BE1294

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Princípio de continuidade. Separação judicial. Cessão de direitos. Alienação judicial de bem. Condomínio. Partilha. Cessão de direitos.


RECURSO ESPECIAL Nº 254.875 - SP (2000/0035278-0)
RELATOR: MINISTRO JORGE SCARTEZZINI
RECORRENTE: IDALINA BELZUNCES MELO
ADVOGADO: CLITO FORNACIARI JUNIOR E OUTRO
RECORRIDO: GILMAR BRAGANÇA DE OLIVEIRA E OUTRO
ADVOGADO: AGUINALDO DONIZETI BUFFO E OUTROS

EMENTA: CIVIL - PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM ADQUIRIDO POR MEIO DE CESSÃO DE DIREITOS - ARTS. 1112 E 117, DO CPC - AUSÊNCIA DE REGISTRO DO TÍTULO  - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE NÃO CONSUMADA - IMPOSSIBILIDADE.

1 - O novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), no que tange à forma de aquisição da propriedade imóvel, manteve a sistemática adotada pelo diploma anterior, exigindo, para tanto, a transcrição do título translativo em registro público apropriado (art. 1.245). Ademais, conforme reza o art. 108, do mesmo diploma legal, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos quem visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

2 - No caso, observo que, além de não obedecer à forma prescrita em lei, a cessão de direitos em questão não foi levada a registro, deixando de produzir, portanto, o necessário efeito translativo da propriedade, fato este que permitiria a recorrente que se utilizasse do procedimento da alienação judicial, inserto na lei processual civil, com vistas à vender o imóvel em apreço. Destarte, não transmitida a propriedade, mas apenas cedidos os direitos em relação ao bem em contenda, impossível a sua alienação judicial, nos termos dos arts. 1.112, IV, e art. 1.117, II, ambos do Código de Processo Civil.

3 - Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça em, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, CÉSAR ASFOR ROCHA, FERNANDO GONÇALVES e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR.

Brasília, DF, 5 de agosto de 2004 (Data do Julgamento)

MINISTRO JORGE SCARTEZZINI , Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 254.875 - SP (2000/0035278-0)

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Infere-se dos autos que IBM formulou pedido de alienação judicial de coisa comum (terreno de 600m2), em face de GBO, de quem era separada judicialmente, alegando, em síntese, não haver mais interesse, com a dissolução da sociedade conjugal, em manter a comunhão de direitos com o requerido sobre o referido bem, adquirido por meio de contrato particular de cessão e transferência de direitos.

O D. juízo de primeiro grau julgou extinto o feito, sem julgamento de mérito, sob o fundamento de carência da ação, visto não possuir a requerente a propriedade do bem em litígio.

Inconformada, a requerente apelou, sustentando, em suma, não ser imprescindível a propriedade do bem para valer-se do procedimento de alienação judicial, porquanto suficiente a existência de um contrato particular de cessão de direitos do imóvel. De outro lado, alegou que houve exagero no arbitramento dos honorários advocatícios e requereu a sua redução.

A Colenda Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao apelo em v. acórdão assim ementado:

“Condomínio – Direitos sobre bem imóvel – Separação do casal – Partilha a razão de 50 % (cinqüenta por cento) para cada um – Compromisso de cessão de direitos – Transferência da propriedade não consumada – Imóvel, ainda registrado, em nome dos primitivos proprietários – Inexistência da qualidade de condômino – Pedido juridicamente impossível – Extinção do feito, sem apreciação do mérito, com fundamento no art. 267, VI, do Código de Processo Civil – Honorários fixados em quantia moderada e adequada – Redução não justificada – Recurso não provido.” (fl. 147)

Irresignado, interpôs a autora-apelante o presente Recurso Especial, com fundamento no art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, em que a recorrente sustenta, em síntese, ter a decisão hostilizada contrariado a regra do art. 1.112, IV, e do art. 1.117, II, do Código de Processo Civil. Argumenta, para tanto, que “os atos normativos em questão não foram interpretados de forma correta, posto que não se restringe o uso dos mesmos apenas à situação de propriedade.” (fl. 156). Por fim, registra que, conforme o sentido teleológico da norma legal, o procedimento da alienação judicial de coisa comum possibilita, tanto a extinção de condomínio, quanto o desfazimento de comunhão de direitos sobre determinado bem.

Contra-razões apresentadas às fls. 169/174.

Admitido o recurso às fls. 176/177, os autos subiram para esta Corte, vindo-me conclusos, por atribuição.

É o relatório.

