conferem embasamento para a presente decisão.

Como anotado, o início da operação envolve um INCORPORADOR, que projeta uma edificação em unidades autônomas. Obtida a aprovação junto a Prefeitura Municipal e demais órgãos envolvidos, promove o registro do empreendimento no competente Registro Imobiliário, nos termos da Lei. 4.591/64.

A incorporadora, destarte, habilita-se para iniciar a obra e erguer o edifício, lhe sendo franqueada, neste momento, a venda das FUTURAS unidades autônomas. Como regra, estas vendas são feitas para pagamento parcelado, prevendo os contratos de PROMESSA DE COMPRA E VENDA o valor de todas as parcelas, seu montante fixo, variações monetárias e incidência de juros ou multas nos casos de atraso, bem como, as parcelas amarradas a etapas da construção, entre elas a entrada e o pagamento com a entrega das chaves (conquista da posse direita).

Junto à “matrícula mãe” todas as anotações devem ser feitas pelo Registrador, tendo início com o memorial de INCORPORAÇÃO, seguindo-se o registro de cada uma das vendas das futuras unidades, bem como as anotações acerca das garantias reais que eventualmente onerem tais unidades.

A Incorporadora, promovendo a venda das futuras unidades, passa a ostentar volumoso estoque de créditos de RECEBÍVEIS, que invariavelmente envolvem difícil administração. Assim, lhe franqueia a legislação, que prevendo a alienação fiduciária nos compromissos de compra e venda, pode a Incorporadora formalizar a emissão de CÉDULAS DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO – CCI, lastreadas nos créditos decorrentes dos compromissos, para transferi-los à empresas securitizadoras.

Havendo a normal opção pela GARANTIA REAL, a INCORPORADORA somente pode emitir os títulos de crédito em havendo o REGISTRO do compromisso de venda e compra. Mesmo sendo uma obrigação que não afeta o promitente comprador, é certo que a passagem do CRÉDITO com garantia sobre o IMÓVEL, somente pode ser feita com o devido registro imobiliário do instrumento contratual.

O promitente comprador não precisa AUTORIZAR a emissão das CCIs (art. 10º - MP nº 2.223/01), pois este ato independe de sua vontade e de sua participação. No entanto, a garantia real que vincula a unidade, deve vir adequadamente instrumentalizada, e para tanto, necessário que o CONTRATO se mostre registrado ou que tenha existência erga omnes, pois tal eficácia é da essência dos direitos reais.

Portanto, a averbação da CCI depende do registro, frente a matrícula-mãe, da “promessa de compra e venda” que exprime o CRÉDITO que está sendo transferido para a empresa SECURITIZADORA.

AS CÉDULAS DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO – CCI são títulos que transferem a titularidade de “crédito contratual”, e podem alicerçar a emissão dos CERTIFICADOS DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOS – CRI, que são títulos livremente negociáveis.

Assim, também os CRIs emitidos em atenção ao TERMO autorizado pela CVM, não podem ter base em um contrato de gaveta, entabulado e mantido entre as partes subscritoras. O contrato para permitir a emissão de títulos e a livre circulação no mercado com todas as garantias ao “beneficiário”, deve ter eficácia perante terceiros, de forma que deve estar previamente REGISTRADO.

Assim, às indagações formuladas pela REQUERENTE, é de se ponderar que a “transferência dos créditos do INCORPORADOR à Companhia Securitizadora, mediante a instituição da alienação fiduciária do imóvel e o registro da Cédula de Crédito Imobiliário”, independe de expressa concordância do compromissário comprador, contudo tal previsão deverá constar do compromisso de compra e venda.

Quanto a questão das CÉDULAS DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO, é de se anotar que estas somente poderão ser emitidas com base em contrato REGISTRADO.

Por fim, no que afeta os COMPROMISSÁRIOS COMPRADORES, flagrante que as regras previstas na Lei 9.514/97, se lhes aplicam, conquanto a confiabilidade (TRUST) que a operação deve determinar aos beneficiários finais dos títulos (investidores), não poderá ser frustrada ou diminuída pela disposição do promitente comprador. Os mecanismos junto aos REGISTROS DE IMÓVEIS aplicam-se indistintamente em se tratando de promitente comprador ou compromissário comprador.

Ante o exposto, A NÍVEL NORMATIVO, fica esclarecido que as CCIs de que trata a Medida provisória 2223/01, somente podem ser emitidas validamente, lastreadas em GARANTIA REAL, se precedentemente houver o REGISTRO DAS PROMESSAS DE COMPRA E VENDA. A transferência das CCIs independe de autorização do promitente comprador. Quanto aos procedimentos previstos na Lei 9.514/97, e



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