VOTO  

O Exmo. Sr. Ministro JORGE SCARTEZZINI (Relator): Sr. Presidente, o recurso não merece ser conhecido.

Como relatado, a recorrente  volta-se, essencialmente, contra o entendimento esposado no v. acórdão impugnado no sentido de ser imprescindível, para a venda judicial, baseada nos artigos 1.112, IV e 1.117, II, do Código de Processo Civil, o registro da aquisição no Cartório do Registro de Imóveis.

Alega, a recorrente, em síntese, que a decisão impugnada contrariou os sobreditos comandos legais. Argumenta, para tanto, que “os atos normativos em questão não foram interpretados de forma correta, posto que não se restringe o uso dos mesmos apenas à situação de propriedade.” (fl. 156). Por fim, registra que, conforme o sentido teleológico da norma legal, o procedimento da alienação judicial de coisa comum possibilita, tanto a extinção de condomínio, quanto o desfazimento de comunhão de direitos sobre determinado bem.

Do v. acórdão extrai-se, verbis:

“A apelante e os apelados adquiriram, por contrato particular de cessão de direitos, celebrado aos 25/01/1988, os direitos hereditários, decorrentes de compromisso de compra e venda de bem imóvel. (fls. 21/26)

De acordo com a certidão, expedida pelo Primeiro Cartório de Registro de Imóveis e Anexos, da Comarca de São Bernardo do Campo, os lotes nos. 46 e 47, do loteamento da Vila Baeta Neves, encerrando área de 1.079 m2, continuam em nome de PV e CM, que os adquiriram de CCP, por escritura pública, lavrada aos 17/05/1956. E, na matrícula do imóvel, além de não constar o compromisso de cessão de direitos em tela, também, não consta a averbação do compromisso de compra e venda anterior (fls. 27/28).

Inexistindo a cadeia de transmissão do bem imóvel, impossível a sua alienação judicial, ou melhor, a alienação judicial dos direitos sobre o imóvel.

É imprescindível, para a venda judicial, baseada nos arts. 112, IV, e 1117, II, do Código de Processo Civil, o preenchimento de todos os requisitos estabelecidos no art. 686, do mesmo Código, destacando-se o registro da aquisição, no Cartório do Registro de Imóveis.

A propriedade só se adquire, para todos os efeitos, nos termos dos arts. 530, I (pela transcrição do título de transferência no registro de imóveis), e 531 (estão sujeitos à transcrição, no respectivo registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos), ambos do Código Civil, combinados com o art. 167, I, nº 9, da Lei nº 6.015/73.

Na hipótese 'sub judice', por não transmitida a propriedade, mas apenas cedidos direitos, não restou concretizada a existência do condomínio, a justificar a sua extinção, mediante alienação judicial do bem.

Condomínio ou compropriedade ou comunhão pode ser definido como o exercício, por duas ou mais pessoas, do domínio ('dominus') sobre um determinado bem, imóvel ou imóvel. O condomínio é regulado pelos arts. 623/645, do Código Civil.

Em se tratando de imóvel, o domínio (condomínio) pressupõe, como já enfatizado, o registro.

À evidência, o domínio – direito real, não se confunde com mera cessão de direitos sobre a coisa, na qual não se concretiza a transmissão da propriedade e, sim, de direitos.

A extinção do condomínio é direito de qualquer um dos condôminos, assegurado por lei, bastando para o seu exercício que o bem seja indivisível e que os proprietários comuns não cheguem a um acordo com relação à sua venda integral ou dos respectivos quinhões (art. 632, do Código Civil, art. 1.112, IV, e 1.117, II, ambos do Código de Processo Civil).

Todavia, no presente, não há condomínio eis que o contrato de cessão de direitos hereditários, no qual se funda a ação, não é meio de transmissão da propriedade, relevando notar que, no referido documento, não foram, sequer, lançadas as assinaturas de todos cedentes.

Nesse diapasão, não há amparo legal para a venda, em hasta pública, de meros direitos, até porque, em face do princípio da continuidade dos registros públicos, de rigor, a conferência, pelo próprio órgão do Estado, da titularidade do domínio.” (fls. 149/151)

Rezam os arts. 1112, IV e 1117, II, do CPC, respectivamente:

"Art. 1112. Processar-se-á na forma estabelecida neste Capítulo o pedido de:

...(omissis)

IV -  alienação, locação e administração da coisa comum;

Art. 1117. Também serão alienados em leilão, procedendo-se como nos artigos antecedentes:

...(omissis)

II - a coisa comum indivisível ou que, pela divisão, se tornar imprópria ao seu destino, verificada previamente a existência de desacordo quanto à adjudicação a um dos condôminos;"

Ora, o novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), no que tange à forma de aquisição da propriedade imóvel, manteve a sistemática adotada pelo diploma anterior, exigindo, para tanto, a transcrição do título translativo em registro público apropriado. O art. 1.245, do CC/2002, dispõe, verbis:

“Art. 1245, do CC – Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º - Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”

Ademais, conforme reza o art. 108, do mesmo diploma legal, “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos quem visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

No caso, observo que, além de não obedecer à forma prescrita em lei, a cessão de direitos em questão não foi levada a registro, deixando de produzir, portanto, o necessário efeito translativo da propriedade, fato este que permitiria a recorrente que se utilizasse do procedimento da alienação judicial, inserto na lei processual civil, com vistas à vender o imóvel em apreço.

Destarte, porque não transmitida a propriedade, mas apenas cedidos os direitos em relação ao bem em contenda, impossível a sua alienação judicial, nos termos dos arts. 1.112, IV, e art. 1.117, II, ambos do Código de Processo Civil.

A propósito, válidas as lições de ORLANDO GOMES, sobre a necessidade de transcrição do título translativo para que se opere a transmissão da propriedade, verbis:

“A importância econômica e social atribuída aos bens imóveis, por um lado, e a possibilidade de sua individualização, pelo outro, determinaram, dentre outras razões, a organização de um regime para a transferência da propriedade dos imóveis, que, tornando-a pública, proporciona maior segurança à circulação da riqueza imobiliária. O diploma privado de 2002, nos artigos 1.245 a 1.247, regula a aquisição da propriedade pelo registro do título translativo no Registro de Imóveis.

O objetivo foi alcançado com a instituição de um registro público no qual devem ser assentadas, obrigatoriamente, para que valham, todas as transmissões da propriedade dos bens imóveis, permitindo a quem quer que seja saber a quem pertencem.

Nele, faz-se o registro do título translativo da propriedade de qualquer imóvel a fim de que a transferência se opere. Não se destina exclusivamente à aquisição da propriedade, mas também dos outros direitos reais, com exceção dos penhores especiais.

Sem transcrição, não se adquire inter vivos a propriedade de bem imóvel. É seu principal modo de aquisição. Não basta o título translativo. Preciso é que seja registrado. Do contrário, não opera a transferência, a que, simplesmente, serve de causa. Assim é nos sistemas jurídicos, como o nosso, que não reconhecem força translativa aos contratos. Neles, o negócio jurídico, que tenha função econômica de transferir o domínio, produz, tão-somente, a obrigação de o transferir. Quem quer adquirir a título oneroso um bem de raiz serve-se do contrato de compra e venda, instumentado numa escritura pública, que é apenas o titulus adquirendi, da propriedade da coisa comprada. Para que a transferência se verifique, isto é, para que o comprador se torne o dono da coisa comprada, é preciso que o título de aquisição seja registrado no Ofício de Imóveis.

Assim, o negócio jurídico da venda e compra de um bem imóvel é dos que não produzem o efeito desejado com a só e simples declaração de vontade das partes, certo que ninguém compra senão para adquirir a propriedade de uma coisa. É ainda necessária a participação do Estado por intermédio do serventuário que faz o registro sem o qual o domínio não se transfere.” (c.f. in "Direitos Reais",  19ª edição, Editora Forense, páginas 164/165) - grifei

Correto, portanto, o v. aresto impugnado, ao exigir, para a venda judicial, baseada nos artigos 1.112, IV e 1.117, II, do Código de Processo Civil, o registro da aquisição, no Cartório do Registro de Imóveis.

Mais não há que se perquirir.

Por tais fundamentos, não conheço do recuso.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0035278-0            RESP 254875 / SP

Números Origem:  162596  814724

PAUTA: 05/08/2004                                 JULGADO: 05/08/2004

Relator

Exmo. Sr. Ministro  JORGE SCARTEZZINI

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES

Secretária

Bela. Claudia Austregésilo de Athayde Beck

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: IDALINA BELZUNCES MELO
ADVOGADO: CLITO FORNACIARI JUNIOR E OUTRO
RECORRIDO: GILMAR BRAGANÇA DE OLIVEIRA E OUTRO
ADVOGADO: AGUINALDO DONIZETI BUFFO E OUTROS

ASSUNTO: Civil - Direito das Coisas - Propriedade - Condomínio

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 05  de agosto  de 2004

Claudia Austregésilo de Athayde Beck

Secretária 



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